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quinta-feira, 7 de abril de 2011

Contra a estratégia gramsciana de revolução cultural...

No dia 6 de abril de 2011, no Senado Federal, a senadora Kátia Abreu proferiu aquele que, no meu entender, é o primeiro discurso de verdadeira oposição que eu já tive a oportunidade de ler. Enquanto isso, a imprensa - e, o que é mais engraçado, os governistas também - elegeu o discurso de Aécio Neves como "o" discurso "da" oposição. É uma pena! Porque, fora os lugares comuns de sempre de uma oposição - a do PSDB - que não propõe absolutamente nada que se oponha, no fundo, ao que o PT, historicamente, fez e faz, o discurso do senhor Aécio Neves é apenas uma, digamos assim, carta de lançamento de sua candidatura. Já se pode ver como será o cenário eleitoral em 2014: igual ao de 2010?!... Segue a íntegra do discurso da Senadora Kátia Abreu

Senhor Presidente,
Senhoras e senhores senadores,
A história contemporânea brasileira se move por ciclos. Tivemos o período militar, de 1964 a 1984; a redemocratização, a partir de 1985; e o período pós-constituinte, a partir de 1988. Nele estamos há 23 anos. Desde então, foram nada menos que seis eleições presidenciais diretas, em que dois partidos, que pouco diferem em conteúdo programático, se alternaram no poder: o PSDB e o PT. Ambos se apresentam como partidos de viés de esquerda - um é social-democrata; o outro professa um socialismo reformista.
Lembro-me de um debate há alguns anos entre o senador Cristovam Buarque, então no PT, e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em que ambos admitiam não haver discordância ideológica substancial entre seus partidos. Disputavam apenas, a partir de São Paulo, espaços de poder: não de idéias. As coincidências não se esgotavam aí. Também para chegar ao poder, ambos se valeram da mesma estratégia, de buscar alianças conservadoras, que lhe eram doutrinariamente opostas, mas que lhe favoreciam a chegada ao poder. O PSDB aliou-se ao PFL, hoje DEM, enquanto o PT aliou-se ao Partido Liberal, de José Alencar.
Essas alianças, no entanto, não abriram espaço para que o pensamento liberal ocupasse, ainda que parcialmente, a cena política. O máximo que propiciaram foi a divisão de cargos na máquina estatal. O ideário liberal, que tem na defesa da liberdade individual - e não apenas na defesa da economia de mercado - o seu epicentro, jamais esteve em primeiro plano. Esse tipo de parceria, movido apenas pela ocupação de espaços na máquina pública - e não pela defesa de idéias -, desfigurou doutrinariamente o quadro partidário.
A terminologia direita-esquerda-centro, com suas gradações de centro-direita e centro-esquerda, perdeu conteúdo e significado. O ex-presidente Lula, antes das eleições do ano passado, saudava como sinal de avanço e progresso político o fato de todos os candidatos à Presidência da República, na sua visão, serem de esquerda. Mas, no curso da campanha, seu partido chamava os adversários de “direita”, termo que deixou de designar um campo respeitável do pensamento doutrinário para tornar-se sinônimo de perversão ideológica, num cenário artificial, em que o monopólio do bem e da virtude estaria à esquerda.
Por aí, se vê que essa nomenclatura tornou-se inteiramente vazia, gerando mais confusão que esclarecimento, conferindo às campanhas eleitorais contornos de mera disputa mercadológica, em que os marqueteiros despontam como os grandes protagonistas. O resultado é a pobreza e a falsidade do debate político, que aprofundam o abismo entre sociedade e governantes. Hoje, os partidos são identificados não pelo que propõem, mas por sua posição em relação ao governo: oposição ou situação. Aos primeiros, cabe dizer não; aos segundos, dizer sim.
Não importa se o que está em pauta coincide ou não com o programa e a doutrina de cada qual. Oposição terá sempre que dizer não, como se fosse uma empresa de demolição, enquanto os da base aliada se comprometem incondicionalmente com o sim. Desnecessário dizer da indigência política, moral e filosófica de tal conjuntura. A política tornou-se mera disputa de poder, que deriva para um vale-tudo de promessas inexeqüíveis e demagógicas. Não há democracia que se consolide em tal quadro.
É preciso romper com esse círculo vicioso, herança ainda dos tempos do autoritarismo, que impôs ao quadro partidário brasileiro um caráter bipolar e frentista. No período militar, tínhamos de um lado uma frente de alianças em favor do regime; de outro, uma frente oposicionista, que ia da direita à esquerda. Naquela circunstância, de luta contra a ditadura, era o jeito.
Mas veio a redemocratização e, com ela, o pluripartidarismo, que, no entanto, não rompeu com a estratégia das frentes híbridas, que desde então submetem a coerência doutrinária aos interesses fisiológicos e imediatistas de exercício do poder. O poder pelo poder, em que todos perseguem apenas a vitória eleitoral, sem a contrapartida de compromissos programáticos, morais ou filosóficos. O número crescente de abstenções e votos nulos (quase 36 milhões de brasileiros) nas eleições indica que a sociedade brasileira já está farta desse jogo artificial, insincero e improdutivo, que empobrece e corrompe a política.
Quer o fim da farsa; quer que os partidos sejam o que precisam ser: expressões efetivas de correntes de pensamento da sociedade; que convirjam a partir de ideias e ideais - e não em função do antagonismo ou protagonismo em relação a quem está circunstancialmente no poder, como ocorre hoje. Somente assim os partidos poderão cumprir o papel formador e formulador que têm perante a sociedade, como agentes do bem comum, das transformações e do progresso. Com as distorções atuais que aqui estou apenas resumindo, não há a menor chance.
Cumpre, pois, que se inicie desde já um novo ciclo na vida política brasileira, em que se dê conteúdo doutrinário à democracia, em que cada agente político expresse convicções e seja cobrado pela fidelidade que tem a elas - e não a cargos e interesses menores. Isso não se resolve apenas com reformas nas leis que regem o sistema político. Mais que a reforma política, é preciso reformar a mentalidade dos agentes políticos. A nossa mentalidade.

Senhor Presidente,
Senhoras e senhores senadores
É com esse propósito - e tendo em vista esse clamor da sociedade brasileira por renovação na política - que formalizo, aqui, desta tribuna, minha saída do Democratas, ao mesmo tempo em que anuncio que estou me associando às lideranças nacionais empenhadas em criar o Partido Social Democrático - o PSD. Esta decisão não deriva de rompimento, briga ou dissidência, mas da constatação de que se esgotou um ciclo - e não apenas um ciclo pessoal, mas conjuntural, político, um ciclo da vida partidária brasileira. E é preciso inaugurar um outro, de olhos postos no futuro.
Tenho pelo Democratas respeito e reconhecimento pelo papel que desempenhou no processo de redemocratização, desde sua origem, em 1984, quando Partido da Frente Liberal. Coube-lhe garantir a eleição de Tancredo Neves e José Sarney no colégio eleitoral, propiciando a retomada pacífica do poder político pelos civis. Deu, posteriormente, sustentação aos dois governos de Fernando Henrique Cardoso e exerceu oposição aos dois governos de Lula. Cumpriu um belo papel histórico.
Considero, porém, que a parceria que nos uniu chegou ao fim. Atuação partidária hoje tem concepção distinta da minha no que se refere não apenas à prática interna da democracia, mas à postura de independência em relação ao quadro presente da política brasileira. Respeito e acato, mas já não me sinto em sintonia. Não mudei de idéias ou de identidade, mas já não vejo meios de implementá-las de onde estava. Fui criticada quando aqui votei pelo salário mínimo de R$ 545. Mas, na mesma ocasião, votei contra uma medida provisória que pretendia capitalizar o BNDES. Em ambas as ocasiões, votei tendo em vista a defesa de um princípio que o DEM e eu sempre postulamos: a responsabilidade fiscal. E assim entendo que deva ser. Um partido deve, acima de tudo, ter caráter, ser fiel a seu programa.
Não há ética sem caráter.
Não vejo que o momento reclame atitudes simplistas de se filiar ao “sim” ou ao “não”. Não há grandeza nisso. Perguntam-me se o PSD fará oposição ou se fará parte da base do governo. Não é assim tão banal. Se fosse, não seria preciso criá-lo. É evidente que as forças políticas que sustentam o atual governo filiam-se a uma corrente de pensamento distinta da minha. No essencial, divergimos, o que não impede que, em alguns momentos, possamos convergir.
Acusam o novo partido, que sequer saiu do papel, de servir a propósitos pessoais, de favorecer as carreiras de seus organizadores. Se fosse assim também, melhor seria não criá-lo. Mais fácil seria permanecer onde estávamos, já que a criação de um partido, no Brasil, efetivamente enraizado na sociedade e com propósitos definitivos - e é o que pretende o PSD -, é um empreendimento trabalhoso, caro e de alto risco. Lideranças como Gilberto Kassab, prefeito de São Paulo, e Guilherme Afif Domingos, vice-governador de São Paulo, teriam meios bem mais cômodos de dar seqüência a seus projetos pessoais de onde estão. Ocupam cargos de grande influência, têm luz própria e não precisariam se expor a desafios desse porte.
O que constatamos é que o Brasil está no limiar de um novo tempo - e que só avançará se a política assimilar os novos paradigmas que lhe estão postos. E o principal é este: é preciso nitidez de compromissos. Não é admissível que a quinta economia do planeta, com o amplo horizonte que neste momento a ela se descortina no cenário mundial, não exerça interlocução com sua própria sociedade. Há um amplo segmento de cerca de 110 milhões de brasileiros da classe média órfãos dessa interlocução.
Nosso ideário consagra a defesa da economia de mercado, como único regime capaz de gerar riqueza e sustentabilidade, sem as quais não se erradica a pobreza. Não cremos no Estado-empresário, que consideramos um falso brilhante. A experiência do socialismo real, nos diversos países que o adotaram, o evidencia. Ficaram mais pobres que antes. Nossa postura e votos, no Legislativo, levará sempre isso em conta. Quando esses postulados forem favorecidos, não poderemos nos opor. Quando forem contrariados, combateremos. Mas não só. A defesa do capital e da livre empresa nem é a maior urgência brasileira, já que dispõem de suas próprias defesas e nem chegaram a ser ameaçados pelos governos do PSDB e do PT.
O que vemos como urgência - e isso faz parte da reforma das mentalidades na política - é a defesa da liberdade individual, da liberdade de pensamento, liberdade para fazer suas escolhas (Liberalismo = Liberdade). Vemos cada vez mais o país sendo submetido à ação das patrulhas do pensamento, que impõem os dogmas do politicamente correto, criminalizando os que deles divergem. Liberdade de pensamento é o convívio civilizado com as idéias com que não concordamos, mesmo com as que eventualmente abominamos, nos limites da lei. Ser tolerante é tolerar o intolerável.
É essa intolerância que ameaça o convívio democrático, empobrece o debate e impede a livre circulação de idéias na sociedade, não permitindo que seja juiz dos que disputam o seu voto. É essa intolerância que estigmatizou os que vêem no socialismo uma doutrina anacrônica, fracassada e ineficaz, associando o pensamento liberal ao totalitarismo fascista, que lhe é antípoda.
Socialismo e fascismo, sim, têm algo em comum: o culto ao Estado, que, em ambos os casos, deixa de servidor do cidadão para tornar-se seu dono, intrometendo-se crescentemente em questões inerentes à vida privada e ao arbítrio das famílias. É contra esse estigma ideológico, falso como uma nota de três reais, que combateremos. O termo “social” que adicionamos ao nome do partido indica que essa preocupação com as famílias de baixa renda ou sem renda nenhuma não é monopólio de ninguém e está longe de ter dono.
Como produtora rural e presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, posso afirmar - e os números nesse sentido são eloquentes - que o capitalismo no campo é o mais eficaz fator de erradicação da pobreza neste país. Se hoje temos superávits contínuos e crescentes na balança comercial; se temos hoje uma classe média rural em expansão; se oferecemos a melhor e mais barata comida do mundo; se hoje deixamos de importar alimentos, como o fazíamos há quatro décadas, e disputamos esse segmento do comércio internacional - não há dúvida de que isso se deve ao ambiente de livre competição que se estabeleceu no campo.
E isso apesar do combate sistemático que sofremos de grupos ideológicos, que insistem em nos associar ao atraso e à perversão política, como supostos herdeiros de uma mentalidade colonial. Os fatos conspiram contra essa versão, que, no entanto, continua a ser sustentada, inibindo o livre trânsito das idéias, falsificando-as. A hegemonia do pensamento esquerdista, que a estratégia gramsciana de revolução cultural inoculou na academia, estabeleceu a ditadura do pensamento.
Quem hoje se sente à vontade, nas universidades e meios culturais, de se apresentar como sendo de direita ou liberal? Será renegado e excluído do debate, como um pária. E isso é trágico. Torna a democracia um engodo, um debate entre iguais, que deriva para uma luta por cargos. Nada mais. É para romper com esse paradigma e permitir que a sociedade brasileira - sobretudo sua classe média -, que se tem mostrado avessa à agenda comportamental do politicamente correto, que o PSD entra em cena.
As entidades representativas da sociedade civil têm seu papel, seu valor e seu espaço. Mas não podem monopolizar ou tutelar o debate. Representam parcelas da sociedade, mas não o todo. As minorias, ambientalistas ou produtores rurais não são segmentos isolados, com interesses que devam se sobrepor ao conjunto do qual fazem parte. Suas demandas têm que estar em sintonia com o todo e a ele se submeter. Não são intocáveis, nem inquestionáveis.
As propostas que os contemplam - e algumas delas tramitam neste Congresso Nacional - não podem se revestir do status de sagrado, imunes a críticas, ponderações ou mesmo rejeições, se for o caso. E é o que presentemente ocorre, em face da ditadura do pensamento, incompatível com a essência da democracia. É na defesa dos valores libertários, que pairam acima de quaisquer outros - e que devem moldá-los - que o PSD anuncia seu ingresso nesta nova etapa da vida político-partidária brasileira.
Não seremos do contra: somos, e seremos sempre, a favor do Brasil: de sua gente, em sua multidiversidade - étnica, cultural e religiosa. Combateremos no campo das ideias, sempre ao lado de quem se disponha a endossá-las e fortalecê-las.  O PSD será literalmente fiel aos seus princípios e ao seu ideário partidário. Convido a todos os Brasileiros para acompanhar em fiscalizar as ações a que o PSD se dispõe.
Muito obrigada.

* Texto extraído do Blog do Reinaldo Azevedo, do dia 6 de abril de 2011.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Tempo de muda

Por Fernando Henrique Cardoso*

Novo ano, nova presidente, novo Congresso atuando no Brasil de sempre, com seus êxitos, suas lacunas e suas aspirações. Tempo de muda, palavra que no dicionário se refere à troca de animais cansados por outros mais bem dispostos, ou de plantas que dos vasos em viveiro vão florescer em terra firme. A presidente tem um estilo diferente do antecessor, não necessariamente porque tenha o propósito de contrastar, mas porque seu jeito é outro. Mais discreta, com menos loquacidade retórica. Mais afeita aos números, parece ter percebido, mesmo sem proclamar, que recebeu uma herança braba de seu patrono e de si mesma. Nem bem assume e seus porta-vozes econômicos já têm de apelar para as mágicas antigas (quanto foi mal falado o doutor Delfim, que nadava de braçada nos arabescos contábeis para esconder o que todos sabiam!), porque a situação fiscal se agravou. Até os mercados, que só descobrem estas coisas quando está tudo por um fio, perceberam. Mesmo os "velhos bobos ortodoxos do FMI", no linguajar descontraído do ministro da Fazenda, viram que algo anda mal.
Seja no reconhecimento mal disfarçado da necessidade de um ajuste fiscal, seja no alerta quanto ao cheiro de fumaça na compra a toque de caixa dos jatos franceses, seja nas tiradas sobre os até há pouco tempo esquecidos "direitos humanos", há sinais de mudança. Os pelegos aliados do governo que enfiem a viola no saco, pois os déficits deverão falar mais alto do que as benesses que solidarizaram as centrais sindicais com o governo Lula.
Aos novos sinais se contrapõem os amores antigos: Belo Monte há de vir à luz por cesariana, esquecendo as preocupações com o meio ambiente e com o cumprimento dos requisitos legais; as alianças com os partidos da "governabilidade" continuarão a custar caro no Congresso e nos Ministérios, sem falar no "segundo escalão", cujas joias mais vistosas, como Furnas (está longe de ser a única), já são objeto de ameaças de rapto e retaliação.
Diante de tudo isso, como fica a oposição?
Digamos que ela quer ser "elevada", sem sujar as mãos (ou a língua) nas nódoas do cotidiano nem confundir crítica ao que está errado com oposição ao País (preocupação que os petistas nunca tiveram quando na oposição). Ainda assim, há muito a fazer para corresponder à fase de "muda". A começar pela crítica à falta de estratégia para o País: que faremos para lidar com a China (reconhecendo seu papel e o muito de valioso que podemos aprender com ela)? Não basta jogar a culpa da baixa competitividade nas altas taxas de juros. Olhando para o futuro, teremos de escolher em que produtos poderemos competir com China, Índia, asiáticos em geral, Estados Unidos, etc. Provavelmente serão os de alta tecnologia, sem esquecer que os agrícolas e minerais também requerem tal tipo de conhecimento. Preparamo-nos para a era da inovação? Reorientamos nosso sistema escolar nessa direção? Como investir em novas e nas antigas áreas produtivas sem poupança interna? No governo anterior os interesses do Brasil pareciam submergir nos limites do antigo "Terceiro Mundo", guiados pela retórica do Sul-Sul, esquecidos de que a China é Norte e nós, mais ou menos. Definimos os Estados Unidos como "o outro lado" e percebemos agora que suas diferenças com a China são menores do que imaginávamos. Que faremos para evitar o isolamento e assegurar o interesse nacional sem nos guiarmos por ideologias arcaicas?
Há outros objetivos estratégicos. Por exemplo, no caso da energia: aproveitaremos de fato as vantagens do etanol, criaremos uma indústria alcoolquímica, usaremos a energia eólica mais intensamente? Ou, noutro plano, por que tanta pressa para capitalizar a Petrobrás e endividar o Tesouro com o pré-sal em momento de agrura fiscal? As jazidas do pré-sal são importantes, mas deveríamos ter uma estratégia mais clara sobre como e quando aproveitá-las. O regime de partilha é mesmo mais vantajoso? Nada disso está definido com clareza.
O governo anterior sonegava à população o debate sobre seu futuro. O caminho a ser seguido era definido em surdina nos gabinetes governamentais e nas grandes empresas. Depois se servia ao País o prato feito na marcha batida dos projetos-impacto do tipo trem-bala, PACs diversos, usinas hidrelétricas de custo indefinido e serventia pouco demonstrada. Como nos governos autoritários do passado. Está na hora de a oposição berrar e pedir a democratização das decisões, submetendo-as ao debate público.
Não basta isso, entretanto, para a oposição atuar de modo efetivo. Há que mexer no desagradável. Não dá para calar diante de a Caixa Econômica ter-se associado a um banco já falido, que agora é salvo sem transparência pelos mecanismos do Proer e assemelhados. E não foi só lá que o dinheiro do contribuinte escapou pelos ralos para subsidiar grandes empresas nacionais e estrangeiras, via BNDES. Não será tempo de esquadrinhar a fundo a compra dos aviões? E o montante da dívida interna, que ultrapassa R$ 1,6 trilhão, não empana o feito da redução da dívida externa? E dá para esquecer os cartões corporativos usados pelo Alvorada, que foram tornados "de interesse da segurança nacional" até ao final do governo Lula para esconder o montante dos gastos? Não cobraremos agora a transparência? E o ritmo lento das obras de infraestrutura, prejudicadas pelo preconceito ideológico contra a associação do público com o privado, contra a privatização necessária em casos específicos, passará como se fosse contingência natural? Ou as responsabilidades pelos atrasos nas obras viárias, de aeroportos e de usinas serão cobradas? Por que não começar com as da Copa, libertas de licitação e mesmo assim dormindo em berço esplêndido?
Há, sim, muita coisa para dizer nesta hora de "muda". Ou a oposição fala, e fala forte, sem se perder em questiúnculas internas, ou tudo continuará na toada de tomar a propaganda por realização. Mesmo porque, por mais que haja nuances, o governo é um só Lula-Dilma, governo do PT ao qual se subordinam ávidos aliados.

* Fernando Henrique Cardoso é sociólogo e foi Presidente da República. Texto extraído da versão online d'O Estado de São Paulo, do dia 6 de fevereiro de 2011.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

A Anatel ameaça o sigilo

E ainda há quem diga que essa história de projeto de controle estatal é pura paranoia de reacionário... A coisa que me impressiona é que ninguém se dê o trabalho de saber o que se passa nos porões do governo e das tais agências reguladoras que aí estão... ou que, quando sabem de alguma coisa, acham que tudo está dentro da normalidade e que não há nada a temer. Então, tá!
Abaixo, segue editorial do jornal O Estado de São Paulo do dia 21 de janeiro. Já há alguns dias tenho acompanhado essa história... entre estupefato e indignado.

Está em risco o direito de cada um ao sigilo telefônico e à privacidade. A ameaça parte da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), criada para regular um serviço de utilidade pública e para proteger o consumidor, não para bisbilhotar a vida dos clientes das telefônicas. A Anatel pretende instalar um sistema de fiscalização remoto, vinculado à estrutura das empresas, para ter acesso a informações sobre todas as chamadas. O objetivo, segundo a agência, é combater abusos contra o consumidor. Não haverá violação de sigilo, argumentam os defensores da proposta, porque o conteúdo das conversas será preservado. Esta alegação é insustentável.
É direito de cada um telefonar a quem quiser, quantas vezes quiser e por quanto tempo quiser sem ter de dar satisfações a qualquer agente público ou privado. O mesmo direito vigora no caso de cada ligação recebida. Sem ordem judicial, ninguém pode intrometer-se legalmente na vida de João ou de Antônio para verificar se foi feita alguma chamada para o número desta ou daquela pessoa. Mesmo para a autorização judicial há regras. O juiz tem de avaliar se há motivo razoável para a solicitação da quebra de sigilo. Além disso, ele deve limitar a autorização a propósitos bem definidos e por prazo determinado, para evitar a concessão de poderes excessivos à autoridade policial.
Dados como os pretendidos pela Anatel - números chamados, duração das conversas e frequência das ligações - têm sido usados em investigações policiais. Podem valer como indícios e até como provas. Autoridades policiais pedem autorização para a busca dessas informações precisamente porque o acesso aos dados configura quebra de sigilo. Essa é a interpretação aceita pelas Polícias e pela Justiça.
É também, e não por casualidade, a opinião de advogados atuantes no setor de telecomunicações. Bastará o acesso da agência ao número chamado, à data e à duração do contato para ser configurada a violação de sigilo, disse o especialista Pedro Dutra. "Isso é ilegal, desnecessário e ineficaz", acrescentou.
A Anatel já tentou incluir em contratos de concessão uma cláusula de acesso aos dados, mas as companhias se opuseram, lembrou o advogado Floriano de Azevedo Marques, também citado em reportagem publicada ontem no Estado. Se a agência insistir na tentativa, provavelmente haverá reação por via judicial, acrescentou o especialista.
A pretensão da Anatel é claramente contrária a um direito consagrado pela Constituição. Nenhuma esforço de justificação realizado até agora produziu mais que um arremedo de argumento. O simples acesso aos dados não envolve quebra de sigilo, disse uma fonte do governo mencionada na reportagem. A relação da Anatel com as informações sobre as chamadas seria análoga, segundo essa fonte, à relação da Receita com os dados fornecidos pelos contribuintes. A analogia é obviamente falsa.
As informações transmitidas pelo contribuinte ao Fisco são necessárias ao cumprimento das obrigações tributárias. O dever do Fisco em relação ao sigilo consiste em impedir o vazamento dos dados. Mesmo essa restrição, como se viu na última campanha eleitoral, foi violada mais de uma vez. A relação entre o usuário dos serviços de telecomunicações e a Anatel é muito diferente do vínculo entre o pagador de impostos e a Receita.
De fato, a relação é oposta: no caso das telecomunicações, o credor é o usuário da telefonia, enquanto a parte sujeita a obrigações é a Anatel. O cliente da operadora não tem obrigação de expor sua vida privada à agência, mas tem o direito de exigir proteção. Essa proteção não depende, obviamente, do acesso permanente àquelas informações. A desconfiança em relação aos dados fornecidos pela operadora, em caso de reclamação, é uma desculpa precária e uma confissão de incompetência técnica.
Se o acesso permanente às informações sobre telefonemas for considerado legalmente aceitável, o sigilo das comunicações estará correndo risco de extinção. Em nome da segurança dos cidadãos, a Polícia poderá reivindicar igual direito à bisbilhotice. Por enquanto, a maioria dos policiais e juízes continua levando a sério o preceito constitucional. A Anatel deveria imitá-los. 

* Editorial do jornal O Estado de São Paulo, do dia 21 de janeiro de 2011. Extraído da versão online do jornal.

sábado, 8 de janeiro de 2011

Ato de rotina


Por Olavo de Carvalho

Quem não sabia, com meses de antecedência, que o Sr. Luiz Inácio iria jogar todo o peso da sua autoridade de presidente numa última cartada espetacular em favor do terrorismo internacional? Quem não sabia que Cesare Battisti, ao fugir para o Brasil, escolhera o melhor lugar do mundo para tipos como ele, o porto seguro, o abrigo infalível de terroristas e narcotraficantes?
“Quem não sabia?” Que pergunta mais idiota. Eu sabia, meus colegas e leitores do Diário do Comércio sabiam, a parcela ínfima da população brasileira que se mantém informada sabia e, é claro, a turma do Foro de São Paulo sabia.
O resto da humanidade ignorava-o por completo. Esperava de Lula outra atitude, simetricamente inversa, compatível com a imagem estereotipada de estadista sereno e pragmático que a mídia internacional forjou para torná-lo atraente aos investidores.
De toda parte, as reações indignadas ao gesto de solicitude paternal do nosso ex-presidente para com um notório terrorista e assassino vieram com aquela expressão de surpresa e desencanto do marido enganado que, até a véspera, confiava cegamente na esposa.
Definitivamente, ninguém na grande mídia ou nos altos círculos da Itália, de qualquer outro país europeu ou dos EUA tem ou quer ter a menor idéia de quem é Luís Inácio Lula da Silva.
Sem a mais leve pretensão de infundir nas cabeças dessas mimosas criaturas um conhecimento que não desejam, do qual fogem como da peste, assinalo aqui alguns lances memoráveis do curriculum vitae do ex-presidente:
1. Ele teve como seu constante mentor espiritual, desde a juventude até a velhice, o ex-frade Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, colaborador fiel do governo de Fidel Castro e co-autor da Constituição Cubana. Jamais renegou o guru.
2. Logo após a queda da URSS, nosso personagem aderiu ao lema “reconquistar na América Latina o que perdemos no Leste Europeu” e para isso fundou em 1990 e presidiu por doze anos o Foro de São Paulo, coordenação estratégica do movimento comunista na América Latina, irmanando num plano estratégico abrangente partidos legais e organizações criminosas. Em comunicado oficial no décimo-quinto aniversário do Foro, as Farc, Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, reconheceram que essa iniciativa salvara da extinção iminente o movimento comunista internacional.
3. Ao eleger-se presidente, fingiu afastar-se do Foro de São Paulo mas continuou extra-oficialmente no comando da entidade por intermédio de seus ministro Marco Aurélio Garcia e de seu assessor de imprensa Gilberto Carvalho.
4. Jurando não ter tido jamais qualquer contato com as Farc, ele presidiu assembléias do Foro ao lado do comandante da narcoguerrilha colombiana, Manuel Marulanda, e permitiu que membros do seu governo, junto com figuras estelares do seu partido, se associassem ao mesmo Marulanda na direção da mais importante revista de debates internos do movimento comunista no continente, “America Libre”.
5. Durante seu governo, muitos concorrentes e dissidentes das Farc foram perseguidos e presos no Brasil, enquanto os agentes da organização continuavam operando livremente no território nacional, não só distribuindo drogas, mas fornecendo armas e treinamento a quadrilhas de bandidos locais e aos militantes do MST, protegidos do governo. Quando o representante das Farc no país, Olivério Medina, foi preso pela Polícia Federal, o partido e o governo de Lula se mobilizaram imediatamente para libertá-lo, dando-lhe, de quebra, a cidadania brasileira e um emprego oficial para sua esposa no ministério então chefiado pela atual presidente da República, Dilma Rousseff (esta negou ter qualquer envolvimento no caso, até que sua assinatura no decreto de nomeação fosse publicada na imprensa). O único militante farqueano que permaneceu preso no Brasil foi Juan Carlos Ramirez Abadia. Esta exceção aparentemente misteriosa explica-se porque o referido, agindo evidentemente à margem das Farc, se envolveu num plano para seqüestrar o filho de Lula, Luís Cláudio (ver aqui).
6. O governo Lula sempre rejeitou o pedido colombiano de aplicar às Farc o qualificativo oficial de “organização terrorista”, propondo, ao contrário, que a quadrilha de narcotraficantes fosse premiada por seus crimes mediante a anistia geral e a transmutação da coisa em partido político legal.
7. Em dois discursos oficiais, publicados no site da Presidência da República mas jamais noticiados por qualquer órgão de mídia no Brasil, ele confessou a interferência direta do Foro e de São Paulo e dele próprio na política interna da Venezuela e de outros países, para colocar e manter no poder tipos como Hugo Chávez, Morales e tutti quanti.
8. É verdade que, no campo econômico, Lula se comportou direitinho e fez tudo quanto o Banco Mundial mandou. Mas só agiria de outro modo se fosse louco. Se o próprio Lênin fez o diabo para acalmar e seduzir os investidores internacionais enquanto consolidava o poder interno dos comunistas na Rússia, por que haveria Lula de entrar em guerra com o capitalismo planetário enquanto ia discretamente ajudando a entregar aos agentes do Foro de São Paulo o controle de várias nações latino-americanas? A tática da dupla face funcionou tão bem que, numa mesma semana, ele foi homenageado pelo Foro Econômico de Davos por sua adesão ao capitalismo e no Foro de São Paulo por sua fidelidade ao comunismo. Os que agora explodem de cólera ante a proteção que ele deu a Césare Battisti só conhecem, decerto, a primeira face. Por isso vêem nessa decisão obscena uma exceção repentina, incoerente, aberrante, inexplicável. Quem conhece a segunda entende que foi um ato de rotina, o último de uma longa série. Incoerência é uma coisa, duplicidade é outra.

* Publicado originalmente no Diário do Comércio, do dia 7 de janeiro de 2011. Retirado do site Sapientiam Autem Non Vincit Malitia.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Apelo a todos os brasileiros

No último dia 17 de outubro, a Polícia Federal, movida por uma ação do PT, recolheu os panfletos elaborados pela Comissão em Defesa da Vida do Regional Sul I da CNBB, alegando, com essa ação, crime eleitoral. Pois bem, esse blog tem, em média, 40 visitas diárias... Vou deixar esse apelo, até o dia 31 de outubro, no topo da página e peço a todos os leitores que ajudem a divulgar esse Manifesto o máximo que puderem - usem todos os recursos que têm (email, facebook, twitter, blogs etc.). 

A Presidência e a Comissão Representativa dos Bispos do Regional Sul 1 da CNBB, em sua Reunião ordinária, tendo já dado orientações e critérios claros para “VOTAR BEM”, acolhem e recomendam a ampla difusão do “APELO A TODOS OS BRASILEIROS E BRASILEIRAS” elaborado pela Comissão em Defesa da Vida do Regional Sul 1 que pode ser encontrado no seguinte endereço eletrônico www.cnbbsul1.org.br.

São Paulo, 26 de Agosto de 2010.

APELO A TODOS OS BRASILEIROS E BRASILEIRAS
Nós, participantes do 2º Encontro das Comissões Diocesanas em Defesa da Vida (CDDVs), organizado pela Comissão em Defesa da Vida do Regional Sul 1 da CNBB e realizado em S. André no dia 03 de julho de 2010,
- considerando que, em abril de 2005, no IIº Relatório do Brasil sobre o Tratado de Direitos Civis e Políticos, apresentado ao Comitê de Direitos Humanos da ONU (nº 45) o atual governo comprometeu-se a legalizar o aborto,
- considerando que, em agosto de 2005, o atual governo entregou ao Comitê da ONU para a Eliminação de todas as Formas de Descriminalização contra a Mulher (CEDAW) documento no qual reconhece o aborto como Direito Humano da Mulher,
- considerando que, em setembro de 2005, através da Secretaria Especial de Política das Mulheres, o atual governo apresentou ao Congresso um substitutivo do PL 1135/91, como resultado do trabalho da Comissão Tripartite, no qual é proposta a descriminalização do aborto até o nono mês de gravidez e por qualquer motivo, pois com a eliminação de todos os artigos do Código Penal, que o criminalizam, o aborto, em todos os casos, deixaria de ser crime,
- considerando que, em setembro de 2006, no plano de governo do 2º mandato do atual Presidente, ele reafirma, embora com linguagem velada, o compromisso de legalizar o aborto,
- considerando que, em setembro de 2007, no seu IIIº Congreso, o PT assumiu a descriminalização do aborto e o atendimento de todos os casos no serviço público como programa de partido, sendo o primeiro partido no Brasil a assumir este programa,
- considerando que, em setembro de 2009, o PT puniu os dois deputados Luiz Bassuma e Henrique Afonso por serem contrários à legalização do aborto,
- considerando como, com todas estas decisões a favor do aborto, o PT e o atual governo tornaram-se ativos colaboradores do Imperialismo Demográfico que está sendo imposto em nível mundial por Fundações Internacionais, as quais, sob o falacioso pretexto da defesa dos direitos reprodutivos e sexuais da mulher, e usando o falso rótulo de “aborto - problema de saúde pública”, estão implantando o controle demográfico mundial como moderna estratégia do capitalismo internacional,
- considerando que, em fevereiro de 2010, o IVº Congresso Nacional do PT manifestou apoio incondicional ao 3º Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH3), decreto nª 7.037/09 de 21 de dezembro de 2009, assinado pelo atual Presidente e pela ministra da Casa Civil, no qual se reafirmou a descriminalização do aborto, dando assim continuidade e levando às últimas consequências esta política antinatalista de controle populacional, desumana, antisocial e contrária ao verdadeiro progresso do nosso País,
- considerando que este mesmo Congresso aclamou a própria ministra da Casa Civil como candidata oficial do Partido dos Trabalhadores para a Presidência da República,
- considerando enfim que, em junho de 2010, para impedir a investigação das origens do financiamento por parte de organizações internacionais para a legalização e a promoção do aborto no Brasil, o PT e as lideranças partidárias da base aliada boicotaram a criação da CPI do aborto que investigaria o assunto,
RECOMENDAMOS encarecidamente a todos os cidadãos e cidadãs brasileiros e brasileiras, em consonância com o art. 5º da Constituição Federal, que defende a inviolabilidade da vida humana e, conforme o Pacto de S. José da Costa Rica, desde a concepção, independentemente de sua convicções ideológicas ou religiosas, que, nas próximas eleições, deem seu voto somente a candidatos ou candidatas e partidos contrários à descriminalizacão do aborto.
Convidamos, outrossim, a todos para lerem o documento “Votar Bem” aprovado pela 73ª Assembléia dos Bispos do Regional Sul 1 da CNBB, reunidos em Aparecida no dia 29 de junho de 2010 e verificarem as provas do que acima foi exposto no texto “A Contextualização da Defesa da Vida no Brasil”, elaborado pelas Comissões em Defesa da Vida das Dioceses de Guarulhos e Taubaté, ligadas à Comissão em Defesa da Vida do Regional Sul 1 da CNBB, ambos disponíveis no site desse mesmo Regional.

COMISSÃO EM DEFESA DA VIDA DO REGIONAL SUL 1 DA CNBB

Dom Nelson Westrupp, scj
Presidente do CONSER-SUL 1

Dom Benedito Beni dos Santos
Vice-presidente do CONSER-SUL 1

Dom Airton José dos Santos
Secretário Geral do CONSER SUL 1

Humm! Qualquer semelhança...

Há quase 80 anos atrás, no dia 10 de fevereiro de 1933, Joseph Goebbels, então futuro Ministro do Povo e da Propaganda do governo nazista, pronunciava o discurso abaixo (traduzido pelo Reinaldo Azevedo e que pode ser lido na íntegra aqui)... 11 dias depois, o adorável Adolf Hitler assumia como Chanceler da Alemanha...
Leiam um trecho do seu discurso... é preciso muito pouco para torná-lo um discurso que cabe muito bem na boca dos "inteliquituais" - nossos Ministros do Povo e da Propaganda (ou, para usar uma imagem bastante conhecida dos leitores de Orwell, Ministros da Verdade) - que assombram nossas universidades... Ai, ai! E a história se repete... e a impressão que tenho é que nada, ou muito pouco, se aprendeu... ou estamos de tal forma anestesiados e vacinados contra a verdade e os fatos que de nada adianta afirmá-los.

Companheiros,
Antes de o encontro começar, gostaria de chamar a atenção para alguns artigos da imprensa de Berlim que asseguram que eu não deveria merecer a atenção das rádios alemãs, uma vez que sou insignificante demais, pequeno demais e mentiroso demais para poder me dirigir ao mundo inteiro.
Nesta noite, vocês testemunharão um evento de massa como nunca aconteceu antes na história da Alemanha e, provavelmente, do mundo.(…)
Quando a imprensa judaica reclama que o movimento Nacional Socialista tem a permissão de falar em todas as rádios alemãs por causa de seu chanceler, podemos responder que só estamos fazendo o que vocês sempre fizeram no passado. Há alguns anos, não falávamos da boca pra fora quando dizíamos que vocês, judeus, são nossos professores e que só queremos ser seus alunos e aprender com vocês. Além disso, é preciso esclarecer que aquilo que esses senhores conseguiram no terreno da política de propaganda durante os últimos 14 anos foi realmente uma porcaria. Apesar de eles controlarem os meios de comunicação, tudo o que conseguiram fazer foi encobrir os escândalos parlamentares, que eram inúteis para formar uma nova base política.(…) Se hoje a imprensa judaica acredita que pode fazer ameaças veladas contra o movimento Nacional-Socialista e acredita que pode burlar nossos meios de defesa, então, não deve continuar mentindo. Um dia nossa paciência vai acabar e calaremos esses judeus insolentes, bocas mentirosas! E se outros jornais judeus acham que podem, agora, mudar para o nosso lado com as suas bandeiras, então só podemos dar uma resposta: “Por favor, não se dêem ao trabalho!”
Ademais, os nossos homens da SA e os companheiros de partido podem se acalmar: a hora do fim do terror vermelho chegará mais cedo do que pensamos. Quem pode negar que a imprensa bolchevique mente quando o [jornal] Die Rote Fahne, este exemplo da insolência judaica, se atreve a afirmar que o nosso camarada Maikowski e o policial Zauritz foram fuzilados por nossos próprios companheiros?
Esta insolência judaica tem mais passado do que terá futuro. Em pouco tempo, ensinaremos os senhores da Karl Liebnecht Haus [sede do Partido Comunista] o que é a morte, como nunca aprenderam antes. Eu só queria acertar as contas com os [nossos] inimigos na imprensa e com os partidos inimigos e dizer-lhes pessoalmente o que quero dizer em todas as rádios alemãs para milhões de pessoas.

Chesterton (2010), numa obra recentemente traduzida para o português - O homem eterno -, numa determinada altura do texto, faz uma longa sequência de argumentação acerca de uma certa tendência dos intelectuais em assumir falácias como se fossem verdades. Obviamente, que não o fazem ingenuamente... Ingênuo seria pensar que o fazem ingenuamente. Segundo ele, infelizmente há uma falácia que é muito fácil de ser assumida como verdadeira: "a falácia da suposição de que, pelo fato de uma ideia ser maior no sentido de mais ampla, ela é, por consequência, maior no sentido de mais fundamental, fixa e certa" (p. 77). Segue-se a essa afirmação um exemplo para ilustrá-la. Mas, podemos nos valer de um exemplo que nos é muito mais próximo: o lulo-petismo e toda a sua verborragia cheia de números acerca das melhorias sociais a que se chegou no país. Uma ideia, por mais ampla que seja, não é mais fundamental, fixa e certa. Converse (falo portanto daqueles com quem se pode conversar... porque há aqueles com quem é impossível um diálogo, visto que sequer levantam a cara da grama) com um petista e se entenderá o que estou dizendo: logo vem uma inundação de números para provar que, para que o miserável venha a ser pessoa, antes é necessário que tenha comida na barriga... Por mais vasta que seja a dedução a que chegam no seu "raciossímio", não passa de uma dedução... não é, portanto, uma verdade! Não é, portanto, nem fundamental, fixa nem certa, porque "embora a contradição possa lhes parecer um paradoxo, isso é exatamente o contrário da verdade. É a realidade grande que é secreta e invisível; é a realidade pequena que é evidente e enorme" (Chesterton, 2010, p. 79). Em outras palavras: enquanto se olhar para a enormidade dos números (que por verdadeiros que sejam são apenas deduções e não verdades), não se olhará para a pessoa, essa realidade "evidente e enorme", que não é aquilo que o Estado pensa dela... especialmente este Estado que se coloca acima do bem e do mal e que substitui a ontologia pelo moralismo... especialmente este Estado que, arrancando-nos o Ser e tudo que a Ele representa, arranca-nos a dignidade humana, arranca-nos a liberdade, arranca-nos o próprio ser, matando-nos aos poucos na medida em que nos imbeciliza e "mediocriza".

domingo, 24 de outubro de 2010

Mentiras, política, universidade

Por Roberto Romano *

Na busca do verdadeiro reside a essência universitária. Norberto Bobbio dizia existir um anti-Estado quando setores políticos e sociais agem ao arrepio das leis e da transparência democrática. Também é possível afirmar que a ordem acadêmica que renega seu múnus - a pesquisa acima das assertivas ideológicas, religiosas ou políticas - gera uma antiuniversidade.
Cientista que aceita e patrocina a distorção de enunciados e de atos atraiçoa a sua missão: vencer o sofisma e o fanatismo que castigam indivíduos ou grupos. Tomás de Aquino, ao receber o aviso de certo frade sobre um boi voador, incontinenti se dirigiu à janela para verificar o fenômeno. Vieram as caçoadas do brincalhão. "Prefiro acreditar que um boi voa, pois não aceito que um religioso minta", observou Tomás de Aquino. Quem age de maneira decorosa sempre opta inicialmente por atribuir veracidade aos professores. Se eles mentem ou aceitam a mentira, deixam sua condição, passam ao estatuto de sofistas.
É certo que algumas "classes e profissões forçam os seus representantes a mentir, como, por exemplo, os teólogos, os políticos, as prostitutas, os diplomatas, os poetas, os jornalistas, os advogados, os artistas, os fabricantes de alimentos, os operadores da bolsa, (...) os falsificadores, os gigolôs, os generais, os cozinheiros, os traficantes de vinho" (cf. El Discurso de la Mentira, 1988).
Mentiras profissionais são partilhadas. Nelas a vítima assume a aparência, não exige a plena verdade. Temos aí algo lícito ou ilícito, segundo o caso. Torquato Acetto escreveu, em 1641, um livro cujo título já elucida o ponto: Sobre a Dissimulação Honesta. Pior é a mentira como ato de violência e poder. É o que pregou, na mesma ocasião, Gabriel Naudé, com o pior maquiavelismo, nas Considerações Políticas sobre os Golpes de Estado.
As falsidades mencionadas são convencionais. A mentira real identifica-se com a injustiça do poder, uma violência só justificada pela submissão do violentado. Nela as duas partes - falsário e vítima - sabem que estão mentindo um para o outro, mas ao dominado só resta aderir. Existe mentira jurídica e política se a competência linguística é assimétrica: mente-se à criança, ao doente, ao fraco, ao vulnerável, ao que depende de tutores. A mentira é possibilitada pela dominação religiosa ou ideológica. Na democracia, a competência linguística é simétrica e compartilhada.
Montaigne define a mentira como "valentia diante de Deus e covardia diante dos homens". Sendo assim, impera a assimetria discursiva entre cidadania e governos. E temos o poder de quem decide sobre o que pode ser ouvido e compreendido pelos governados. Mentira é não dizer a verdade a quem tem direito a ela. Assim, a censura à imprensa, sobretudo quando emana de juízes, mostra que uma sociedade não é democrática, pois nela se recusa aos governados o direito à verdade. O censor imagina-se acima do corpo cidadão. Tirania, eis o nome de tal prática na ética ocidental. No Brasil existem juízes censores, o que basta para mostrar o quanto nossa democracia é frágil.
Voltemos aos universitários e professores. Eles não devem nem podem tolerar, na própria vida e na coletiva, atos deliberadamente cometidos no campo da mentira, mesmo que tudo seja feito para maior glória do povo, do partido ou mesmo da divindade. "Deus não precisa de nossa mentira", dizia Santo Agostinho contra quem ousava inventar desculpas para o Ser que é a própria Verdade. Grandes causas, cultura, valores, quando defendidos com dolo, transformam-se imediatamente no contrário.
Agora, a realidade acadêmica de hoje, em clima eleitoral. Alguns professores universitários se reuniram na Sala dos Estudantes (Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo) para apoiar uma candidatura à Presidência da República. O ato, que ocorreu no dia 8 de outubro de 2010, é ilegal, pois é vetado o uso de próprios públicos para fins político-partidários (artigo 73 da Lei n.º 9.504/97). A ilegalidade foi cometida até mesmo por ilustres juristas. O pior é a desculpa usada para obter a referida sala: os estudantes afiançaram que nela fariam um regular "estudo de grupo".
Os intelectuais que endossaram o ato não desconhecem a lei. Eles também não podem ignorar a mendacidade praticada pelos estudantes, pois juntos organizaram a manifestação. Seria desgraça em demasia se professores do Direito desprezassem a norma legal. Pior é a atitude de professores de Ética e Política que, em plena consciência, aplaudem um truque onde reluz a mentira. Tudo vale em nome da causa?
Muito regrediu o Estado brasileiro em nossos tempos, rumo às trevas. Renasce entre nós todo o ódio trazido pelas religiosidades autoritárias, as quais retomam a face obscurantista. O avanço de bispos católicos e pastores na seara política se faz em prejuízo da ordem estatal, da sociedade e das próprias igrejas ou seitas.
No Estado, a plena soberania sai arranhada. Na sociedade, a intolerância gera frutos malditos. Nas próprias igrejas, a hegemonia dos retrógrados afasta os que respeitam crenças alheias. A divisão nas hostes da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) indica algo inédito na história daquele plenário. E Igreja Católica sem união conduz ao desarrazoado das massas. "Não se deve usar Deus como punhal", disse certa feita Denis Diderot.
Um nume reduzido a instrumento de luta política é pura mentira.
Uma universidade que permite no seu interior truques ignóbeis é pura mentira.
Saibamos evitar, com prudência máxima, tais ameaças à nossa frágil democracia.

* Roberto Romano é filósofo, professor de Ética e Filosofia na UNICAMP, é autor, entre outros livros de O Caldeirão de Medeia (Ed. Perspectiva). Texto extraído da versão online d'O Estado de São Paulo, do dia 23 de outubro de 2010.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Declaração sobre o Apelo aos Brasileiros

Declaração feita no dia 18 de outubro de 2010 por Dom Benedito Beni dos Santos sobre os recentes acontecimentos envolvendo a publicação do Apelo aos brasileiros.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Apelo a todos os brasileiros

Ontem, a Polícia Federal, movida por uma ação do PT, recolheu os panfletos elaborados pela Comissão em Defesa da Vida do Regional Sul I da CNBB, alegando, com essa ação, crime eleitoral. Pois bem, esse blog tem, em média, 40 visitas diárias... até o dia da eleição faltam 14 dias, o que significa um pouco menos de 600 visitas... é pouco, eu sei, mas é bastante se se pensar no que cada leitor pode fazer com os recursos que tem. Vou deixar esse apelo, até o dia 31 de outubro, no topo da página e peço a todos os leitores que ajudem a divulgar esse Manifesto o máximo que puderem - usem todos os recursos que têm (email, facebook, twitter, blogs etc.). 

A Presidência e a Comissão Representativa dos Bispos do Regional Sul 1 da CNBB, em sua Reunião ordinária, tendo já dado orientações e critérios claros para “VOTAR BEM”, acolhem e recomendam a ampla difusão do “APELO A TODOS OS BRASILEIROS E BRASILEIRAS” elaborado pela Comissão em Defesa da Vida do Regional Sul 1 que pode ser encontrado no seguinte endereço eletrônico www.cnbbsul1.org.br.

São Paulo, 26 de Agosto de 2010.

APELO A TODOS OS BRASILEIROS E BRASILEIRAS
Nós, participantes do 2º Encontro das Comissões Diocesanas em Defesa da Vida (CDDVs), organizado pela Comissão em Defesa da Vida do Regional Sul 1 da CNBB e realizado em S. André no dia 03 de julho de 2010,
- considerando que, em abril de 2005, no IIº Relatório do Brasil sobre o Tratado de Direitos Civis e Políticos, apresentado ao Comitê de Direitos Humanos da ONU (nº 45) o atual governo comprometeu-se a legalizar o aborto,
- considerando que, em agosto de 2005, o atual governo entregou ao Comitê da ONU para a Eliminação de todas as Formas de Descriminalização contra a Mulher (CEDAW) documento no qual reconhece o aborto como Direito Humano da Mulher,
- considerando que, em setembro de 2005, através da Secretaria Especial de Política das Mulheres, o atual governo apresentou ao Congresso um substitutivo do PL 1135/91, como resultado do trabalho da Comissão Tripartite, no qual é proposta a descriminalização do aborto até o nono mês de gravidez e por qualquer motivo, pois com a eliminação de todos os artigos do Código Penal, que o criminalizam, o aborto, em todos os casos, deixaria de ser crime,
- considerando que, em setembro de 2006, no plano de governo do 2º mandato do atual Presidente, ele reafirma, embora com linguagem velada, o compromisso de legalizar o aborto,
- considerando que, em setembro de 2007, no seu IIIº Congreso, o PT assumiu a descriminalização do aborto e o atendimento de todos os casos no serviço público como programa de partido, sendo o primeiro partido no Brasil a assumir este programa,
- considerando que, em setembro de 2009, o PT puniu os dois deputados Luiz Bassuma e Henrique Afonso por serem contrários à legalização do aborto,
- considerando como, com todas estas decisões a favor do aborto, o PT e o atual governo tornaram-se ativos colaboradores do Imperialismo Demográfico que está sendo imposto em nível mundial por Fundações Internacionais, as quais, sob o falacioso pretexto da defesa dos direitos reprodutivos e sexuais da mulher, e usando o falso rótulo de “aborto - problema de saúde pública”, estão implantando o controle demográfico mundial como moderna estratégia do capitalismo internacional,
- considerando que, em fevereiro de 2010, o IVº Congresso Nacional do PT manifestou apoio incondicional ao 3º Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH3), decreto nª 7.037/09 de 21 de dezembro de 2009, assinado pelo atual Presidente e pela ministra da Casa Civil, no qual se reafirmou a descriminalização do aborto, dando assim continuidade e levando às últimas consequências esta política antinatalista de controle populacional, desumana, antisocial e contrária ao verdadeiro progresso do nosso País,
- considerando que este mesmo Congresso aclamou a própria ministra da Casa Civil como candidata oficial do Partido dos Trabalhadores para a Presidência da República,
- considerando enfim que, em junho de 2010, para impedir a investigação das origens do financiamento por parte de organizações internacionais para a legalização e a promoção do aborto no Brasil, o PT e as lideranças partidárias da base aliada boicotaram a criação da CPI do aborto que investigaria o assunto,
RECOMENDAMOS encarecidamente a todos os cidadãos e cidadãs brasileiros e brasileiras, em consonância com o art. 5º da Constituição Federal, que defende a inviolabilidade da vida humana e, conforme o Pacto de S. José da Costa Rica, desde a concepção, independentemente de sua convicções ideológicas ou religiosas, que, nas próximas eleições, deem seu voto somente a candidatos ou candidatas e partidos contrários à descriminalizacão do aborto.
Convidamos, outrossim, a todos para lerem o documento “Votar Bem” aprovado pela 73ª Assembléia dos Bispos do Regional Sul 1 da CNBB, reunidos em Aparecida no dia 29 de junho de 2010 e verificarem as provas do que acima foi exposto no texto “A Contextualização da Defesa da Vida no Brasil”, elaborado pelas Comissões em Defesa da Vida das Dioceses de Guarulhos e Taubaté, ligadas à Comissão em Defesa da Vida do Regional Sul 1 da CNBB, ambos disponíveis no site desse mesmo Regional.

COMISSÃO EM DEFESA DA VIDA DO REGIONAL SUL 1 DA CNBB

Dom Nelson Westrupp, scj
Presidente do CONSER-SUL 1

Dom Benedito Beni dos Santos
Vice-presidente do CONSER-SUL 1

Dom Airton José dos Santos
Secretário Geral do CONSER SUL 1

sábado, 2 de outubro de 2010

''Nós somos a opinião pública''

Por Miguel Reale Júnior *

São repetidas as queixas de Lula de que as forças de oposição, compostas pelas elites, não admitem que um peão de fábrica tenha assumido a Presidência e alcançado sucesso. Essas queixas misturam ressentimento e vaidades. Basta lembrar, por exemplo, o que Lula disse, em maio de 2006, aos moradores de palafitas em Manaus: os adversários deviam "aprender" que um metalúrgico, com o quarto ano primário e curso do Senai, é capaz de fazer "muito mais do que eles neste país", pois a sabedoria do ser humano não está na quantidade de anos na escola, mas na "capacidade do sentimento".
Em julho de 2007, em Cuiabá, Lula comparou seus opositores aos mesmos que levaram Getúlio Vargas ao suicídio, setores da "elite" cuja raiva contra seu governo deriva da ação em favor dos pobres. Em fins de agosto de 2007, no Paraná, via a "campanha da imprensa" que o atingia como fruto da soma de duas "doenças malignas", a inveja e o preconceito.
Uma das espertezas da propaganda política está em colar à figura dos adversários a marca de inimigos do povo, que, para Lula, são os partidos de oposição e a imprensa reveladora dos podres do governo.
Há poucos dias, todavia, Lula extrapolou o plano das queixas e das acusações aos adversários, que de forma já imprudente vem qualificando como inimigos do povo, ao dizer: "O que eles não se conformam é o pobre estar conseguindo enxergar com os seus olhos, não precisa do tal do formador de opinião pública. Nós somos a opinião pública e nós mesmos nos formamos."
Essa manifestação levou à imediata reação da OAB, por meio do seu presidente, Ophir Cavalcanti Filho, bem como de entidades de imprensa e de representantes da sociedade civil, que proclamaram a importância da liberdade de expressão, que compreende a de informar e a de criticar, para abertamente se formarem as convicções políticas.
Ao afirmar Lula que não são precisos os formadores de opinião, pois "nós somos a opinião pública", desfaz-se o relevo do pluralismo de ideias, da diversidade de posições a serem suscitadas pelos chamados "formadores de opinião", que só existem onde houver ampla discussão e multiplicidade de perspectivas, com exame das contraposições e reflexão. Contra o pluralismo característico dos formadores de opinião, apresenta-se então uma verdade monolítica, única, que brota espontaneamente do povo, como uma comunidade orgânica homogênea: "A opinião pública somos nós."
Assim, para Lula, o povo forma-se a si mesmo e é o seu próprio porta-voz. Lula autoproclama-se o lídimo representante do sentimento deste povo, sentimento que sabe captar, pois já dissera, com razão, que a sabedoria se faz não só com estudo, mas com sentimento. Esquece, contudo, que sabedoria também não se alcança apenas com sentimento.
Agora, no calor da disputa eleitoral, almeja traduzir a forma de sentir desse povo de pobres que enxerga com os próprios olhos e torna dispensáveis os formadores de opinião. Para Lula, a opinião pública brota por obra de uma revelação natural do povo sobre o certo e o errado e acerca dos caminhos para a consecução do bem de todos. Com essa compreensão da via política construída de modo imanente a partir do próprio povo, cria-se uma perigosa estrada para um autoritarismo populista, que o século passado revelou de modo trágico.
No nazismo entendia-se que povo engendrava uma unidade incindível, na qual os indivíduos formam uma coletividade concreta, participando de um mesmo espírito objetivo que penetra e abraça a todos. O Führer, como o condutor da comunidade, encarna o espírito objetivo, o "são sentimento do povo".
O historiador italiano Emilio Gentile descreve o fascismo como a mobilização popular por meio de um partido único e de um chefe carismático que faz do uso racional do irracional a forma de uma política de massas que visa a privar as pessoas de sua individualidade como elementos celulares de uma coletividade nacional. O fascismo, diz Michel Winock, professor do Instituto de Estudos Políticos de Paris, detém a verdade, exclusiva, inconciliável com qualquer outra perspectiva e, portanto, hostil ao pluralismo.
Com certeza Lula, cujas inteligência e sensibilidade compensam a falta de estudo, sabe usar racionalmente o irracional, mas talvez não dimensione as consequências da guerra aberta deflagrada a partir da posição de presidente da República, com menosprezo ao pensamento, ao direito de crítica, ao jornalismo investigativo denunciante de graves irregularidades de seu governo, que transforma em golpismo, para legitimar uma verdade única a brotar como força viva de uma sociedade de pobres que se forma a si mesma e da qual é a encarnação como líder populista.
A consequência ficou patente na campanha. Os blogs pró-Dilma adotam desabrido maniqueísmo ao propagar que votar no PSDB/DEM é estar "contra o País" e do lado dos inimigos que devem ser expurgados. Na mobilização contra a imprensa surgem ameaças a jornalistas e promessas de retaliação a revistas e jornais qualificados de golpistas por terem divulgado matérias contra o PT ou sua candidata. O clima é de ódio e violência.
Estão aí lançados os ingredientes de uma receita de autoritarismo populista que terá Lula como condutor e Dilma como coadjuvante, sem força para manobrar os radicalismos despertados.
Mas se Dilma, eleita, não quiser ser apenas coadjuvante? No jogo entre sentimento de inferioridade intelectual e orgulho de sua passagem pela Presidência, Lula já disse que a partir de janeiro vai estudar novamente ou ensinar a governar. Longe do Planalto, Lula poderá, talvez, confrontar-se com Dilma presidente ao pretender dar lições de como governar. Será um conflito entre presidentes: a que é e o que não deixou de ser por sua popularidade e gosto do poder. Assim, o risco de um autoritarismo populista remanesce duplicado.

* Miguel Reale Júnior é advogado, professor titular da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras, foi Ministro da Justiça. Texto extraído da versão online d'O Estado de São Paulo, do dia 2 de outubro de 2010. 

sábado, 25 de setembro de 2010

O mal a evitar

Editorial d'O Estado de São Paulo

A acusação do presidente da República de que a Imprensa "se comporta como um partido político" é obviamente extensiva a este jornal. Lula, que tem o mau hábito de perder a compostura quando é contrariado, tem também todo o direito de não estar gostando da cobertura que o Estado, como quase todos os órgãos de imprensa, tem dado à escandalosa deterioração moral do governo que preside. E muito menos lhe serão agradáveis as opiniões sobre esse assunto diariamente manifestadas nesta página editorial. Mas ele está enganado. Há uma enorme diferença entre "se comportar como um partido político" e tomar partido numa disputa eleitoral em que estão em jogo valores essenciais ao aprimoramento se não à própria sobrevivência da democracia neste país.
Com todo o peso da responsabilidade à qual nunca se subtraiu em 135 anos de lutas, o Estado apoia a candidatura de José Serra à Presidência da República, e não apenas pelos méritos do candidato, por seu currículo exemplar de homem público e pelo que ele pode representar para a recondução do País ao desenvolvimento econômico e social pautado por valores éticos. O apoio deve-se também à convicção de que o candidato Serra é o que tem melhor possibilidade de evitar um grande mal para o País.
Efetivamente, não bastasse o embuste do "nunca antes", agora o dono do PT passou a investir pesado na empulhação de que a Imprensa denuncia a corrupção que degrada seu governo por motivos partidários. O presidente Lula tem, como se vê, outro mau hábito: julgar os outros por si. Quem age em função de interesse partidário é quem se transformou de presidente de todos os brasileiros em chefe de uma facção que tanto mais sectária se torna quanto mais se apaixona pelo poder. É quem é o responsável pela invenção de uma candidata para representá-lo no pleito presidencial e, se eleita, segurar o lugar do chefão e garantir o bem-estar da companheirada. É sobre essa perspectiva tão grave e ameaçadora que os eleitores precisam refletir. O que estará em jogo, no dia 3 de outubro, não é apenas a continuidade de um projeto de crescimento econômico com a distribuição de dividendos sociais. Isso todos os candidatos prometem e têm condições de fazer. O que o eleitor decidirá de mais importante é se deixará a máquina do Estado nas mãos de quem trata o governo e o seu partido como se fossem uma coisa só, submetendo o interesse coletivo aos interesses de sua facção.
Não precisava ser assim. Luiz Inácio Lula da Silva está chegando ao final de seus dois mandatos com níveis de popularidade sem precedentes, alavancados por realizações das quais ele e todos os brasileiros podem se orgulhar, tanto no prosseguimento e aceleração da ingente tarefa - iniciada nos governos de Itamar Franco e Fernando Henrique - de promover o desenvolvimento econômico quanto na ampliação dos programas que têm permitido a incorporação de milhões de brasileiros a condições materiais de vida minimamente compatíveis com as exigências da dignidade humana. Sob esses aspectos o Brasil evoluiu e é hoje, sem sombra de dúvida, um país melhor. Mas essa é uma obra incompleta. Pior, uma construção que se desenvolveu paralelamente a tentativas quase sempre bem-sucedidas de desconstrução de um edifício institucional democrático historicamente frágil no Brasil, mas indispensável para a consolidação, em qualquer parte, de qualquer processo de desenvolvimento de que o homem seja sujeito e não mero objeto.
Se a política é a arte de aliar meios a fins, Lula e seu entorno primam pela escolha dos piores meios para atingir seu fim precípuo: manter-se no poder. Para isso vale tudo: alianças espúrias, corrupção dos agentes políticos, tráfico de influência, mistificação e, inclusive, o solapamento das instituições sobre as quais repousa a democracia - a começar pelo Congresso. E o que dizer da postura nada edificante de um chefe de Estado que despreza a liturgia que sua investidura exige e se entrega descontroladamente ao desmando e à autoglorificação? Este é o "cara". Esta é a mentalidade que hipnotiza os brasileiros. Este é o grande mau exemplo que permite a qualquer um se perguntar: "Se ele pode ignorar as instituições e atropelar as leis, por que não eu?" Este é o mal a evitar.

Texto publicado na seção "Notas e Informações" da edição de 26/09/2010. Extraído da versão online d'O Estado de São Paulo, do dia 25 de setembro de 2010 (publicado às 17h05).

sábado, 18 de setembro de 2010

Apenas cálculo eleitoral

Editorial d'O Estado de S.Paulo

No encontro que tiveram domingo à noite para tratar da revelação de uma pesada operação de traficância na Casa Civil do Planalto, o presidente Lula poderia ter determinado à ainda ministra Erenice Guerra que se licenciasse até o esclarecimento cabal da denúncia que a envolvia por tabela e, diretamente, um de seus filhos, Israel. Por muito menos, afinal, o presidente Itamar Franco afastou o ocupante do mesmo cargo no seu governo, Henrique Hargreaves - para readmiti-lo quando as acusações contra ele não foram comprovadas.
Mas Lula não parece aprender com o exemplo alheio nem com a própria experiência. Com o exemplo, no caso, porque a sua visão da ética pública não é a de princípios, mas a de resultados. E com a experiência porque, ao fim e ao cabo, não precisou pagar o preço devido, fossem outras as circunstâncias e, quem sabe, outro fosse o país, pela relutância em se privar do ministro José Dirceu, também da Casa Civil e pivô do mensalão, e do seu colega da Fazenda, Antonio Palocci, no escândalo da violação do sigilo bancário do caseiro Francenildo.
Erenice Guerra saiu daquela reunião com a cabeça no pescoço não porque o chefe, como diria, se acha "obrigado a acreditar" no que as pessoas lhe falam, e Erenice jurou-lhe por tudo o que é sagrado que era inocente. Mas porque ele avaliou que a reportagem incriminadora da revista Veja não teria o potencial de respingar na candidata Dilma Rousseff - que está para Erenice como Lula está para ela, criadores e criaturas - da mesma forma que não respingaram, a julgar pelas pesquisas, as violações em série do sigilo fiscal de parentes e aliados do opositor José Serra.
Por isso, o que o lulismo se ocupou em fazer nos dias seguintes foi desqualificar o noticiário sobre as movimentações da espaçosa família Guerra pelas pradarias do poder. Nesse exercício de mistificação e cumplicidade, Dilma levou a palma, ao afirmar que tudo se resumia a um "factoide". Sintomaticamente, a soberba de Lula, a certeza de que o seu prestígio garantiria a incolumidade da candidata, desarmou a sua apuradíssima intuição. Ele decidiu manter Erenice no lugar enquanto não surgisse um fato novo que agravasse a crise, mesmo depois de a ministra ter ido além das tamancas ao culpar um "candidato aético e já derrotado" por suas atribulações.
O fato novo não tardou a surgir. Na quinta-feira, a Folha de S.Paulo publicou declarações de um agenciador de negócios, segundo as quais Israel e a sua patota, em troca da obtenção de recursos do BNDES para um bilionário projeto de energia solar, queriam receber R$ 240 mil para acelerar a tramitação do pedido, 5% sobre o valor do financiamento, quando saísse - e, de quebra, um ajutório de R$ 5 milhões para a campanha de Dilma. Decerto achando a conta salgada demais, a firma interessada se recusou a pagar. Por sua vez, o seu agente disparou e-mails para a Casa Civil reclamando das cobranças e fazendo ameaças. Passados mais de 7 meses, falou.
Com incomum rapidez, Lula mandou Erenice se demitir. A segunda denúncia, semelhante à anterior, teria enfim convencido o presidente da responsabilidade da ministra. "Quando a gente está na máquina pública, não tem o direito de errar", proclamou. "E se errar, a gente tem de pagar." Conversa. O que o fez defenestrar Erenice - a quem havia nomeado por insistência de Dilma, quando ela se desincompatibilizou - foi o temor manifestado pela campanha petista, com base em pesquisas, de que desta vez a candidata corria o risco de ser atingida pelos estilhaços das malfeitorias do círculo da amiga em quem apregoava confiar.
A demissão de Erenice não elimina a hipótese. Os episódios expostos aconteceram quando Dilma era ministra e Erenice a sua mais íntima colaboradora. É implausível que ela não lhe tivesse contado nem uma versão sanitizada dessas histórias. Plausível, isso sim, é que Dilma não quisesse saber mais. Como Lula não quis saber detalhes do mensalão para o qual foi alertado duas vezes. A ignorância assumida é um ato de vontade política. Eles olham para o outro lado para não fitar o ambiente propício à corrupção que semearam no Planalto como parte de um projeto de poder. 

* Texto extraído da versão online d'O Estado de São Paulo, do dia 18 de setembro de 2010.

O país dos favores

Por Roberto Romano

"Tudo foi feito por 
amizade, favores"
Ana Maria Caroto Cano, 
justificando a quebra 
ilegal de sigilo alheio

A frase acima, de funcionária da Receita Federal, sintetiza a cultura política do Brasil. Nascemos para o mundo sob o regime absolutista, no qual as funções de Estado foram monopolizadas pelo rei. Ele as cedia em troca de dinheiro, mas as exigia de volta a qualquer instante. Permanecer num cargo público significava favor real. O soberano concentrava alguns monopólios do poder: o controle da força física na guerra e na polícia. Além disso, só o Estado editava leis para o reino e se reservava a arrecadação dos impostos. Mas para garantir fidelidade o soberano comprava o apoio da nobreza, força dominante no sistema feudal, e da hierarquia religiosa. Privilégios, isenções e prebendas conseguiam a obediência, em consonância com o monopólio do poder. Nobres, padres, burgueses, somados às camadas populares, todos e tudo tinham seu preço. O nome da cooptação era "favor".
Os monopólios reais concentravam as políticas e as finanças públicas na Europa, inclusive em Portugal. O mesmo ocorria nos elos entre a colônia portuguesa e a corte. Os impostos seguiam para o rei, que os distribuía de acordo com a sua política. Nos países absolutistas, as cidades dificilmente auferiam retorno dos impostos. Trazer-lhes algo do butim financeiro era prerrogativa de pessoas ou grupos influentes, os quais deviam favores entre si e ao monarca.
Outra marca do absolutismo reacionário é o nome de "pai" atribuído ao chefe de Estado. O atual presidente dá a si mesmo esse título e outorga à sua possível sucessora a maternidade política sobre o povo. Assim, ele retoma Tiago I, o teórico Robert Filmer (no livro Patriarca, ou sobre o Poder Natural do Reis) e todos os conservadores idolatrados pela TFP. Sem falar nos ditadores como Vargas e os Peróns.
Dados a enorme extensão territorial do Brasil e os parâmetros absolutistas, as nossas políticas públicas - e a maioria dos impostos - foram açambarcadas pelos dirigentes, em Lisboa e depois na corte nacional. Impostos não retornavam (nem retornam) aos municípios. Maria Sylvia Carvalho Franco expõe a lógica do nosso Estado a partir daí. Com a penúria de recursos, municípios apelaram para técnicas de administração alheias aos limites entre o público e o privado. Vereadores emprestavam de seu bolso às cidades para efetivarem obras. Urbes sem cemitério, escolas, estradas, hospitais foram "beneficiadas" pelos empréstimos. Breve, diz a autora, veio a contrapartida: se quando o município precisa eu faço o favor de emprestar, quando eu preciso o município deve comparecer. Maria Sylvia Carvalho Franco relata casos como o do tesoureiro que jogava com a arrecadação no fim do mês. No outro, ele devolvia as somas. Processado, estranhou muito porque, na sua mente, o errado não seria pegar emprestado, mas não pagar (Homens Livres na Ordem Escravocrata).
Criou-se o solo político onde quem exerce o cargo público imagina a si mesmo, no mínimo, locatário e, não raro, proprietário da função. Tal crença vai dos altos postos executivos e legislativos (passando pelo Judiciário) aos baixos. Dali ruma para os eleitores. Estes últimos esperam do deputado, senador, governador, presidente e quejandos que eles prestem "favores" liberando obras para as cidades. E os primeiros, fiéis adeptos do tesoureiro citado, julgam legítimo apropriar-se de parte significativa dos recursos em troca dos "benefícios" que trazem para as bases. E nem mencionemos a fieira de bondades praticadas nos cargos públicos, desde indicações para empregos até isenção de impostos para quem investiu na campanha eleitoral.
Aquela funcionária da Receita age segundo a ética que deu nascimento ao Estado brasileiro. Ela julga, como parte de seus pares em todos os Poderes, que o cargo lhe pertence, bem como as informações que nele circulam. E imagina prestar favores aos amigos. Mas, como nos tempos do rei, nenhum favor é gratuito, tendo sua contrapartida em novos préstimos ou pecúnia. A confusão entre público e privado seria atenuada se ausente dos setores mais elevados do poder federal, estadual, municipal. Mas ocorre o contrário: os de baixo escalão imitam os que estão situados no topo. Todos os presidentes, governadores, senadores e deputados federais usam impostos para convencer os votantes sobre o "favor" devido à sua benevolente vontade. Nada estranho, pois, que o sr. Luiz Inácio da Silva mova o recurso em prol de si mesmo, de seu partido, de sua candidata.
Notícia deste jornal (13 de setembro) relata que em Santa Catarina, "referindo-se aos rivais na corrida presidencial, Lula voltou a afirmar que jamais na história o Estado recebeu tantos recursos quanto em seu governo. Enumerou R$ 1,2 bilhão em ajuda aos atingidos pelas enchentes de 2008, os R$ 129 milhões para obras de reconstrução das rodovias atingidas e os R$ 348 milhões destinados para a reconstrução do Porto de Itajaí, além de recursos repassados para a construção de quase 4 mil moradias no programa Minha Casa, Minha Vida. "Eu desafio qualquer um a provar se na história de algum governo passado já repassou tantos recursos para Santa Catarina como nós fizemos. O dinheiro veio. Se ele não foi aplicado da forma como deveria, é outra história."" E também citou: "No meu governo São Paulo recebeu mais dinheiro do que na época que era governado por Mário Covas e tinha o FHC como presidente."
O dinheiro não é do presidente, mas dos contribuintes, que aderem a todos os partidos, ideologias ou crenças religiosas. O sigilo não pertence à Receita, mas aos que pagam impostos. O resto é absolutismo anacrônico, mesmo quando aplaudido por nobres e pobres, numa República apodrecida pelo favor.

* Roberto Romano é filósofo, professor de Ética e Filosofia na UNICAMP, é autor, entre outros, de "O Caldeirão de Medeia'' (Ed. Perspectiva). Texto extraído da versão online d'O Estado de São Paulo, do dia 18 de setembro de 2010.