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segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

É na família que a pessoa se abre ao mundo e à vida


Discurso do Papa Bento XVI
ao Corpo Diplomático 
acreditado junto da Santa Sé 
para a troca de bons votos de início de ano

Sala Régia
Segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Senhoras e Senhores Embaixadores,
É, para mim, sempre um grande prazer poder receber-vos, ilustres Membros do Corpo Diplomático acreditados junto da Santa Sé, neste esplêndido cenário da Sala Régia, a fim de vos formular os meus ardentes votos para o ano que inicia. Desejo, em primeiro lugar, agradecer ao vosso Decano, o Embaixador Alejandro Valladares Lanza, bem como ao Vice-Decano, o Embaixador Jean-Claude Michel, pelas palavras deferentes com que se fizeram intérpretes dos vossos sentimentos e dirijo uma saudação especial a todos os que participam pela primeira vez no nosso encontro. E os meus votos estendem-se, por vosso intermédio, a todas as nações de que sois representantes e com as quais a Santa Sé mantém relações diplomáticas. Motivo de alegria para nós é o fato de a Malásia ter se juntado a esta comunidade no decurso do último ano. O diálogo que mantendes com a Santa Sé favorece a partilha de impressões e informações, bem como a colaboração em âmbitos de caráter bilateral ou multilateral de particular interesse. A vossa presença aqui hoje recorda a importante contribuição dada pela Igreja às vossas sociedades em setores como a educação, a saúde e a assistência. Sinais da cooperação entre a Igreja Católica e os Estados são os Acordos que foram assinados, em 2011, com o Azerbaijão, Montenegro e Moçambique. O primeiro já foi ratificado; espero que em breve ocorra o mesmo com os outros dois, e cheguem a bom termo aqueles que estão em fase de negociação. De igual modo, a Santa Sé deseja estabelecer um diálogo profícuo com as Organizações internacionais e regionais; e, nesta linha, apraz-me sublinhar o fato de os países membros da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) terem acolhido a nomeação de um Núncio Apostólico acreditado junto da organização. Não posso deixar de mencionar que a Santa Sé reforçou a sua longa colaboração com a Organização Internacional para as Migrações ao tornar-se membro pleno da mesma, no passado mês de dezembro. Isto dá testemunho do empenho da Santa Sé e da Igreja Católica ao lado da comunidade internacional na busca de soluções adequadas para este fenômeno que se reveste de muitos aspectos, desde a proteção da dignidade das pessoas até à solicitude pelo bem comum das comunidades que os recebem e daquelas de onde provêm.
Durante o ano que terminou, encontrei-me pessoalmente com numerosos Chefes de Estado e de Governo e também com destacados representantes das vossas nações que participaram na cerimônia da Beatificação do meu bem-amado Predecessor, o Papa João Paulo II. Também por ocasião do sexagésimo aniversário da minha Ordenação Sacerdotal houve diversos representantes dos vossos países que tiveram a amabilidade de estar presentes. A todos eles e a quantos encontrei nas minhas viagens apostólicas à Croácia, San Marino, Espanha, Alemanha e Benim, renovo a minha gratidão pela delicadeza manifestada. Além disso, dirijo uma saudação especial aos países da América Latina e das Caraíbas que festejaram, em 2011, o bicentenário da sua independência. No passado dia 12 de dezembro, quiseram sublinhar a sua ligação à Igreja Católica e ao Sucessor do Príncipe dos Apóstolos com a participação de eminentes representantes da comunidade eclesial e de autoridades institucionais na solene celebração que teve lugar na Basílica de São Pedro, durante a qual dei a conhecer a minha intenção de visitar em breve o México e Cuba. Desejo, por fim, saudar o Sudão do Sul que, no passado mês de julho, se constituiu como um Estado soberano. Lamentando as tensões e confrontos que se foram sucedendo nestes últimos meses, espero que todos unam os seus esforços para que se abra finalmente um período de paz, liberdade e progresso para as populações do Sudão e do Sudão do Sul.
Senhoras e Senhores Embaixadores,
O encontro de hoje desenrola-se tradicionalmente no termo das festas do Natal, quando a Igreja celebra a vinda do Salvador. Ele vem na obscuridade da noite, e no entanto a Sua presença torna-se imediatamente fonte de luz e alegria (cf. Lc 2, 9-10). Verdadeiramente torna-se sombrio o mundo, quando não é iluminado pela luz divina! Verdadeiramente fica na escuridão o mundo, quando o homem deixa de reconhecer a sua ligação com o Criador, pondo assim em perigo também as suas relações com as outras criaturas e com a própria criação. Infelizmente, o momento atual está marcado por um profundo mal-estar, sendo uma expressão dramática disto mesmo as diversas crises econômicas, políticas e sociais.
A este respeito, não posso deixar de mencionar, antes de tudo, as graves e preocupantes consequências da crise econômica e financeira mundial. Esta não atinge só as famílias e as empresas dos países economicamente mais avançados, onde a mesma teve origem, criando uma situação na qual muitos, sobretudo entre os jovens, se sentiram desorientados e frustrados nas suas aspirações por um futuro sereno, mas tal crise marcou profundamente também a vida dos países em vias de desenvolvimento. Não devemos desanimar, mas redesenhar decididamente o nosso caminho com novas formas de compromisso. A crise pode e deve ser um incentivo para meditar sobre a existência humana e a importância da sua dimensão ética, antes mesmo de refletir sobre os mecanismos que governam a vida econômica: não só para procurar conter as perdas individuais ou das economias nacionais, mas para nos impormos novas regras que assegurem a todos a possibilidade de viver dignamente e desenvolver as suas capacidades em benefício da comunidade inteira.
Desejo ainda lembrar que os efeitos do atual momento de incerteza afetam particularmente os jovens. Do seu mal-estar nasceram os fermentos que nos últimos meses investiram, por vezes duramente, várias regiões. Refiro-me antes de mais ao Norte da África e ao Oriente Médio, onde os jovens – que, para além do mais, sofrem pobreza e desemprego e temem pela ausência de perspectivas seguras – lançaram aquilo que veio a se tornar um amplo movimento de reivindicação de reformas e de participação mais ativa na vida política e social. É difícil atualmente traçar um balanço definitivo dos recentes acontecimentos e compreender plenamente as suas consequências para os equilíbrios da região. O otimismo inicial cedeu, entretanto, o passo ao reconhecimento das dificuldades deste momento de transição e mudança, e parece-me evidente que a senda adequada para prosseguir no caminho empreendido passe pelo reconhecimento da dignidade inalienável de toda a pessoa humana e dos seus direitos fundamentais. O respeito da pessoa deve estar no centro das instituições e das leis, deve conduzir ao fim de toda e qualquer violência e prevenir contra o risco de que a atenção devida às solicitações dos cidadãos e a necessária solidariedade social se transformem em meros instrumentos para manter ou conquistar o poder. Convido a comunidade internacional a dialogar com os atores dos processos em curso, no respeito dos povos e com a consciência de que a construção de sociedades estáveis e reconciliadas, contrapostas a toda a discriminação injusta, particularmente de ordem religiosa, constitui um horizonte mais amplo e transcendente que o dos prazos eleitorais. Sinto uma grande preocupação pelas populações dos países nos quais continuam tensões e violências, particularmente na Síria, onde espero que se ponha rapidamente termo ao derramamento de sangue e comece um diálogo frutuoso entre os atores políticos, favorecido pela presença de observadores independentes. Na Terra Santa, onde as tensões entre palestinos e israelitas têm repercussões sobre os equilíbrios de todo o Oriente Médio, é preciso que os responsáveis destes dois povos adotem decisões corajosas e inteligentes a favor da paz. Soube com satisfação que, na sequência de uma iniciativa do Reino da Jordânia, foi retomado o diálogo; espero que o mesmo continue a fim de se chegar a uma paz duradoura, que garanta o direito de ambos os povos a viver em segurança em Estados soberanos e dentro de fronteiras seguras e, internacionalmente, reconhecidas. Por sua vez, a comunidade internacional deve estimular a sua criatividade e as iniciativas de promoção deste processo de paz, no respeito dos direitos de cada parte. Sigo também com grande atenção o desenrolar dos fatos no Iraque, deplorando os atentados que ainda recentemente causaram a perda de numerosas vidas humanas, e encorajo as suas autoridades a continuarem, firmes, pelo caminho de uma plena reconciliação nacional.
