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terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Por que não conseguimos ser chineses sem a China?


Por Giovanni Cominelli

A transliteração da primeira linha do Livro I da Metafísica de Aristóteles soa assim: Pàntes ànthropoi to eidénai orégontai fùsei.  Traduzido: “Todos os homens, por natureza, desejam saber”. É a frase que inaugura a civilização europeia. Mas, se levantarmos os olhos dos “textos sagrados” e os voltarmos para os jovens das nossas escolas, para aqueles que estão diante de nós cada manhã, aqueles cujos professores passam para frente em série, cada um com a sua mochila de noções que deverão ser descarregadas ali, na cátedra, entre os bancos, a afirmação aristotélica não parece, de fato, muito evidente. Os nossos jovens têm desejo de aprender?
As observações empíricas tiradas dos estudos da OCDE (Organização pela Cooperação e o Desenvolvimento Econômico; ndt) e outros órgãos semelhantes evideciam dois dados: os jovens dos países desenvolvidos têm cada vez menos desejo de estudar; os jovens dos países em vias de desenvolvimento têm um desejo de estudar maior do que os seus coetâneos “ricos”. Saiba-se que entre os países desenvolvidos se delineia uma hierarquia: a Finlândia está entre os primeiros lugares. Mas a observação “nasométrica” realizada pelas escolas de Milão e do entorno, onde a comparação foi possível por causa da presença crescente e múltipla de quase cem etnias, confirma nos jovens de fora um desejo de estudar maior do que o que há nos nativos italianos. Constatação análoga vale para os jovens parisienses, londrinos, berlinenses, nova-iorquinos... As políticas dos sistemas educativos na Europa, reformados há muito tempo ou nunca – como é o caso da Itália –, se degladiam há anos com este dado.
Este fato contém uma pergunta dramática colocada a ele: a queda do desejo de aprender significa a queda do desejo em geral? Visto que o desejo é sempre “desejo de...” – assim como o pensamento é sempre “pensamento de...” – e visto que o desejo humano é uma massa de logos e de libido, a queda do desejo de aprender marca uma queda de interesse e de amor pela realidade e um rodopio narcísico do Eu numa espiral de vontade de potência ou de depressão de impotência. Se generalizado, marca uma enorme transformação antropológica e de civilização.
Se fosse assim, seria necessário muito mais do que algum reforma dos sistemas educativos. É preciso não apenas uma ideia diferente do educar e, portanto, do ensinar, mas sobretudo é preciso construir uma nova civilização, já que esta – que foi construída nos últimos trezentos anos – parece ter exaurido a própria energia interior. Este é o último pensamento dos sociólogos das transições e dos filósofos da história, bem como dos roteiristas ocidentais. Marx, Nietzsche, Spengler, Teillhard de Chardin, Baumann – para citar alguns – representam os pólos teóricos destes diagnósticos-visões-previsões de civilização.
Há uma versão menos dramática da primeira questão. Sim, os homens, por natureza, desejam saber, mas o sistema educativo que os deveria acompanhar rumo ao saber é uma ponte arruinada. Construída em outras épocas, mais especificamente a partir do século XVIII, com materiais velhos e métodos ultrapassados, para sociedades que desapareceram ou que estavam em vias de... Podemos dizer, então, que o desejo está intacto, o sistema educativo, porém, o está impedindo de se erguer em direção à sua margem. A isto se acrescentem o novo homo sapiens que se está delineando, os digital natives, o cérebro digital etc.
Enquanto isso, aquilo que se vê é que os filhos jovens do velho mundo euro-russo-americano se cansam de se empenhar. O reino da abundância e da liberdade que Marx propunha na segunda metade do século XIX, como fim e destino inevitável do comunismo, chegou justamente pela estrada do capitalismo. Mesmo que as diferenças de classe e de renda continuem muito agudas, mesmo nos países desenvolvidos e entre os países desenvolvidos, é evidente a divergência  entre o mundo euro-russo-americano, de um lado, e o latino-americano ou asiático, de outro. É como se a superabundância dos bens cortasse na raiz o desejo de aprender, de fazer, de estudar, de lutar. Enquanto os “pobres” desejam, os “ricos” consomem. Deste ponto de vista, a relação China-EUA é paradigmática.
Quais conclusões práticas provisórias se podem tirar dessa relação, excluindo-se o fato de que na Europa seja possível adotar o modelo chinês fundado na repressão familiar e social, sobre um autoritarismo feroz e sobre a fome, e que já é praticado na Itália, desde os anos 1950? É preciso assumir como ligadas umas às outras todas as dimensões das políticas da educação e da instrução. É preciso realizar uma Kulturkampf nos fundamentos antropológicos da nossa civilização. Se os fundamentos estão podres, isto fica evidente, em primeiro lugar, no sistema educativo. É preciso fazer uma reforma radical do sistema educativo, de tal forma que seja capaz de construir os fundamentos de uma nova civilização.
Separar estes dois aspectos: a batalha antropolótica e a batalha tecnicamente educativa significava, respectivamente, reduzir a batalha pela civilização a uma pregação ideológica, na medida em que aceita passivamente culturas, programas, estruturas, administrações do sistema educativo vigente; ou então iludir-se de que as novas tecnologias didáticas, as novas estruturas institucionais, as novas formas de autonomia, avaliação, formação e recrutament de novos professores sejam capazes, por si, de ressuscitar o desejo de aprender. Na transição de civilização que estamos vivendo, em direção a estuários desconhecidos, a questão educativa se torna um empreendimento global.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 24 de janeiro de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Leopardi: alma inquieta prisioneira de um desejo impossível


