quarta-feira, 8 de setembro de 2010

"Minha pátria": Hans e Sophie Scholl, não há liberdade sem beleza


Por Angelo Bonaguro

Atravessada a ponte, Forchtenberg está todo ali, abrigado sob as ruínas do seu antigo castelo. Nesse povoado, passaram parte de sua infância Hans e Sophie Scholl, dois dos protagonistas da Rosa Branca, o grupo de estudantes que se opôs de modo não violento ao regime nazista e que foram condenados a morte em 1943. Desde 2006 é possível percorrer os lugares da sua infância graças ao “Percurso Scholl”, que, para o turista, se torna uma espécie de caça ao tesouro que se desenrola para cima e para baixo entre as  ruelas tortuosas daquela que, aqui, deve ser chamada “cidade”!
A primeira etapa é fácil de encontrar: o município onde Sophie nasceu, no dia 9 de maio de 1921. Seu pai, Robert Scholl, havia se recusado a prestar o serviço militar durante a Primeira Guerra Mundial, e em 1916 casou-se com Magdalene Müller, filha de um alfaiate de Forchtenberg, de onde Robert, em 1919, tinha sido eleito prefeito. A família cresceu rapidamente: Inge, Hans, Elisabeth e Sophie. Eram os anos duros do pós-guerra, a nascente República de Weimar era assediada pelas reparações impostas pelos vencedores e obrigada a prestar contas com uma hiperinflação que provocou desempregos e tensões, preparando o solo sobre o qual se desenvolveria o nacional-socialismo.
Do centro do município se sobe em direção à igreja evangélica do Arcanjo Miguel, onde Sophie foi batizada. Quando eram crianças, no inverno, se divertiam descendo em alta velocidade, no trenó, a colina da igreja até ao rio. A infância dos irmãos Scholl foi ligada ao ambiente paroquial também pela amizade com a família do pastor Krauss; ao lado da igreja ainda existe o jardim paroquial onde, antes, os filhos do prefeito brincavam com os filhos do pároco.
Um caminho curto sobe em direção às ruínas do castelo. Construído no século XIII, durante a Guerra dos Trinta Anos, acabou em ruínas e assim permaneceu. Nos anos 1920 as crianças iam até lá para brincar, construíam casinhas com as pedras, mas era perigoso, sendo assim o prefeito impediu o acesso.
Scholl era partidário de uma política “progressista”, mas não conseguia muito sucesso mesmo tendo conseguido construir um canal, um novo armazém para as colheitas e um ginásio. Em 1924, conseguiu até mesmo a façanha de ligar Forchtenberg à rede ferroviária, e nessa ocasião, perto do castelo, foi preparado um espetáculo teatral.
Descendo em direção ao centro vemos, de quando em quando, esplêndidas casas pitorescas, típicas da região, rodeadas de jardinzinhos repletos de plantas de todos os tipos. O velho orfanato não existe mais, mas o arbusto de rosas brancas é o sinal eloquente de que se está no caminho certo. Nos tempos de Sophie, ele hospedava umas setenta crianças: a senhorinha cuidava deles, cantando com eles e contando histórias da Bíblia. Naturalmente, brincavam: com a patinete, no tanque de areia e com a água da fonte.
Mas, a velha escola permaneceu. “A melhor não sou, as mais bonita não quero ser, mas a mais inteligente, sim”, repetia Sophie. Havia três salas, cada um das quais recebia duas classes juntas, de forma que, por um tempo, Sophie esteve na mesma sala de Elisabeth. Quando, exatamente no dia do seu aniversário, Elisabeth foi “rebaixada” dos primeiros bancos (os mais merecedores se sentavam na frente), Sophie considerou isso uma tremenda injustiça e foi protestar com o professor.
O percurso desce em direção ao Kocher, onde o pequeno dique era o lugar preferido para mergulhar: aos seis anos, Sophie aprendeu a nadar com Inge, enquanto Hans se arriscou no rio gelado.
Inge sempre se lembrou: “Como o canal não funcionava muito bem, na primavera sempre tinha alguns alagamentos. Meu pai nos comprava pernas de pau, com as quais atravessávamos as estradas alagadas, seguros como pequenos reis que estivessem saindo para conquistar novos territórios”. Ao longo do rio, no lugar da horta e do pomar dos Scholl, hoje existe a estação de ônibus. Na frente, uma escadinha convida a subir sobre os antigos muros, dos quais ainda resta uma torrezinha e um pedaço de calçada.
A vida dos irmãos Scholl não se esgotava à vida no povoado, como Sophie escreveu: “Não posso ver uma torrente límpida sem sentir vontade de colocar meus pés dentro! Tanto menos, consigo, em maio, passar por um prado sem me lançar no meio dele... Se viro, minha cabeça toca o tronco áspero de uma macieira. Como ela espalha, de forma protetora, os seus ramos sobre mim!... Aperto meu rosto contra a sua casca quente e penso: ‘minha terra, pátria’, e experimento um sentimento imenso de gratidão naquele momento”. E Inge: “Os arredores de Forchtenberg eram incrivelmente belos. Vinhedos e bosques de faias misturadas com pinheiros circundavam a cidade. Passávamos dias inteiros naqueles bosques”. Ainda hoje é assim.
Nas eleições de 1929, Robert Scholl perdeu e a família se transferiu. Hans e Sophie prosseguiram os estudos em Mônaco, onde se ampliou a rede de amigos decisiva para a vida dos dois. Houve espaço também para uma paixão inicial pelos ideias do nacional-socialismo, seguida pela repentina desilusão e repulsa, até ao ponto de pagar com a vida a dissidência.
Romano Guardini se exprimiu assim, por ocasião de sua comemoração em novembro de 1945: “Eram pessoas normais, que viviam suas vida intensamente; alegravam-se com as coisas belas que a vida lhes dava, e suportavam as dificuldades impostas. Olhavam direto para o futuro, prontos para a boa obra e confiantes nas promessas que a juventude traz consigo. Mas eram cristãos por convicção... Lutaram pela liberdade do espírito e pela honra do homem, e o seu nome permanecerá ligado a esta luta. Porém, no mais profundo, viveram na irradiação do sacrifício de Cristo, que não tem necessidade de nenhum fundamento na existência imediata, mas brota livremente da fonte criativa do eterno amor”.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 8 de setembro de 2010. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

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