O Beato João Paulo II lembrava que “o caminho da paz é também o caminho dos jovens”[1], constituindo eles “a juventude das nações e das sociedades, a juventude de todas as famílias e da humanidade inteira”[2]. Por isso, os jovens nos pressionam para que sejam consideradas seriamente as suas exigências de verdade, justiça e paz. Nesta linha, foi a eles que dediquei a Mensagem anual para a celebração do Jornada Mundial da Paz, intitulada Educar os jovens para a justiça e a paz. A educação é um tema crucial para todas as gerações, pois depende dela tanto o desenvolvimento saudável de cada pessoa como o futuro da sociedade inteira. Por isso mesmo, aquela constitui uma tarefa de primária grandeza num tempo difícil e delicado. Para além de um objetivo claro, como é o de levar os jovens a um pleno conhecimento da realidade e, consequentemente, da verdade, a educação tem necessidade de lugares. Dentre estes, conta-se em primeiro lugar a família, fundada sobre o matrimônio entre um homem e uma mulher; não se trata de uma simples convenção social, mas antes da célula fundamental de toda a sociedade. Por conseguinte, as políticas que atentam contra a família ameaçam a dignidade humana e o próprio futuro da humanidade. O quadro familiar é fundamental no percurso educativo e para o próprio desenvolvimento dos indivíduos e dos Estados; consequentemente, são necessárias políticas que a valorizem e colaborem para a sua coesão social e diálogo. É na família que a pessoa se abre ao mundo e à vida e, como tive ocasião de lembrar durante a minha viagem à Croácia, “a abertura à vida é um sinal da abertura ao futuro”[3]. Neste contexto de abertura à vida, recebi com satisfação a recente sentença do Tribunal de Justiça da União Europeia, que proíbe atribuir alvarás em processos relativos às células estaminais embrionárias humanas, e também a Resolução da Assembleia parlamentar do Conselho da Europa que condena a seleção pré-natal em função do sexo.
Mais em geral, visando sobretudo o mundo ocidental, estou convencido de que se opõem à educação dos jovens e, consequentemente, ao futuro da humanidade as medidas legislativas que permitem, quando não incentivam, o aborto por motivos de conveniência ou por razões médicas discutíveis.
Continuando a nossa reflexão, um papel também essencial no desenvolvimento da pessoa é desempenhado pelas instituições educativas: estas são as primeiras instâncias que colaboram com a família e estão a cumprir mal a sua função precisamente quando falta uma harmonia de objetivos com a realidade familiar. É preciso programar políticas de formação para que a educação escolar seja acessível a todos e que a mesma, mais do que promover o desenvolvimento cognoscitivo da pessoa, cuide do crescimento harmonioso da personalidade, incluindo nisso a sua abertura ao Transcendente. A Igreja Católica sempre esteve particularmente ativa no campo das instituições escolares e acadêmicas, cumprindo uma obra apreciável ao lado das instituições estatais. Por isso espero que esta contribuição seja reconhecida e valorizada também pelas legislações nacionais.
Nesta perspectiva, é bem compreensível que uma obra educativa eficaz exija igualmente o respeito da liberdade religiosa. Esta se caracteriza por uma dimensão individual, bem como por uma dimensão coletiva e uma dimensão institucional. Trata-se do primeiro dos direitos do homem, porque expressa a realidade mais fundamental da pessoa. Muitas vezes, por variados motivos, este direito é ainda limitado ou espezinhado. Não posso evocar este tema sem começar por saudar a memória do ministro paquistanês Shahbaz Bhatti, cuja luta incansável pelos direitos das minorias terminou com uma morte trágica. E não se trata, infelizmente, de um caso único. Em numerosos países, os cristãos são privados dos direitos fundamentais e postos à margem da vida pública; noutros, sofrem ataques violentos contra as suas igrejas e as suas casas. Às vezes, vêem-se constrangidos a abandonar países que eles mesmos ajudaram a edificar, por causa de tensões contínuas e por políticas que frequentemente os relegam para a condição de espectadores secundários da vida nacional. Em outras partes do mundo, encontram-se políticas tendentes a marginalizar o papel da religião na vida social, como se ela fosse causa de intolerância em vez de uma apreciável contribuição na educação para o respeito da dignidade humana, para a justiça e a paz. O terrorismo religiosamente motivado ceifou, no ano passado, também numerosas vítimas, sobretudo na Ásia e na África. Por esta razão, como lembrei em Assis, os responsáveis religiosos devem repetir, com vigor e firmeza, que “esta não é a verdadeira natureza da religião. Ao contrário, é a sua deturpação e contribui para a sua destruição”[4]. A religião não pode ser usada como pretexto para pôr de lado as regras da justiça e do direito em favor do “bem” que ela persegue. Nesta perspectiva, tenho o gosto de recordar, como fiz no meu país natal, que a visão cristã do homem constituiu a verdadeira força inspiradora para os Pais constituintes da Alemanha, como aliás o foi para os Pais fundadores da Europa unida. Queria mencionar também alguns sinais encorajadores no campo da liberdade religiosa. Refiro-me à alteração legislativa, pela qual a personalidade jurídica pública das minorias religiosas foi reconhecida na Geórgia; penso também na sentença do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos favorável à presença do Crucifixo nas salas de aulas italianas. E, precisamente falando da Itália, desejo dirigir-lhe uma saudação particular na conclusão dos 150 anos da sua unificação política. As relações entre a Santa Sé e o Estado italiano atravessaram momentos difíceis depois da unificação. Mas, com o passar do tempo, prevaleceram a concórdia e a vontade mútua de cooperar, cada qual no seu próprio campo, para favorecer o bem comum. Espero que a Itália continue a promover uma relação equilibrada entre a Igreja e o Estado, constituindo deste modo um exemplo para o qual as outras nações possam olhar com respeito e interesse.
Quanto ao continente africano, que visitei de novo indo recentemente ao Benim, é essencial que a cooperação entre as comunidades cristãs e os Governos ajude a percorrer um caminho de justiça, paz e reconciliação, onde os membros de todas as etnias e religiões sejam respeitados. É triste constatar como está ainda distante, em vários países deste continente, tal objetivo. Penso, em particular, na recrudescência das violências que afetam a Nigéria – como o indicam os atentados perpetrados contra várias igrejas durante o período natalício –, nas sequelas da guerra civil na Costa do Marfim, na instabilidade que persiste na Região dos Grandes Lagos e na urgência humanitária nos países do Corno da África. Peço uma vez mais à comunidade internacional que ajude, com solicitude, a encontrar uma solução para a crise que há anos perdura na Somália.
Finalmente, sinto o dever de sublinhar que uma educação corretamente entendida não pode deixar de favorecer o respeito pela criação. Não podemos esquecer as graves calamidades naturais que, ao longo de 2011, afetaram várias regiões do Sudeste asiático e os desastres ecológicos como o da central nuclear de Fukushima no Japão. A salvaguarda do ambiente, a sinergia entre a luta contra a pobreza e a luta contra as alterações climáticas constituem áreas importantes para a promoção do desenvolvimento humano integral. Por isso espero que, depois da XVII sessão da Conferência dos Estados Membros da Convenção da ONU sobre as Alterações Climáticas, que recentemente terminou em Durban, a comunidade internacional se prepare para a Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável (“Rio+20”) como uma autêntica “família das nações”, ou seja, com grande sentido de solidariedade e responsabilidade para com as gerações presentes e as do futuro.
Senhoras e Senhores Embaixadores,
O nascimento do Príncipe da Paz ensina-nos que a vida não acaba no nada, que o seu destino não é a corrupção mas a imortalidade. Cristo veio para que os homens tenham a vida e a tenham em abundância (cf. Jo 10, 10). “Somente quando o futuro é certo como realidade positiva, é que se torna vivível também o presente”[5]. Animada pela certeza da fé, a Santa Sé continua a dar à Comunidade internacional o seu contributo próprio, guiada por um duplo intento que o Concílio Vaticano II – cujo cinquentenário se celebra este ano – definiu claramente: proclamar a sublime vocação do homem e a presença nele de um germe divino, e oferecer à humanidade uma cooperação sincera a fim de instaurar a fraternidade universal que a esta vocação corresponde[6]. Neste espírito, renovo a todos vós, extensivos aos membros das vossas famílias e aos vossos colaboradores, os meus votos mais cordiais para este novo ano.
Agradeço pela vossa atenção.

