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segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

É na família que a pessoa se abre ao mundo e à vida


Discurso do Papa Bento XVI
ao Corpo Diplomático 
acreditado junto da Santa Sé 
para a troca de bons votos de início de ano

Sala Régia
Segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Senhoras e Senhores Embaixadores,
É, para mim, sempre um grande prazer poder receber-vos, ilustres Membros do Corpo Diplomático acreditados junto da Santa Sé, neste esplêndido cenário da Sala Régia, a fim de vos formular os meus ardentes votos para o ano que inicia. Desejo, em primeiro lugar, agradecer ao vosso Decano, o Embaixador Alejandro Valladares Lanza, bem como ao Vice-Decano, o Embaixador Jean-Claude Michel, pelas palavras deferentes com que se fizeram intérpretes dos vossos sentimentos e dirijo uma saudação especial a todos os que participam pela primeira vez no nosso encontro. E os meus votos estendem-se, por vosso intermédio, a todas as nações de que sois representantes e com as quais a Santa Sé mantém relações diplomáticas. Motivo de alegria para nós é o fato de a Malásia ter se juntado a esta comunidade no decurso do último ano. O diálogo que mantendes com a Santa Sé favorece a partilha de impressões e informações, bem como a colaboração em âmbitos de caráter bilateral ou multilateral de particular interesse. A vossa presença aqui hoje recorda a importante contribuição dada pela Igreja às vossas sociedades em setores como a educação, a saúde e a assistência. Sinais da cooperação entre a Igreja Católica e os Estados são os Acordos que foram assinados, em 2011, com o Azerbaijão, Montenegro e Moçambique. O primeiro já foi ratificado; espero que em breve ocorra o mesmo com os outros dois, e cheguem a bom termo aqueles que estão em fase de negociação. De igual modo, a Santa Sé deseja estabelecer um diálogo profícuo com as Organizações internacionais e regionais; e, nesta linha, apraz-me sublinhar o fato de os países membros da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) terem acolhido a nomeação de um Núncio Apostólico acreditado junto da organização. Não posso deixar de mencionar que a Santa Sé reforçou a sua longa colaboração com a Organização Internacional para as Migrações ao tornar-se membro pleno da mesma, no passado mês de dezembro. Isto dá testemunho do empenho da Santa Sé e da Igreja Católica ao lado da comunidade internacional na busca de soluções adequadas para este fenômeno que se reveste de muitos aspectos, desde a proteção da dignidade das pessoas até à solicitude pelo bem comum das comunidades que os recebem e daquelas de onde provêm.
Durante o ano que terminou, encontrei-me pessoalmente com numerosos Chefes de Estado e de Governo e também com destacados representantes das vossas nações que participaram na cerimônia da Beatificação do meu bem-amado Predecessor, o Papa João Paulo II. Também por ocasião do sexagésimo aniversário da minha Ordenação Sacerdotal houve diversos representantes dos vossos países que tiveram a amabilidade de estar presentes. A todos eles e a quantos encontrei nas minhas viagens apostólicas à Croácia, San Marino, Espanha, Alemanha e Benim, renovo a minha gratidão pela delicadeza manifestada. Além disso, dirijo uma saudação especial aos países da América Latina e das Caraíbas que festejaram, em 2011, o bicentenário da sua independência. No passado dia 12 de dezembro, quiseram sublinhar a sua ligação à Igreja Católica e ao Sucessor do Príncipe dos Apóstolos com a participação de eminentes representantes da comunidade eclesial e de autoridades institucionais na solene celebração que teve lugar na Basílica de São Pedro, durante a qual dei a conhecer a minha intenção de visitar em breve o México e Cuba. Desejo, por fim, saudar o Sudão do Sul que, no passado mês de julho, se constituiu como um Estado soberano. Lamentando as tensões e confrontos que se foram sucedendo nestes últimos meses, espero que todos unam os seus esforços para que se abra finalmente um período de paz, liberdade e progresso para as populações do Sudão e do Sudão do Sul.
Senhoras e Senhores Embaixadores,
O encontro de hoje desenrola-se tradicionalmente no termo das festas do Natal, quando a Igreja celebra a vinda do Salvador. Ele vem na obscuridade da noite, e no entanto a Sua presença torna-se imediatamente fonte de luz e alegria (cf. Lc 2, 9-10). Verdadeiramente torna-se sombrio o mundo, quando não é iluminado pela luz divina! Verdadeiramente fica na escuridão o mundo, quando o homem deixa de reconhecer a sua ligação com o Criador, pondo assim em perigo também as suas relações com as outras criaturas e com a própria criação. Infelizmente, o momento atual está marcado por um profundo mal-estar, sendo uma expressão dramática disto mesmo as diversas crises econômicas, políticas e sociais.