Entrevista com Pietro Citati

Pietro Citati fala com IlSussidiario sobre o seu livro Leopardi (A obra Leopardi, de Pietro Citati, foi lançada recentemente pela editora Mondadori, pelo preço de € 22,00; ndt). No silêncio da sua casa, em Roma, sentado no seu escritório, o crítico responde pacientemente a algumas das tantas possíveis perguntas que a sua última obra é capaz de suscitar. Acontece, assim, a possibilidade de redescobrir, sob nova luz, aquilo que se acreditava já saber sobre um dos maiores poetas que já houve, que Citati, seguindo Nietzsche, coloca ao lado de Pindaro e Hölderlin. O universo leopardiano é difícil de decifrar: “cheio de centros, porque, em Leopardi, não há um único centro”. É assim que Citati nos restitui um Leopardi visto através de sua vida: como se o único modo para adentrar o seu mundo fosse repercorrendo sua complicada, fascinante e controversa existência.

O senhor afirma, citando Pietro Giordani, que Leopardi dá “medo”. Por quê?
Dá medo por causa de sua grandeza. Nietzsche dizia que, na história do mundo, existem três grandes poetas líricos: Pindaro, Hölderlin e Leopardi. Dá medo por causa de sua multiplicidade: nunca se sabe qual é o seu eu. Há tantos. Para se aproximar de Leopardi, é preciso compreender esta pluralidade de “eus” em relação uns com os outros. E dá medo por causa da sua beleza: para mim, não chegamos ainda a compreender plenamente qual é a beleza de muitas líricas dos Canti (Cantos; ndt) e de muitas das Operette morali (Operetas Morais; ndt).

Por que a lua, como o senhor observa no seu livro, não responde a Leopardi?
Não sabemos o motivo, podemos apenas dizer que a lua não responde. A lua é a encarnação das ilusões, tema essencial da poesia de Leopardi. É a figura que ele mais ama. O pastor se pergunta – ou pergunta em nome de Leopardi – qual é a verdade sobre as coisas, mas a resposta não é dada. Isto significa que nem mesmo Leopardi dá uma resposta às nossas perguntas.

O senhor define Leopardi como “um materialista que odei a matéria”. Pode explicar melhor este juízo?
A partir de 1823, todo o Zibaldone reconduz cada aspecto da realidade, da vida e da psicologia humana, à matéria. O materialismo do século XVIII é uma exaltação da matéria. Também ele remete tudo à matéria, mas a odeia. Tudo o que é, ele diz num certo ponto, de modo eloqüente, é mal. As coisas boas são apenas as coisas que não são. Se todo o universo é matéria, contra a matéria Leopardi exalta a irrealidade: as quimeras, as hipóteses.

Se Leopardi “detesta a realidade”, como o senhor disse também numa entrevista sobre seu último trabalho dada ao jornal La Repubblica, quer dizer que nele prevalece mais o niilismo ou a ênfase no desejo humano insatisfeito e necessitado de infinito?
Não há niilismo em Leopardi. Há muito desejo de infinito, mas este desejo é reconhecido como impossível: o homem não pode alcançar o infinito. Já na poesia O Infinito há uma derrota, porque Leopardi cria na mente espaços intermináveis, mas depois nasce o medo, e dele o retorno ao mundo real, ao sopro do vento, e assim por diante. Aquilo que há de mais sólido em Leopardi, de mais positivo, não é o infinito, mas o indefinido.