Notas
[1] Carta apostólica por ocasião do Ano Internacional da Juventude Dilecti amici (31 de março de 1985), 15.
[2] Ibidem, 1.
[5] Carta encíclica Spe salvi (30 de novembro de 2007), 2.
[6] Cf. Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 3.

* Extraído do site do Vaticano, do dia 9 de janeiro de 2012. Revisado e adaptado por Paulo R. A. Pacheco.

domingo, 1 de janeiro de 2012

Graças ao seu “sim” nos foi reaberta a via da paz


Solenidade de Maria Santíssima Mãe de Deus
XLV Jornada Mundial da Paz

Bento XVI

Angelus

Praça São Pedro
Domingo, 1º de janeiro de 2012

Caros irmãos e irmãs!
Na liturgia deste primeiro dia do ano ressoa a tríplice bênção bíblica: “O Senhor te abençoe e te guarde. O Senhor faça brilhar sobre ti sua face, e se compadeça de ti. O Senhor volte para ti o seu rosto e te dê a paz” (Nm 6, 24-26). O rosto de Deus pode ser contemplado por nós, fez-se visível, revelou-se em Jesus: Ele é a imagem visível do Deus invisível. E isto graças também à Virgem Maria, da qual hoje celebramos o maior título, aquele com o qual participa de modo único da história da salvação: ser Mãe de Deus. No seu seio o Filho do Altíssimo assumiu a nossa carne, e podemos contemplar a Sua glória (cf. Jo 1, 14), sentir a Sua presença de Deus-conosco.
Iniciamos assim o novo ano 2012, fixando o olhar no Rosto de Deus que se revela no Menino de Belém, e na Sua Mãe Maria, que acolheu com humilde abandono o desígnio divino. Graças ao seu generoso “sim” surgiu no mundo a luz verdadeira que ilumina cada homem (cf. Jo 1, 9) e nos foi reaberta a via da paz.
Caros irmãos e irmãs, como já é um feliz costume, celebramos hoje a Jornada Mundial da Paz, a quadragésima quinta. Na Mensagem que dirigi aos Chefes de Estado, aos Representantes das Nações e a todos os homens de boa vontade, e que tem como tema “Educar os jovens à justiça e à paz”, quis chamar a atenção para a necessidade e a urgência de oferecer às novas gerações percursos educativos adequados para uma formação integral da pessoa, inclusive a dimensão moral e espiritual (cf. n. 3). Quis ressaltar, particularmente, a importância de educar aos valores da justiça e da paz. Os jovens, hoje, olham com certa apreensão para o futuro, manifestando aspectos da sua vida que merecem atenção, como “o desejo de receber uma formação que os prepare de modo mais profundo para enfrentar a realidade, a dificuldade de formar uma família e encontrar um lugar estável de trabalho, a efetiva capacidade de contribuir com o mundo da política, da cultura e da economia para  a construção de uma sociedade com rosto mais humano e solidário” (n. 1). Convido a todos a ter a paciência e a constância de buscar a justiça e a paz, de cultivar o gosto pelo que é reto e verdadeiro (n. 5). A paz nunca é um bem alcançado plenamente, mas uma meta a que devemos aspirar e para a realização da qual todos devemos agir.
Rezemos para que, não obstante as dificuldades que às vezes tornam o caminho árduo, esta profunda aspiração se traduza em gestos concretos de reconciliação, de justiça e de paz. Rezemos também para que os responsáveis das Nações renovem a disponibilidade e o compromisso para acolher e favorecer este irreprimível anseio da humanidade. Confiamos estes auspícios à intercessão da Mãe do “Rei da Paz”, para que o ano que começa seja um tempo de esperança e de pacífica convivência no mundo inteiro.

Extraído do site do Vaticano, do dia 1 de janeiro de 2012. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Gramsci tinha razão: somos uma geração mesquinha



Por Mauro Grimoldi

Caro editor,
Escreve quase que movido por um instinto, depois de um diálogo com uma colega minha, mãe de família, que me contou uma confidência recebida de sua filha mais velha.
A menina frequenta o sexto ano e contou à sua mãe a dor que está sentido por uma companheira de sala que revelou a ela, alguns dias antes, o seu sofrimento pela iminente, provável, separação dos pais e o temor de ser afastada da irmã. Que peso é injustamente lançado nas costas de nossos pequenos! Não se trata de um episódio isolado, mas da enésima confirmação de uma inimizade para como nossos próprios filhos, uma verdadeira e propriamente dita hostilidade que nos leva, se se pode dizer assim, a devorá-los, como nos piores pesadelos evocados da literatura mais antiga. Um dos maiores sucessos editoriais japoneses, recentemente traduzido para o italiano (Confissão de Kanae Minato, sem tradução para o português; ndt), conta a vingança, minuciosamente preparada, de um professor do ensino médio contra dois alunos que mataram sua filha de quatro anos. 
Este trecho de Michael Pye, retirado do romance  A camara de inverno, descreve bem uma situação bastante difundida: “No quarto dia em que estavam na estrada, Gretje teve sua primeira menstruação e sua mãe lhe disse que não importava. Sua mãe nunca lhe explicava as coisas, e Gretje era a obrigada a colocar junto o mundo, colando todos os fatos ou as noções nas quais tropeçava”.
Os tempos que estamos vivendo parecem-me marcados por uma dolorosa contradição: o relacionamento com os filhos é distorcido até a uma verdadeira e propriamente dita inversão de papéis. Os adultos se vestem, falam e pensam como criancinhas e as crianças são jogadas, desde a mais tenra infância, nas realidades próprias do mundo adulto (sexo, dinheiro, poder, guerra...), mesmo após uma exposição midiática contínua. A história de Pin, a criança perdida, sem gosto entre os adultos de uma distante brigada parisiense, contada no romance A trilha dos ninhos de aranha de Italo Calvino, poderia ser lida hoje a partir desta chave de interpretação.
A predileção pelos pequenos tantas vezes repetida por Cristo e a advertência peremptória de não escandalizar o distanciar da Sua Pessoa as crianças nos alcançam a partir de uma faceta da experiência humana que se encarrega de uma responsabilidade urgente e dramática, que ilumina a nossa missão de homens para que a educação seja a obra da vida, até ao ponto de nos consumir. Acho que começo a entender de uma maneira totalmente nova a dedicatória que se encontra anotada num dos primeiros livros de Dom Luigi Giussani: “Aos grandes que nos sabem falar, aos pequenos que nos sabem escutar” (Gioventù Studentesca, 1960), assim como o seu célebre apelo: “Obriguem-nos a andar nus, mas nos deixem a liberdade de educar”.
Certamente, a esta urgência não responderá a ênfase, também ela opressiva, hiperprotetora que defende, justifica e preserva os filhos de todos os orcs malvados que povoam o planeta (quem quiser, pode ler The slap, romance do greco-australiano Christos Tsiolkas) ou o fingimento ostentado de uma cumplicidade amigável muito mais do que a redução da educação a psicologia ou a prática normativo-penal. 
É necessário, vice-versa, que os adultos ajam como adultos, coloquem em ação a sua consistência de homens, que não é nem econômica nem muscular, mas é, em primeiro lugar, a consistência da sua esperança; a que não se alimenta da presunção de ter entendido tudo, mas do ideal que se segue. Por isto, precisamos de um lugar onde possamos seguir homens que seguem o Ideal: em suma, precisamos que a Igreja exista.
Tenho vivo na memória o momento do funeral copta realizado para uma menina egípcia, companheira de sala de aula de minha filha Anna, quando a autoridade mais antiga se inclinava em direção à menor das crianças, que, cantando, a interrogava, para responder, também cantando, às suas perguntas. Parece-me uma boa representação da autoridade, que se apoia sobre si mesma, mas só é segura em virtude da tradição, sólida, duradoura e viva, que recebeu e tornou sua. Como Gramsci escreveu: “Uma geração que deprime a geração anterior, que não consegue ver suas grandezas e o seu significado necessário, só pode ser mesquinha e sem confiança em si mesma. (...) Na desvalorização do passado está implícita uma justificação da nulidade do presente”.
Perto do fim do romance A estrada de Cormac McCarthy, no qual se narra a relação entre um pai e um filho num mundo devastado por uma tragédia que reduziu tudo a cinzas, onde a vida animal desapareceu e muitos homens regrediram a uma forma bestial de canibalismo, o filho pergunta ao pai, moribundo, sobre uma criança encontrada na estrada e que nunca mais foi vista outra vez: “Mas, que o encontrará se ele tiver se perdido? Quem encontrará aquele menino?”. A resposta do pai foi: “A bondade o encontrará. Sempre foi assim. E será ainda assim”.
É preciso dizer que esta resposta vem de um homem que, surpreso com a inclinação natural do filho pelo bem, não a mortificou, julgando-a uma fantasia infantil, mas a acompanhou, guiou e fez crescer, reconhecendo na natureza do filho a única possibilidade de salvaguarda da humanidade não só da criança, mas também da sua, até ao legado esperançoso das palavras que eu mencionei, que se demonstrarão verdadeiras e confiáveis.
Emerge uma imagem da educação que não consiste no encher a criança com as próprias opiniões, mas que se realiza no serviço à sua natureza, para fazê-la crescer e dar a ela aquela segurança que a criança, assim como o jovem, é impulsionado a buscar na pessoa e na vida do adulto.
De outro lado, parece-me que seja possível dizer que o movimento amoroso de Deus que se inclina sobre nós, fazendo-Se homem, nasça da urgência de nos assegurar que aquilo que somos é destinado a se realizar: em virtude da ressurreição podemos dizer com a mesma convicção de Paulo e Timóteo: “estou certo de que Aquele que começou em vós esta boa obra, a levará a realização até ao dia de Cristo Jesus”.
A urgência que os tempos põem a nós adultos – qual seja: a de sermos capazes de gerar, educar, fazer crescer na vida aqueles que colocamos no mundo – parece-me decisiva.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 23 de dezembro de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Caros professores, foi assim que vocês “mataram” a sua autoridade


Por Giovanni Gobber

Autoridade é uma palavra com muitos sentidos. Pela origem, vem da palavra latina auctoritas, que indicava capacidade de fazer crescer, portanto “prestígio, estima”: vinha de auctor, que denotava “quem faz crescer, quem é fundador”. Na base havia o verbo augere, ou seja “aumentar”. No dicionário etimológico de Ernout e Meillet, augere goza da máxima atenção, visto que deu origem a um grande número de derivados, entre os quais aparece o nome dos augures, os sacerdotes que escrutavam os fenômenos naturais, como o voo dos pássaros, e formulavam previsões, chamadas augurium, porque se acreditava que fossem favoráveis. Os antigos precisavam de auxilium, ou seja, de uma ajuda que “faz as forças crescerem”. Neste âmbito é que se coloca a experiência da auctoritas: a palavra tem valor positivo e atesta a confiança no futuro, que é visto como crescimento, desenvolvimento e é promessa de um bem.
Na época moderna, por causa de uma metonímia (que transfere a palavra de um elemento a outro no mesmo domínio), autoridade se transferiu da capacidade para o indivíduo que tem a capacidade. Dessa forma é que se passou a chamar como autoridade também a pessoa que reveste um alto cargo público (uma posição que confere o poder de “fazer crescer”, de “construir”). Trata-se de um uso de matriz francesa, que remonta ao tardo século XVIII. Uma passagem ulterior tirou a relação com os indivíduos: autoridade, assim, passou a designar o poder legal de gerir os comportamentos sociais. O nexo com o antigo verbo augere e com o prestígio gozado pelos auctores passou a ser opaco. Além do mais, este vínculo se percebe ainda hoje, mesmo que levemente, no adjetivo autoridade (autorevole) e no substantivo autoridade (autorevolezza). O elemento –evole é um derivado do latim –abilis: auctorabilis designava quem é capaz de ser auctor.
Como se pode notar, a moderna autoridade (autorevolezza) está próxima, pelo sentido, da antiga auctoritas: é um prestígio moral, uma estima que se difunde na comunidade e não depende de uma imposição, mas de um compartilhamento. A autoridade era dotada de um fundamento razoável: era reconhecida porque se viam os seus efeitos.
Outros tempos, outros costumes. No mundo moderno, se rompeu o vínculo entre moral e razão.
Consequentemente, autoridade denota sobretudo aquilo que impõe. O bem futuro não é considerado. A ênfase recai sobre a obrigação no presente. A educação não sabe o que fazer com esta autoridade: impondo a obediência não se “faz crescer”; no máximo, se comprime, se reprime.
A crise da autoridade no mundo moderno talvez esteja ligada ao divórcio com a autoridade (autorevolezza). A rebelião surge onde a autoridade indica apenas imposição, obrigação incapaz de mostrar um bem futuro que confira sentido à obediência. Pelo contrário, lá onde age um indivíduo ou um exemplo de autoridade (autorevole), se percebe a necessidade de obedecer. Não se sente como uma obrigação, mas como uma necessidade de seguir quem tem autoridade. Uma disciplina por demais rígida é bem difundida na prática esportiva: quem se submete a treinamentos duros e monótonos encontra uma razão naquilo que faz – e é a recompensa do sucesso futuro. O mesmo vale para quem enfrenta “sessões” exaustivas na academia, enquanto enfrenta a dificuldade de se preparar para provas.
A autoridade depende do bem que pode suscitar. Se não se vê um bem futuro, não se encontra motivo para seguir quem chama para a obediência. Muitos indivíduos – muitas das vezes jovens – recusam a autoridade por este motivo. Outros indivíduos – menos jovens que os primeiros – não aceitam a recusa da autoridade. Estes, por sua vez, não têm autoridade (autorevolezza), não têm a capacidade de mostrar o bem futuro. Há também quem contribuiu, no passado, para a destruição do princípio de uma autoridade fundada sobre um bem do fundamento razoável, e agora se lamenta porque a autoridade não é mais seguida. 
Resta a possibilidade de construir relacionamentos humanos construídos no encontro com pessoas de carne e osso, capazes de “fazer crescer”, ou seja, de educar e ter esperança no futuro. Convém voltar “a crescer”, dizem. Para isto, não são necessários personagens “sóbrios”, austeros, paladinos do rigor, dispensadores de sermões vazios. Para crescer é preciso gerar humanidade. E isto é possível na medida em que se parta da caridade guiada pela fé. O futuro não é apenas dos usuais Übermenschen, para quem tudo é permitido e nenhum veto parece ser fundado.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 16 de dezembro de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Cartas do P.e Aldo 208


Asunción, 22 de outubro de 2011.

Caríssimos amigos,
A educação nunca é um “andar para trás”, eu dizia, dia desses, à nossa advogada quando, pela enésima vez, movido por um instante de desconfiança quanto a Gabriel, eu lhe disse para rasgar a carta que eu havia preparado para enviar ao juiz que me havia dado a sua guarda, solicitando que fosse entregue a uma instituição do Estado. Gabriel, quando chegou, expulso de uma instituição estatal quando tinha 8 anos, era definido como um “menino problema”. Ele mesmo, quando ousavam perguntar-lhe, quando estava bem, quem era, respondia assim: “sou um menino problema”. Abandonado quando era pequeno, cresceu sem nenhum afeto, sempre encerrado nessas instituições do Estado onde se vigiam garotos e crianças, mas não se os ama, havia se tornado violento e selvagem. Não sabia o que queria dizer ser amado e, portanto, não sabia o que é amar. O seu dia transcorria sempre do mesmo jeito: divertia-se provocando. Era até mesmo difícil conseguir fazê-lo parar um pouco para conversar com ele, porque ou fugia para o mato ou pulava no telhado de alguma casa.
Muitas vezes perdi a paciência com ele e quando – poucas vezes – conseguia pegá-lo, não lhe poupava algumas palmadas no bumbum. E ele ficava ainda mais furioso e me desafiava com os punhos cerrados, rangendo os dentes. Porém, sempre lhe quis muito bem, olhando nele a presença terna, mesmo na sua raiva, do Mistério. E ele percebia isso, até ao ponto de que, um dia, começou a dizer que se chamava Gabriel Trento. Assim, ele que não tinha identidade, reconheceu, no relacionamento comigo, a figura do pai. Foi o início de um caminho como aquele no qual Giussani me abraçou e comecei a caminhar, porque me senti filho. Assim, com Gabriel, nasceu um relacionamento novo. Mas, não no sentido de que não tenha mais me feito sair do eixo, tornando-se um cordeirinho, mas porque começou a germinar nele algo como uma pequena semente da certeza de ser querido por um Outro. Começou também a participar da missa como coroinha. E isto com as mesmas expressões de violência impressionantes, que me obrigavam, por atenção aos outros sete garotos menores que ele e que ele dominava até mesmo com o olhar, a dizer muitas vezes à advogada do meu desejo de renunciar à adoção. E foi o que aconteceu há alguns dias atrás, quando, levantando-se pela manhã, não só decidiu não ir à escola, como também passar o dia inteiro na frente da televisão, tomando posse do controle remoto. Chamaram-me para tentar convencê-lo. Nada deu certo, ainda que eu não tenha lhe poupado também algumas palmadas. Ficou, então, furioso e me enfrentou com os punhos fechados, rangendo os dentes e com os olhos vermelhos de raiva. Eu olhava para ele com dor e cheio de impotência. Foi a enésima solicitação à advogada.
Mas, dentro de mim, uma dor grande, uma batalha. Como nunca, naquele momento, me vinham à mente as palavras de Giussani e que Carrón tem recordado ultimamente: “eu sou Tu que me fazes”. Eu, mas também ele, ele que existe, ele que é. Gabriel é! e não apenas é, mas, neste momento, é feito como eu sou feito. Assim, o meu saco cheio deu lugar ao maravilhamento pelo ser, pelo seu ser. “Amei-te de amor eterno, e tive piedade do teu nada”, do meu nada e do nada de Gabriel. E ainda: “antes de te formares no ventre de tua mãe, Eu pronunciei o teu nome”, o meu nome e o de Gabriel. A minha identidade, assim como a de Gabriel, é anterior à modalidade bonita com a qual eu fui concebido pela minha mãe, e violenta com a qual Gabriel foi concebido. Esta certeza mudou a minha vida e também em Gabriel existe esta pequena semente. 
Assim, pela enésima vez, me vi dizendo à advogada: “Sara, rasgue a carta para o juiz”. “Não é um andar para trás, é a consciência cada vez mais clara em mim do ser que vibra em Gabriel e de que o seu ser, assim como o meu, é feito neste momento por um Outro”.
No dia seguinte, Gabriel me procurou, me abraçou e pediu, uma vez mais, como um cordeirinho, o meu perdão. Fico comovido porque aquela certeza que nos define, não importa qual seja a consciência que Gabriel certamente não tenha daquilo que nos une – o fato de ser e de ser querido agora –, venceu uma vez mais. É isso: educar é apenas isto. Se não fosse assim, imaginem o que seria viver 24h por dia com crianças como estas que, na mais tenra infância, conheceram apenas a violência! Seria impossível e jogaríamos a toalha. E que bonito foi quando ele, depois do seu abraço, me pediu: “posso brincar, agora, com os patins?”. Sorrindo, lhe disse que sim. No fundo, educar é experimentar na própria carne o modo com o qual Deus nos trata. Por isto, viver com estas crianças é, para mim, uma graça grande, porque elas nunca me permitem dar por óbvio o estar diante do ser e, portanto, diante do Mistério.
Padre Aldo.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Da rede à realidade



“A armadilha da instintividade”
Por José Medina

Na escola, muitos dos problemas entre os jovens derivam daquilo que escrevem e leem no Facebook. Falando, depois, com eles, cara a cara, se entende que aquilo que escrevem ali, não seriam capazes de dizer na cara de ninguém.
Todo o mundo da educação nos Estados Unidos afirma que as redes sociais são estupendas, porque permitem uma comunicação facilitada, que derruba os limites de classe e as distâncias. E isto é verdade. Mas, o problema é que se trata de um meio instintivo, que não permite a reflexão, nem favorece o relacionamento interpessoal. Não acredito que se possa manter uma conversa autêntica usando as redes sociais. O que conta é o conceito de “I like it”, “curti”. Tudo se mede a partir do fato de você curtir ou não uma coisa, você curtir ou não as pessoas. Acredito que, para os adultos, seja a mesma coisa: a ideia segundo a qual tudo é automático, tudo é instintivo, é fonte de problemas porque o tempo não existe mais, as pessoas não falam mais! O discurso termina na mensagem de texto. Nos Estados Unidos, a internet já está fora de moda, a comunicação se faz via celular e através do Facebook. O email é um modo já mais profundo de expressão do pensamento, e assume o papel que antes pertencia à conversa.
Educar as pessoas é problemático, porque o instrumento vai no sentido contrário ao esforço educativo. Os três níveis do pensamento humano são: pensar, dizer e escrever. Cada vez que se passa a um nível diferente, o pensamento alcança maior profundidade: pensar consigo mesmo constitui-se num primeiro nível; falar obriga a um diálogo e, por isso, convida a um aprofundamento do pensamento. A escrita obriga a colocar as ideias em ordem. As mídias sociais, infelizmente, reduzem a escrita ao nível mais baixo do pensamento.
Há outro aspecto das redes sociais que contribui para a banalização dos relacionamentos. Para um jovem, no Facebook, não há distinção entre o amigo e o professor: o instrumento faz com que todos sejam uma pequena fotografia. Todas as relações são uniformizadas a um mesmo nível. A diferença construtiva entre jovem e adulto é enfraquecida. Isto gera confusão nos jovens, destruindo o sentido da autoridade e da paternidade. 
Podemos, portanto, utilizar isto como um espaço de educação? Acredito que não seja possível sem que se mude o instrumento mesmo.

“Google ou o professor?”
Por Federico Ponzoni

Sou professor há quase uma década. A tecnologia sempre ocupou a minha reflexão e a minha prática. De um lado, ela entra na escola como instrumento: há alguns anos, quando eu ainda era um seminarista, comecei a ensinar religião, e eu era o único em todo o instituto que usava apresentações em PowerPoint. O efeito era notável: era algo de novo, colorido, divertido. Ajudava a capturar a atenção dos jovens. Depois, o uso de instrumentos como esses se massificou. Passou o efeito da novidade, não bastava mais a simples introdução de um meio novo em sala de aula para educar com eficácia.
Aprendi, portanto, que a técnica no âmbito educativo promete muito, mas mantém pouco. Por exemplo, no Chile, onde estou em missão, os computadores foram introduzidos em sala de aula há dez anos, mas os resultados nos testes internacionais (PISA) não mudaram muito. Somente há poucos anos é que foram introduzidos os softwares didáticos que usam amplamente técnicas de programação que dão resultados tangíveis, sobretudo em matemática. Os estudos feitos até então demonstram, porém, que a simples introdução do software produz um crescimento vacilante dos resultados em matemática. O software, pelo contrário, unido ao aperfeiçoamento do docente e à melhora da didática, produz resultados impressionantes. Técnica ou não técnica, o homem continua sendo o centro do processo educativo. 
Não é tudo. Os estudos mais recentes, tanto em neurobiologia como em mídia, sublinham que a introdução de meios digitais produz uma mudança cultural muito significativa: um “nativo digital” pensa de modo diferente de alguém que só entrou no mundo digital quando adulto. Isto gera graves mal-entendidos entre docentes e alunos: aquilo que o professor diz é frequentemente visto pelo aluno como irrelevante ou inútil (“O professor está me dizendo coisas que posso encontrar no Google... por que, então, eu preciso ficar atento?”) e o professor encontra um aluno distraído, preguiçoso, sem interesse e, por isto, se sente frustrado. Então, é necessário redescobrir o verdadeiro papel do educador. O educador é aquele que sabe transmitir aquilo de que os nativos digitais precisam: uma razão para viver.

Uma carta de pouco valor
Por Carlo Fumagalli

Hoje, vejo em muitas pessoas (não apenas nos jovens) uma notável dependência dos meios de comunicação. Fico tocado com o senso de vazio, de desorientação, que as pessoas têm quando procuram alguém pelo celular e o encontram desligado. Na Hungria não existe o serviço de sms que avisa quem ligou para você. Desencadeia-se, por isto, a fobia de não conseguir falar com aquela pessoa. Que se torna agitação, ansiedade. Em mim, esta dependência é um pouco limitada. Mas, tenho uma missão muito “móvel” e, frequentemente, estou rodando: noventa por cento das ocasiões missionárias que tenho se passa pelo celular. Há, portanto, um aspecto positivo, de um ponto de vista “missionário”. Há o risco de degenerar, mas é uma comodidade enorme, desde que seja apenas o prelúdio para um encontro pessoal. É como, num jogo de baralho, uma carta baixa que você joga para ver o que os outros jogadores têm na mão. Certamente não será com ela que você vai levar para a casa o resultado, mas pode, certamente, facilitar o caminho.
Com o email é diferente. Quase nunca respondo a um pedido diretamente pelo email: convido o outro para nos vermos e conversarmos. Tem nisso uma questão lingüística, mas sobretudo parto da consciência de que não tenho a verdade no bolso, que possa ser confeccionada e enviada por email. Acredito que é muito interessante estar juntos, dar alguns passos juntos, viver juntos um momento de relaxamento...
Tudo isto é possível apenas no relacionamento pessoal. Em geral, precisamos do silêncio, do tempo de escuta do outro, algo que não seja um relacionamento mediado pelas tecnologias ou queimado nos tempos breves. Facebook é um exemplo evidente: uma garota, em dez segundos, convida trezentos “amigos” para um concerto. Depois, no concerto, aparecem apenas em dois que, não por acaso, são os dois para quem ela também telefonou. A ação pessoal é sempre mais resolutiva.
Tenho uma prova evidente disto quando me acontece de sugerir algo para ser lido. Às vezes, para que a pessoa possa receber logo depois do nosso encontro, ligo o computador, anexo o arquivo e envio. Mas, o fracasso é quase certo: entre as centenas de mensagens que recebe, o meu correspondente, no máximo, vai folhear as minhas páginas por uns trinta segundos. Outras vezes, pelo contrário, experimentei dar um livro ou uma fotocópia: é uma coisa completamente diferente. O papel fala. É como se eu dissesse para quem eu tenho diante de mim: “Depois da nossa conversa, pensei em você, rezei por você, trouxe na memória aquilo que você me disse. Procurei um livro e o folheei até encontrar aquilo que parece ter sido escrito exatamente para você; dá uma olhada, sublinhei alguns trechos há alguns anos, dou para você algo que é parte de mim...”.

O que procuramos
Por Giovanni Musazzi

Os lados bons da tecnologia são evidentes: organizo uma viagem em cinco minutos, encontro, sem me mover, livros que me são úteis, convido para um feriado com um único email, economizando quarenta telefonemas. Mas, assim como as coisas boas são tão óbvias, parece-me que se percam de vista os problemas. O uso adequado da internet não é o abuso. Mas, quando se está cego, o abuso está na próxima esquina.
O primeiro risco grave diz respeito ao uso do nosso tempo. O tempo tem um valor. Como tudo é fácil, o risco é que aquilo que deveria me ajudar a economizar tempo, na realidade, toma uma quantidade enorme de tempo. Do mesmo modo, o estar sempre disponível é um peso. Chega um email e, depois de um minuto, um sms no qual avisam que você deve dar uma olhada no email, e dez minutos depois telefonam para perguntar se eu li... e, no máximo, se trata de algo que vai acontecer daqui a duas semanas. É uma ansiedade: tudo agora e tudo imediatamente, tudo sempre urgente.
Frequentemente, de outro lado, perdemos a noção de que do outro lado da linha ou da rede tem uma pessoa. Usamos a tecnologia para procurar alguém não porque nos interessa aquela pessoa, mas apenas porque, naquele momento, precisamos que haja uma pessoa imediatamente disponível para poder descarregar sobre ela o fato que nos sentimos tristes, que estamos parados num engarrafamento na estrada, que estamos fazendo um trabalho tedioso. No fundo, por outro lado, é quase indiferente quem está lendo ou escutando. Ninguém me responde? Telefono para outra pessoa. Ou então, um belo sms grupal: alguém há de me responder! Quando, pelo contrário, vou encontrar alguém, tenho aquela pessoa diante de mim e basta. As pessoas, aqui no Portugal, têm uns três chips de celular, utilizando três empresas de telefonia diferentes. O resultado disso? Mexericos e um montão de dinheiro gasto com contas de celular.
Será que precisamos tanto de todas estas palavras? Precisamos tornar tudo público, disponível online? Eu pedi a muitas famílias próximas que trocassem as fotos privadamente, e que não as publicassem na internet. De fato, tem uma forte tendência a recorrer ao virtual, olhar as fotos e ler os comentários, mais do que viver uma experiência direta. Eu gostaria de viver a vida, e não de viver como um substituto. 


* Extraído do site da Fraternità San Carlo, do dia 5 de outubro de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Cuidado com os burros motivados


Entrevista com Roberto Shinyashiki*

A revista ISTO É publicou, em 2005, esta entrevista com Roberto Shinyashiki, médico psiquiatra, com Pós-Graduação em administração de empresas pela USP, consultor organizacional e conferencista de renome nacional e internacional. Em Heróis de Verdade, o escritor combate a supervalorização das aparências, diz que falta ao Brasil competência, e não auto-estima.
É uma entrevista imperdível... seis anos depois, quanta coisa ficou ainda mais evidente: as universidades se tornaram escolas de mediocridade e de incompetência - sem um único exemplo em contrário -; a aparência se tornou de tal forma dominante que já não sabemos se somos, temos ou parecemos ser, não sabemos nem mesmo o que ou quem somos; a mentira e a arrogância se tornaram a chave para abrir todas as portas; a meritocracia acabou; a ignorância e a mediocridade viraram virtudes e são celebradas... e a lista pode ser ainda mais longa!

ISTO É - Quem são os heróis de verdade?
Roberto Shinyashiki - Nossa sociedade ensina que, para ser uma pessoa de sucesso, você precisa ser diretor de uma multinacional, ter carro importado, viajar de primeira classe. O mundo define que poucas pessoas deram certo. Isso é uma loucura. Para cada diretor de empresa, há milhares de funcionários que não chegaram a ser gerentes. E essas pessoas são tratadas como uma multidão de fracassados. Quando olha para a própria vida, a maioria se convence de que não valeu à pena, porque não conseguiu ter o carro, nem a casa maravilhosa. Para mim, é importante que o filho da moça que trabalha na minha casa, possa se orgulhar da mãe. O mundo precisa de pessoas mais simples e transparentes. Heróis de verdade são aqueles que trabalham para realizar seus projetos de vida, e não para impressionar os outros. São pessoas que sabem pedir desculpas e admitiram que erraram.

ISTO É - O Sr. citaria exemplos?
Shinyashiki - Quando eu nasci, minha mãe era empregada doméstica e meu pai, órfão aos sete anos, empregado em uma farmácia. Morávamos em um bairro miserável em São Vicente (SP) chamado Vila Margarida. Eles são meus heróis. Conseguiram criar seus quatro filhos, que hoje estão bem. Acho lindo quando o Cafu põe uma camisa em que está escrito “100% Jardim Irene”. É pena que a maior parte das pessoas esconda suas raízes. O resultado é um mundo vítima da depressão, doença que acomete hoje 10% da população americana. Em países como o Japão, a Suécia e a Noruega, há mais suicídio do que homicídio. Por que tanta gente se mata? Parte da culpa está na depressão das aparências, que acomete a mulher, que embora não ame mais o marido, mantém o casamento, ou o homem que passa décadas em um emprego, que não o faz se sentir realizado, mas o faz se sentir seguro.

ISTO É - Qual o resultado disso?
Shinyashiki - Paranoia e depressão cada vez mais precoce. O pai quer preparar o filho para o futuro e mete o menino em aulas de inglês, informática e mandarim. Aos nove ou dez anos a depressão aparece. A única coisa que prepara uma criança para o futuro, é ela poder ser criança. Com a desculpa de prepará-los para o futuro, os malucos dos pais estão roubando a infância dos filhos. Essas crianças serão adultos inseguros e terão discursos hipócritas. Aliás, a hipocrisia já predomina no mundo corporativo.

ISTO É - Por quê?
Shinyashiki - O mundo corporativo virou um mundo de faz-de-conta, a começar pelo processo de recrutamento. É contratado o sujeito com mais marketing pessoal. As corporações valorizam mais a auto-estima do que a competência. Sou presidente da Editora Gente e entrevistei uma moça que respondia todas as minhas perguntas com uma ou duas palavras. Disse que ela não parecia demonstrar interesse. Ela me respondeu estar muito interessada, mas como falava pouco, pediu que eu pesasse o desempenho dela, e não a conversa. Até porque ela era candidata a um emprego na contabilidade, e não de relações públicas. Contratei-a na hora. Num processo clássico de seleção, ela não passaria da primeira etapa.

ISTO É - Há um script estabelecido?
Shinyashiki - Sim. Quer ver uma pergunta estúpida feita por um presidente de multinacional no programa “O Aprendiz”? Qual é seu defeito? Todos respondem que o defeito é não pensar na vida pessoal: “- Eu mergulho de cabeça na empresa. Preciso aprender a relaxar”. É exatamente o que o Chefe quer escutar. Por que você acha que nunca alguém respondeu ser desorganizado ou esquecido? É contratado quem é bom em conversar, em fingir. Da mesma forma, na maioria das vezes, são promovidos aqueles que fazem o jogo do poder. O vice-presidente de uma as maiores empresas do planeta me disse: “Sabe, Roberto, ninguém chega à vice-presidência sem mentir”. Isso significa que quem fala a verdade não chega a diretor!

ISTO É - Temos um modelo de gestão que premia pessoas mal preparadas?
Shinyashiki - Ele cria pessoas arrogantes, que não têm a humildade de se preparar, que não têm capacidade de ler um livro até o fim e não se preocupam com o conhecimento. Muitas equipes precisam de motivação, mas o maior problema no Brasil é competência. Cuidado com os burros motivados. Há muita gente motivada fazendo besteira. Não adianta você assumir uma função, para a qual não está preparado. Fui cirurgião e me orgulho de nunca um paciente ter morrido na minha mão. Mas tenho a humildade de reconhecer que isso nunca aconteceu graças a meus chefes, que foram sábios em não me dar um caso, para o qual eu não estava preparado. Hoje, o garoto sai da faculdade achando que sabe fazer uma neurocirurgia. O Brasil se tornou incompetente e não acordou para isso.

ISTO É - Está sobrando auto-estima?
Shinyashiki - Falta às pessoas a verdadeira auto-estima. Se eu preciso que os outros digam que sou o melhor, minha auto-estima está baixa. Antes, o ter conseguia substituir o ser. O cara mal-educado dava uma gorjeta alta para conquistar o respeito do garçom. Hoje, como as pessoas não conseguem nem ser, nem ter, o objetivo de vida se tornou parecer. As pessoas parecem que sabem, parece que fazem, parece que acreditam. E poucos são humildes para confessar que não sabem. Há muitas mulheres solitárias no Brasil, que preferem dizer que é melhor assim. Embora a auto-estima esteja baixa, fazem pose de que está tudo bem.

ISTO É - Por que nos deixamos levar por essa necessidade de sermos perfeitos em tudo de valorizar a aparência?
Shinyashiki - Isso vem do vazio que sentimos. A gente continua valorizando os heróis. Quem vai salvar o Brasil? O Lula. Quem vai salvar o time? O técnico. Quem vai salvar meu casamento? O terapeuta. O problema é que eles não vão salvar nada! Tive um professor de filosofia que dizia: “Quando você quiser entender a essência do ser humano, imagine a rainha Elizabeth com uma crise de diarreia durante um jantar no Palácio de Buckingham”. Pode parecer incrível, mas a rainha Elizabeth também tem diarreia. Ela certamente já teve dor de dente, já chorou de tristeza, já fez coisas que não deram certo. A gente tem de parar de procurar super-heróis, porque se o super-herói não segura a onda, todo mundo o considera um fracassado.

ISTO É - O conceito muda quando a expectativa não se comprova?
Shinyashiki - Exatamente. A gente não é super-herói nem super fracassado. A gente acerta, erra, tem dias de alegria e dias de tristeza. Não há nada de errado nisso. Hoje, as pessoas estão questionando o Lula, em parte porque acreditavam que ele fosse mudar suas vidas e se decepcionaram. A crise será positiva se elas entenderem que a responsabilidade pela própria vida é delas.

ISTO É - Muitas pessoas acham que é fácil para o Roberto Shinyashiki dizer essas coisas, já que ele é bem-sucedido. O senhor tem defeitos?
Shinyashiki - Tenho minhas angústias e inseguranças. Mas aceitá-las faz minha vida fluir facilmente.Há várias coisas que eu queria e não consegui. Jogar na Seleção Brasileira, tocar nos Beatles (risos). Meu filho mais velho nasceu com uma doença cerebral e hoje tem 25 anos. Com uma criança especial, eu aprendi que, ou eu a amo do jeito que ela é, ou vou massacrá-la o resto da vida para ser o filho que eu gostaria que fosse. Quando olho para trás, vejo que 60% das coisas que fiz deram certo. O resto foram apostas e erros. Dia desses apostei na edição de um livro, que não deu certo. Um amigão me perguntou: “Quem decidiu publicar esse livro?”. Eu respondi que tinha sido eu. O erro foi meu. Não preciso mentir.

ISTO É - Como as pessoas podem se livrar dessa tirania da aparência?
Shinyashiki - O primeiro passo é pensar nas coisas que fazem as pessoas cederem a essa tirania e tentar evitá-las. São três fraquezas: a primeira é precisar de aplauso, a segunda é precisar se sentir amada e a terceira é buscar segurança. Os Beatles foram recusados por gravadoras e nem por isso desistiram. Hoje, o erro das escolas de música é definir o estilo do aluno. Elas ensinam a tocar como o Steve Vai, o B. B. King ou o Keith Richards. Os MBAs têm o mesmo problema: ensinam os alunos a serem covers do Bill Gates. O que as escolas deveriam fazer é ajudar o aluno a desenvolver suas próprias potencialidades.

ISTO É - Muitas pessoas têm buscado sonhos que não são seus?
Shinyashiki - A sociedade quer definir o que é certo. São quatro loucuras da sociedade... A primeira é instituir que todos têm de ter sucesso, como se eles não tivessem significados individuais. A segunda loucura é: você tem de estar feliz todos os dias. A terceira é: você tem que comprar tudo o que puder. O resultado é esse consumismo absurdo. Por fim, a quarta loucura: você tem de fazer as coisas do jeito certo. Jeito certo não existe. Não há um caminho único para se fazer as coisas. As metas são interessantes para o sucesso, mas não para a felicidade. Felicidade não é uma meta, mas um estado de espírito. Tem gente que diz que não será feliz, enquanto não casar, enquanto outros se dizem infelizes justamente por causa do casamento. Você pode ser feliz tomando sorvete, ficando em casa com a família ou com amigos verdadeiros, levando os filhos para brincar ou indo à praia ou ao cinema. Quando era recém-formado em São Paulo, trabalhei em um hospital de pacientes terminais. Todos os dias morriam nove ou dez pacientes. Eu sempre procurei conversar com eles na hora da morte. A maior parte pega o médico pela camisa e diz: “Doutor, não me deixe morrer. Eu me sacrifiquei à vida inteira, agora eu quero aproveitá-la e ser feliz”.

* Extraído da revista ISTO É, n. 1879, de 19 de outubro de 2005.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Testemunhai às novas gerações a beleza exigente da vida cristã