A este respeito, não posso deixar de mencionar, antes de tudo, as graves e preocupantes consequências da crise econômica e financeira mundial. Esta não atinge só as famílias e as empresas dos países economicamente mais avançados, onde a mesma teve origem, criando uma situação na qual muitos, sobretudo entre os jovens, se sentiram desorientados e frustrados nas suas aspirações por um futuro sereno, mas tal crise marcou profundamente também a vida dos países em vias de desenvolvimento. Não devemos desanimar, mas redesenhar decididamente o nosso caminho com novas formas de compromisso. A crise pode e deve ser um incentivo para meditar sobre a existência humana e a importância da sua dimensão ética, antes mesmo de refletir sobre os mecanismos que governam a vida econômica: não só para procurar conter as perdas individuais ou das economias nacionais, mas para nos impormos novas regras que assegurem a todos a possibilidade de viver dignamente e desenvolver as suas capacidades em benefício da comunidade inteira.
Desejo ainda lembrar que os efeitos do atual momento de incerteza afetam particularmente os jovens. Do seu mal-estar nasceram os fermentos que nos últimos meses investiram, por vezes duramente, várias regiões. Refiro-me antes de mais ao Norte da África e ao Oriente Médio, onde os jovens – que, para além do mais, sofrem pobreza e desemprego e temem pela ausência de perspectivas seguras – lançaram aquilo que veio a se tornar um amplo movimento de reivindicação de reformas e de participação mais ativa na vida política e social. É difícil atualmente traçar um balanço definitivo dos recentes acontecimentos e compreender plenamente as suas consequências para os equilíbrios da região. O otimismo inicial cedeu, entretanto, o passo ao reconhecimento das dificuldades deste momento de transição e mudança, e parece-me evidente que a senda adequada para prosseguir no caminho empreendido passe pelo reconhecimento da dignidade inalienável de toda a pessoa humana e dos seus direitos fundamentais. O respeito da pessoa deve estar no centro das instituições e das leis, deve conduzir ao fim de toda e qualquer violência e prevenir contra o risco de que a atenção devida às solicitações dos cidadãos e a necessária solidariedade social se transformem em meros instrumentos para manter ou conquistar o poder. Convido a comunidade internacional a dialogar com os atores dos processos em curso, no respeito dos povos e com a consciência de que a construção de sociedades estáveis e reconciliadas, contrapostas a toda a discriminação injusta, particularmente de ordem religiosa, constitui um horizonte mais amplo e transcendente que o dos prazos eleitorais. Sinto uma grande preocupação pelas populações dos países nos quais continuam tensões e violências, particularmente na Síria, onde espero que se ponha rapidamente termo ao derramamento de sangue e comece um diálogo frutuoso entre os atores políticos, favorecido pela presença de observadores independentes. Na Terra Santa, onde as tensões entre palestinos e israelitas têm repercussões sobre os equilíbrios de todo o Oriente Médio, é preciso que os responsáveis destes dois povos adotem decisões corajosas e inteligentes a favor da paz. Soube com satisfação que, na sequência de uma iniciativa do Reino da Jordânia, foi retomado o diálogo; espero que o mesmo continue a fim de se chegar a uma paz duradoura, que garanta o direito de ambos os povos a viver em segurança em Estados soberanos e dentro de fronteiras seguras e, internacionalmente, reconhecidas. Por sua vez, a comunidade internacional deve estimular a sua criatividade e as iniciativas de promoção deste processo de paz, no respeito dos direitos de cada parte. Sigo também com grande atenção o desenrolar dos fatos no Iraque, deplorando os atentados que ainda recentemente causaram a perda de numerosas vidas humanas, e encorajo as suas autoridades a continuarem, firmes, pelo caminho de uma plena reconciliação nacional.