Entre os autores que mais influenciaram Leopardi o senhor enumera Epícteto e Rousseau. Em que medida?
Epícteto explica não todo Leopardi, mas um momento preciso de seu pensamento: o da renúncia, da discrição, da abolição total da mente do pensamento sobre o infinito. Quanto a Rousseau, é muito mais complicado, porque nunca saberemos exatamente o que Leopardi leu dele. Mas, tanto Giacomo quanto o seu irmão Carlo citam um trecho da Nouvelle Héloïse, que exalta as quimeras contra as coisas que existem. Portanto, o quimérico em Leopardi tem um fundamento em Rousseau, mas há uma diferença profunda, porque em Rousseau o infinito é uma dilatação em direção ao externo, em direção ao céu, enquanto que em Leopardi ele nasce quando algo impede o olhar. Para criar o infinito, na única poesia em que ele o cria, Leopardi precisa fechar-se, limitar-se, valer-se da “sebe que de tanta parte / Do último horizonte, o olhar exclui”. Somente através da limitação é que se chega ao ilimitado.

O dileto é um topos em Leopardi. É muito diferente da forma como nós o entendemos?
Não diria. Para Leopardi, o dileto é o prazer, mesmo que seja um prazer cotidiano e limitado. A alegria que nos dá a poesia, em primeiro lugar: uma alegria limitada e, ao mesmo tempo, suprema. 

Na escola, se estuda que não houve sintonia entre Leopardi e Manzoni, mas o senhor pensa diferente. Por quê?
Há alguns trechos nas cartas de Leopardi que falam de Manzoni. Primeiro, alguém lhe diz que Os Noivos é um texto feio, e ele registra esse parecer como se fosse seu. Depois, no Gabinete Viesseux (Gabinetto Scientifico Letterario G. P. Viesseux, foi fundado por Giovan Pietro Viesseux e era um ponto de encontro importante, na Itália, onde se reuniam representantes da cultura italiana e europeia; ndt), encontra Manzoni. Então, Leopardi não havia lido ainda Os Noivos, mas mostra grande simpatia por Manzoni. Numa carta, alguns meses mais tarde, escreve que Os Noivos é uma obra muito bonita, mas que contém “defeitos”. Não sabemos quais eram os defeitos daquela obras, segundo Leopardi.

Giulio Augusto Levi coloca “Alla sua donna” no centro da produção leopardiana. O que o senhor pensa sobre isso?
É uma poesia extraordinária, mas eu não diria que seja o centro, mesmo porque a poesia de Leopardi não tem um, mas muitos centros. Um é O Infinito, outro é Alla sua donna, outro é O ressurgimento, outro é A Sílvia, outro As recordações, outro O pensamento dominante, outro ainda Il tramonto della luna. A sua visão do mundo muda de “centro” continuamente.

Há 150 anos a Itália foi unificada. Há um sentimento italiano em Leopardi?
Nele, não há sentimento político de unidade da Itália, mas há um grandíssimo amor pela cultura, pela literatura, pela língua italiana, que ele adora como algo absolutamente superior. Múltipla, móvel, flexível é, para ele, a língua ideal. As duas línguas que ele amava mais eram o grego e o italiano, mas, no fundo, ele amava mais o italiano que o grego.

E ele tinha razão ao identificar no italiano o fator de maior ligação e individualidade do nosso povo?
Acredito que sim, mesmo que isso não tenha muita importância. A língua italiana é maravilhosa, é uma língua que vive, morre, renasce e nós ainda hoje não a entendemos até ao fundo. Na realidade, o único autor de nossa literatura que conseguiu compreender de verdade a nossa língua foi o próprio Leopardi. E a sua interpretação da nossa língua nos está escapando. Estamos esquecendo essa interpretação.

Num artigo seu em La Repubblica, falando de outro assunto, o senhor cita Leopardi. Como é possível manter vivo, na decadência de hoje, “o primeiro homem” de Leopardi, a nossa “alma infantil”, capaz de maravilhamento?
É a mesma coisa que Göethe chama de “natureza original”. Ela pode ser mantida viva apenas com a força da nossa inteligência e das nossas sensações... É, seja como for, um trabalho muito difícil. Felizmente, a beleza pode ajudar nessa busca contínua.

