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quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Manuel II Paleólogo e a cruz azul de Padre Brown



Por Miguel Delgado Galindo *

Há cinco anos atrás, no dia 12 de setembro, Bento XVI realizou a memorável lectio magistralis, “Fé, razão e universidade: recordações e reflexões” – por ocasião da sua viagem apostólica à Baviera, em 2006 – na Universidade de Regensburg, onde ele havia ensinado Teologia Dogmática e História dos Dogmas entre 1969 e 1977. Acredito que todos se lembram bem da primeira parte daquela aula, quando o Papa se referiu a um trecho de um diálogo ocorrido entre o culto imperador bizantino, Manuel II Paleólogo, e um sábio persa, que provavelmente ocorreu no ano de 1391 na atual Ancara.
Naquela conversa, o imperador – contestando o uso da violência como meio para difundir a fé – declara com firmeza ao seu interlocutor que não agir segundo a razão é contrário à natureza de Deus. Como pôde afirmar diversas vezes e de diferentes formas, com clareza explícita, ao se referir a esta citação, o Pontífice pretendia chamar a atenção para a relação essencial que existe entre fé e razão, sem que, com isso, quisesse de alguma maneira tornar suas as expressões polêmicas do Paleólogo.
Esta passagem da aula magna do Papa em Regensburg, recentemente, voltou à minha memória, quando eu estava relendo o conto do célebre escritor britânico Gilbert K. Chesterton – de quem, no último dia 14 de junho, foram recordados os setenta e cinco anos de morte – A cruz azul, publicado pela primeira vez em setembro de 1910 numa revista londrina, “The Story-Teller”, e acrescentado ao primeiro volume das novelas de Padre Brown, volume que traz como título A inocência de Padre Brown.
Este conto é o primeiro de uma longa série de policiais, conhecidos e geniais, que têm como protagonista Padre Brown, talvez o personagem mais conhecido de Chesterton. O herói é um padre católico, descrito pelo autor como um homem de baixa estatura e de modos gentis, originário de um vilarejo do Essex, que se envolvendo em várias investigações acaba por conseguir resolver os casos mais estranhos e intrincados.
Diferentemente de Sherlock Holmes – o lendário personagem criado por Arthur I. Conan Doyle, e famoso por suas agudas observações fundadas sobre deduções racionais auxiliadas pela ciência –, o método de investigação de Padre Brown está fundado essencialmente sobre um profundo conhecimento da alma humana, além de também se fundar sobre uma vasta experiência sacerdotal. É por esta razão que as histórias do padre investigador são sempre cheias de humanidade e de inteligência perspicaz.
No início do conto A cruz azul, Padre Brown desembarca no porto britânico de Harwich. Na sua bagagem o sacerdote traz consigo uma cruz de prata ricamente ornamentada com safiras, já que pretende mostrá-la aos participantes de um congresso eucarístico em Londres, para onde deverá ir.
Entre os passageiros do trem que liga Harwich à metrópole britânica, viajam junto com Padre Brown, Hercule Flambeau, o ladrão mais famoso e procurado do mundo, além de Aristide Valentin, chefe da polícia parisiense, que está procurando o primeiro desde a Bélgica, acreditando que Flambeau já tenha chegado à Inglaterra. Durante a viagem para Londres, Padre Brown diz a seus companheiros de viagem, com certa inocência, que ele deve manter certa prudência, porque uma das suas bagagens traz um objeto de grande valor. O policial, imediatamente, adverte o padre a manter muita atenção ao tal objeto e a evitar de falar a respeito dele a todos aqueles que ele encontra.
Chegando em Londres, Valentin – ainda fazendo suas investigações – começa a seguir as pistas, aparentemente contraditórias, de dois sacerdotes. Um deles, de fato, é Padre Brown; o outro é exatamente Hercule Flambeau, que, tendo tomado conhecimento da existência da valiosa cruz azul, se vestiu de padre para tentar tomar posse dela.
Alarmado, o padre verdadeiro envia a cruz azul para Westminster. Quando Valentin consegue finalmente alcançar Padre Brown e Flambeau nos prados de Hampstead, assiste, escondido entre arbustos, a um interessante diálogo entre os dois, durante o qual o ladrão diz ao padre: “Ah, sim! Estes infiéis modernos apela à razão; mas quem é que consegue olhar para aqueles milhões de mundos sem sentir em si que podem muito bem existir universos maravilhosos acima de nós, onde a razão é absolutamente irracional?”. Padre Brown replica imediatamente: “Não, a razão é sempre razoável, mesmo no último limbo, no último confim das coisas. Sei que acusam a Igreja de humilhar a razão, mas é exatamente o contrário. A Igreja é a única na terra que sustenta que a razão é realmente suprema. A Igreja é a única na terra que afirma que até Deus é obrigado pela razão”.
Logo depois, Flambeau pede abertamente ao Padre Brown que lhe entregue a cruz de safiras, mas o sacerdote se recusa. Então, o ladrão, zombando do padre, lhe revela que ele havia preparado, anteriormente, um pacote semelhante em tudo àquele do Padre Brown, e o havia trocado por aquele que continha a preciosa cruz. Mas, o sacerdote investigador responde ao ladrão que, imaginando o estratagema, havia tomado o cuidado de trocar novamente os pacotes, conseguindo manter a cruz azul a salvo. Flambeau, em suma, estava em posse de simples pedaços de ferro sem valor.
O conto se encerra quando o ladrão fantasiado pergunta a Padre Brown como ele havia feito para se dar conta de que ele não era um verdadeiro padre. O sacerdote responde, então, com sabedoria e simplicidade: “Você atacou a razão. E péssima teologia”. É preciso acrescentar que, em seguida, Flambeau abandona o caminho da deliquência, torna-se um grande amigo de Padre Brown e o acompanha, a partir de então, em algumas de suas aventuras.
Bento XVI, desde o início do seu pontificado, quis afirmar a beleza da fé e, ao mesmo tempo, a sua razoabilidade. Deus, de fato, é também razão (lògos), e consequentemente crer é razoável.
Por isto, os católicos são chamados a testemunhar e levar Cristo aos outros com convicção e alegria, exatamente como fez o Papa em Madri, por ocasião da Jornada Mundial da Juventude, e como continua fazendo, dia após dia. Como há cinco anos, em Regensburg, onde Bento XVI ofereceu-nos uma magistral aula de teologia.