O Beato João Paulo II lembrava que “o caminho da paz é também o caminho dos jovens”[1], constituindo eles “a juventude das nações e das sociedades, a juventude de todas as famílias e da humanidade inteira”[2]. Por isso, os jovens nos pressionam para que sejam consideradas seriamente as suas exigências de verdade, justiça e paz. Nesta linha, foi a eles que dediquei a Mensagem anual para a celebração do Jornada Mundial da Paz, intitulada Educar os jovens para a justiça e a paz. A educação é um tema crucial para todas as gerações, pois depende dela tanto o desenvolvimento saudável de cada pessoa como o futuro da sociedade inteira. Por isso mesmo, aquela constitui uma tarefa de primária grandeza num tempo difícil e delicado. Para além de um objetivo claro, como é o de levar os jovens a um pleno conhecimento da realidade e, consequentemente, da verdade, a educação tem necessidade de lugares. Dentre estes, conta-se em primeiro lugar a família, fundada sobre o matrimônio entre um homem e uma mulher; não se trata de uma simples convenção social, mas antes da célula fundamental de toda a sociedade. Por conseguinte, as políticas que atentam contra a família ameaçam a dignidade humana e o próprio futuro da humanidade. O quadro familiar é fundamental no percurso educativo e para o próprio desenvolvimento dos indivíduos e dos Estados; consequentemente, são necessárias políticas que a valorizem e colaborem para a sua coesão social e diálogo. É na família que a pessoa se abre ao mundo e à vida e, como tive ocasião de lembrar durante a minha viagem à Croácia, “a abertura à vida é um sinal da abertura ao futuro”[3]. Neste contexto de abertura à vida, recebi com satisfação a recente sentença do Tribunal de Justiça da União Europeia, que proíbe atribuir alvarás em processos relativos às células estaminais embrionárias humanas, e também a Resolução da Assembleia parlamentar do Conselho da Europa que condena a seleção pré-natal em função do sexo.
Mais em geral, visando sobretudo o mundo ocidental, estou convencido de que se opõem à educação dos jovens e, consequentemente, ao futuro da humanidade as medidas legislativas que permitem, quando não incentivam, o aborto por motivos de conveniência ou por razões médicas discutíveis.
Continuando a nossa reflexão, um papel também essencial no desenvolvimento da pessoa é desempenhado pelas instituições educativas: estas são as primeiras instâncias que colaboram com a família e estão a cumprir mal a sua função precisamente quando falta uma harmonia de objetivos com a realidade familiar. É preciso programar políticas de formação para que a educação escolar seja acessível a todos e que a mesma, mais do que promover o desenvolvimento cognoscitivo da pessoa, cuide do crescimento harmonioso da personalidade, incluindo nisso a sua abertura ao Transcendente. A Igreja Católica sempre esteve particularmente ativa no campo das instituições escolares e acadêmicas, cumprindo uma obra apreciável ao lado das instituições estatais. Por isso espero que esta contribuição seja reconhecida e valorizada também pelas legislações nacionais.
Nesta perspectiva, é bem compreensível que uma obra educativa eficaz exija igualmente o respeito da liberdade religiosa. Esta se caracteriza por uma dimensão individual, bem como por uma dimensão coletiva e uma dimensão institucional. Trata-se do primeiro dos direitos do homem, porque expressa a realidade mais fundamental da pessoa. Muitas vezes, por variados motivos, este direito é ainda limitado ou espezinhado. Não posso evocar este tema sem começar por saudar a memória do ministro paquistanês Shahbaz Bhatti, cuja luta incansável pelos direitos das minorias terminou com uma morte trágica. E não se trata, infelizmente, de um caso único. Em numerosos países, os cristãos são privados dos direitos fundamentais e postos à margem da vida pública; noutros, sofrem ataques violentos contra as suas igrejas e as suas casas. Às vezes, vêem-se constrangidos a abandonar países que eles mesmos ajudaram a edificar, por causa de tensões contínuas e por políticas que frequentemente os relegam para a condição de espectadores secundários da vida nacional. Em outras partes do mundo, encontram-se políticas tendentes a marginalizar o papel da religião na vida social, como se ela fosse causa de intolerância em vez de uma apreciável contribuição na educação para o respeito da dignidade humana, para a justiça e a paz. O terrorismo religiosamente motivado ceifou, no ano passado, também numerosas vítimas, sobretudo na Ásia e na África. Por esta razão, como lembrei em Assis, os responsáveis religiosos devem repetir, com vigor e firmeza, que “esta não é a verdadeira natureza da religião. Ao contrário, é a sua deturpação e contribui para a sua destruição”[4]. A religião não pode ser usada como pretexto para pôr de lado as regras da justiça e do direito em favor do “bem” que ela persegue. Nesta perspectiva, tenho o gosto de recordar, como fiz no meu país natal, que a visão cristã do homem constituiu a verdadeira força inspiradora para os Pais constituintes da Alemanha, como aliás o foi para os Pais fundadores da Europa unida. Queria mencionar também alguns sinais encorajadores no campo da liberdade religiosa. Refiro-me à alteração legislativa, pela qual a personalidade jurídica pública das minorias religiosas foi reconhecida na Geórgia; penso também na sentença do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos favorável à presença do Crucifixo nas salas de aulas italianas. E, precisamente falando da Itália, desejo dirigir-lhe uma saudação particular na conclusão dos 150 anos da sua unificação política. As relações entre a Santa Sé e o Estado italiano atravessaram momentos difíceis depois da unificação. Mas, com o passar do tempo, prevaleceram a concórdia e a vontade mútua de cooperar, cada qual no seu próprio campo, para favorecer o bem comum. Espero que a Itália continue a promover uma relação equilibrada entre a Igreja e o Estado, constituindo deste modo um exemplo para o qual as outras nações possam olhar com respeito e interesse.