* Texto extraído do IlSussidiario.net, do dia 16 de novembro de 2010. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Ruini: a educação? Amor e liberdade

Por Marina Corradi*

"Em termos leigos, pode-se dizer que o problema de fundo da questão educativa é a presença, ou ausência, de confiança na vida. Em termos religiosos, é preciso falar da esperança cristã, para a qual Bento XVI, não por acaso, dedicou a sua segunda encíclica. Aquela esperança confiável que, sozinha, pode ser a alma da educação, assim como da vida inteira".
É esta, segundo o cardeal Ruini, a primeira raiz daquela "emergência educativa" denunciada pelo Papa dois anos atrás, mas já percebida muito antes pelos pais e pelos que trabalham educando. Tema vivo e, frequentemente, doloroso. O auditório de Assolombarda, a dois passos do Duomo (de Milão; ndt), está lotado, no encontro anual dos Centros Culturais Católicos da diocese de Milão.
O que torna tão difícil a tarefa de educar, hoje em dia? A lectio magistralis de Ruini parte de uma análise das correntes que invadem a cultura contemporânea. Antes de tudo, o relativismo segundo o qual, diz, "o falar mesmo de 'verdade' é considerado perigoso e autoritário". Em segundo lugar, o niilismo: a "morte de Deus" anunciada por Nietzsche, o seu desaparecimento do horizonte cultural, "que está na raiz da queda de todos os valores". Em terceiro lugar, acrescenta o cardeal, o "naturalismo", compreendido como pensamento que tende a reduzir o homem ao puro resultado de uma evolução biológica. Pensamento que "contrasta radicalmente com a ideia judaico-cristã do homem como imagem de Deus", e nega uma insuperável diferença ontológica própria do ser humano. Contestando, assim, o primado absoluto da pessoa, de forma que, como disse Kant, o homem deve ser sempre um fim e nunca um meio.
Encontramo-nos, portanto - este é o ponto fulcral do diagnóstico de Ruini -, educando a partir de dentro de uma antropologia profundamente modificada; devemos formar homens, enquanto que o conceito mesmo de "homem" foi alterado. Pouco antes, Francesco Botturi, professor de Filosofia Moral da Universidade Católica de Milão, perguntou-se "o que anda remando, obscuramente, contra?" na tentativa de educar; e se remetendo à "Caritas in veritate" falava do nosso viver "dentro de um horizonte tecnocrático, incapaz de encontrar um sentido que não seja produzido por nós mesmos". Duas análises, portanto - de Botturi a Ruini -, convergentes: os filhos são sempre os mesmos, o que vacila é a ideia mesma de homem; quem é, e se pertence a um criador ou apenas a si mesmo.
Mas, dentro desta metamorfose que nos invade e nos forma mais do que possamos reconhecer - Ruini fala de uma "vulgata" científica na mídia e na escola que, cotidianamente, forma os seus discípulos -, é preciso, de qualquer maneira, educar. Como? O cardeal indica algumas "pistas" concretas. A primeira base, diz, está sempre na proximidade e no amor; no amor recíproco, mesmo entre os pais, que gera nos filhos confiança na vida (a estabilidade do matrimônio, acrescenta, não é portanto apenas uma questão privada). Depois, o relacionamento entra liberdade e disciplina deve ser liberado do erro típico do '68, segundo o qual toda disciplina é autoritarismo. A disciplina é necessária, é educar, é sempre "encontro entre duas liberdades": "é preciso, portanto, aceitar o risco da liberdade, o 'risco educativo', como dizia Giussani. Porque a liberdade do homem é sempre nova, e também os maiores valores do passado não podem ser simplesmente herdados, mas devem se tornar nossos em uma, frequentemente, sofrida escolha pessoal". E ainda devemos redescobrir a relação entre educação e experiência da dor: "na mentalidade comum, a dor é aquele aspecto obscuro da vida da qual, em todo caso, é preciso preservar os jovens. Assim, porém, crescemos pessoas frágeis e pouco generosas. É preciso, pelo contrário, não censurar o sofrimento, e não deixar sem resposta as perguntas que se põem".
Mas, voltando às raizes da "emergência educativa", é útil - e sobretudo aos adultos - "um fundamento sólido, sobre o qual se possa construir". Ruini localiza este fundamento na "confiança na vida", que, para os crentes, é a esperança na salvação de Cristo. Esperança, acrescenta, hoje insidiada de todos os lados, tanto que um filósofo não crente como Habermas descreveu a perda coletiva da confiança na salvação como o caráter novo do Ocidente. E todavia, sem aquela esperança, somos como os pagãos descritos por Paulo: "sem esperança e sem Deus no mundo". E então, conclui o cardeal, "um ponto de partida para responder ao desafio de hoje pode estar na verdade contida no niilismo: é verdade que, sem Deus, tudo fica sem fundamento".
Questões graves que estão na raiz do esforço de educar. É o grande tema do Projeto cultural e das próximas orientações pastorais da CEI (Conferência Episcopal Italiana; ndt). Mas também da "aliança educativa" que a Igreja italiana quer propor a todo o país. Numa confiança leiga ou numa esperança cristã: seja como for, juntos para educar e continuar a história.

* Extraído do Jornal Avvenire, de 16 de maio de 2010, p. 11. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco