Mostrando postagens com marcador matrimônio. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador matrimônio. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Testemunhai às novas gerações a beleza exigente da vida cristã


Visita Pastoral a Ancona

Encontro com as famílias e com os sacerdotes

Discurso do Santo Padre Bento XVI

Catedral de São Ciríaco, Ancona
Domingo, 11 de setembro de 2011

Caros sacerdotes e caros esposos,
A colina sobre a qual foi construída esta Catedral nos permitiu ter um belíssimo olhar sobre a cidade e sobre o mar; mas ao atravessar o majestoso portal o espírito permanece fascinado com a harmonia do estilo românico, enriquecido por um entrelaçamento de influxos bizantinos e de elementos góticos. Também diante da vossa presença – sacerdotes e esposos provenientes das diversas dioceses italianas – se percebe a beleza da harmonia e da complementaridade das vossas diferentes vocações. O mútuo conhecimento e a estima mútua, no compartilhamento da mesma fé, levam a apreciar o carisma uns dos outros e a se reconhecerem parte do único “edifício espiritual” (1Pd 2, 5) que, tendo como pedra angular o mesmo Cristo Jesus, cresce bem ordenado para ser templo santo no Senhor (cf. Ef 2, 20-21). Obrigado, portanto, por este encontro: ao caro Arcebispo, Dom Edoardo Menichelli – também pelas expressões com as quais o introduziu – e a cada um de vós.
Gostaria de me dedicar a falar brevemente sobre a necessidade de trazer de volta a Ordem e o Matrimônio para a única fonte eucarística. Ambos os estados de vida têm, de fato, no amor de Cristo, que dá a si mesmo para a salvação da humanidade, a mesma raiz; são chamados a uma missão comum: a de testemunhar e tornar presente este amor a serviço da comunidade, para a edificação do Povo de Deus (cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 1534). Esta perspectiva permite, antes de qualquer coisa, que se supere uma visão redutiva da família, que a considera como mera destinatária da ação pastoral. É verdade que, neste tempo difícil, ela precisa de particulares atenções. Não por isto, no entanto, deve ser diminuída a sua identidade ou mortificada sua responsabilidade específica. A família é riqueza para os esposos, bem insubstituível para os filhos, fundamento indispensável da sociedade, comunidade vital para o caminho da Igreja. 
Em nível eclesial, valorizar a família significa reconhecer sua relevância na ação pastoral. O ministério que nasce do Sacramento do Matrimônio é importante para a vida da Igreja: a família é lugar privilegiado de educação humana e cristã e continua sendo, por causa desta finalidade, a melhor aliada do ministério sacerdotal; ela é um dom precioso para a edificação da comunidade. A proximidade do sacerdócio à família, por sua vez, a ajuda a tomar consciência da própria realidade profunda e da própria missão, favorecendo o desenvolvimento de uma forte sensibilidade eclesial. Nenhuma vocação é uma questão privada, muito menos a vocação ao matrimônio, porque o seu horizonte é a Igreja inteira. Trata-se, portanto, de saber integrar e harmonizar, na ação pastoral, o ministério sacerdotal com “o autêntico Evangelho do matrimônio e da família” (Esort. ap. Familiaris consortio, 8) para uma comunhão efetiva e fraterna. E a Eucaristia é o centro e a fonte desta unidade que anima toda a ação da Igreja. 
Caros sacerdotes, pelo dom que recebestes na Ordenação, fostes chamados a servir como Pastores à comunidade eclesial, que é “família de famílias”, e portanto a amar cada um com coração paterno, com autêntica distância de vós mesmos, com dedicação plena, contínua e fiel: sois sinal vivo que remete a Cristo Jesus, o único Bom Pastor. Conformai-vos a Ele, ao seu estilo de vida, com aquele serviço total e exclusivo de que o celibato é expressão. Também o sacerdote tem uma dimensão esponsal; é identificar-se com o coração de Cristo Esposo, que dá a vida pela Igreja sua esposa (cf. Esort. ap. postsin. Sacramentum caritatis, 24). Cultivai uma profunda familiaridade com a Palavra de Deus, luz no vosso caminho. A celebração cotidiana e fiel da Eucaristia seja o lugar onde possais atingir a força para dar-vos a vós mesmos, cada dia, no ministério e viver constantemente na presença de Deus: é Ele a vossa morada e a vossa herança. Disto deveis ser testemunhas para a família e para cada pessoa que o Senhor coloca no vosso caminho, mesmo nas circunstâncias mais difíceis (cf. ibid., 80). Encorajai os cônjuges, compartilhai com eles as responsabilidades educativas, ajudai-os a renovar continuamente a graça do seu matrimônio. Tornai a família protagonista na ação pastoral. Sede acolhedores e misericordiosos, também com aqueles que têm mais dificuldade para cumprir os compromissos assumidos com o vínculo matrimonial e mesmo com aqueles que falharam convosco.
Caros esposos, o vosso Matrimônio se enraíza na fé segundo a qual “Deus é amor” (1Jo 4, 8) e segundo a qual seguir a Cristo significa “permanecer no amor” (cf. Jo 15, 9-10). A vossa união – como ensina São Paulo – é sinal sacramental do amor de Cristo pela Igreja (cf. Ef 5, 32), amor que culmina na Cruz e que é “significado e atuado na Eucaristia” (Esort. ap. Sacramentum caritatis, 29). O Mistério eucarístico incida sempre mais profundamente na vossa vida cotidiana: tirai inspiração e força deste Sacramento para o vosso relacionamento conjugal e para a missão educativa a que sois chamados; construí as vossas famílias na unidade, dom que vem do alto e que alimenta o vosso compromisso na Igreja e na promoção de um mundo justo e fraterno. Amai os vossos sacerdotes, exprimi o vosso apreço pelo generoso serviço que desempenham. Saibais suportar também seus limites, sem nunca renunciar a pedir que sejam entre vós ministros exemplares que vos falem de Deus e que vos conduzam a Deus. A vossa fraternidade é, para eles, uma preciosa ajuda espiritual e um sustento nas provações da vida.
Caros sacerdotes e caros esposos, saibais encontrar sempre na santa Missa a força para viver a pertença a Cristo e à sua Igreja, no perdão, no dom de si mesmos e na gratidão. O vosso agir cotidiano tenha na comunhão sacramental a sua origem e o seu centro, para que tudo seja feito para a glória de Deus. Deste modo, o sacrifício de amor de Cristo vos transformará, até ao ponto de vos tornar nEle “um só corpo e um só espírito” (cf. Ef 4, 4-6). A educação à fé das novas gerações também passa através da vossa coerência. Testemunhai a eles a beleza exigente da vida cristã, com a confiança e a paciência de quem conhece o poder da semente jogada no terreno. Como no episódio evangélico que acabamos de escutar (Mc 5, 21-24.35-43), sejais, para todos os que foram confiados à vossa responsabilidade, sinal da benevolência e da ternura de Jesus: nEle se torna visível como o Deus que ama a vida não é estranho ou distante dos acontecimentos humanos, mas é o Amigo que nunca abandona. E nos momentos em que se insinuar a tentação que faz pensar que todo compromisso educativo é vão, tirai da Eucaristia a luz para reforçar a fé, seguros de que a graça e a potência de Jesus Cristo podem alcançar o homem em todas a situações, mesmo nas mais difíceis.
Caros amigos, confio-vos todos à proteção de Maria, venerada nesta Catedral sob o título de “Rainha de todos os Santos”. A tradição liga a sua imagem ao ex voto de um marinheiro, em sinal de gratidão pela salvação do filho, que saiu ileso de uma tempestade no mar. O olhar materno da Mãe acompanhe também os vossos passos na santidade rumo a um porto de paz.
Obrigado.