Quanto ao continente africano, que visitei de novo indo recentemente ao Benim, é essencial que a cooperação entre as comunidades cristãs e os Governos ajude a percorrer um caminho de justiça, paz e reconciliação, onde os membros de todas as etnias e religiões sejam respeitados. É triste constatar como está ainda distante, em vários países deste continente, tal objetivo. Penso, em particular, na recrudescência das violências que afetam a Nigéria – como o indicam os atentados perpetrados contra várias igrejas durante o período natalício –, nas sequelas da guerra civil na Costa do Marfim, na instabilidade que persiste na Região dos Grandes Lagos e na urgência humanitária nos países do Corno da África. Peço uma vez mais à comunidade internacional que ajude, com solicitude, a encontrar uma solução para a crise que há anos perdura na Somália.
Finalmente, sinto o dever de sublinhar que uma educação corretamente entendida não pode deixar de favorecer o respeito pela criação. Não podemos esquecer as graves calamidades naturais que, ao longo de 2011, afetaram várias regiões do Sudeste asiático e os desastres ecológicos como o da central nuclear de Fukushima no Japão. A salvaguarda do ambiente, a sinergia entre a luta contra a pobreza e a luta contra as alterações climáticas constituem áreas importantes para a promoção do desenvolvimento humano integral. Por isso espero que, depois da XVII sessão da Conferência dos Estados Membros da Convenção da ONU sobre as Alterações Climáticas, que recentemente terminou em Durban, a comunidade internacional se prepare para a Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável (“Rio+20”) como uma autêntica “família das nações”, ou seja, com grande sentido de solidariedade e responsabilidade para com as gerações presentes e as do futuro.
Senhoras e Senhores Embaixadores,
O nascimento do Príncipe da Paz ensina-nos que a vida não acaba no nada, que o seu destino não é a corrupção mas a imortalidade. Cristo veio para que os homens tenham a vida e a tenham em abundância (cf. Jo 10, 10). “Somente quando o futuro é certo como realidade positiva, é que se torna vivível também o presente”[5]. Animada pela certeza da fé, a Santa Sé continua a dar à Comunidade internacional o seu contributo próprio, guiada por um duplo intento que o Concílio Vaticano II – cujo cinquentenário se celebra este ano – definiu claramente: proclamar a sublime vocação do homem e a presença nele de um germe divino, e oferecer à humanidade uma cooperação sincera a fim de instaurar a fraternidade universal que a esta vocação corresponde[6]. Neste espírito, renovo a todos vós, extensivos aos membros das vossas famílias e aos vossos colaboradores, os meus votos mais cordiais para este novo ano.
Agradeço pela vossa atenção.

Notas
[1] Carta apostólica por ocasião do Ano Internacional da Juventude Dilecti amici (31 de março de 1985), 15.
[2] Ibidem, 1.
[5] Carta encíclica Spe salvi (30 de novembro de 2007), 2.
[6] Cf. Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 3.

* Extraído do site do Vaticano, do dia 9 de janeiro de 2012. Revisado e adaptado por Paulo R. A. Pacheco.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Não basta uma proclamação abstrata da liberdade religiosa...

Discurso do Papa Bento XVI
ao Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé
para a troca de bons votos de início de ano

Sala Régia
Segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Excelências,
Senhoras e Senhores,
Com alegria, dou-vos as boas vindas a este encontro que, cada ano, vos reúne ao redor do Sucessor de Pedro a vós, ilustres Representantes de tão grande número de países. Este encontro reveste-se de alto significado, porque oferece uma imagem e, simultaneamente, um exemplo do papel da Igreja e da Santa Sé na comunidade internacional. A cada um de vós dirijo as minhas saudações e votos cordiais, em particular a quantos estão aqui pela primeira vez. Agradeço-vos pelo empenho e atenção com que, no exercício das vossas delicadas funções, seguis as minhas atividades, as da Cúria Romana e, assim de certa maneira, a vida da Igreja Católica em todo o mundo. O vosso Decano, Embaixador Alejandro Valladares Lanza, fez-se intérprete dos vossos sentimentos, e agradeço-lhe os votos que me exprimiu em nome de todos. Sabendo como é unida a vossa comunidade, tenho a certeza que hoje, no vosso pensamento, tendes presente a Embaixadora do Reino da Holanda, Baronesa van Lynden-Leijten, que regressou à casa do Pai há algumas semanas. Na oração, associo-me aos vossos sentimentos.
Quando começa um novo ano, ainda ressoa nos nossos corações e no mundo inteiro o eco daquele anúncio jubiloso que se manifestou, há vinte séculos, na noite de Belém, noite que simboliza a condição da humanidade em sua carência de luz, de amor e de paz. Aos homens de então como aos de hoje, os mensageiros celestes trouxeram a boa nova da chegada do Salvador: "O povo que andava nas trevas viu uma grande luz; para os que habitavam na terra da escuridão, uma luz começou a brilhar" (Is 9, 1). O mistério do Filho de Deus que Se torna Filho do homem supera seguramente toda a expectativa humana. Na sua gratuidade absoluta, este acontecimento de salvação é a resposta autêntica e completa ao desejo profundo do coração. A verdade, o bem, a felicidade, a vida em plenitude que cada homem busca, consciente ou inconscientemente, são-lhe concedidos por Deus. Cada pessoa, ao anelar por estes benefícios, está à procura do seu Criador, porque "só Deus responde à sede que está no coração de cada homem" (Exort. ap. pós-sinodal Verbum Domini, 23). A humanidade, em toda a sua história, através das suas crenças e dos seus ritos, manifesta uma busca incessante de Deus e "estas formas de expressão são tão universais que bem podemos chamar ao homem um ser religioso" (Catecismo da Igreja Católica, 28). A dimensão religiosa é uma característica inegável e irrefreável do ser e do agir do homem, a medida da realização do seu destino e da construção da comunidade a que pertence. Por isso, quando o próprio indivíduo ou aqueles que o rodeiam negligenciam ou negam este aspecto fundamental, geram-se desequilíbrios e conflitos em todos os níveis, tanto no plano pessoal como no interpessoal.
Nesta verdade primária e basilar, encontra-se a razão por que indiquei a liberdade religiosa como o caminho fundamental para a construção da paz, na Mensagem para a Celebração da Jornada Mundial da Paz deste ano. De fato, a paz constrói-se e conserva-se apenas na medida em que o homem possa livremente procurar e servir a Deus no seu coração, na sua vida e nas suas relações com os outros.  
Senhoras e Senhores Embaixadores, a vossa presença nesta circunstância solene é um convite a fazer uma viagem panorâmica sobre todos os países que representais e sobre o mundo inteiro. Não há porventura, neste panorama, numerosas situações onde, infelizmente, o direito à liberdade religiosa é lesado ou negado? Este direito do homem – que, na realidade, é o primeiro dos direitos, porque historicamente se afirmou em primeiro lugar e ainda porque tem como objeto a dimensão constitutiva do homem, isto é, a sua relação com o Criador – não é demasiadas vezes posto em discussão ou violado? Parece-me que a sociedade, os seus responsáveis e a opinião pública hoje se dão conta em medida maior, embora nem sempre de maneira exata, desta grave ferida infligida à dignidade e à liberdade do homo religiosus, para a qual já várias vezes senti necessidade de chamar a atenção de todos.
Fi-lo durante as minhas viagens apostólicas do ano passado a Malta e a Portugal, a Chipre, à Grã-Bretanha e à Espanha. Independentemente das características destes países, de todos conservo uma recordação cheia de gratidão pelo acolhimento que me reservaram. A Assembleia Especial para o Oriente Médio do Sínodo dos Bispos, que decorreu no Vaticano durante o mês de Outubro, foi um período de oração e de reflexão, durante o qual o pensamento se dirigiu, insistentemente, para as comunidades cristãs daquela região do mundo, tão provadas por causa da sua adesão a Cristo e à Igreja.