* Miguel Delgado Galindo é Sub-Secretário do Pontíficio Conselho para os Leigos. Texto extraído do L'Osservatore Romano, do dia 15 de setembro de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Humm! Qualquer semelhança...

Há quase 80 anos atrás, no dia 10 de fevereiro de 1933, Joseph Goebbels, então futuro Ministro do Povo e da Propaganda do governo nazista, pronunciava o discurso abaixo (traduzido pelo Reinaldo Azevedo e que pode ser lido na íntegra aqui)... 11 dias depois, o adorável Adolf Hitler assumia como Chanceler da Alemanha...
Leiam um trecho do seu discurso... é preciso muito pouco para torná-lo um discurso que cabe muito bem na boca dos "inteliquituais" - nossos Ministros do Povo e da Propaganda (ou, para usar uma imagem bastante conhecida dos leitores de Orwell, Ministros da Verdade) - que assombram nossas universidades... Ai, ai! E a história se repete... e a impressão que tenho é que nada, ou muito pouco, se aprendeu... ou estamos de tal forma anestesiados e vacinados contra a verdade e os fatos que de nada adianta afirmá-los.

Companheiros,
Antes de o encontro começar, gostaria de chamar a atenção para alguns artigos da imprensa de Berlim que asseguram que eu não deveria merecer a atenção das rádios alemãs, uma vez que sou insignificante demais, pequeno demais e mentiroso demais para poder me dirigir ao mundo inteiro.
Nesta noite, vocês testemunharão um evento de massa como nunca aconteceu antes na história da Alemanha e, provavelmente, do mundo.(…)
Quando a imprensa judaica reclama que o movimento Nacional Socialista tem a permissão de falar em todas as rádios alemãs por causa de seu chanceler, podemos responder que só estamos fazendo o que vocês sempre fizeram no passado. Há alguns anos, não falávamos da boca pra fora quando dizíamos que vocês, judeus, são nossos professores e que só queremos ser seus alunos e aprender com vocês. Além disso, é preciso esclarecer que aquilo que esses senhores conseguiram no terreno da política de propaganda durante os últimos 14 anos foi realmente uma porcaria. Apesar de eles controlarem os meios de comunicação, tudo o que conseguiram fazer foi encobrir os escândalos parlamentares, que eram inúteis para formar uma nova base política.(…) Se hoje a imprensa judaica acredita que pode fazer ameaças veladas contra o movimento Nacional-Socialista e acredita que pode burlar nossos meios de defesa, então, não deve continuar mentindo. Um dia nossa paciência vai acabar e calaremos esses judeus insolentes, bocas mentirosas! E se outros jornais judeus acham que podem, agora, mudar para o nosso lado com as suas bandeiras, então só podemos dar uma resposta: “Por favor, não se dêem ao trabalho!”
Ademais, os nossos homens da SA e os companheiros de partido podem se acalmar: a hora do fim do terror vermelho chegará mais cedo do que pensamos. Quem pode negar que a imprensa bolchevique mente quando o [jornal] Die Rote Fahne, este exemplo da insolência judaica, se atreve a afirmar que o nosso camarada Maikowski e o policial Zauritz foram fuzilados por nossos próprios companheiros?
Esta insolência judaica tem mais passado do que terá futuro. Em pouco tempo, ensinaremos os senhores da Karl Liebnecht Haus [sede do Partido Comunista] o que é a morte, como nunca aprenderam antes. Eu só queria acertar as contas com os [nossos] inimigos na imprensa e com os partidos inimigos e dizer-lhes pessoalmente o que quero dizer em todas as rádios alemãs para milhões de pessoas.

Chesterton (2010), numa obra recentemente traduzida para o português - O homem eterno -, numa determinada altura do texto, faz uma longa sequência de argumentação acerca de uma certa tendência dos intelectuais em assumir falácias como se fossem verdades. Obviamente, que não o fazem ingenuamente... Ingênuo seria pensar que o fazem ingenuamente. Segundo ele, infelizmente há uma falácia que é muito fácil de ser assumida como verdadeira: "a falácia da suposição de que, pelo fato de uma ideia ser maior no sentido de mais ampla, ela é, por consequência, maior no sentido de mais fundamental, fixa e certa" (p. 77). Segue-se a essa afirmação um exemplo para ilustrá-la. Mas, podemos nos valer de um exemplo que nos é muito mais próximo: o lulo-petismo e toda a sua verborragia cheia de números acerca das melhorias sociais a que se chegou no país. Uma ideia, por mais ampla que seja, não é mais fundamental, fixa e certa. Converse (falo portanto daqueles com quem se pode conversar... porque há aqueles com quem é impossível um diálogo, visto que sequer levantam a cara da grama) com um petista e se entenderá o que estou dizendo: logo vem uma inundação de números para provar que, para que o miserável venha a ser pessoa, antes é necessário que tenha comida na barriga... Por mais vasta que seja a dedução a que chegam no seu "raciossímio", não passa de uma dedução... não é, portanto, uma verdade! Não é, portanto, nem fundamental, fixa nem certa, porque "embora a contradição possa lhes parecer um paradoxo, isso é exatamente o contrário da verdade. É a realidade grande que é secreta e invisível; é a realidade pequena que é evidente e enorme" (Chesterton, 2010, p. 79). Em outras palavras: enquanto se olhar para a enormidade dos números (que por verdadeiros que sejam são apenas deduções e não verdades), não se olhará para a pessoa, essa realidade "evidente e enorme", que não é aquilo que o Estado pensa dela... especialmente este Estado que se coloca acima do bem e do mal e que substitui a ontologia pelo moralismo... especialmente este Estado que, arrancando-nos o Ser e tudo que a Ele representa, arranca-nos a dignidade humana, arranca-nos a liberdade, arranca-nos o próprio ser, matando-nos aos poucos na medida em que nos imbeciliza e "mediocriza".