* Extraído do site do Vaticano, do dia 11 de setembro de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

Fazei tudo o que ele vos disser



Encontro com os jovens casais

Discurso do Santo Padre Bento XVI

Praça do Plebiscito, Ancona
Domingo, 11 de setembro de 2011

Caros casais,
Fico feliz por concluir esta jornada intensa, ponto alto do Congresso Eucarístico Nacional, encontrando-vos, quase querendo confiar a herança deste evento de graça às vossas jovens vidas. De resto, a Eucaristia, dom de Cristo para a salvação do mundo, indica e contém o horizonte mais verdadeiro da experiência que estais vivendo: o amor de Cristo como plenitude do amor humano. Agradeço ao Arcebispo de Ancona-Osimo, Dom Edoardo Menichelli, por sua saudação cordial e profunda, e a todos vós por esta participação tão viva; obrigado também pelas perguntas que me dirigistes e que eu recebo confiando na presença em nosso meio do Senhor Jesus: Ele apenas tem palavras de vida eterna, palavras de vida para vós e para o vosso futuro!
As perguntas que fizestes, no atual contexto social, assumem um peso ainda maior. Gostaria de oferecer-vos apenas algumas orientações para uma resposta. Devido a certos aspectos, nosso tempo não é fácil, sobretudo para vós jovens. A mesa está cheia de muitas coisas deliciosas, mas, como no episódio evangélico das Bodas de Caná, parece que faltou o vinho da festa. Sobretudo a dificuldade para encontrar um trabalho estável estende um véu de incerteza sobre o futuro. Esta condição contribui para adiar a tomada de decisões definitivas, e incide de forma negativa sobre o crescimento da sociedade, que não consegue valorizar plenamente a riqueza de energias, de competências e de criatividade da vossa geração.
Falta o vinho da festa mesmo numa cultura que tende a prescindir de claros critérios morais: na desordem, cada um é impulsionado a se mover de maneira individual e autônoma, frequentemente apenas no perímetro do presente. A fragmentação do tecido comunitário se reflete num relativismo que ataca os valores essenciais; a consonância de sensações, de estados de ânimo e de emoções parece mais importante do que o compartilhamento de um projeto de vida. Mesmo as escolhas de fundo se tornam frágeis, expostas a uma perene revogação, que frequentemente é entendida como expressão de liberdade, enquanto que, na verdade,assinala justamente a carência de liberdade. Pertence a uma cultura privada do vinho da festa também a aparente exaltação do corpo, que, na realidade, banaliza a sexualidade e tende a fazer com que ela seja vivida fora de um contexto de comunhão de vida e de amor.
Caros jovens, não tenhais medo de enfrentar estes desafios! Nunca percais a esperança. Tende coragem, mesmo nas dificuldades, permanecendo firmes na fé. Estai certos de que, em toda circunstância, sois amados e guardados pelo amor de Deus, que é a nossa força. Deus é bom. Por isto é importante que o encontro com Deus, sobretudo na oração pessoal e comunitária, seja constante, fiel, exatamente como é o caminho do vosso amor: amar a Deus e sentir que Ele me ama. Nada nos pode separar do amor de Deus! Estai certos, pois, de que também a Igreja está próxima de vós, vos sustenta, não cessa de olhar para vós com grande confiança. Ela sabe que tendes sede de valores, os verdadeiros, sobre os quais valha a pena construir a vossa casa! O valor da fé, da pessoa, da família, das relações humanas, da justiça. Não vos desencorajeis diante das carências que parecem apagar a alegria do banquete da vida. Nas Bodas de Caná, quando o vinho faltou, Maria convidou os servos a se dirigirem a Jesus e lhes deu uma indicação precisa: “Fazei tudo o que ele vos disser” (Jo 2, 5). Guardai como um tesouro estas palavras, as últimas de Maria relatadas pelos Evangelhos, quase como um testamento espiritual, e sempre tereis a alegria da festa: Jesus é o vinho da festa!
Como noivos, vós estais vivendo um tempo único, que abre para a maravilha do encontro e ajuda a descobrir a beleza de existir e de ser preciosos para alguém, de poder dizer reciprocamente: tu és importante para mim. Vivei com intensidade, de modo progressivo e com verdade este caminho. Não renunciai à tarefa de perseguir um ideal alto de amor, reflexo e testemunho do amor de Deus! Mas, como viver esta fase da vossa vida, testemunhar o amor na comunidade? Gostaria de vos dizer, antes de tudo, que evitai fechar-vos em relacionamentos intimistas, falsamente seguros; fazei, pelo contrário, que a vossa relação se torne fermento de uma presença ativa e responsável na comunidade. Não esquecei, pois, que, para ser autêntico, também o amor solicita um caminho de amadurecimento: a partir da atração inicial e do “sentir-se bem” com o outro, educai-vos a “querer bem” ao outro, a “querer o bem” do outro. O amor vive de gratuidade, de sacrifício de si, de perdão e de respeito pelo outro.
Caros amigos, todo amor humano é sinal do Amor eterno que nos criou, cuja graça santifica a escolha de um homem e de uma mulher de se entregarem reciprocamente na vida do matrimônio. Vivei este tempo do noivado na espera confiante de um dom como este, que será recebido na medida em que percorreis um caminho de conhecimento, de respeito, de atenção que não deveis nunca perder de vista: é somente assim que a linguagem do amor permanecerá significativa mesmo com o correr dos anos. Educai-vos, pois, desde agora, à liberdade da fidelidade, que vos leva a ser guardiões uns dos outros, até ao ponto de viverem um para o outro. Preparai-vos para escolher com convicção o “para sempre” que está por trás do amor: a indissolubilidade, antes de ser uma condição, é um dom desejado, solicitado e vivido, para além de toda mutável situação humana. E não pensai, segundo uma mentalidade difusa, que a convivência seja garantia para o futuro. Queimar as etapas acaba por fazer “queimar” o amor, que, pelo contrário, precisa do respeito pelo tempo e pela progressão nas expressões; precisa que dê espaço a Cristo, que é capaz de tornar um amor humano fiel, feliz e indissolúvel. A fidelidade e a continuidade do vosso querer bem vos tornará capazes também de serdes abertos para a vida, de serdes genitores: a estabilidade da vossa união no Sacramento do Matrimônio permitirá aos filhos que Deus quererá vos dar que cresçam confiantes na bondade da vida. Fidelidade, indissolubilidade e transmissão da vida são os pilares de toda família, verdadeiro bem comum, patrimônio precioso para toda a sociedade. Desde já, fundai sobre esses valores o vosso caminho rumo ao matrimônio e testemunhai-o também aos vossos coetâneos: é um serviço precioso! Sede gratos a todos os que, com empenho, competência e disponibilidade, vos acompanham na formação: são sinal da atenção e do cuidado que a comunidade cristão tem por vós. Não permanecei sós: buscai e acolhei a companhia da Igreja.
Gostaria de retornar ainda sobre um ponto essencial: a experiência do amor tem em si a tensão para Deus. O verdadeiro amor promete o infinito! Fazei, portanto, deste vosso tempo de preparação para o matrimônio um itinerário de fé: redescobri, para a vossa vida de casal, a centralidade de Jesus Cristo e do caminhar na Igreja. Maria nos ensina que o bem de cada um depende da escuta dócil da palavra do Filho. Em que se confia a Ele, a água da vida cotidiana se transforma em vinho de um amor que torna boa, bela e fecunda a vida. Caná, de fato, é anúncio e antecipação do dom do vinho novo da Eucaristia, sacrifício e banquete no qual o Senhor nos alcança, nos renova e transforma. Não perdei a importância vital deste encontro: a assembleia litúrgica dominical vos encontre plenamente participantes: da Eucaristia brota o senso cristão da existência e um novo modo de viver (cf. Esort. ap. postsin. Sacramentum caritatis, 72-73). E, então, não tereis medo de assumir a difícil responsabilidade da escolha conjugal, não temereis entrar neste “grande mistério” no qual duas pessoas se tornam uma só carne (cf. Ef 5, 31-32).
Caríssimos jovens, confio-vos à proteção de São José e de Maria Santíssima; seguindo o convite da Virgem Mãe – “Fazei tudo o que ele vos disser” – não vos faltará o gosto da verdadeira festa e sabereis levar a todos o “vinho” melhor, aquele que Cristo dá para a Igreja e para o mundo. Gostaria de dizer-vos que também eu estou próximo de vós e de todos aqueles que, como vós, vivem este maravilhoso caminho de amor. Abençoo-vos com todo o coração!

* Extraído do site do Vaticano, do dia 11 de setembro de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Beatos Louis Martin e Zélie Guérin

12 de julho


Beatos Louis e Zélie,
rogai por nós!

Os pais de Santa Terezinha do Menino Jesus foram beatificados pelo Papa Bento XVI no dia 19 de outubro de 2006, numa cerimônia presidida pelo Cardeal José Saraiva Martins.

"Entre as vocações para as quais os homens são chamados pela Providência, o casameno é uma das mais nobres e das mais elevadas. Louis e Zélie compreenderam que podiam se santificar não apesar do casamento, mas através, no e pelo casamento. (...) O amor conjugal de Louis e Zélie é um puro reflexo do amor de Cristo por sua Igreja; é também um puro reflexo do amor com o qual a Igreja ama seu Esposo: o Cristo. O Pai nos escolheu antes da fundação do mundo, para que sejamos santos e irreprimíveis sob Seu olhar, no amor. (...) Qual é o segredo do sucesso de sua vida cristã? (...) Eles amavam a vontade do Senhor. Eles se conformaram à vontade do Senhor, sem recriminações. Para estarem seguros de caminhar na verdadeira vontade do Senhor, eles se voltaram para a Igreja, especialista em humanidade, colocando todos os aspectos de suas vidas em harmonia com os ensinamentos da Igreja. Louis e Zélie são um dom para os esposos de todas as idades, por causa da estima, do respeito e da harmonia com os quais eles se amaram durante 19 anos. Zélie escrevia a Louis: 'Eu não poderia viver sem ti, meu querido Louis'. E ele respondia: 'Sou teu marido e amigo que te ama para sempre'. Eles viveram as promessas do casamento: o compromisso de fidelidade, a indissolubilidade do vínculo, a fecundidade do amor, nas alegrias e nas provações, na saúde e na doença. Louis e Zélie são um dom para os pais. Ministros do amor e da vida, eles geraram numerosos filhos para o Senhor..." (Dom José Cardeal Saraiva Martins).

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Família: pequeno Cenáculo de unidade, comunhão e oração

Viagem Apostólica à Croácia
(4 e 5 de junho de 2011)

Santa Missa por ocasião
da Jornada Nacional das Famílias Católicas Croatas

Homilia do Papa Bento XVI

Hipódromo de Zagreb
Domingo, 5 de junho de 2011

Amados irmãos e irmãs!
Nesta Santa Missa que tenho a alegria de presidir, concelebrando com numerosos irmãos no episcopado e com um grande número de sacerdotes, agradeço ao Senhor por todas as queridas famílias aqui reunidas e por muitas outras que estão unidas conosco através do rádio e da televisão. O meu agradecimento particular ao Cardeal Josip Bozanić, Arcebispo de Zagreb, pelas palavras que me dirigiu no início da Santa Missa. A todos dirijo a minha saudação e exprimo a minha grande estima com um abraço de paz.
Celebramos há pouco a Ascensão do Senhor e preparamo-nos para receber o grande dom do Espírito Santo. Vimos, na primeira leitura, como a comunidade apostólica se reunira em oração no Cenáculo com Maria, a Mãe de Jesus (cf. At 1, 12-14). Este é um retrato da Igreja cujas raízes assentam no evento pascal: de fato, o Cenáculo é o lugar onde Jesus instituiu a Eucaristia e o Sacerdócio na Última Ceia, e onde, ressuscitado dos mortos, derramou o seu Espírito sobre os Apóstolos ao entardecer do dia de Páscoa (cf. Jo 20, 19-23). O Senhor ordenara aos seus discípulos que “não se afastassem de Jerusalém, mas que esperassem a Promessa do Pai” (At 1, 4), isto é, pedira que permanecessem juntos preparando-se para receber o dom do Espírito Santo. E eles se reuniram em oração com Maria no Cenáculo à espera do acontecimento prometido (At 1, 14). Permanecer juntos foi a condição que Jesus pôs para acolherem a vinda do Paráclito, e a prolongada oração foi o pressuposto da sua concórdia. Aqui encontramos uma lição estupenda para cada comunidade cristã. Às vezes pensa-se que a eficácia missionária dependa principalmente de uma cuidadosa programação e da sua realização inteligente através de um compromisso concreto. O Senhor pede certamente a nossa colaboração, mas, antes de qualquer resposta da nossa parte, é necessária a sua iniciativa: o verdadeiro protagonista é o seu Espírito, que se deve invocar e acolher.
No Evangelho, ouvimos a primeira parte da chamada “oração sacerdotal” de Jesus (cf. Jo 17, 1-11a) – depois dos discursos de despedida – repleta de familiaridade, ternura e amor. Designa-se “oração sacerdotal”, porque nela Jesus aparece na atitude de sacerdote que intercede pelos seus, quando está para deixar este mundo. Predomina no texto um duplo tema: o da hora e o da glória. Trata-se da hora da morte (cf. Jo 2, 4; 7, 30; 8, 20), a hora em que o Filho deve passar deste mundo para o Pai (Jo 13, 1); mas ao mesmo tempo é também a hora da sua glorificação que se realiza através da cruz, designada pelo evangelista João como “exaltação”, isto é, levantamento, elevação à glória: a hora da morte de Jesus, a hora do amor supremo, é a hora da sua glória mais alta. Também para a Igreja, para cada cristão, a glória mais alta é aquela Cruz, é viver a caridade, dom total a Deus e aos outros.
Amados irmãos e irmãs! De bom grado acolhi o convite que me fizeram os Bispos da Croácia para visitar este país por ocasião do primeiro Encontro Nacional das Famílias Católicas Croatas. Desejo exprimir vivo apreço pela vossa solicitude e empenho a favor da família, não só porque esta realidade humana fundamental tem hoje no vosso país, como em outros lugares, de enfrentar dificuldades e ameaças e, por conseguinte, precisa particularmente de ser evangelizada e sustentada, mas também porque as famílias cristãs são um recurso decisivo para a educação na fé, para a edificação da Igreja como comunhão e para a sua presença missionária nas mais diversas situações da vida. Conheço a generosidade e dedicação com que vós, queridos Pastores, servis o Senhor e a Igreja. O vosso trabalho diário, tanto na formação da fé das novas gerações como na preparação para o matrimônio e no acompanhamento das famílias, é o caminho fundamental para regenerar incessantemente a Igreja e também para vivificar o tecido social do país. Possa este precioso serviço pastoral continuar a contar com a vossa disponibilidade!
Cada um bem sabe como a família cristã é um sinal especial da presença e do amor de Cristo e como está chamada a dar uma contribuição específica e insubstituível para a evangelização. O Beato João Paulo II, que visitou três vezes este nobre país, afirmava que “a família cristã é chamada a tomar parte viva e responsável na missão da Igreja de modo próprio e original, colocando-se ao serviço da Igreja e da sociedade no seu ser e agir, enquanto comunidade íntima de vida e de amor” (Familiaris consortio, 50). A família cristã foi sempre a primeira via de transmissão da fé e ainda hoje conserva grandes possibilidades para a evangelização em muitos âmbitos.
Queridos pais, empenhai-vos sempre em ensinar os vossos filhos a rezar, e rezai com eles; aproximai-os dos Sacramentos, especialmente da Eucaristia (este ano, celebrais seis séculos do “milagre eucarístico de Ludberg”); introduzi-os na vida da Igreja; na intimidade doméstica, não tenhais medo de ler a Sagrada Escritura, iluminando a vida familiar com a luz da fé e louvando a Deus como Pai. Sede uma espécie de Cenáculo em miniatura, como o de Maria e dos discípulos, onde se vive a unidade, a comunhão, a oração.
Hoje, graças a Deus, muitas famílias cristãs vão adquirindo cada vez maior consciência da sua vocação missionária, e comprometem-se seriamente dando testemunho de Cristo Senhor. O Beato João Paulo II fez questão de salientar: “Uma família autêntica, fundada no matrimônio, é em si mesma uma 'boa notícia' para o mundo”. E acrescentou: “No nosso tempo, são cada vez mais numerosas as famílias que colaboram ativamente na evangelização (…). Amadureceu na Igreja a hora da família, que é também a hora da família missionária” (Angelus, 21 de outubro de 2001).
Na sociedade atual, é muito necessária e urgente a presença de famílias cristãs exemplares. Infelizmente temos de constatar, sobretudo na Europa, o aumento de uma secularização que leva a deixar Deus à margem da vida e a uma crescente desagregação da família. Absolutiza-se uma liberdade sem compromisso com a verdade, e cultiva-se como ideal o bem-estar individual através do consumo de bens materiais e de experiências efêmeras, descuidando a qualidade das relações com as pessoas e os valores humanos mais profundos; reduz-se o amor a mera emoção sentimental e à satisfação de impulsos instintivos, sem empenhar-se por construir laços duradouros de mútua pertença e sem abertura à vida. Somos chamados a contrastar esta mentalidade. A par da palavra da Igreja, é muito importante o testemunho e o compromisso das famílias cristãs, o seu testemunho concreto, sobretudo para afirmar a intangibilidade da vida humana desde a concepção até ao seu fim natural, o valor único e insubstituível da família fundada no matrimônio e a necessidade de disposições legislativas que sustentem as famílias na sua tarefa de gerar e educar os filhos.
Queridas famílias, sede corajosas! Não cedais à mentalidade secularizada que propõe a convivência como preparação ou mesmo substituição do matrimônio. Mostrai com o vosso testemunho de vida que é possível amar, como Cristo, sem reservas, que não é preciso ter medo de assumir um compromisso com outra pessoa. Queridas famílias, alegrai-vos com a paternidade e a maternidade! A abertura à vida é sinal de abertura ao futuro, de confiança no futuro, tal como o respeito da moral natural, antes que mortificar a pessoa, liberta-a. O bem da família é igualmente o bem da Igreja. Quero repetir aqui o que disse um dia: “A edificação de cada uma das famílias cristãs situa-se no contexto daquela família mais ampla que é a Igreja, a qual a sustenta e leva consigo. (…) E, vice-versa, a Igreja é edificada pelas famílias, pequenas Igrejas domésticas” (Discurso de abertura do Congresso eclesial diocesano de Roma, 6 de junho de 2005: Insegnamenti di Benedetto XVI, vol. I, 2005, p. 205). Peçamos ao Senhor que cada vez mais as famílias se tornem pequenas Igrejas e as comunidades eclesiais sejam cada vez mais família.
Queridas famílias croatas, vivendo na comunhão de fé e caridade, sede testemunhas de maneira sempre mais transparente da promessa que o Senhor, ao subir ao Céu, fez a cada um de nós: “Eu estou sempre convosco até ao fim dos tempos” (Mt 28, 20). Amados cristãos croatas, senti-vos chamados a evangelizar com toda a vossa vida; senti intensamente a palavra do Senhor: “Ide, pois, fazer discípulos de todas as nações” (Mt 28, 19). A Virgem Maria, Rainha dos Croatas, vele incessantemente sobre este vosso caminho. Amém. Louvados sejam Jesus e Maria!

