sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Há um iluminismo “politicamente incorreto” que faz bem à democracia


Por Sergio Belardinelli

Duas são as questões em torno das quais gira, fundamentalmente, L’altro Illuminismo. Política, religione e funzione pubblica della verità [O outro Iluminismo. Política, religião e função pública da verdade, ainda não traduzido para o português, cujo autor é Sergio Belardinelli; ndt]: a relativa à verdade no debate público e a relativa à identidade do Ocidente. É notável que na cultura hodierna, sobretudo naquela mais inclinada a se apresentar como “iluminista” e “iluminada”, poucos conceitos são tão desacreditados como o conceito de verdade, considerado superado, perigoso para o pluralismo, para a liberdade e para as instituições liberal-democráticas. No livro, tenta-se recordar, pelo contrário, como Iluminismo e cultura política moderna são filhos principalmente de uma razão apaixonada pela verdade.
Pelo fato de viver em um contexto sociocultural marcado pela presença de diversas opiniões acerca daquilo que é verdadeiro e justo, e de tomarmos nossas decisões políticas sempre a partir da maioria, ficamos erroneamente convencidos de que a uma opinião é tão boa como outra; tornamo-nos relativistas, com a convicção de que isso é o melhor modo para sermos tolerantes. Aos crentes se pede, não por acaso, que vivam “como se Deus não existisse”.
Mas, isto significa apenas colocar uma má filosofia na base de uma prática excelente como é a prática democrática que, a longo prazo, poderia ser esvaziada. As nossas decisões políticas são tomadas pela maioria, não porque a verdade não exista, mas simplesmente porque, graças a uma certa ideia que temos do homem e da sua incomensurável dignidade, é muito melhor uma decisão errada tomada com o consenso da maioria do que uma decisão justa imposta com a força.
Isto, pelo menos, deveria estar bem claro para todos aqueles que aprenderam a colocar a liberdade e a dignidade dos homens em primeiro lugar. De resto, uma verdade que seja incapaz de suportar não ser reconhecida, ser ofendida, digamos mesmo crucificada, não seria de um tipo suficientemente robusto. Muito diferente de relativismo ou “viver como se Deus não existisse”.
A recuperação do pathos iluminista (e religioso) pela verdade, uma verdade que, em última instância, nos é revelada, da qual não somos senhores, que podemos aceitar ou não aceitar, mas que permanece, de qualquer maneira, indisponível, constitui, segundo penso, a melhor estratégia para subtrair o debate público entre crentes e não crentes da sua derivação em incomunicabilidade, e para restaurar o justo vigor do pluralismo, da liberdade, da tolerância e da laicidade mesma.
Tanto mais as questões são espinhosas e tanto mais se faz necessário raciocinar acerca delas com o respeito de todos, sem preconceitos, mas também com a confiança de que os bons argumentos prevalecerão sobre os menos bons. Esta deveria ser a consciência de um Iluminismo que consiga construir sobre a secularização, colocando-se fora daquele que pode ser seu resultado mais extremo: o niilismo. 
Outro tema relevante do livro é o da identidade. Um lugar comum bastante difundido quer que o nosso mundo ocidental coloque-se, a partir de agora, no caminho do relativismo multiculturalista, convencido de que este seja o único modo para enfrentar os desafios da globalização e o confronto com culturas diferentes da nossa, sem ceder ao fanatismo e à violência.
No livro, procura-se mostrar que se trata de um erro gravíssimo, que, além de danificar os ocidentais, danificará também os “outros”, alimentando exatamente aquele fanatismo que queremos evitar. Não é passando-se de “ninguém” que estaremos favorecendo o encontro e o diálogo entre culturas diferentes e frequentemente hostis. Mas, o erro, pelo menos segundo penso, se explica com a remoção da dimensão universalista que está por trás das grandes bandeiras da identidade ocidental: razão, verdade, liberdade, justiça, dignidade do homem. retirada esta dimensão universalista, o confronto racional e intercultural se reduz a mero “jogo linguístico”, um artifício verbal para dizer simplesmente que não sabemos mais o que devemos carregar, cada vez mais pendurados à beira da ideologia.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 31 de agosto de 2010. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

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