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quarta-feira, 30 de março de 2011

Cartas do P.e Aldo 184



Asunción, 29 de março de 2011.

Caros amigos,
Carrón nos fala sempre da contemporaneidade de Cristo. Mas, o que isso quer dizer? Ver com os próprios olhos, tocar com as próprias mãos a vitória de Cristo ressuscitado como documentam as duas fotos da crisma de Alma e Carol, celebrada domingo passado na clínica.
Ambas gravemente doentes de câncer chegaram à clínica com o desespero no coração, com seus 17 anos de idade; aqui, encontraram, no abraço terno de Jesus, graças a quem vive com a certeza do “eu sou Tu que me fazes”, a alegria de viver. Alma era mórmon e quis se tornar católica e, no domingo, com sua companheira de quarto, recebeu o Espírito Santo, no Sacramento da Crisma. Olhem para o sinal da vitória de Cristo, da Sua contemporaneidade: a letícia que se vê em seus rostos.
Amigos, não existe circunstância – nem mesmo o câncer aos 17 anos – que seja mais forte do que Jesus. Uma confirmação belíssima disso é que o problema é apenas um: quem é Cristo, para mim? Que experiência faço dEle? Estou atento para recolher os sinais contínuos da Sua Presença? Li uma poesia de Rebora, quando estive recentemente em Stresa, que dizia assim: “Vigiar o instante”. Eis o que nos querem dizer os rostos de Alma e Carol, conscientes daquilo que têm aos 17 anos. “Vigiar o instante”, ou seja, “eu sou Tu que me fazes” como consciência do instante que me é dado.
Padre Aldo

quarta-feira, 2 de março de 2011

Cartas do P.e Aldo 180

Asunción, 25 de fevereiro de 2011.

Caros amigos, este mês foi, para mim, uma sucessão de fatos que me provocaram muito e, ao mesmo tempo, me tornaram mais consciente da minha pertença a Cristo através daqueles rostos nos quais a evidência do Mistério é concreta, precisa e cheia de comoção. Amizade que, em cada momento, me grita “É o Senhor!”, como naquela alvorada, no lago de Tiberíades, quando Pedro acordando na barca e olhando para a margem do lago, não reconhecendo o Senhor que vinha em direção a ele, assustado pensou que era um fantasma, mas de repente o amigo João, que carregava nos olhos e no coração o encontro tido com Jesus naquele dia às margens do Jordão, reconhece quem era aquele “fantasma” e grita aos amigos da barca: “É o Senhor!”.
Foi suficiente que um deles reconhecesse que era Jesus para que Pedro, o homem do medo, frequentemente vítima das suas fantasias, se lançasse na água do lago para alcançar aquele homem, abraçá-lo, deixar-se abraçar e, naquele abraço, sentir toda a Sua ternura, aquela ternura que é a única que pode salvar o homem.
“É o Senhor!”. Não posso viver sem que alguém continuamente me recorde, desperte em mim esta consciência, para que as duras circunstâncias da vida não me sufoquem. Como seria possível, sem esta certeza de que “é o Senhor!”, olhar no rosto a dor das minhas crianças, dos meus doentes e também a minha dor? Porque cada lágrima, cada gemido são também meus.
Neste mês, estive quatro vezes no Brasil. Certamente, para alguns pode parecer exagerado. Mas, eu lembro bem que, quando a depressão me atormentava a vida – nos inícios de 1989 –, em poucos meses, eu havia feito 20 mil quilômetros procurando refúgio nos diversos santuários marianos do norte da Itália e nos pouquíssimos amigos que podiam me fazer companhia. A pessoa se move apenas na medida em que é atraída por uma beleza, e a beleza é sempre dramática, porque a beleza é a vida ou a realidade definida pelo encontro com Cristo. Antes, como agora, o que me move a fazer estas viagens é a minha necessidade de estar próximo de quem, afetiva e efetivamente, me chama a atenção, me remete a “é o Senhor!”.
É nesta óptica que nasce a preferência, aquela preferência que envolveu na mesma experiência também o P.e Paolino e outros amigos que vivem comigo. Uma preferência que se dilata sempre mais e que se reflete no abraço a toda criança, a todo ancião, a todo paciente terminal. É possível carregar consigo a dor dos outros apenas se a sua dor é compartilhada com alguém que lhe quer bem. e não porque isso seja capaz de substitui-lo no enfrentamento da própria dor, mas apenas porque lembra a você que “é o Senhor!”, porque, na medida em que você está próximo daquela dor, você é remetido à doce Presença de Jesus. Certamente não faltam dificuldades, mas na experiência de olhar a Jesus no próprio rosto tudo se torna bem, mesmo o cansaço de estar aqui, no aeroporto de São Paulo, esperando o avião que sempre se atrasa absurdamente, de forma que chegarei em casa apenas às 3 da manhã.
É exatamente graças a esta fadiga que, na certeza de que “é o Senhor!”, posso enviar a vocês estas linhas, a fim de lhes comunicar a alegria de estar junto dos amigos que me recordam constantemente a única coisa que me interessa: “É o Senhor!”.
Deus queira que todos possamos ter esta alegria nos nossos rostos, não importando onde nem como, mas que nos lembrem sempre: “É o Senhor!”. A pessoa se move apenas por isto. O problema não são os quilômetros ou os metros, mas a consciência de que apenas Cristo realiza, educa àquele desejo de vida que todos carregam dentro de si. Não vejo a hora de rever os meus filhos, para lhes dar esta certeza que também é um frescor afetivo cada vez maior.
Com afeto
P.e Aldo

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Comentário ao evangelho do dia

Evangelho - Mc 8,22-26
Naquele tempo, Jesus e seus discípulos chegaram a Betsaida. Algumas pessoas trouxeram-lhe um cego e pediram a Jesus que tocasse nele. Jesus pegou o cego pela mão, levou-o para fora do povoado, cuspiu nos olhos dele, colocou as mãos sobre ele, e perguntou: "Estás vendo alguma coisa?". O homem levantou os olhos e disse: "Estou vendo os homens. Eles parecem árvores que andam". Então Jesus colocou de novo as mãos sobre os olhos dele e ele passou a enxergar claramente. Ficou curado, e enxergava todas as coisas com nitidez. Jesus mandou o homem ir para casa, e lhe disse: "Não entres no povoado!".

Comentário feito por São Jerônimo (347-420)
presbítero, tradutor da Bíblia, Doutor da Igreja 

Jesus tomou-o pela mão e conduziu-o para fora da aldeia. Deitou-lhe saliva nos olhos, impôs-lhe as mãos e perguntou-lhe: "Vês alguma coisa?". O conhecimento é sempre progressivo. [...] Só à custa de muito tempo e de uma longa aprendizagem é que podemos atingir um conhecimento perfeito. Primeiro saem as sujidades, a cegueira desaparece, e é assim que vem a luz. A saliva do Senhor é um ensinamento perfeito; para ensinar de forma perfeita, ela provém da boca do Senhor; a saliva do Senhor provém, por assim dizer, da Sua substância, e o conhecimento, sendo a palavra que provém da Sua boca, é um remédio. [...] "Vejo os homens; vejo-os como árvores que andam"; ainda vejo sombras, ainda não vejo a verdade. Eis o sentido desta palavra: vejo qualquer coisa na Lei, mas ainda não tenho a percepção da luminosidade radiosa do Evangelho. [...] "Jesus impôs-lhe outra vez as mãos sobre os olhos e ele viu perfeitamente; [...] e distinguia tudo com nitidez". Via, digo eu, tudo o que nós vemos: via o mistério da Trindade, via todos os mistérios sagrados que estão no Evangelho. [...] Nós também os vemos, porque acreditamos em 
Cristo, que é a verdadeira luz. 

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Cartas do P.e Aldo 178








Asunción, 26 de janeiro de 2011.

Caros amigos,
Olhem como elas são felizes, e no entanto todos têm um passado de violência. Olhem para Vitória: que olhos belíssimos! E foi abandonada pela mãe tão logo nasceu... encontrada perto de uma tumba.
Por que são felizes? Porque o DNA delas é totalmente definido por “eu sou Tu que me fazes”. Têm um monte de problemas, mas são felizes porque amados. É a surpresa até mesmo para a psicóloga que caminha conosco.
Ela fala de contenção, acerca do comportamento delas, eu falo de comoção, de olhar como aquele que Zaqueu encontrou. Não sei se já lhes disse, mas as minhas crianças em idade escolar passaram todas de ano com média 4 (a nota máxima, aqui, é 5).
Amigos, a vida é uma pertença, e não uma preocupação ou uma estratégia.
Assim, quando pintam o sete e a paciência chega ao limite, explode aquela certeza – “eu sou Tu que me fazes” – e olhar se torna maravilhamento e retoma o caminho.
Padre Aldo

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Cartas do P.e Aldo 177

Asunción, 15 de janeiro de 2011.

Caros amigos,
Nestas semanas, estou com o pensamento fixo sobre dois fatos que encontramos no Evangelho: o nascimento e a morte de Nosso Senhor Jesus Cristo na cruz e o olhar de Jesus a Zaqueu.
1. O nascimento e a morte de Nosso Senhor: os primeiros que foram encontrá-Lo em Belém eram pastores. Normalmente, quando pensamos nos pastores, temos deles uma imagem bucólica ou romântica. Mas, não acredito que esta imagem corresponda à realidade. Eram beduínos, deslocavam-se continuamente, vivem dias cheios, roubavam, assaltavam... uma vida certamente desordenada, vida de pecadores. Penso neles assim, porque me recordo dos pastores da minha terra, que eram “bandidos”, não tinham moradia fixa e tantas vezes nem tinham uma família. Deslocavam-se da montanha ao mar segundo as estações. Causavam danos em todos os lugares por onde passavam, roubando... concretamente, era uma vida desordenada, e a blasfêmia era a sua linguagem normal. Viviam com suas ovelhas, cavalos, jumentos e cães, se tornando, às vezes, como eles. Não quero pensar no filme dos irmãos Taviani – “Padre padrone” (Pai chefe; ndt) –, mas acredito que eles faziam parte, de alguma maneira, daquela categoria... em suma... eram pecadores. Como aqueles dois que estavam ao lado de Jesus, na cruz. Amigos! Tudo isso é desconcertante! No início, como no fim, Jesus se encontra entre pecadores, assim como durante a sua vida. E isto me enche de comoção, porque ressalta o fato que Jesus veio para nós, pobres filhos de Eva, veio graças à nossa pobre e frágil humanidade. Por isso, é espontâneo para mim me perguntar: aquilo que Carrón nos diz sobre a nossa humanidade como caminho para Cristo é o ponto sobre o qual trabalhamos seriamente? Penso nisso porque, sem uma grande simpatia pela nossa humanidade assim como ela é, o que quererá dizer que Cristo é contemporâneo? Para mim, o encontro com Cristo coincidiu e coincide com uma afeição grande pela minha humanidade: a alegria de ser homem, a liberdade de olhar com ironia os meus pecados, os meus limites. Não é mais o pecado, o limite, a me definirem, mas aquele olhar, assim como, para os pastores, uma vez que O viram, assim como para aquele ladrão, uma vez que, sobre a cruz, virou a cabeça e fixou Aquele Homem. Graças àquele Olhar, roubou dEle o paraíso. Um verdadeiro “ladrão” até ao fim! A simpatia pela nossa humanidade, semelhante àquela dos pastores ou dos dois ladrões na cruz com Jesus, cresceu ou permaneceu escondida num canto do nosso eu? Fico comovido por sentir-me abraçado por aquele menino, da mesma maneira que os pastores, ou aqueles dois bandidos, um dos quais entrou no paraíso no último instante da sua vida, quando reconheceu em Jesus o Filho de Deus. Amigos, será que nos damos conta de que Cristo precisa do nosso limite, do nosso temperamento?
Nestes dias, recebi na clínica, pela terceira vez, um rapaz doente de câncer. Um rapaz que vive na rua, com uma experiência terrível de amizades, tentativas de homicídio, de furtos, droga etc. Tem um câncer que parece uma pedra aguda na cabeça e outro na parte direita do pescoço que parece uma bola. Tantas vezes o recebemos e cuidamos dele, tantas vezes escapou, deixando-me o coração partido. Foi muitas vezes para a cadeia. Agora, voltou porque não dá mais conta, está acabado. Tem 18 anos. Ontem, me pediu a confissão. Foi, de fato, um reacontecer daquilo que aconteceu aos pastores ou aos dois na cruz, ou melhor, àquele que pediu perdão. Eu o olhava nos olhos pretos e lúcidos, enquanto pedia perdão. “Eu te absolvo...” e toda a sua história de miséria se tornou, de uma só vez, uma história de graça.
Amigos, pudéssemos nos deixar abraçar por aquele menino ou por aquele Homem que veio, vive e se faz presente todos os dias para nos dizer “amei-te de amor eterno, tendo piedade do teu nada”! Nestes dias, o calor chegou a 42º e, no entanto, mesmo isso é graça e me permite dizer, mesmo se todo molhado de suor e com a respiração ofegante, “Tu, oh meu Cristo”. E assim, tudo se torna uma graça, uma vibração apaixonada pela ternura de Jesus, que me faz olhar para os meus filhos tão belos com uma ternura única, um pouco como aquela de Jesus. Olhando-os, acho-os de uma beleza indescritível, sorridentes, vivos, certos daquele “eu sou Tu que me fazes”, ainda que tendo vivido violências terríveis, como as crianças que Herodes assassinou tentando eliminar também a Jesus.
2. O olhar de Zaqueu: impressiona-me e me conforta ver como Carrón nos provoca continuamente com este fato... e quanto mais assimilo aquele olhar, tanto mais sinto vibrar dentro de mim aquilo que Zaqueu experimentou no momento em que Jesus o chamou pelo nome. Aquele instante ficou pregado na minha mente, aquele átimo no qual se encontraram o olhar de Zaqueu e do Mestre. Tentem pensar, em meio aos problemas de todos os dias, no significado do sentir-se olhados, fixados daquele modo! Tudo se desfaz, se ilumina. Não desaparecem os problemas, os estados de ânimo, as doenças, a depressão, mas tudo se torna outra coisa, porque aquele olhar muda tudo, abraça tudo, domina tudo.
Florêncio é um rapaz de 20 anos, sozinho no mundo, foi recolhido por uma mulher com problemas psiquiátricos. Um drama dentro de outro drama. Miséria, fome, abandono. E, finalmente, um câncer “comeu” o rosto do rapaz, que, hoje, está terrivelmente desfigurado. A “mãe”, internada diversas vezes no manicômio. Conseguimos tirá-la deste lager e levá-la para junto do filho. Dia e noite, ela o assiste com uma amabilidade tão grande que nós, “sãos”, se não vibrássemos como Zaqueu por Jesus, não conseguiríamos entender, ou melhor, não seríamos nem mesmo capazes de nos dar conta. Olhando para aquele rapaz moribundo que, de vez em quando, retoma a consciência por um pouco, lhe pergunto “como está, Florêncio?”, e ele, levantando levemente o polegar da mão, me faz entender: “bem”. Outro dia, pensávamos que estivesse para morrer e a mãe me disse: “Padre, prefiro levá-lo para casa comigo vivo, porque se ele morrer aqui, eu não terei dinheiro para levá-lo até à casa, porque o traslado é muito caro (são 300 km daqui)”. Olho-a com ternura e lhe digo: “Estela, não se preocupe... a Providência cuidará de tudo”. E se tranquilizou. Algumas horas depois, passei perto dela e vi, com surpresa, que Florêncio estava sentado na cama e com uma canetinha estava desenhando uma figura feminina. Olho para o desenho e olho para ele comovido... da sua boca saía uma líquido podre... mas que ternura! Ele é literalmente consumido pelo câncer, todo inchado, com a carne já em decomposição, e no entanto com o olhar que me diz que a vida é bela! Eu o entendo, o invejo, porque ele é assim porque encontrou, alguns meses atrás, quando chegou aqui em condições desesperadas, o mesmo olhar que Zaqueu experimentou diante do olhar do Senhor. Não se pode explicar de outra forma como um rapaz naquelas condições, nos poucos momentos de lucidez e de consciência, diante da minha pergunta sobre como está, me responda OK levantando o polegar e me fixando com o seu olhar. O que posso fazer, além de beijá-lo e, ajoelhando-me diante dele, deixar-me olhar como Zaqueu por Jesus, presente em Florêncio, consciente de estar diante da morte. Porque ele sente o cheiro da sua pobre carne que só espera a ressurreição para se recompor, gloriosa e bela!
Amigos, quando Carrón nos lembra, em seu artigo de Natal, que Cristo está presente hoje, para mim, para vocês, instnate depois de instante, não posso não pensar no hino “Iesus dulcis memoria”. De verdade, é mesmo bonito viver com quem nos chama a atenção e nos remente em cada momento à doçura de Jesus.
Padre Aldo
P.S.: aos tão numerosos emails que vocês me enviam, responderei nos próximos dias, quando estarei, por alguns dias, no Brasil com meus amigos. Estar com eles é, para mim, repousar, na doce memória de Jesus.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Comentário ao evangelho do dia

São Francisco Xavier

Evangelho - Mt 9,27-31
Naquele tempo, partindo Jesus, dois cegos o seguiram, gritando: "Tem piedade de nós, filho de Davi!". Quando Jesus entrou em casa, os cegos se aproximaram dele. Então Jesus perguntou-lhes: "Vós acreditais que eu posso fazer isso?". Eles responderam: "Sim, Senhor". Então Jesus tocou nos olhos deles, dizendo: "Faça-se conforme a vossa fé". E os olhos deles se abriram. Jesus os advertiu severamente: "Tomai cuidado para que ninguém fique sabendo". Mas eles saíram, e espalharam sua fama por toda aquela região.

Comentário feito por Simeão, o Novo Teólogo (c. 949-1022)
monge grego, santo das Igrejas Ortodoxas 

[Diz Cristo:] 
Quando criei Adão, permiti-lhe que Me visse 
e por isso que ficasse colocado na dignidade dos anjos. [...] 
Ele via tudo o que Eu havia criado com os seus olhos corpóreos, 
mas com os da inteligência 
via o Meu rosto, o rosto do seu Criador. 
Contemplava a Minha glória 
e conversava Comigo o tempo todo. 
Mas quando, transgredindo as Minhas ordens, 
provou da árvore, 
ficou cego 
e caiu na obscuridade da morte. [...] 

Mas Eu tive piedade dele e vim lá do alto. 
Eu, o absolutamente invisível, 
partilhei a opacidade da carne. 
Recebendo da carne um começo, tornado homem, 
fui visto por todos. 
Por que aceitei fazer isso? 
Porque esta era a verdadeira razão 
para ter criado Adão: para Me ver. 
Quando ele ficou cego 
e, na sequência dele, todos os seus descendentes, 
não suportei permanecer 
na glória divina e abandonar [...] 
aqueles que criara com as Minhas mãos; 
mas tornei-Me semelhante em tudo aos homens, 
corporal com os corporais, 
e uni-Me a eles voluntariamente. 
Por aqui podes ver o Meu desejo de ser visto pelos homens. [...] 
Como podes então dizer que Me escondo de ti, 
que não Me deixo ver? 
Na verdade, Eu brilho, mas tu não olhas para Mim.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Cartas do P.e Aldo 169

Asunción, 28 de novembro de 2010.

Caros amigos,
gostaria de comunicar a vocês alguns fatos que aconteceram e que testemunham com Cristo está presente na minha vida e, por isso, tudo é positivo, mesmo a dor que, de uma desgraça, se torna graça, como nos lembra a Escola de Comunidade.
1. Ontem (sexta-feira), tivemos a surpresa da visita de Marcos e Cleuza. Uma visita relâmpago, que foi, para eles, uma aventura única: 7 horas de viagem de avião para chegar aqui e 4 horas para voltar. Nunca aconteceu algo assim. Somente uma grande amizade, fruto da familiaridade com Cristo, permite este olhar entre nós. Marcos, ontem, tinha uma reunião importante na Assembléia Legislativa, mesmo porque lhe estão fazendo propostas interessantes. Mas, preferiu vir para festejar o aniversário de Padre Paolinio e encontrar os amigos da fundação, responsáveis pelas obras. O encontro foi muito bonito, as experiências contadas foram como um vibrar do eu diante de Cristo. A genialidade de Cleuza nos lembrou o que Carrón nos dizia comentando o Monologo di Giuda (Monólogo de Judas, canção de Claudio Chieffo; ndt) em La Thuile: “Judas era um apóstolo, eu não sou um apóstolo; Judas fazia parte dos grupinho de amigos de Jesus, e eu também faço parte dos amigos de Jesus, como Judas, como Pedro. Porém, Judas participava daquela amizade, mas diferentemente de Pedro e de mim, não pertencia àquela amizade. Uma coisa é participar, outra coisa é pertencer. Judas traiu Jesus, mas também Pedro, assim como também eu. Porém, uma coisa foi a traição de Judas, outra a de Pedro e a minha. Judas, diante do seu pecado, sendo apenas participante daquela amizade, e não pertencente, se suicidou. Pedro, porém, que pertencia àquela amizade, reconheceu o seu pecado e se deixou abraçar por aquele olhar. Assim é para mim e para Marcos. Nós não viemos porque participamos do que acontece aqui, desta obra, mas porque pertencemos a esta obra. Uma pessoa pode até fazer milagres, mas se a sua natureza não for a do Pai, tudo morrerá. O filho pródigo voltou não porque quisesse participar do banquete, ou porque estava cansado da miséria, mas porque, no meio de toda as misérias, ele pertencia ao Pai, era da sua mesma natureza. O nosso problema é apenas um: participamos ou pertencemos? Seguimos Carrón ou olhamos para onde Carrón olha? Uma coisa é participar do movimento, participar daquilo que Carrón nos diz, outra coisa é pertencer ao movimento, pertencer ao olhar com o qual Carrón nos guia e olha para a realidade. Eu venho aqui, do Brasil, porque decidi pertencer àquilo que vi, como Pedro. Eu venho do Brasil porque pertenço a vocês. Assim, vocês trabalham aqui porque pertencem a esta obra. E o sinal desta pertença é a alegria com a qual vocês trabalham e é o que marca a diferença com quem não pertence”
2. Tão logo chegaram, celebramos a missa para eles na clínica. Alguns doentes terminais, incapazes de se moverem, participaram também. Grande foi a surpresa quando um doente de câncer, com a parte direita do rosto toda vendada, porque literalmente estava “comida” pelo câncer, e o outro lado todo inchado, tomou o violão e, com uma alegria nos olhos que nos comover a todos, acompanhou os cantos. Cleuza, a um certo momento, disse: “como pode um doente naquelas condições, nas vésperas da morte, tocar com tanto ímpeto o violão? A resposta é apenas uma: porque, nele, é clara, é evidente a pertença ao Mistério... e era visível como ele estava identificado com Cristo eucarístico. Ele tocava assim e naquelas condições, porque olhava para Cristo, pertencia a Cristo. Desafio a qualquer prêmio Nobel de oncologia a dar a este doente aquilo que somente Cristo pode dar. Nenhum prêmio Nobel pode dar um doente terminal a força, naquelas condições, de tocar o violão. Quem lhe dá a força é apenas Cristo, que passa através de vocês, que estão próximos e veem nele Cristo. Eu venho de São Paulo porque preciso ver como também a vida que está morrendo refloresce na pertença. Não venho aqui para ver as pessoas morrendo e nem mesmo para ver o hospital, porque tudo isto posso ver também em São Paulo, mas para ver os milagres da pertença a Cristo, porque não é uma coisa deste mundo ver um moribundo tocando violão. Venho aqui para que a certeza que hoje me acompanha seja a certeza que me acompanhe também amanhã. Não me basta o passaporte para hoje, eu o quero também para amanhã. E sem vocês não tenho esta garantia. O passaporte para o amanhã eu não tenho, mas esta pertença o tem. Então, o problema é não ter uma reserva na pertença, reserva que é o caruncho que destrói tudo. Quanto mais pertenço, tanto mais cai a reserva. A outra face da reserva é a pretensão. Por que prevalece a pretensão? Porque nos esquecemos do destino do outro. Por este motivo, não estamos juntos para fazer obras, mas para que floresça o nosso eu e as pessoas conheçam a Cristo, encontrem a Cristo. E se o ponto não está claro, a obra já está morta. Quando alguém tem este olhar é livre. Não é definido pelos resultados, pelos êxitos. Pensem, por exemplo, nos pais: que respiro começam a viver quanto aos filhos, sobre os quais temos tantas pretensões. Eu posso abraçar, sustentá-los, mas não me posso substituir a eles, ao drama deles. O violeiro que escutamos é uma evidência. Eu não posso tirar-lhe o câncer, não me posso substituir a ele, o drama é todo seu, não posso fazer com que a proximidade da morte se afaste. Posso sim abraçá-lo, amá-lo, mas o drama é entre ele e Cristo, e se vê bem como a sua liberdade, que se deixa abraçar por Cristo, lhe permite até mesmo de ‘tirar sarro’ do câncer, aproveitando plenamente daquilo que está tocando”
Amigos, vocês entendem por que somos amigos e por que não conhecemos distância, e como mesmo os “problemas” provocados pelas companhias aéreas não nos distraem?
Para terminar e assim começar bem o Advento, um último fato que mostra como nada impede que a realidade, a doença, seja um dom. Outro dia, a doutora Cristina, infectologista, me descreveu as condições de um paciente de AIDS, encontrado num lixão. Ele é uma ferida só. Os vermes saem de uma orelha apodrecida e também dos genitais. Chamou-me para perto dele para que eu me desse conta de onde pode chegar a miséria humana e também do que seria do homem se não fosse de Cristo. Vi como ela, com tanto amor, com uma pequena pinça, tirava os vermes um a um – e isso todos os dias – e fiquei abalado e comovido. Perguntei-lhe: “Mas, Cristina... como consegue?”. E ela: “Mas, padre, é Jesus... este homem cheio de feridas é Jesus; e, por isso, faço este trabalho com alegria”. Fiquei sem palavras, maravilhado, comovido, enquanto ela, com as pinças, acompanhada por outra jovem médica e uma enfermeira, continuavam, com o sorriso nos lábios, a tirar aqueles vermes de cabeça preta e corpo branco.
Vocês entendem o que quer dizer “contemporaneidade de Cristo”? Se Cristo fosse um “ontem”, uma pessoa não seria capaz de estar diante de um homem que traz no corpo os sinais do apodrecimento.
Rezem por mim e por meus amigos sãos e doentes.
Padre Aldo

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Aquelas “habilidades desconhecidas” que são uma riqueza para todos

Por Marco Lepore

Pode um projeto, que por sua natureza nasce com finalidades, objetivos, métodos e instrumentos pré-ordenados – e, portanto, pareceria imune a qualquer surpresa –, se tornar a ocasião para descobrir novos e inesperados cenários? E, sobretudo, cenários “intensos” e comoventes?
Evidentemente sim, porque é exatamente o que aconteceu durante o desenvolvimento do projeto financiado pela Região da Lombardia, “Deficiência e sucesso formativo: boas práticas e contribuições para ações formativas de excelência”, realizado em colaboração com a CdO (Companhia das Obras) Obras Educativas e CFP San Giuseppe di Lodi.
A missão era localizar e documentar as experiências de acompanhamento na inserção no mundo do trabalho de pessoas deficientes, na saída do percurso da escola média ou da formação profissional, através de uma pesquisa realizada em todo o território nacional.
E é assim que o projeto começou: contatando e visitando numerosas obras sociais, cooperativas e centros de formação profissional que se ocupam da deficiência; pouco a pouco, porém, assumiu a dimensão de uma descoberta bonita e tocante: o nosso país é, de fato, rico de realidades que levam em consideração os “últimos”, pessoas que, para viver uma vida digna e satisfatória – assim como cada um de nós, legitimamente, deseja –, têm necessidade de serem acudidas, acompanhadas, cuidadas cotidianamente. Às vezes, até mesmo no desenvolvimento de operações tão elementares quanto ineludíveis.
Quantos doentes psíquicos, quantas pessoas com deficiência estão “nas dobras” da nossa sociedade. Quase sempre escondidas ao nosso olhar, porque marginalizadas da sociedade hedonista e produtivista, mas muito presentes aos olhos e ao coração de quem cuida delas com infinita paixão e atenção.
Na Itália, existem cerca de 3 milhões de deficientes; tantos são limitados por dificuldades cognitivas, também graves; tantos outros têm problemas motores congênitos ou, não raro, adquiridos por causa de graves eventos traumáticos. As famílias, em muitos casos, não têm possibilidades, capacidades ou recursos para se ocuparem dessas pessoas em tempo integral, como seria necessário. E eis, então, a importante contribuição destas cooperativas sociais, fundações e associações, que auxiliam as famílias e as socorrem, oferecendo percursos de formação, centros diurnos, laboratórios protegidos, além de verdadeiras empresas que ocupam pessoas com deficiência.
Em todas domina uma grande atenção à dignidade e ao valor da pessoa, que não é, nem pode ser diminuído, seja lá qual for a gravidade ou a natureza da deficiência; como também domina uma grande ternura e compaixão – no sentido próprio de “sofrer junto” – por estes irmãos e irmãs que carregam uma cruz particular. Pessoas que, às vezes, nos vêm ao encontro para uma saudação, para um carinho, para nos estender a mão e nos dizer seu nome, para nos tornar participantes do que estão fazendo; ou mesmo, aparentemente fechadas no seu misterioso mundo e no seu sofrimento, mas igualmente desejosas de serem olhadas e amadas.
Em muitos casos foram colocadas em jogo criatividade e fantasia para consentir a cada um – às vezes adaptando máquinas, utensílios e instrumentos – que se desenvolvesse e exprimisse os próprios talentos (que sempre existem!) e que contribuísse para o bem comum através do trabalho. Trabalho que não é nunca fim em si mesmo, mas é sempre destinado a uma utilidade, mesmo que consista, às vezes, simplesmente no enxugar folhas de papel ou no cortar pedacinhos de pano, ou mesmo no misturar materiais muitos simples para a produção de objetos artesanais. E que resultados! Que intensidade e frescor humanos transparecem destas produções, inesperados e misteriosos florescimentos do desejo de felicidade e de beleza que marca o coração de cada um de nós!
O máximo do fascínio e da comoção, depois, se experimenta no ver suas atividades expressivas: a pintura, o teatro, a música e a dança; o “Festival das habilidades diferentes”, promovido pela Cooperativa o Nazareno di Carpi (que se também se envolveu com o projeto) está acontecendo exatamente nesses dias, é uma documentação extraordinária do que vimos dizendo.
Certo, os problemas – e são tantos – não faltam, e é por isso que começamos a trabalhar, solicitados pela Região Lombardia, para entender como enfrentar, de modo sempre mais adequado, o problema da transição para o trabalho e da qualidade de vida para estes jovens. Descobriu-se, então, que, de fato, é necessário olhar para a pessoa toda e não apenas para a sua deficiência; que é importante que exista uma continuidade nas figuras de referência independentemente do pedaço de caminho que se está realizando; que é fundamental, portanto, raciocinar em termos de “projeto de vida” e não cindir o percurso em tantos pedacinhos independentes uns dos outros... Estas, e tantas outras considerações; mas os resultados completos do projeto serão evidenciados mais à frente, quando terminar.
Enquanto isso, quem quiser saber mais sobre isso poderá participar do Congresso que acontecerá em Milão, no dia 28 de maio, no Instituto Maria Ausiliatrice, na via Bonvesin de la Riva, 12, às 10h. Além dos belos testemunhos de quem está trabalhando “na trincheira”, vai haver também uma interessante mesa redonda moderada pela Professora Lorenza Violini (docente de Direito Constitucional, na Universidade de Milão), da qual participarão alguns especialistas e acadêmicos. A introdução será feita pelo Professor Mario Melazzini, na qualidade de coordenador nos trabalhos técnicos sobre deficiência da Região Lombardia.
O título, “As habilidades desconhecidas”, é um resumo, de fato, da experiência impressionante e do fascínio experimentado por quem se empenhou na realização do projeto; mas é também um convite, dirigido a todos, a partilhar um pedacinho de caminho com estas pessoas “deficientes” que, mais do que outras, nos sacodem do torpor de uma existência “normal” e fazem sacudir o coração diante do insondável Mistério da pessoa humana.

* Extraído de IlSussidiario.net, do dia 27 de maio de 2010. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Cartas do P.e Aldo 142

Asunción, 30 de abril de 2010.

Caros amigos,
vários me têm perguntado por que eu não escrevo mais como antes. A resposta é muito simples: é sempre mais necessário que nos eduquemos a seguir e a levar a sério o que Carrón nos ensina com o seu modo de viver o carisma de Giussani, enriquecido com o seu dom pessoal de entrar no coração da realidade, fazendo-nos colher toda a espetacular positividade que contém. É como se, olhando para ele, para a sua liberdade, para o seu modo de estar diante de Cristo, se percebesse sempre mais que, também para mim, é o mesmo.
“Olhar Cristo no rosto”: eis que nesta afirmação está contido todo o meu viver, estar diante dEle da manhã à noite. Estar diante dEle quando me levanto com mau humor e imediatamente preciso me colocar de joelhos para olhar no rosto a alvorada que desponta com um sorriso. Estar diante dEle para sair, fazer minha corridinha de meia hora para permitir que minha diabetes não brinque comigo... estar diante dEle rezando, possivelmente, os quatro mistérios do rosário para poder, mesmo que distraidamente, gozar da Sua vida tão bem sintetizada no rosário. Estar diante dEle tomando o café e, depois, correr, às 7h da manhã, para pegar as minhas crianças e levá-las para a escola, depois de ter dado um beijo em cada um delas - que tanto esperam - e depois de ter rezado com elas as orações diante de Nossa Senhora. Estar diante dEle quando, deixadas as crianças na escola, corro para a clínica onde, às 7h15, todos os dependentes da Divina Providência, a Chefe do hospital, esperam pela meia hora de adoração, dividida entre a procissão e a comunhão aos doentes, as leituras do evangelho e um pensamento que desperte em cada um a mesma posição do coração que há já mais de uma hora e meia enche o meu. Estar diante dEle quando me ajoelho diante de cada doente, dando-lhe um beijo no rosto e fazendo-lhe um carinho. É o momento mais bonito do dia: com a Eucaristia nas mãos, de joelhos diante de cada paciente. É reviver, em cada momento, o Mistério da paixão, morte e ressurreição. Este Mistério tão concreto do meu cotidiano, um cotidiano que começa cedo e termina tarde, quando, depois de ter dado um beijinho de boa noite nas minhas crianças (nem sempre consigo ir à Casinha de Belém, porque sempre tem um imprevisto), retorno para a clínica, para saudar as minhas pequenas hóstias brancas (Vítor, Cristina, Celeste, Aldo, Mário), frequentemente ainda acordados. Beijo-os, me ajoelho diante de cada um e, depois, tocando o rosto de um por um, faço o sinal da cruz. São o meu Jesus, o que mais sofre e que mais me conforta. Só depois de ter saudado este Crucifixo que são os meus pequenos doentes, é que saúdo Jesus Eucarístico e vou para a cama, tentar dormir... porém, olhando para Ele.
Vocês sabem quantas vezes eu retomo esse trecho da Escola de Comunidade no qual Giussani fala de olhar Cristo no rosto, e quantas vezes leio, releio as coisas que Carrón nos diz.
A surpresa mais bonita (vocês podem ler isso em Tempi) foi a visita de Marcos, Cleuza e Bracco (responsáveis do Brasil) na semana passada. Eu tinha voltado de uma longa viagem e todos sentíamos um grande desejo de nos vermos. Assim, eles pegaram o primeiro avião e vieram para cá. Eu estava muito cansado e precisava vê-los, estar com eles, porque, como diz Cleuza, “frequentemente, na vida, podemos nos encontrar no fundo de um poço. Então, você tem duas possibilidades: ou olhar em volta e se sentir sufocando, ou levantar os olhos e ver aquele metro quadrado de céu azul que lhe faz pedir, gritar por ajuda”. E, de fato, aconteceu assim: eles foram, para mim, aquele pedaço de céu azul. Mas, não porque tivéssemos feito um dia de retiro espiritual, mas pelo simples fato de que nos fizemos companhia, ajudando-nos com o texto de Carrón, publicado no jornal Repubblica, na Páscoa: “Feridos, voltamos a Cristo”. Todos somos feridos e, por isso, somos necessitados de voltar àquele Tu, àquele estar diante dEle.
Foi muito bonito, porque, vivendo com eles o que eu vivo todos os dias, foi como entrar ainda mais no coração da questão: a paixão pela glória de Cristo. E além do mais foi bonito porque mesmo os meus confrades vibram sempre mais com esta beleza. Porém, em Tempi, vocês vão encontrar todos os detalhes daqueles dias.
No dia primeiro de maio, a clínica faz 6 anos. Acompanhei mais de 700 pacientes para a morte entre os braços de Jesus. Em seis anos, a morte se tornou minha amiga e não tem mais o rosto feio como sempre eu a vi. Pensem: é o momento no qual você está para encontrar Jesus, aquele Jesus pelo qual eu acabei aqui, aquele Jesus pelo qual, graças a tantas misérias vividas, aprendi a tocar com a mão o significado do Horto do Getsemani, aquele Jesus que se serviu e se serve de um pobrezinho como eu, com um temperamento único e, frequentemente, com uma emotividade tão variada, mas que está bem ancorada na certeza de que nenhum problema é maior do que a resposta. Que nenhum problema é maior do que Jesus.
Uma enfermeira me dizia ontem: “O que move a minha vida é o milagre: tudo é, para mim, um milagre... do modo com o qual tiro uma fralda dos idosos ao modo como os limpo etc. A fé não é dizer ‘ou conta só até aqui’, mas a certeza de que Deus cumpre e, por isso, pede ajuda para você. Se eu estou aqui é porque o Senhor me quer aqui. A fé é a esperança que se cumpre. Por exemplo, quando chegam os mendigos, alguém poderia dizer: ‘Mas, estes não mudarão nunca, é inútil querer educá-los’. Porém, para mim, não é assim, porque tenho a certeza que nasce da fé de que, com o meu afeto, a esperança que algo lhes aconteça se tornará verdadeira. De fato, depois de meses, aprenderam a usar o banheiro, a aceitar os remédios, a ficar juntos na mesa usando mesmo o guardanapo. O milagre é o fruto da insistência da fé que é a esperança. Depende de mim que isso aconteça, porque se a minha liberdade não deixa uma fissura aberta para a graça, nem mesmo Deus pode fazer alguma coisa”.
E é belo ver como estas 150 pessoas que trabalham aqui, dependentes diretos do Pai Eterno, aprendam a viver assim o trabalho, aprendam a estar diante de Cristo e vejam, cada dia, os sinais da Sua Vitória. Chegam cheios de confusões e, no tempo, educados a estar diante dEle, mudam, se tornam humanos.
O mês de maio está às portas, e eu peço a vocês que rezem a Nossa Senhora para mim e para os meus doentes e para todos este povo que vive e sofre aqui.
Uma nota final: ontem, como a cada 15 dias, encontramos os doentes de AIDS para ficar com eles, porque o homem é uma companhia. Este é um índio, transexual com cabelos (tingidos) louros. É meu afilhado de crisma. É um daqueles que, graças ao afeto e aos remédios, de moribundo que era recomeçou a viver. Pois bem, veio de longe, tão pobre que disse: “Para vir ficar com vocês, em companhia, peguei emprestado um par de sapatos, porque, há meses, que ando descalço, porque não tenho nada, muitas vezes nada nem para comer”. Que comoção! É verdade: quando se há uma pergunto grande na vida, se busca uma companhia adequada e, não havendo sapatos para alcançá-la, pede-se emprestado a quem tem. Pergunta pequena, homens anãos. Pergunta grande, encontram-se gigantes.
“Feridos, buscamos Cristo”... levemos isso a sério... se não se está ferido... não se pede sapatos emprestado...
Com afeto,
Padre Aldo

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Um saquinho de laranjas pela emergência educativa

Por Giorgio Paolucci

Emergência educativa: um fenômeno que está na boca de todos. Tantas vozes se levantam para enfrentar estes "jovens de todos os tipos que não sabemos mais como gerir". Desperdiçam-se análises e denúncias, carece-se de remédios. Aquilo sobre o que (quase) todos concordam é que, depois da época do "é proibido proibir", é necessária uma maior severidade. Traduzindo: é como se se entendesse que professores e pais devem se tornar os policiais da juventude. Que é preciso voltar a punir como antes, ou então a situação se tornará incontrolável. Mas, será que um adulto-xerife é suficiente? Um episódio do qual fomos testemunhas há alguns dias ajuda a responder às perguntas que muitos se colocam, sem encontrarem uma resposta convicente.
Estudantes do ensino médio aproveitando um feriado em Firenze. Parada para um lanche na frente do mosteiro de São Marcos. Depois de terem saciado a fome, começam a jogar, uns nos outros, o resto dos sanduíches e a esmigalhar os biscoitos, jogam a água das garrafinhas uns sobre os outros, enquanto um grupo improvisa uma partida de futebol com as laranjas que ficaram nos saquinhos. Gritos, risadas sardônicas, e o desconcerto e a desaprovação dos passantes: "mas, o que os pais ensinam em casa a essa gente? E os professores o que fazem?".
Acontece um fato imprevisto: dois professores recolhem as laranjas que sobraram e as colocam em dois saquinhos, outros dois saquinhos são enchidos com os sanduíches, depois recolhem as garrafinhas de água espalhadas no chão. Chamam aqueles que estavam jogando bola e os convidam a segui-los. "O que é? Não fizemos nada". "Não se preocupem. Venham conosco". Juntos vão para a frente do portal do Hospital dos Inocentes - que fica ali perto -, onde dormem alguns velhos mendigos. Um professor se aproxima daquela humanidade afligida e pergunta: "Vocês querem alguns sanduíches? Não se ofendem?". No rosto daqueles homens se acende um sorriso, as mãos se estendem para pegar os saquinhos. "Aceitam água também?" "Não, obrigado. Ainda temos um pouco." Como isso pode ser possível? Eles poderiam ter feito uma reserva... mas preferem deixar para outros que também podem ter necessidade. Do meio das colunas desponta uma senhora mal vestida, com os olhos fundos e o olhar orgulhoso: "Tenho seis filhos, seis... podem me dar também?". Ainda há as laranjas, e os olhares dos mendigos se iluminam: "Que maravilha, fruta!".
Os dois professores voltam para o mosteiro de São Marcos, seguidos pelos jovens que se olham quase incrédulos, alguns com olhos baixos, e comentam: "Mas, você viu aquele lá como pegou a laranja? E o outro que não quis a garrafinha de água?". A bravata de onde tudo tinha nascido deixou lugar para o maravilhamento diante de algo grande que testemunharam e do que foram protagonistas involuntários. Algo maior do que a tolice que haviam feito, algo que tornou evidente, no impacto com a pergunta presente naquela humanidade necessitada, a pequenez do comportamento que tinham assumido.
A realidade ensina mais do que muita falação sobre os valores. Basta saber olhar para ela com olhos sinceros. Mas, para isso, é necessário alguém que eduque a olhá-la assim. Alguém capaz de conduzir pelas mãos jovens que, jogando futebol com laranjas que sobraram do lanche, jogam futebol com a própria vida. E que, da vida, possam redescobrir o significado e o valor, tendo diante dos olhos alguém que não esperavam. Aqueles dois professores economizaram a enésima e previsível reprimenda, deram aula fora de sala. Uma aula de vida feita de poucas palavras e de um gesto capaz de despertar perguntas que cada um traz em si no coração. E, assim, conseguiram uma pequena-grande conquista educativa que nenhum "xerife" saberia conseguir.

* Artigo publicado no jornal Avvenire, do dia 23 de abril de 2010, p. 2. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.