* Extraído do site do Vaticano, do dia 5 de junho de 2011. Revisado por Paulo R. A. Pacheco.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Uma defesa positiva da natureza humana

Por Dom Filippo Santoro
Bispo de Petrópolis - RJ

Toco um tema de grande relevância na sociedade e na Igreja nesses dias, que é a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a união de pessoas do mesmo sexo. A nossa fé dá um juízo também sobre este fato. Retomo a nota que saiu da última Assembleia Geral da CNBB que afirma:
“A diferença sexual é originária e não mero produto de uma opção cultural. O matrimônio natural entre o homem e a mulher bem como a família monogâmica constituem um princípio fundamental do Direito Natural. (...) A família é o âmbito adequado para a plena realização humana, o desenvolvimento das diversas gerações e constitui o maior bem das pessoas”. Esses são os pontos de referência para um juízo correto sobre a questão atualmente debatida. Continua a nota da CNBB: “As pessoas que sentem atração sexual exclusiva ou predominante pelo mesmo sexo são merecedoras de respeito e consideração. Repudiamos todo tipo de discriminação e de violência . (...) [Porém] equiparar as uniões entre pessoas do mesmo sexo à família descaracteriza a sua identidade e ameaça a estabilidade da mesma”.
Uma coisa é o respeito, a não discriminação, outra coisa é a riqueza da vida familiar, da identidade sexual que dá origem ao matrimônio, que dá origem à família. A família segundo o plano de Deus que tem o direito de ser protegida pelo Estado. “É atribuição do Congresso Nacional propor e votar leis, cabendo ao governo garanti-las. Preocupa-nos ver os poderes constituídos ultrapassarem os limites de sua competência, como aconteceu com a recente decisão do Supremo Tribunal Federal. [Isso] compromete a ética na política”, que uma decisão do Supremo Tribunal se substitua àquele que é o trabalho do Legislativo, do Congresso legitimamente eleito pelo povo.
Mas aquilo que nos interessa neste momento é o juízo dado sobre essa decisão do Supremo. A motivação usada pelos juízes nesse caso – daqueles que sustentam a união estável e a reconheceram equiparando-a a uma entidade familiar – é que nós vivemos em uma sociedade fragmentada. Existem tantos fragmentos, e um desses fragmentos é a Igreja Católica. O Supremo Tribunal decide quando um fragmento quer prevalecer sobre o outro e intervém para colocar ordem. O Supremo Tribunal tem a presunção de representar o uso da razão quando os direitos de um fragmento são invadidos pelo outro ou não são respeitados. Onze pessoas representam a razão num clima de fragmentação total, de confusão do eu; e aí que domina o poder. Não pode ser um grupo de pessoas que decide o que é justo e o que não é justo quando se trata de definir o que é segundo a razão. E se não é um grupo de pessoas quem é? É somente algo que está na natureza humana, que a razão reconhece, e que se chama lei natural. Existe uma lei natural que junta todos os fragmentos, todas as pessoas.
A fé católica, escuta a voz da razão, e nós somos os primeiros a defender esse laço que une todos os fragmentos da sociedade que sem um fundamento comum seriam incomunicáveis. Diz São Tomás de Aquino: “A lei natural não é outra coisa que a luz da inteligência infundida por Deus em nós. Graças a ela conhecemos o que se deve cumprir e o que se deve evitar. Esta luz e esta lei Deus a concedeu na criação”, (Collationes in decem praeceptis, 1); cit. in: João Paulo II, Veritatis Splendor, 40. Que a sociedade seja fragmentada é um fato, mas que não haja um fundamento comum é toda uma outra questão. Se não tivesse comunicação entre um fragmento e outro não poderia existir encontro entre as pessoas, não poderia existir comunicação, não poderia existir diálogo. O fundamento comum, que é a lei natural, deve ser reconhecido e respeitado. Nesse caso em que 11 pessoas têm todo poder de decidir o que é justo e segundo a razão se manifesta uma prevaricação do poder. Nenhuma lei humana pode-se substituir às leis não escritas que se encontram na natureza humana, como já dizia Sófocles na Antígona. E São Paulo afirma: “A lei está escrita em seus corações” (Rom 2, 15). A nossa posição é a defesa da racionalidade, é a defesa da unidade, é a defesa da natureza.
A partir do encontro com o Senhor, nós temos uma experiência humana diferente. Ele transforma a nossa vida. E nós damos este juízo não como uma posição contra uma outra, não acanhados porque atacados ou reivindicando espaços para a Igreja. Não é isso. É por uma experiência positiva, que não tem medo dos necessários sacrifícios, iluminada pelo encontro com o Senhor que podemos afirmar e defender a natureza humana. E somos agradecidos porque Ele abre os nossos olhos. Por isso, a nossa batalha não é uma batalha de defesa, uma batalha de pessoas colocadas no escanteio. Podemos perder – Jesus morreu na Cruz –, mas o importante é afirmar a verdade da experiência humana, aquilo que torna o humano grande e vibrante, que torna o humano extraordinário, porque capaz de infinito.
Nós fazemos uma batalha positiva, que nos permite encontrar qualquer pessoa, ter contato com qualquer um, porque dialogamos com a humanidade das pessoas, não de uma forma reduzida, mas com uma atenção profunda. Como fizeram os apóstolos e os primeiros cristãos. Naquele tempo estas coisas, no mundo da Grécia, eram aceitas, mas não era a forma humana mais digna. São Paulo em Corinto não está diante de uma sociedade patriarcal, mas pretensamente liberal e manifesta um outro ponto de vista radicalmente diferente. Pensemos como eram tratadas as mulheres, sem falar dos escravos. O Cristianismo revolucionou tudo isso. E nós através do testemunho de uma beleza extraordinária encontrada, podemos comunicar como é positivo para todos defender o bem da família, defender o bem da vida, a partir não de uma teoria, mas da experiência. Por isso, agradeçamos ao Senhor porque nos fez encontrar Aquele que é a fonte da nossa humanidade verdadeira, Aquele do qual a nossa alma tem sede, que o nosso coração deseja, e que não ficou distante e que nos encontrou e nos iluminou sobre a verdadeira consistência da nossa humanidade. E este é um bem para todos; é um aspecto da boa nova que ilumina a vida de qualquer pessoa. O eunuco e o apóstolo são abraçados pela mesma misericórdia, que indica um novo rumo para a vida e para as relações entre as pessoas.

* Extraído do site da CNBB, do dia 27 de maio de 2011.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Comentário ao evangelho do dia

Evangelho - Mc 10,1-12
Naquele tempo, Jesus foi para o território da Judéia, do outro lado do rio Jordão. As multidões se reuniram de novo, em torno de Jesus. E ele, como de costume, as ensinava. Alguns fariseus se aproximaram de Jesus. Para pô-lo à prova, perguntaram se era permitido ao homem divorciar-se de sua mulher. Jesus perguntou: "O que Moisés vos ordenou?". Os fariseus responderam: "Moisés permitiu escrever uma certidão de divórcio e despedi-la". Jesus então disse: "Foi por causa da dureza do vosso coração que Moisés vos escreveu este mandamento. No entanto, desde o começo da criação, Deus os fez homem e mulher. Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe e os dois serão uma só carne. Assim, já não são dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus uniu, o homem não separe!". Em casa, os discípulos fizeram, novamente, perguntas sobre o mesmo assunto. Jesus respondeu: "Quem se divorciar de sua mulher e casar com outra, cometerá adultério contra a primeira. E se a mulher se divorciar de seu marido e casar com outro, cometerá adultério".

Comentário feito por São João Crisóstomo (c. 345-407)
presbítero em Antioquia, depois Bispo de Constantinopla, Doutor da Igreja 

O que deves dizer à tua mulher? Diz-lhe com muita ternura: "Escolhi-te, amo-te e prefiro-te à minha própria vida. A existência presente nada é; por essa razão, as minhas orações, as minhas recomendações e todas as minhas ações destinam-se a fazer que nos seja dado passar esta vida de tal maneira, que voltemos a reunir-nos na vida futura sem qualquer receio de separação. O tempo que vivemos é breve e frágil. Se nos for dado agradar a Deus durante esta vida, estaremos para sempre com Cristo e um com o outro, numa felicidade sem limites. O teu amor arrebata-me mais que tudo, e não conhecerei infelicidade tão insuportável como a de estar separado de ti. Mesmo que tivesse de perder tudo, de ser pobre que nem um mendigo, de passar pelos maiores perigos e de sofrer fosse o que fosse, tudo isso me seria suportável desde que o teu afeto por mim não diminuísse. Só com base neste amor desejo ter filhos". E convém que adeques o teu comportamento às palavras. [...] Mostra à tua mulher que aprecias viver com ela e que, por causa dela, preferes estar em casa que na rua. Prefere-a a todos os teus amigos, e mesmo aos filhos que ela te deu; e que estes sejam amados por ti por causa dela. [...] Fazei as vossas orações em comum. Ide à igreja e, ao regressar a casa, contai um ao outro o que foi dito e o que foi lido. [...] Aprendei a temer a Deus, e tudo o resto decorrerá daqui, e a vossa casa encher-se-á de inúmeros bens. Aspiremos aos bens incorruptíveis, que os outros não nos faltarão. Procurai primeiro o Reino de Deus, e o resto ser-vos-á dado por acréscimo, diz-nos o evangelho (Mt 6, 33). 

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Cartas do P.e Aldo 176

Asunción, 06 de janeiro de 2011.

Há nove anos, na paróquia São Rafael, seguindo a liturgia natalícia, celebramos a família de modo solene, no dia da Sagrada Família. Uma tradição que quisemos colocar como alternativa àquelas iniciativas maçônicas e laicistas que festejam o dia das mães no mês de maio e o dia – quase não observado – dos pais em junho.
Não existe “maternidade” ou “paternidade” sem família, sem aquele lugar original, criado pelo mesmo Deus, como é contado no Gêneses, quando o Onipotente afirma “façamos o homem à nossa imagem e semelhança... homem e mulher. (...) O homem abandonará seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher e os dois serão uma só carne”. E foi assim. O matrimônio monogâmico e heterossexual foi uma iniciativa divina que nem mesmo o pecado original conseguiu destruir.
Todavia, as consequências do pecado original se tornaram evidentes imediatamente: nem o homem nem a mulher sozinhos conseguiram viver mais naquela comunhão original. Por esse motivo, foi necessária a Encarnação de Jesus que instituiu o Sacramento do Matrimônio, ou seja, a possibilidade tanto para o homem como para a mulher de voltar a viver aquela experiência única e original – a de ser uma só carne – que Deus mesmo havia dado de presente a eles, os criando.
O matrimônio está na origem da família como único lugar onde acontece o milagre da paternidade e da maternidade. Por esse motivo, na cultura niilista de hoje, como sua dupla visada de relativismo e de hedonismo, eliminou-se a festa da família, substituindo-a com o dia das mães e o dia dos pais. Pai não é quem fecunda uma mulher, nem mãe é aquela que expele uma criatura do seu ventre. Também os animais fazem essas coisas. Pai e mãe é um dom do Alto, fruto de uma vocação divina que chama o homem e a mulher a formarem um lar no qual se louve o nome do Senhor e se permite a Deus, através dos filhos, levar adiante o seu plano de salvação.
Num mundo que festeja até o dia do agente funerário, somente a Igreja festeja a família, recordando a Sagrada Família de Nazaré. No Paraguai não há categoria de pessoas que não tenham um dia dedicado à sua profissão... e pobre da pessoa que não cumprimenta o festejado!
Por isso, todos os anos, no primeiro domingo depois do Natal, na nossa paróquia, celebramos este dia benzendo e entregando às crianças a vassoura.
Por que a vassoura? Porque é o símbolo da limpeza, da ordem na casa, porque é o instrumento doméstico mais antigo e comum. Porque São Martinho de Porres chegou à santidade usando a vassoura com amor, oferecendo a Cristo o seu trabalho. Para as crianças, como lhes expliquei, lembrando de minha infância, é o primeiro contato com o trabalho físico da casa, é a modalidade para que compreendam a ordem, a limpeza, a beleza.
Por isso, foi bonito, no domingo dia 26 de dezembro, quando pedi às crianças para subirem ao altar para me mostrarem se sabiam usar uma vassoura. Muitos sim, outros não. Então, peguei a vassoura e, diante de todos, expliquei a eles como se pega e como se usa. Há 20 anos sou fiel a este gesto.
Aprenderam rápido o uso e o significado do gesto. Depois, rindo, expliquei a eles como os meus pais usavam a vassoura na minha bunda, quando eu fazia alguma má-criação, para que eu pudesse entender como viver.
Foi, de fato, bonito esse gesto, porque me agrada pensar ainda em Jesus que, desde pequeno, aprendeu a amar e a usar a vassoura ajudando os seus pais, antes de usar a serra e o martelo etc.
Creio que a vassoura seja um dos instrumentos mais antigos e familiares do mundo. Por isso, disse às crianças que merece muito respeito, explicando também como recolocá-la no seu lugar, com a ponta do cabo para baixo e “os cabelos” para cima.
O novo Paraguai, aquele que nasce do encontro com Cristo, não passa em primeiro lugar pela política nem pela economia, mas pela vassoura. Ou seja, pela família que educa os seus filhos.
Padre Aldo.

domingo, 5 de setembro de 2010

Alessandro Manzoni e Enrichetta Blondel: o caminho do amor cristão


Por Laura Cioni

Há bem pouco de romântico no casamento entre Alessandro Manzoni e Enrichetta Blondel. Conheceram-se em 1807; ele escreve sobre isso para o seu amigo Fauriel, descrevendo a jovenzinha de excelente coração, não nobre, protestante, bem-quista por Giulia Beccaria. As coisas correram bem rápido: o casamento foi celebrado no dia 6 de fevereiro de 1808 no rito calvinista. Mas, as más-línguas milanesas perturbaram a proverbial reserva dos Manzoni: “Todos se interessam pelos meus fatos que me acontecem como se fossem meus pais”, escreve ao amigo e, assim, em junho, retorno a Paris com a mulher e a mãe, hospedes de Fauriel e da sua companheira, a viúva do filósofo Condorcet.
Era aquele o ambiente no qual Manzoni tinha vivido desde 1805, quando havia encontrado Giulia Beccaria, que, há pouco, havia ficado sozinha depois da morte de Carlo Imbonati, com o qual convivia. Alessandro tinha vinte anos e ficou fascinado com o clima intelectual dos amigos de sua mãe. As ideias iluministas já se tinham enraizado no seu pensamento; a sua personalidade tinha sofrido com a ausência materna e com a rigidez da educação recebida pelos barnabitas; tinha acabado de voltar de cinco anos de uma vida dissipada.
Em Paris, encontrou o terreno adequado para cultivar relações frutuosas do ponto de vista dos estudos. Por isso, ele, inicialmente, se estabeleceu na capital francesa. Mas, a personalidade da mulher não se adaptava bem ao ambiente despreocupado da casa de Fauriel; assim, os Manzoni mudam-se para uma outra casa mais recolhida e mais sóbria. É a primeira vitória de Enrichetta, que se segue da conquista do afeto de uma sogra arrogante e difícil.
No Natal de 1808, nasceu a primogênita Giulietta, a quem Enrichetta assistia com ternura e religiosidade: ela escreveu ao irmão contando que lhe havia ajuntando as mãozinhas para agradecer a Deus. Mas, em qual fé cresce a pequena? Ainda que indiferente e anticlerical, o pai decide pelo batismo no rito católico.
Enrichetta sofreu por aquela decisão tão distante da aspiração do seu coração. O escritor pediu também à Igreja a validação do matrimônio calvinista, e isso levou sua mulher a reconsiderar as crenças religiosas absorvidas na infância.
A graça a guiou por caminhos misteriosos; instruída com discrição e bondade pelo abade Degola, em 1810 abjurou publicamente do calvinismo e entrou para a Igreja católica. Se a conversão tirou o véu de incompreensão na relação com o marido, por outro lado erigiu um muro na relação com a família de origem, que não a perdoou a traição: tratada com frieza, ela foi inclusive impedida de entrar em casa, mesmo por ocasião da morte de seu pai.
Também o escritor prosseguiu no caminho da fé: a sua honestidade intelectual e a humilde fortaleza que via em sua mulher se soldaram num pensamento que ainda hoje aparece como um sistema racional e uma atitude moral de altíssimo nível. Exatamente para encontrar um ambiente mais adequado para suas novas orientações espirituais, eles deixaram Paris e estabeleceram em Brusuglio. Naquela solidão, Enrichetta acompanhou o marido com terna dedicação e lhe deu outros oito filhos. O nascimento de Matilde, em 1830, revelou-se fatal para a resistência do seu físico: a febre não a deixou mais e, no dia do Natal de 1833, apagou-se, deixando o marido inconsolável.
Poucos anos antes, sentindo que as suas forças estavam acabando, ela lhe escreveu: “Tu que formaste a felicidade daquela que quiseste como tua companheira, reza pelo seu repouso e não te deixes abater. Peço-te em nome do amor que sempre tivemos por nossos filhos e daquela terna afeição que sempre nos aproximou um ao outro”. Manzoni encontrou essa força mais tarde, mas o contorno da ode O Natal, de 1833, indica o desconcerto do escritor com a fraqueza daquela companheira, cujos traços emergem nas duas figuras femininas que saíram de seu coração, Ermengarda e Lucia Mondella.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 5 de setembro de 2010. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

domingo, 15 de agosto de 2010

Cartas do P.e Aldo 158





Asunción, 15 de agosto de 2010.

Caros amigos,
não posso não compartilhar com vocês a comoção do milagre que aconteceu hoje na clínica.
Os dois jovens que vocês veem nas fotos se casaram. Ele, 28 anos, é doente de AIDS e tem câncer. Ela, infectada por ele, tem AIDS. O que nós teríamos feito? Não apenas não nos teríamos casado, como, se fôssemos ela, o teríamos odiado, visto que ele a contagiou.
Vocês entendem, agora, o que quer dizer - como ela me dizia hoje - levar a sério o próprio coração, critério infalível e objetivo para viver moralmente bem, como sempre nos recorda Carrón?! Vocês entendem o que quer dizer encontrar Cristo, dizer "TU" a Cristo?! Dá para entender o absurdo do divórcio, quando se vê essa bela garota dizer sim para sempre para o rapaz que a contagiou, porque ele é Cristo, mas antes de mais porque, como ela me disse, "eu o amo". Agora, se casam apenas para se ajudarem, enquanto a doença o permitir, a amar a Cristo! Amigos casados, chega de falação: este é um fato, este é o matrimônio, esta é a virgindade.
Boas férias
Padre Aldo

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Unidos na paixão por Cristo e pelo homem

Por Antonio Lopez*

Afastados cinco anos da eleição, a CEI (Conferência Episcopal Italiana) convida a rezar por Bento XVI. Que continua a missão de João Paulo II, seu predecessor. Mas, o que os liga em profundidade? Falamos sobre isso com Monsenhor Lorenzo Albacete e David Schindler

Cinco anos atrás, Bento XVI sucedia a João Paulo II. O que os liga em profundidade? Pedimos a Monsenhor Lorenzo Albacete, editor, ensaista e responsável eclesiástico de CL nos EUA, e ao professor David Schindler, reitor e decano do Instituto João Paulo II para o Matrimônio e a Família, que ilustrassem os principais elementos de continuidade entre os dois pontificados. Por exemplo, o modo tão particular de conceber a fé: paixão por Cristo e pela pessoa humana.

Qual é a opinião de vocês a respeito da continuidade entre aquele grande Papa e seu sucessor?
Albacete: Acredito que a maior parte das pessoas não tenha prestado muita atenção na questão da continuidade. O ensinamento cheio de autoridade de João Paulo II e a sua contribuição para a vida da Igreja, a forma que deu à Igreja, pode se dizer substancialmente esgotada? Pode-se dizer que, hoje, temos algo de novo? Pessoalmente, fui muito tocado pela continuidade. Certamente que os estilos são diferentes, mas a continuidade é impressionante. Talvez alguns não a vejam, porque não é percebida a novidade de Cristo. A Igreja fez um esforço para ultrapassar esta divisão.
Schindler: Estou de acordo sobre o fato de que a continuidade seja profunda. Antes de mais nada, como todos os grandes homens da Igreja, ambos testemunharam o Evangelho e a unidade do Evangelho. Podemos reconhecer a sua unidade no fato de Bento XVI sublinhar, várias vezes, que o problema fundamental, hoje, é o esquecimento de Deus. No centro de todos os problemas culturais ou eclesiais que se tentam enfrentar está a recuperação da memória de Deus. João Paulo II disse algo parecido com isso em "Cruzando o limiar da esperança": o século XXI será um século religioso, ou não será em nada. Penso que este seja, de fato, o fundo de unidade entre eles: a recuperação do senso religioso e a memória de Deus, tal como é concretamente revelada em Jesus Cristo.

Qual é o olhar deles sobre o mundo? O que eles pretendem quando buscam restabelecer um significado adequado da laicidade?
Schindler: Algo que me impressionou de verdade na insistência de Bento XVI sobre a laicidade - por exemplo, quando encontrou os líderes franceses - é a sua insistência sobre o fato de que temos necessidade de recuperar uma compreensão adequada do que é a laicidade. Laicidade, para a nossa cultura, significa calar a respeito de Deus, enquanto que o ponto central de Bento é a retomada do conceito de laicidade, em cujo centro está a busca de Deus, o desejo de Deus, e em segundo lugar um desejo sem descanso, que não encontra realização total senão no encontro com Deus, na forma na qual Ele se revelou na história, ou seja, em Jesus Cristo.
Albacete: Exato. Não haveria laicidade se não existisse o Deus de Cristo. O que se tem chamado de laicidade, a separação de Deus ou da dimensão espiritual, não é laicidade em nada. Uma verdadeira laicidade é possível apenas através do Deus de Jesus Cristo.

Por quê?
Albacete: Porque é Ele que leva juntos, em si, o divino e o humano, na modalidade delineada desde o Concílio da Calcedônia, em 451. Creio que esta seja uma das coisas mais importantes que emergiram no discurso feito no Collège des Bernardins: sem Cristo não há laicidade.

Vocês podem nos dizer algo a mais a respeito da insistência de Bento XVI sobre o monaquismo, e sobre o por que não se trata de uma redução da Igreja a uma forma de vida espiritual, fora do mundo?
Schindler: Para mim, o ponto é que cada dia, na sua realidade mais profunda, cada dia, em cada aspecto seu, é dies Domini. Cada dia é Dia do Senhor. A natureza do homem é litúrgica.
Albacete: Lembrem-se de como Bento XVI expressou isso naquela ocasião: o primeiro fruto desta busca é construir uma biblioteca.
Schindler: E trabalhar!
Albacete: E trabalhar... exatamente assim. Ora et labora.
Schindler: E aqui está a dignidade do que é humilde. Neste contexto, o trabalho manual tem grande dignidade. Em um certo sentido, somente um cristão pode viver seriamente o trabalho manual. Em outros termos, a encarnação é céu e terra que se conjugam. O objetivo do nosso empenho sobre a terra é realizar o céu, mesmo que não nos seja possível realizá-lo plenamente nesta vida. Em Jesus, o céu veio sobre a terra, para que a terra pudesse ir para o céu. Ora, em Jesus, nós já participamos, agora, da unidade entre céu e terra. Por isso, somente no Cristianismo, somente na revelação de Cristo, é possível que a cada tempo, lugar e espaço, seja dada a dignidade que lhe é própria. Hoje, a nossa concepção do trabalho é tão limitada que nós o compreendemos tão somente como um instrumento para adquirir algo. É, em parte, verdadeiro, mas o trabalho é uma atividade que é participação na criatividade mesma de Deus, na ação de Deus encarnado.

A concepção moderna de trabalho é fundamentada sobre a separação entre a vida enquanto tal e o que a pessoa faz no trabalho. O que há de novo na afirmação de João Paulo II e de Bento XVI acerca da unidade entre a vida na sua inteireza e o agir do homem?
Albacete: Todas as divisões como esta são apenas manifestações de uma divisão que está na origem. Trata-se da perda da experiência do Deus cristão. São maneiras diversas de expressar este dualismo.
Schindler: Acredito que seja uma questão muito ampla. O que torna possível unir o conceito de vocação e o trabalho é reconhecer que a liberdade se realiza apenas na afirmação de um "para sempre". A verdadeira liberdade é dirigida a um amor que assume a forma de uma promessa, cuja realização só é possível mediante a verificação da relação de Deus com mundo, que se manifesta na pessoa de Cristo. O fundo da questão é simplesmente reconhecer que o significado da liberdade consiste em dizer "para sempre" a Deus, tornados livres mediante Jesus Cristo, até o ponto de compreender a relação de Deus com todas as coisas, e ao serviço de todas as coisas.

Tanto João Paulo II quanto Bento XVI insistiram sobre a liberdade do homem e tentaram defendê-la. Em quase todas as suas encíclicas, João Paulo II citou a Gaudium et spes (n. 22): Cristo revela Deus ao homem e revela o homem a si mesmo. O Cristianismo, para Bento XVI, revela (sem eliminá-lo) o mistério da pessoa humana: cada pessoa é relação com o Mistério, e é livre na medida em que reconhece esta dependência e vive para um outro. Este conceito de liberdade não é um desafio aberto ao mundo contemporâneo, que identifica liberdade com "criatividade", "autonomia" e "igualdade"?
Albacete: Não há nada de errado, em princípio, nestas duas acepções... mas a liberdade não pode ser criativa sem Cristo. Porque, sem Ele, tudo perde a força, tudo passa, e a morte não é vencida. Os impérios vão e vêm, das grandes obras e dos grandes eventos se perde a lembrança.
Schindler: Ratzinger tem um modo maravilhoso de expôr ascoisas. Quando fala do sacramento diz que consiste no dar algo que não se possui. Parece-me que a chave de todo o agir humano é que ele é pré-sacramental. Em outras palavras, eu nunca sou a primeira e absoluta origem do que transmito. Se quisermos falar em termos de paternidade e filiação: queremos ser criativos, estar na origem; queremos ser pais de nossas ações, e em um certo sentido isto é verdadeiro. Mas, na medida em que somos criaturas, podemos ser verdadeiramente pais apenas dentro de uma filiação. Em um nível mais profundo, recebemos a capacidade, a energia que transmitimos, mesmo que participemos dela plenamente. Temos autonomia, mas é a autonomia própria de um dom que recebemos e do qual participamos. Ratzinger fala do sacramento exatamente nestes termos, belíssimos: eu participo de uma força, mas não sou originalmente o seu proprietário. Participo de uma força na medida em que sou seu receptor.

Os pontificados de João Paulo II e o de Bento XVI é um grande "irradiar-se de paternidade" e uma defesa da profundidade do mistério da paternidade. O que se perdeu na atual crise da paternidade?
Albacete: Para mim, não é por acaso nem fruto de uma definição cultural o fato de o nome do Deus cristão ser "Pai": cada gesto e cada palavra de Deus são reveladores, e mesmo Jesus chamava a Deus de "Pai". Isto significa que o primeiro modo no qual se manifesta a perda de orientação natural que, como homens, temos em relação ao infinito, é exatamente a perda do significado da paternidade. Participar da vida de Deus é participar da vida do Pai, é ser como que "a sombra do Pai", como na obra de Karol Wojtyla, "Raios de paternidade", centrada sobre São José, visto como a sombra do Pai. A incapacidade de compreender quão profundamente José encarne isto demonstra a fratura que se verificou.

Uma das maiores contribuições de João Paulo II foram suas catequeses de quarta-feira, nas quais apresentou uma visão do amor humano nos termos do relacionamento nupcial. Quais são os elementos mais essencialmente novidadeiros deste ensinamento?
Albacete: Gostaria de ligar isto à perda do sentido do sacramento, porque o matrimônio é o sacramento primordial. Se não tivesse existido o Pecado original, não existiriam os sacramentos, mas tão somente o matrimônio. O matrimônio revela a intenção de Deus no criar a partir do nada. Não é apenas paternidade, porque a paternidade é inseparável da maternidade e do relacionamento nupcial. Tudo isso, porém, se perdeu. João Paulo II oferece uma grandíssima ajuda para recuperar a unidade entre estes elementos que definem o amor humano. Sem esta unidade, o amor humano é como um edifício que desaba: é um 11 de setembro. Resiste por um pouco, se incendeia e você pensa que o problema é manter o fogo sob controle e, de repente, o edifício desaba.
Schindler: Concordo. Gostaria apenas de acrescentar uma coisa: parece-me que o que ambos os papas querem dizer é que há algo que diz respeito ao homem como destino de paternidade, que diz respeito à mulher como destino de maternidade, que diz respeito à criança; algo que manifesta uma característica essencial da natureza do amor humano. Na nossa cultura, tendemos a julgar que existem agentes humanos, abstratos, pelos quais acontece de serem homens e mulheres. Mas, se perdermos os caracteres distintivos do homem, perdemos uma característica essencial do amor. Se perdermos os caracteres distintivos da mulher, perdemos algo de essencial quanto ao significado do amor. E se pensarmos nas crianças como pequenos adultos que se originarão disto, perdemos algo de essencial quanto ao que respeita ao significado do amor humano. Pensando neste último aspecto, há uma beleza particular no fato de que Deus tenha revelado a Si mesmo em Cristo, na forma de uma criança. Não é uma circunstância temporal: Jesus é Filho do Pai pela eternidade. Por isto, a filiação, o ser criança, não é uma condição da qual somos destinados a sair.
Albacete: Até que não se tornem uma coisa só, vocês não irão ao encontro do próprio destino.

* Publicado em Tracce, no dia 19 de abril de 2010. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

sábado, 3 de abril de 2010

Cartas do P.e Aldo 140





Asunción, 29 de março de 2010.

Caros amigos,
Na Escola de Comunidade se fala da caridade como “dom comovido de si”. Hoje, Domingo de Ramos, a liturgia nos permite tocar com a mão esta verdade, que só pode se tornar carne no relacionamento consigo mesmo e com os outros.
Mando-lhes três fotos: são a descrição concreta da caridade como dom comovido de si. Na cadeira de rodas está a pequena Lourdes, com metástases em todo o corpo. Tem nove anos e é a segunda filha de 5 irmãos. Move apenas os olhos, sorri sempre, levanta a mão direita com a qual tenta levantar também o braço esquerdo. Chegou aqui para morrer, segundo os médicos, porém – por graça de Deus – não se diz que isso possa acontecer. Posso dizer – entre parênteses – que muitos dos doentes “terminais” que vieram para cá, agora estão em suas casas ou, no caso daqueles abandonados por causa da AIDS, estão na nossa fazenda. Milagre da caridade, como dom comovido de si. A pequenina, a minha Lourdes (que me ama tanto), é assistida pela jovem mãe 24 horas por dia. Um dia, perguntamos a Lourdes: “Você gostaria de receber Jesus, fazendo a primeira comunhão?”... e o seu olhar se iluminou. Preparando-a para a primeira comunhão, nos demos conta de que queria um presente: que os seus pais recebessem o Sacramento do Matrimônio. A Irmã Sônia falou com eles que, diante do pedido de sua filha, anuiram. E assim, hoje, Domingo de Ramos, aconteceu o milagre. Chegado o momento do “sim”, a pequena Lourdes começou a chorar de comoção, de felicidade. Tentava levantar a cabeça para olhar no rosto os seus pais, mas não conseguia. Os seus olhos brilhavam, comovidos e felizes. Uma vez mais, colhi duas coisas: a caridade é dom comovido de si e, se o grão de trigo não morre, não dá fruto. O martírio de Lourdes é a origem da piedade divina que permitiu dar o voto sacramental àquela união. Lourdes deu a vida pelos seus pais.
Como eu gostaria, caros amigos, que vocês pudessem apenas imaginar a alegia da pequena, dentro de toda a sua dor, no ouvir o “sim” para a toda a vida daquele jovem pai e daquela jovem mãe!
Quando chegou o momento da sua pimeira comunhão, vocês deveriam ver o rosto de Lourdes. O modo com o qual recebeu Jesus é indescritível. A mim restaram as lágrimas e a incapacidade de falar. Vocês entendem o que quer dizer “dom comovido de si”? O que quer dizer “eu sou Tu que me fazes”? O que significa “olhar Cristo no rosto”? Olhem as fotografias: é Jesus que, no início da Semana Santa, nos faz partícipes da Sua glória. Como eu gostaria que todos pudessem entender também a beleza do Sacramento do Matrimônio, pelo qual a minha pequena Lourdes deu a vida para os seus pais! Olhando para ela, eu pensava nos meus 32 filhinhos da Casinha de Belém que, a cada dia, me enchem de cartinhas que dizem a coisa mais bela e simples do mundo: “Para o meu papai Aldo: amo você, porque você é o melhor papai do mundo”, com um coração vermelho desenhado. Alguém, com razão, poderia dizer: “Exagerado!”. Mas, para quem não teve ninguém ou foi violentado, percebe logo que a virgindade é a única forma de paternidade e torna o homem capaz de um amor impossível sem esta graça.
Boa Páscoa, caros amigos.
Confio-me às orações de vocês.
Padre Aldo

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Cartas do P.e Aldo 10


Asunción, 05 de fevereiro de 2009.