quinta-feira, 29 de julho de 2010

O homem eterno

De toda a extensa obra de G. K. Chesterton, O homem eterno assinala sua criação mais surpreendente. A história da humanidade recontada de forma brilhante, a partir de duas particularidades que se complementam: a criatura chamada homem e o homem chamado Cristo.
Com sua prosa peculiar e seu humor britânico certeiro, Chesterton delicia o leitor com seu raciocínio envolvente e provocativo. Sua obra aponta para os críticos da religião e, em especial, para os críticos do cristianismo. Para ele a visão míope do ateísmo aliada a uma forte dose de conceitos preestabelecidos impedem que se compreenda a fascinante ação de Deus na história.
Dividido em duas partes, O homem eterno traça um esboço da principal aventura da humanidade e a real diferença que se instaurou quando ela se tornou cristã. Mensagem envolvente que impulsionou C.S.Lewis, autor de As Crônicas de Nárnia, a abandonar o ateísmo e aventurar-se na jornada proposta por Chesterton.

Onde comprar: Editora Mundo Cristão.
Valor: R$ 24,90.
ISBN: 978-85-7325-590-4
Páginas: 320 p.
Ano: 2010.

* Texto extraído do site da Editora Mundo Cristão.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Chesterton desmente os relativistas: são os “dogmáticos” mais obtusos

Por Pigi Colognesi

Os especialistas na obra de Gilbert K. Chesterton consideram Heréticos (recentemente publicado pela Lindau) uma espécie de antecipação do livro mais célebre Ortodoxia. Trata-se de um texto de 1905 (enquanto que o ensaio mais famoso veio a público três anos depois), que pode ser lido muito com muito proveito tanto por estudiosos quanto por apaixonados pela literatura e pela cultura inglesa dos séculos XIX e XX. É composto, de fato, por um denso conjunto de retratos críticos de escritores e homens de cultura da época.
A maior parte desses, excetuando-se Kipling e Bernard Shaw, não são, hoje em dia, muito conhecidos do público italiano; e talvez nem mesmo do público inglês. No entanto, o volume de Chesterton sustenta ainda hoje um indubitável interesse pelo critério de abordagem que o criador do padre Brown utiliza – que pode, tranquilamente, ser aplicado para avaliar tanta literatura e não-ficção moderna – e pela vivacidade da escrita, rica de definições fulgurantes e de formidáveis paradoxos.
Portanto, sem nos preocuparmos muito em conhecer os detalhes do ambiente cultural mirado por Chesterton (no qual as notas, a cada capítulo, ajudam a penetrar), o livro pode ser lido com prazer e utilidade.
Falava-se, um pouco acima, do critério crítico utilizado por Chesterton. No fundo, poder-se-ia resumir no privilégio dado ao “dogma”. Com esta palavra, o autor pretende falar daquele pensamento “forte” que é o único que pode interessar ao homem que não queira perder tempo com frivolidades. Disso é que nasce a cortante crítica contra todos aqueles que idolatram a ausência de dogmas e a necessidade de superar toda posição “forte”. Não apenas: com implacável lógica, Chesterton coloca em evidência que mesmo o mais relativista dos céticos, aquele que por tomada de posição afirma não ter nenhuma convicção metafísica e, ainda por cima, zomba de todos aqueles que a têm e os acusa das piores perversidades, na realidade é ele mesmo portador de um “dogma”. Um dogma geralmente muito menos demonstrado e razoável do que aquele, por exemplo, professado pelo católico.
E por esta razão que Chesterton chama “heréticos” os autores que são bombardeados impiedosamente na sua obra: seja lá o que digam, são portadores de uma teoria “forte” bem precisa; ainda que desprezem as visões gerais e digam se ocupar apenas dos detalhes, são atacados em seu ponto de vista como o que há de pior entre os fanáticos; afirmam ceticamente e de maneira um pouco esnobe que “a vida não vale a pena ser vivida”, mas na realidade não chegam a acreditar nisso seriamente. Exatamente na medida em que os escritores analisados são portadores de um “dogma”, Chesterton os leva em consideração e os critica. Ele, de fato, define a si mesmo, desde as Observações Preliminares, como uma pessoa que pensa “que a coisa mais prática e importante de um homem seja a sua visão do mundo”. E, assim, parte para o ataque contra os “heréticos” que encontra tão abundantemente na literatura e na publicidade que lhe era contemporânea. E de modo politicamente muito incorreto define herético como “um homem cuja visão das coisas tem a ousadia de diferir da minha”.
Nesta última frase já se percebe o tom que irá ser mantido ao longo de todo o volume. Não é possível, aqui, nem mesmo elencar sumariamente os temas e as problemáticas que são tocadas. Bastam alguns exemplos para explicar o método do paradoxo com o qual Chesterton prende seus adversários. Oferecendo-nos definições que são pérolas de sabedoria e, ao mesmo tempo, de humor.
O seu primeiro alvo é o espírito negativo, aquele de quem afirma que não há nenhuma objetividade no campo moral, e no entanto se esforça por construir e propagandear uma ética própria. Mas, escreve Chesterton, “a moralidade moderna pode indicar apenas a imperfeição. Não tem nenhuma perfeição para indicar. O monge que medita sobre Cristo ou sobre Buda tem em mente uma imagem de saúde perfeita. O devoto [alvo polêmico dos moralistas modernos] consegue, apesar de tudo, concentrar os seus pensamentos em uma força e em uma felicidade colossais”. E nesse ponto dá a patada: “um jovem pode abster-se do vício pensando continuamente na doença. Ou pode abster-se dele pensando continuamente na Virgem Maria”.
Contra a superficialidade de um certo exotismo em voga naquele momento (e também agora; pensemos nas férias): “O homem em um navio de cruzeiro viu todas as raças humanas e pensa nas coisas que dividem os homens: alimentação, vestuário, decência, anéis no nariz como na África ou nas orelhas como na Europa. O homem no campo de couve não viu nada, mas pensa nas coisas que unem os homens: a fome, os filhos, a beleza das mulheres, a promessa ou a ameaça do céu”.
A propósito de Bernard Shaw: “A verdade é que é um grave erro supor que a ausência de convicções precisas torne a mente livre e ágil”. “O senhor Shaw – acrescenta – nunca viu as coisas como elas são realmente, porque em tal caso teria caído de joelhos diante delas”. De fato, “enquanto não compreendermos que as coisas poderiam não ser, não poderemos compreender que as coisas são” e, portanto, descobrir que “cada instante da vida consciente é um prodígio inimaginável”.
Sobre a humildade tão odiada pelos partidários do super-homem: “É uma virtude tão prática que os homens pensam que é um vício. A humildade é tão bem-sucedida que é confundida com o orgulho”. 
Sobre as teorias sanitaristas: “Um homem deve comer porque tem um bom apetite para satisfazer e não porque tenha um corpo para ser nutrido. Um homem deve fazer exercícios não porque é muito gordo, mas porque ama as folhas, os cavalos ou a montanha, e os ama em si e por si”.
Um comentário ácido ante litteram ao filme Sociedade dos Poetas Mortos: “a religião do carpe diem não é a religião das pessoas felizes, mas das muito infelizes. Nada antes desferiu um golpe tão fatal contra os amores genuínos e contra o riso dos homens como o carpe diem dos estetas. Para sermos realmente despreocupados temos que acreditar que exista uma certa alegria eterna na natureza das coisas”.
Poderíamos continuar longamente, mas chegamos às Observações Conclusivas sobre a importância da ortodoxia. Mesmo aqui bastam duas citações: “O cérebro humano é uma máquina para chegar a conclusões; se não consegue fazer isso se enferruja”. “O homem pode ser definido como um animal que cria dogmas. As árvores não têm dogmas. Os nabos são surpreendentemente tolerantes”. Ele, Chesterton, não era um nabo, não lhe interessava fazer-se passar como tolerante. É um artista e, como tal, “não se contenta com nada menos que o tudo”.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 14 de julho de 2010. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

domingo, 3 de janeiro de 2010

Mises e a família


O escritor, poeta e filósofo G.K. Chesterton dizia que a família era uma instituição anarquista. Com isso, ele queria dizer que não é necessário nenhum decreto do estado para que ela venha a existir. Sua existência flui naturalmente de realidades constantes na natureza do homem, sua forma sendo aperfeiçoada pelo desenvolvimento de normas sexuais e pelo avanço da civilização.
Essa observação é consistente com a brilhante discussão sobre a família feita por Ludwig von Mises em sua magistral obra Socialism, publicada em 1922. Por que Mises abordou a família e o casamento em livro de economia que refutava o socialismo? Ele entendeu - ao contrário de muitos economistas de hoje - que os oponentes da sociedade livre e voluntária têm um projeto amplo que geralmente começa com um ataque a essa instituição que é a mais crucial de qualquer sociedade.
"Propostas para transformar as relações entre os sexos há muito vêm de mãos dadas com planos para a socialização dos meios de produção", observa Mises. "O casamento deve desaparecer junto com a propriedade privada... O socialismo promete não apenas o bem-estar - riqueza para todos -, mas também a felicidade universal no amor."
Mises observou que o livro de August Bebel (alemão fundador do Partido da Social Democracia Alemã) Woman Under Socialism, um canto de glória ao amor livre publicado em 1892, foi o tratado esquerdista mais lido de sua época. Esse elo entre socialismo e promiscuidade tinha uma proposta tática. Se você não acreditasse no engodo de uma terra prometida onde a prosperidade surgiria magicamente, então você ao menos podia ter a esperança de que haveria uma libertação da maturidade e da responsabilidade sexual.
Os socialistas propunham um mundo no qual não haveria impedimentos sociais ao ilimitado prazer pessoal, com a família e a monogamia sendo os primeiros obstáculos a serem derrubados. Esse plano funcionaria? Sem chance, disse Mises: o programa socialista para o amor livre é tão impossível quanto o programa para a economia. Ambos vão contra as restrições inerentes ao mundo real.
A família, assim como a estrutura da economia de mercado, não é um produto de políticas; é um produto da associação voluntária, tornada necessária por realidades biológicas e sociais. O capitalismo reforçou o casamento e a família porque é um arranjo que depende do consentimento e do voluntarismo em todas as relações sociais.
Assim, tanto a família quanto o capitalismo compartilham as mesmas fundações institucionais e éticas. Ao tentar abolir essas fundações, os socialistas iriam substituir uma sociedade baseada nos contratos por uma baseada na violência. O resultado seria o total colapso social.
Quando os social-democratas Sidney e Beatrice Webb viajaram para a União Soviética, uma década após o lançamento do livro de Mises, eles relataram uma realidade diferente. Eles encontraram mulheres liberadas do jugo da família e do casamento, vivendo vidas felizes e realizadas. Era uma fantasia tão grande - na realidade, uma fantasia sangrenta - quanto suas alegações de que a sociedade soviética estava se tornando a mais próspera da história.
Atualmente, nenhum intelectual mentalmente são defende o total socialismo econômico; mas uma versão diluída do programa socialista para a família é a força-motriz de várias das políticas sociais mais afamadas mundo afora. Essa agenda anda de mãos dadas com a restrição da economia de mercado em outras áreas.
Não é coincidência alguma que a ascensão do amor livre tenha acompanhado a ascensão e o completo desenvolvimento do estado assistencialista. A ideia da emancipação da necessidade de trabalhar (e de poupar e de investir) e da emancipação de nossa natureza sexual tem origem em um mesmo impulso ideológico: superar as realidades estabelecidas da natureza. Como resultado, a família sofreu - exatamente como Mises previu que aconteceria.
Embora os defensores da família e os proponentes do capitalismo devessem estar unidos em um único programa político visando a esmagar o estado intervencionista, eles tipicamente não estão. Os defensores da família, mesmo os conservadores, frequentemente condenam o capitalismo financeiro como uma força alienadora, e defendem políticas irrefletidas como tarifas, monopólios sindicais e programas de renda mínima para pessoas casadas.
Ao mesmo tempo, os adeptos da livre iniciativa demonstram pouco interesse em relação às genuínas preocupações dos defensores da família. E ambos não parecem interessados nos ataques radicais à liberdade e à família que políticas governamentais como leis do trabalho infantil, escola pública, seguridade social, altos impostos e medicina socializada representam. Na visão de Mises, essa cisão é deletéria.
"Não é nenhum acidente que a proposta de se tratar homens e mulheres como sendo radicalmente iguais, de ter o estado regulando as relações sexuais, de colocar crianças em creches públicas e garantir que filhos e pais permaneçam quase que desconhecidos uns para os outros tenha se originado com Platão", que em nada se importava com a liberdade.
Também não é nenhum acidente que essas mesmas propostas hoje em dia sejam defendidas por pessoas que não têm a mínima consideração pela família e pelas leis econômicas.