Sim, olhando para o Oriente, os atentados que semearam morte, sofrimento e desconcerto entre os cristãos do Iraque, a ponto de os impelir a deixar a terra onde seus pais viveram ao longo dos séculos, contristaram-nos profundamente. Renovo às autoridades deste país e aos chefes religiosos muçulmanos o meu ansioso apelo a trabalharem para que os seus concidadãos cristãos possam viver em segurança e continuar a prestar a sua contribuição à sociedade de que são membros com pleno título. Também no Egito, em Alexandria, o terrorismo feriu brutalmente fiéis em oração numa igreja. Esta sucessão de ataques é mais um sinal da urgente necessidade que há de os governos da região adotarem, não obstante as dificuldades e as ameaças, medidas eficazes para a proteção das minorias religiosas. Será preciso dizê-lo uma vez mais? No Oriente Médio, "os cristãos são cidadãos originários e autênticos, leais à sua pátria e fiéis a todos os seus deveres nacionais. É natural que possam gozar de todos os direitos de cidadania, de liberdade de consciência e de culto, de liberdade no campo do ensino e da educação e no uso dos meios de comunicação" (Mensagem ao Povo de Deus da Assembleia Especial para o Oriente Médio do Sínodo dos Bispos, 10). A este respeito, aprecio a atenção pelos direitos dos mais débeis e a clarividência política de que deram prova alguns países da Europa nos últimos dias, pedindo uma resposta concertada da União Europeia a fim de que os cristãos sejam defendidos no Oriente Médio. Quero, enfim, recordar que a liberdade religiosa não é plenamente aplicada quando se garante apenas a liberdade de culto, com limitações. Além disso, encorajo a acompanhar a plena tutela da liberdade religiosa e dos outros direitos humanos com programas que, desde a escola primária e no quadro do ensino religioso, eduquem para o respeito de todos os irmãos em humanidade. Além disso, pelo que diz respeito aos Estados da Península Arábica, onde vivem numerosos trabalhadores emigrantes cristãos, espero que a Igreja Católica possa dispor de adequadas estruturas pastorais.
Entre as normas que lesam o direito das pessoas à liberdade religiosa, uma menção particular deve ser feita da lei contra a blasfêmia no Paquistão: de novo encorajo as autoridades deste país a realizarem os esforços necessários para a ab-rogar, tanto mais que é evidente que a mesma serve de pretexto para provocar injustiças e violências contra as minorias religiosas. O trágico assassinato do Governador do Punjab mostra como é urgente caminhar neste sentido: a veneração a Deus promove a fraternidade e o amor, não o ódio nem a divisão. Outras situações preocupantes, por vezes com atos de violência, podem ser mencionadas no Sul e Sudeste do continente asiático, em países que aliás têm uma tradição de relações sociais pacíficas. O peso particular de uma determinada religião numa nação não deveria jamais implicar que os cidadãos pertencentes a outra confissão fossem discriminados na vida social ou, pior ainda, que se tolerasse a violência contra eles. A este respeito, é importante que o diálogo inter-religioso favoreça um compromisso comum por reconhecer e promover a liberdade religiosa de cada pessoa e de cada comunidade. Enfim, como já recordei, a violência contra os cristãos não poupa a África. Os ataques contra lugares de culto na Nigéria, precisamente enquanto se celebrava o Natal de Cristo, são outro triste testemunho disso mesmo.
Por outro lado, em diversos países, a Constituição reconhece uma certa liberdade religiosa, mas, de fato, a vida das comunidade religiosas torna-se difícil e por vezes até precária (cf. Conc. Vat. II, Decl. Dignitatis humanae, 15), porque o ordenamento jurídico ou social se inspira em sistemas filosóficos e políticos que postulam um estrito controle – para não dizer um monopólio – do Estado sobre a sociedade. É preciso que cessem tais ambiguidades, de maneira que os crentes não se vejam lacerados entre a fidelidade a Deus e a lealdade à sua pátria. De modo particular, peço que seja por todo o lado garantida às comunidades católicas a plena autonomia de organização e a liberdade de cumprir a sua missão, de acordo com as normas e padrões internacionais neste campo.
Neste momento, o meu pensamento volta-se de novo para a comunidade católica da China continental e os seus Pastores, que vivem um período de dificuldade e provação. Mudando de latitude, quero dirigir uma palavra de encorajamento às autoridades de Cuba – país que celebrou, em 2010, setenta e cinco anos de ininterruptas relações diplomáticas com a Santa Sé – para que o diálogo, que felizmente se instaurou com a Igreja, se reforce e amplie ainda mais.
Voltando o nosso olhar para o Ocidente, deparamos com outros tipos de ameaça contra o pleno exercício da liberdade religiosa. Penso, em primeiro lugar, em países onde se reconhece uma grande importância ao pluralismo e à tolerância, enquanto a religião sofre uma crescente marginalização. Tende-se a considerar a religião, toda a religião, como um fator sem importância, alheio à sociedade moderna ou mesmo desestabilizador e procura-se, com diversos meios, impedir toda e qualquer influência dela na vida social. Deste modo, chega-se a pretender que os cristãos ajam, no exercício da sua profissão, sem referimento às suas convicções religiosas e morais, e mesmo em contradição com elas, como, por exemplo, quando estão em vigor leis que limitam o direito à objeção de consciência dos profissionais da saúde ou de certos operadores do direito.
Neste contexto, não é possível deixar de alegrar-se com a adoção pelo Conselho da Europa, no passado mês de outubro, de uma Resolução que protege o direito do pessoal médico à objeção de consciência face a certos atos que lesam gravemente o direito à vida, como o aborto. 
Outra manifestação da marginalização da religião, e particularmente do cristianismo, consiste em banir da vida pública festas e símbolos religiosos, em nome do respeito por quantos pertencem a outras religiões ou por aqueles que não acreditam. Agindo deste modo, não apenas se limita o direito dos crentes à expressão pública da sua fé, mas cortam-se também raízes culturais que alimentam a identidade profunda e a coesão social de numerosas nações. No ano passado, alguns países europeus associaram-se ao recurso apresentado pelo governo italiano na causa, bem conhecida, da exposição do crucifixo nos lugares públicos. Desejo exprimir a minha gratidão às autoridade destas nações e a quantos se empenharam neste sentido, episcopados, organizações e associações civis ou religiosas, particularmente ao Patriarcado de Moscou e demais representantes da hierarquia ortodoxa, bem como a todas as pessoas – crentes, mas também não crentes – que sentiram necessidade de manifestar a sua adesão a este símbolo grávido de valores universais.
Reconhecer a liberdade religiosa significa, além disso, garantir que as comunidades religiosas possam agir livremente na sociedade, com iniciativas nos setores social, caritativo ou educativo. Pode-se constatar por todo o lado, no mundo, a fecundidade das obras da Igreja Católica nestes âmbitos. Causa preocupação ver este serviço que as comunidades religiosas prestam a toda a sociedade, particularmente em favor da educação das jovens gerações, comprometido ou dificultado por projetos de lei que correm o risco de criar uma espécie de monopólio estatal em matéria escolástica, como se constata, por exemplo, em certos países da América Latina. Quando vários deles celebram o segundo centenário da sua independência, ocasião propícia para se recordar a contribuição da Igreja Católica para a formação da identidade nacional, exorto todos os governos a promoverem sistemas educativos que respeitem o direito primordial das famílias de decidir sobre a educação dos filhos e que se inspirem no princípio de subsidiariedade, fundamental para organizar uma sociedade justa.
Continuando a minha reflexão, não posso passar sem referir outra ameaça à liberdade religiosa das famílias em alguns países europeus, onde é imposta a participação em cursos de educação sexual ou cívica que propagam concepções da pessoa e da vida pretensamente neutras mas que, na realidade, refletem uma antropologia contrária à fé e à reta razão.
Senhoras e Senhores Embaixadores, nesta circunstância solene, permiti-me explicitar alguns princípios que inspiram a Santa Sé, com toda a Igreja Católica, na sua atividade junto das Organizações Internacionais intergovernamentais, a fim de promover o pleno respeito da liberdade religiosa para todos. Em primeiro lugar, aparece a convicção de que não se pode criar uma espécie de escala na gravidade da intolerância com as religiões. Infelizmente, é frequente uma tal atitude, sendo precisamente os atos discriminatórios contra os cristãos aqueles que se consideram menos graves, menos dignos de atenção por parte dos governos e da opinião pública. Ao mesmo tempo, há que rejeitar também o contraste perigoso que alguns querem instaurar entre o direito à liberdade religiosa e os outros direitos do homem, esquecendo ou negando assim o papel central do respeito da liberdade religiosa na defesa e proteção da alta dignidade do homem. Menos justificáveis ainda são as tentativas de contrapor ao direito da liberdade religiosa pretensos novos direitos, promovidos ativamente por certos setores da sociedade e inseridos nas legislações nacionais ou nas diretrizes internacionais, mas que, na realidade, são apenas a expressão de desejos egoístas e não encontram o seu fundamento na natureza humana autêntica. Enfim, é preciso afirmar que não basta uma proclamação abstrata da liberdade religiosa: esta norma fundamental da vida social deve encontrar aplicação e respeito a todos os níveis e em todos os campos; caso contrário, não obstante justas afirmações de princípio, corre-se o risco de cometer profundas injustiças contra os cidadãos que desejam professar e praticar livremente a sua fé.