Caros amigos,
olhar para a realidade, vivê-la, é sempre um estar em pé olhando para o Mistério, com aquela dramaticidade que lhe faz dizer continuamente “eu sou Tu que me fazes”. O Mistério de que a realidade é sinal e caminho me faz viver comovido e sempre como as “scolte di Asisi”. Por isso, vivo surpreso por tudo e cada coisa é um imprevisto, uma novidade.
Ontem de manhã, o Arcebispo de Asunción me telefonou: “Padre Aldo, preciso de um favor seu. O Arcebispo emérito Dom Santiago Benitez Avalo (nasceu no dia 1° de maio de 1926, na cidade de Piribebuy, no Paraguay, e faleceu no último dia 19 de março, na cidade de Asunción; ndt) está quase chegando na meta e gostaríamos de interná-lo na clínica São Riccardo Pampuri, pois acabou de se recupear de uma infecção hospitalar (estava internado no mais belo hospital de Asunción). Por favor, vocês têm um quarto?”. “Claro que sim, Eminência. Desde a construção da clínica o primeiro pensamento que tive foi que deveria ser para sacerdotes, religiosos, bispos, que nessa terra não têm nenhuma estrutura que os acolha. Além do mais, D. Benitez, além de ser um dos maiores bispos do Paraguai e da América Latina (padre conciliar; redator, com o Papa atual, do Catecismo da Igreja Católica; desempenhou papéis fundamentais no CELAM etc.), foi o padre que, há 20 anos, me acolheu e primeiro quis CL no Paraguai. Deus se serviu dele para acolher este filho pródigo mandado por Giussani e, agora, o filho pródigo acolhe o Pai que tanto se prodiga por ele. Bem, que venha D. Benitez”.
Imaginem a minha alegria: assistir àquele que me acolheu, aquele que foi, aqui, a dilatação do grande abraço de Giussani para mim! Que graça este hospital, onde todo tipo de pessoa é acolhida, amada, ajudada a morre em letícia. Vocês já se perguntaram por que São Francisco chamava “nossa santa morte corporal” ou “irmã morte”?
A realidade é o corpo de Cristo. Olhem esta foto: é um doente de AIDS que está se casando. Aconteceu no domingo passado, dia 1° de fevereiro. Logo depois que disse “sim” e colocou o anel no dedo de sua mulher, entrou em coma. Impressionante: SIM e, depois, perdeu os sentidos. Alguém poderia dizer: mas de que lhe serviu se casar naquelas condições? Amigos, o amor é eterno. O que acaba é o aspecto fenomênico da sexualidade, mas a sexualidade, dimensão constitutiva do eu e origem de cada relação, é para sempre. Não esqueçamos o dogma da Assunção...
O SIM deles não era ligado ao uso dos genitais, mas ao destino deles, depois de 35 anos de concubinato. De outra forma, não conseguirei entender porque todos os meus doentes, antes de morrer – aqueles que vivem em concubinato –, querem se casar, usando como motivo: “quero morrer em paz”. Deixo a vocês o desafio de entrar na profundidade dessa afirmação que, como nada mais, explica o que significa amar, o que significa o sacramento do Matrimônio. Para mim, a morte, o olhar para ela em cada instante, encará-la é, de fato, reviver a beleza, a majestade de cada detalhe da liturgia para os defuntos. Peço-lhes, experimentem pedir a um padre que lhes mostre como a Igreja educa para a morte. Para não falar dos cantos, da Missa de Requiem, no “Dies Irae” (hino composto, no século XIII, por Thomas de Celano; ndt) ou no “De Profundis” (trata-se do salmo 130 - 129 da Vulgata; ndt) etc. Como é bela a realidade, porque a liturgia é a realidade na sua máxima expressão. Sempre mais a clínica está se tornando um lugar de missão. Muitos dos internados são evangélicos que se afastaram da Igreja católica por diversos motivos, mas um motivo em particular se repete: não tem espaço para escutar o homem.
Obviamente que o simples pensamento de encontrar um padre ou um quadro de Nossa Senhora pendurado na parede ou a Eucaristia já cria neles um mal-estar... que, porém, dura poucos dias. O que acontece? Três vezes ao dia faço a procissão com o Santíssimo Sacramento, mas nos quartos onde estão evangélicos paro à porta e lhes dou uma bênção. Enquanto que, com os outros, não apenas os abençoo, mas me coloco de joelhos e beijo a cada um deles. Com os evangélicos, pelo contrário, coloco-me de joelhos e lhes dou um beijo, sem Jesus nas mãos. Ou seja, parto deles, da certeza de que a realidade é o corpo de Cristo. Parto deles, não de Cristo, para que consigamos nos entender... e, com o tempo, aquela realdiade que é o corpo de Cristo lhes conduz a pedir os Sacramentos, a beijar um santinho, a gritar pela Eucaristia. Como é verdade que a missão é a alegria de viver a realidade com a certeza de que ela é o corpo de Cristo.
Assim, vocês entendem o quanto me faz sofrer ler, nos jornais daqui, notícias a respeito de Eluana... sofro porque ela é o corpo de Cristo. E olho para Victor que está em condições muito piores: mas ele é o corpo de Cristo. Amigos, a batalha por Eluana é somente para que o capítulo décimo d’O Senso Religioso se torne nosso e de todos. De outra forma, cairemos na ideologia. Se vocês viverem aquele capítulo como comoção, poderão entender porque falo, olho a morte com certos olhos e desejo que todos a olhem assim, porque é a única maneira de olhar para a vida, para a realidade.
P.e Aldo

sexta-feira, 20 de março de 2009

Cartas do P.e Aldo 03


Asunción, 22 de fevereiro de 2009.

Caros amigos,
Giussani nos repetia continuamente, e Carrón nos mostra a mesma coisa na sua “carne”, que existe um critério objetivo e infalível para julgar tudo: é o coração.
E o juízo é Cristo, é a certeza de que “eu sou Tu que me fazes”. Um juízo que arrasta tudo consigo – sentimentos, estados de ânimo, depressão, doenças, mal humor, infidelidades, problemas entre marido e mulher, traições etc. Arrastar, para mim, quer dizer que todas as coisas são como uma ferida, se reconhecidas, feridas que abrem a razão e permitem que ela grite. Dentro de todas as confusões, tentem dizer “eu sou Tu que me fazes”, mas, pelo menos, com um mínimo de certeza de que seja verdadeiro, e lhes garanto que tudo, como dizia o Evangelho de hoje (sábado), se transfigura, se torna objetivo, real. Tudo se manifesta no esplendor do ser. Digo essas coisas porque muitos dos emails desta semana me gritavam a mesma coisa que gritam aqueles que não conheceram a Cristo. As coisas enumeradas acima não são coisas dos pagãos... são coisas que vocês, caros amigos, me escrevem, porque é entre nós que acontecem, porque somos como todos... porém, a nós aconteceu, acontece hoje, algo e Carrón nos indica este algo: “existe um critério objetivo e infalível para julgar tudo, o coração”.
E é partindo disso que, por exemplo, o problema afetivo ou da fidelidade matrimonial reencontra aquele respiro de infinito que nos ajuda a entender que não tem sentido viver de aventuras, e que todo relacionamento que prescide da realidade e da condição na qual a pessoa vive é aventureiro. Por isso, é belo quando escuto amigos que me dizem, como os Zerbini: “mas nós, Marcos e eu (Cleuza; ndt), estamos juntos apenas por Cristo, porque Marcos é, para mim, o sinal inconfundível de Cristo”. E isto é um juízo que chega até mesmo a modificar um estado de ânimo de fastídio em um beijo cheio de ternura.
Para mim, cada dia é assim. Ontem, quando cheguei na paróquia, depois de voltar do Brasil, tive que prestar conta com duas jovens mães mortas na clínica e, alguns instantes depois, com um outro homem que morria e, em seguida, me chega também a notícia de que me haviam confiado uma criança indígena de três meses, doente e abandonada. Eu estava cansado e estava fazendo um calor insuportável. Eu poderia dizer que todas as condições eram favoráveis para eu escapar, perder a paciência, ficar com raiva de Deus, em particular pela morte das duas jovens mães. O meu estado de ânimo era “negro”. Porém, como um raio, algo inverteu o meu ser: “eu sou Tu que me fazes”, “a realidade é providencial”, “mesmo os cabelos da minha cabeça estão todos contados”. Este juízo literalmente mudou a minha posição: a raiva se tornou adoração, o fastídio se tornou liberdade para abraçar aquelas situações com letícia. E assim é em cada instante do meu cotidiano... mas esta é a verdadeira e bela aventura de arriscar-se na realidade.
E também tem os milagres. Ontem de noite, fui ao bar com Celeste. Olhem-na na foto... e não me digam que a realidade é inimiga, que a realidade é negativa. Ela deveria estar já, há um mês, no cemitério e, naquele momento, estava no bar comigo. Uma prova a mais da grande verdade do Evangelho que conta a história da hemorroísa. Quem sabe se os médicos... entendem?! Os humildes, sim... os outros, absolutamente não.
Depois, mesmo estando cansadíssimo, ontem à noite, às 23h, fui à clínica para verificar toda a cozinha, ângulo por ângulo, e os armários dos enfermeiros, para ver se, de fato, estavam vivendo aquilo que diz São Paulo: “a realidade é o corpo de Cristo”. Aí, hoje de manhã, quando a clínica despertava para a adoração ao Santíssimo, a procissão, a leitura do Evangelho (da Transfiguração), eu chamei a atenção de todos: “o que aquela panela de ferro cheia de leite estava fazendo dentro da geladeira?... não se coloca o leite dentro da geladeira numa panela de ferro, mas num recipiente de plástico... a realidade é o corpo de Cristo”.
É um juízo que modifica até mesmo o modo de colocar as colheres para lavar, como me dizia uma enfermeira... o mesmo com o urinol ou com o prato dos doentes: “Padre, olha como estão brilhando... é verdade que mesmo os instrumentos de trabalho são o corpo de Cristo”, ela me dizia.
Com afeto
P.e Aldo