A promoção de uma plena liberdade religiosa das comunidades católicas é também a finalidade que visa a Santa Sé quando conclui Concordatas ou outros Acordos. Alegro-me por Estados de várias regiões do mundo e de diferentes tradições religiosas, culturais e jurídicas terem escolhido o meio das convenções internacionais para organizar as relações entre a comunidade política e a Igreja Católica, estabelecendo através do diálogo o quadro de uma colaboração no respeito das recíprocas competências. No ano passado, foi concluído e entrou em vigor um Acordo para a assistência religiosa aos fiéis católicos das Forças Armadas na Bósnia Herzegovina, e atualmente estão em curso negociações em diversos países. Delas esperamos uma saída positiva, capaz de assegurar soluções respeitosas da natureza e da liberdade da Igreja para o bem da sociedade inteira.
De igual modo está ao serviço da liberdade religiosa a atividade dos Representantes Pontifícios junto dos Estados e das Organizações Internacionais. Com satisfação desejo assinalar que as autoridades vietnamitas aceitaram que eu designe um Representante, que há de, com as suas visitas, exprimir à querida comunidade católica deste país a solicitude do Sucessor de Pedro. Queria igualmente recordar que, durante o ano passado, a rede diplomática da Santa Sé se consolidou ainda mais na África, estando doravante assegurada uma presença estável em três países onde o Núncio não é residente. Ainda neste continente, irei visitar, se Deus quiser, o Benim no próximo mês de novembro, para entregar a Exortação Apostólica que recolherá os frutos dos trabalhos da Segunda Assembleia Especial para a África do Sínodo dos Bispos.
Diante deste ilustre auditório, quero por último reafirmar vigorosamente que a religião não constitui um problema para a sociedade, não é um fator de perturbação ou de conflito. Quero repetir que a Igreja não procura privilégios, nem deseja intervir em âmbitos alheios à sua missão, mas simplesmente exercer a mesma com liberdade. Convido cada um a reconhecer a grande lição da história: "Como se pode negar a contribuição das grandes religiões do mundo para o desenvolvimento da civilização? A busca sincera de Deus levou a um respeito maior da dignidade do homem. As comunidades cristãs, com o seu patrimônio de valores e princípios, contribuíram bastante para a tomada de consciência das pessoas e dos povos a respeito da sua própria identidade e dignidade, bem como para a conquista de instituições democráticas e para a afirmação dos direitos do homem e seus correlativos deveres. Também hoje, numa sociedade cada vez mais globalizada, os cristãos são chamados – não só através de um responsável empenhamento civil, econômico e político, mas também com o testemunho da própria caridade e fé – a oferecer a sua preciosa contribuição para o árduo e exaltante compromisso em prol da justiça, do desenvolvimento humano integral e do reto ordenamento das realidades humanas" (Mensagem para a Celebração da Jornada Mundial da Paz, 1 de Janeiro de 2011, n. 7).
Emblemática a este respeito é a figura da Beata Madre Teresa de Calcutá: o centenário do seu nascimento foi celebrado tanto em Tirana, Skopje e Pristina como na Índia; foi-lhe prestada uma vibrante homenagem não só pela Igreja, mas também pelas autoridades civis, os líderes religiosos e pessoas sem conta de todas as confissões. Exemplos como o dela mostram ao mundo quão benéfico é para a sociedade inteira o compromisso que nasce da fé.
Que nenhuma sociedade humana se prive, voluntariamente, da contribuição fundamental que são as pessoas e as comunidades religiosas! Como recordava o Concílio Vaticano II, assegurando a todos plenamente a justa liberdade religiosa, a sociedade poderá "gozar dos bens da justiça e da paz que derivam da fidelidade dos homens a Deus e à sua santa vontade" (Decl. Dignitatis humanae, 6). 
Por isso, ao mesmo tempo que formulo votos de um novo ano rico de concórdia e de real progresso, exorto a todos, responsáveis políticos, líderes religiosos e pessoas de todas as categorias, a empreenderem com determinação o caminho para uma paz autêntica e duradoura, que passa pelo respeito do direito à liberdade religiosa em toda a sua extensão.
Sobre este compromisso, cuja atuação necessita do esforço da família humana inteira, invoco a Bênção de Deus Onipotente, que realizou a nossa reconciliação com Ele e entre nós por meio do seu Filho Jesus Cristo, nossa paz (cf. Ef 2, 14).
Um Ano feliz para todos!

* Extraído do site do Vaticano, do dia 10 de janeiro de 2011. Revisado por Paulo R. A. Pacheco.