Visita Pastoral a Ancona

Encontro com as famílias e com os sacerdotes

Discurso do Santo Padre Bento XVI

Catedral de São Ciríaco, Ancona
Domingo, 11 de setembro de 2011

Caros sacerdotes e caros esposos,
A colina sobre a qual foi construída esta Catedral nos permitiu ter um belíssimo olhar sobre a cidade e sobre o mar; mas ao atravessar o majestoso portal o espírito permanece fascinado com a harmonia do estilo românico, enriquecido por um entrelaçamento de influxos bizantinos e de elementos góticos. Também diante da vossa presença – sacerdotes e esposos provenientes das diversas dioceses italianas – se percebe a beleza da harmonia e da complementaridade das vossas diferentes vocações. O mútuo conhecimento e a estima mútua, no compartilhamento da mesma fé, levam a apreciar o carisma uns dos outros e a se reconhecerem parte do único “edifício espiritual” (1Pd 2, 5) que, tendo como pedra angular o mesmo Cristo Jesus, cresce bem ordenado para ser templo santo no Senhor (cf. Ef 2, 20-21). Obrigado, portanto, por este encontro: ao caro Arcebispo, Dom Edoardo Menichelli – também pelas expressões com as quais o introduziu – e a cada um de vós.
Gostaria de me dedicar a falar brevemente sobre a necessidade de trazer de volta a Ordem e o Matrimônio para a única fonte eucarística. Ambos os estados de vida têm, de fato, no amor de Cristo, que dá a si mesmo para a salvação da humanidade, a mesma raiz; são chamados a uma missão comum: a de testemunhar e tornar presente este amor a serviço da comunidade, para a edificação do Povo de Deus (cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 1534). Esta perspectiva permite, antes de qualquer coisa, que se supere uma visão redutiva da família, que a considera como mera destinatária da ação pastoral. É verdade que, neste tempo difícil, ela precisa de particulares atenções. Não por isto, no entanto, deve ser diminuída a sua identidade ou mortificada sua responsabilidade específica. A família é riqueza para os esposos, bem insubstituível para os filhos, fundamento indispensável da sociedade, comunidade vital para o caminho da Igreja. 
Em nível eclesial, valorizar a família significa reconhecer sua relevância na ação pastoral. O ministério que nasce do Sacramento do Matrimônio é importante para a vida da Igreja: a família é lugar privilegiado de educação humana e cristã e continua sendo, por causa desta finalidade, a melhor aliada do ministério sacerdotal; ela é um dom precioso para a edificação da comunidade. A proximidade do sacerdócio à família, por sua vez, a ajuda a tomar consciência da própria realidade profunda e da própria missão, favorecendo o desenvolvimento de uma forte sensibilidade eclesial. Nenhuma vocação é uma questão privada, muito menos a vocação ao matrimônio, porque o seu horizonte é a Igreja inteira. Trata-se, portanto, de saber integrar e harmonizar, na ação pastoral, o ministério sacerdotal com “o autêntico Evangelho do matrimônio e da família” (Esort. ap. Familiaris consortio, 8) para uma comunhão efetiva e fraterna. E a Eucaristia é o centro e a fonte desta unidade que anima toda a ação da Igreja. 
Caros sacerdotes, pelo dom que recebestes na Ordenação, fostes chamados a servir como Pastores à comunidade eclesial, que é “família de famílias”, e portanto a amar cada um com coração paterno, com autêntica distância de vós mesmos, com dedicação plena, contínua e fiel: sois sinal vivo que remete a Cristo Jesus, o único Bom Pastor. Conformai-vos a Ele, ao seu estilo de vida, com aquele serviço total e exclusivo de que o celibato é expressão. Também o sacerdote tem uma dimensão esponsal; é identificar-se com o coração de Cristo Esposo, que dá a vida pela Igreja sua esposa (cf. Esort. ap. postsin. Sacramentum caritatis, 24). Cultivai uma profunda familiaridade com a Palavra de Deus, luz no vosso caminho. A celebração cotidiana e fiel da Eucaristia seja o lugar onde possais atingir a força para dar-vos a vós mesmos, cada dia, no ministério e viver constantemente na presença de Deus: é Ele a vossa morada e a vossa herança. Disto deveis ser testemunhas para a família e para cada pessoa que o Senhor coloca no vosso caminho, mesmo nas circunstâncias mais difíceis (cf. ibid., 80). Encorajai os cônjuges, compartilhai com eles as responsabilidades educativas, ajudai-os a renovar continuamente a graça do seu matrimônio. Tornai a família protagonista na ação pastoral. Sede acolhedores e misericordiosos, também com aqueles que têm mais dificuldade para cumprir os compromissos assumidos com o vínculo matrimonial e mesmo com aqueles que falharam convosco.
Caros esposos, o vosso Matrimônio se enraíza na fé segundo a qual “Deus é amor” (1Jo 4, 8) e segundo a qual seguir a Cristo significa “permanecer no amor” (cf. Jo 15, 9-10). A vossa união – como ensina São Paulo – é sinal sacramental do amor de Cristo pela Igreja (cf. Ef 5, 32), amor que culmina na Cruz e que é “significado e atuado na Eucaristia” (Esort. ap. Sacramentum caritatis, 29). O Mistério eucarístico incida sempre mais profundamente na vossa vida cotidiana: tirai inspiração e força deste Sacramento para o vosso relacionamento conjugal e para a missão educativa a que sois chamados; construí as vossas famílias na unidade, dom que vem do alto e que alimenta o vosso compromisso na Igreja e na promoção de um mundo justo e fraterno. Amai os vossos sacerdotes, exprimi o vosso apreço pelo generoso serviço que desempenham. Saibais suportar também seus limites, sem nunca renunciar a pedir que sejam entre vós ministros exemplares que vos falem de Deus e que vos conduzam a Deus. A vossa fraternidade é, para eles, uma preciosa ajuda espiritual e um sustento nas provações da vida.
Caros sacerdotes e caros esposos, saibais encontrar sempre na santa Missa a força para viver a pertença a Cristo e à sua Igreja, no perdão, no dom de si mesmos e na gratidão. O vosso agir cotidiano tenha na comunhão sacramental a sua origem e o seu centro, para que tudo seja feito para a glória de Deus. Deste modo, o sacrifício de amor de Cristo vos transformará, até ao ponto de vos tornar nEle “um só corpo e um só espírito” (cf. Ef 4, 4-6). A educação à fé das novas gerações também passa através da vossa coerência. Testemunhai a eles a beleza exigente da vida cristã, com a confiança e a paciência de quem conhece o poder da semente jogada no terreno. Como no episódio evangélico que acabamos de escutar (Mc 5, 21-24.35-43), sejais, para todos os que foram confiados à vossa responsabilidade, sinal da benevolência e da ternura de Jesus: nEle se torna visível como o Deus que ama a vida não é estranho ou distante dos acontecimentos humanos, mas é o Amigo que nunca abandona. E nos momentos em que se insinuar a tentação que faz pensar que todo compromisso educativo é vão, tirai da Eucaristia a luz para reforçar a fé, seguros de que a graça e a potência de Jesus Cristo podem alcançar o homem em todas a situações, mesmo nas mais difíceis.
Caros amigos, confio-vos todos à proteção de Maria, venerada nesta Catedral sob o título de “Rainha de todos os Santos”. A tradição liga a sua imagem ao ex voto de um marinheiro, em sinal de gratidão pela salvação do filho, que saiu ileso de uma tempestade no mar. O olhar materno da Mãe acompanhe também os vossos passos na santidade rumo a um porto de paz.
Obrigado.

* Extraído do site do Vaticano, do dia 11 de setembro de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Entendi, com meus alunos, o que é a escola...


Por Mario Caponnetto

Depois de seis anos ensinando no Centro de Formação Profissional In-presa, neste ano me perguntei qual a incidência que os adultos têm no percurso dos jovens e, sobretudo, qual a incidência que os professores têm entre os alunos, visto que, frequentemente, o professor é uma figura a ser suportada mais do que alguém de quem se aprende algo. Buscando responder a estas perguntas, li com atenção as redações de fim de ano, das quais consegui uma ajuda para julgar, de modo realista, o meu percurso como professor.
Dei-me conta de que aconteceu uma experiência verdadeiramente educativa, porque foram respeitadas certas condições.
Antes de mais, nada daquilo que aconteceu foi censurado, porque tudo foi acolhido e julgado. “Durante o estágio, tive alguns desentendimentos com Marco e Mathias e, às vezes, a vontade de ir trabalhar ia embora”, diz Simone, aluno do I Elétrico; da mesma forma, Mirco, seu colega de sala, que na carta final na qual faz um resumo de como o ano passou, escreve: “Cara Emilia, eu me chamo Mirco e estou na escola há um ano. Gostei muito, mesmo tendo tido alguns desentendimentos com os professores por causa dos meus modos de estar em sala”. Os desentendimentos acontecem, mas não são tudo, se forem julgados: podem representar um passo verdadeiro em direção a uma conquista maior.
O primeiro modo de julgar os limites é aceitá-los, como diz Luigi acerca de seu tutor na empresa: “Cara Emilia, sou Luigi... os meus pontos de referência mais importantes foram os tutores na empresa, particularmente Rossano. Ele foi muito mais do que alguém que me deu um trabalho, porque, mesmo sendo consciente das minhas escassas capacidades, me aceitou e elogiou por aquilo que fiz”.
É apenas assim que se descobre que alguém pode lhe dar uma mão, que você não está sozinho com o seu limite, mas que pode olhá-lo de frente. “No início, eu me sentia sem lugar, a minha situação era parecida com a de um peixe fora d’água, eu tinha sido colocado na cozinha sem ao menos saber as técnicas básicas, eu me sentia inútil... Esta situação melhorou mês após mês, até atingir a autonomia nas tarefas mais elementares e superar problemas que, no início, me pareciam intransponíveis. Giacomo me deu uma mão e tanto”, disse Riccardo do I Auxiliar de Cozinha. Gabriele, um aspirante a eletricista, diz algo parecido: “No laboratório, não sou muito prático, mas os professores me dizem que é normal, de fato aprendi muitas coisas que eu não sabia, e para im isto quer dizer que tenho satisfações”.
Eis outra grande descoberta: posso estar diante dos meus limites apenas se tem alguém que me ajuda a olhar para eles, alguém que vê mais, que vê na frente. O adulto se encontra ali para me ajudar a olhá-los, não para censurá-los; por isto, é alguém que me deixa mais livre, como disse Cristian: “O tutor na empresa sempre me fez sentir em casa, me fez sentir livre para aprender e errar! Teve muita paciência, visto que, no início, eu era como uma criança que engatinha, não sabia caminhar”. É um adulto que ajuda a ver a realidade, que introduz na realidade, até dentro dos aspectos mais difíceis, aqueles a que é necessário se habituar: “Durante o primeiro mês de estágio, eu não estava satisfeita com meu trabalho. Quando comecei a me habituar com os horários e os tempos do restaurante, comecei a me sentir satisfeita com o meu trabalho”, disse Giulia.
O adulto, de um lado, faz entender o valor da fadiga que deve realizar, mas, de outro, oferece a possibilidde de se apaixonar por um pedaço da realidade, como nos testemunha Carlos: “A minha matéria preferida é Cidadania, uma matéria muito importante, porque nos mantém sempre informados de coisas interessantes”. Também Michael se interessou por uma matéria: “A minha matéria preferida é Inglês; tendo uma garota tão bonita como professora, é possível fazer as tarefas melhor e com mais vontade”. É uma paixão que tem que ver com a descoberta do belo, às vezes através do rosto de uma bela professora, mas tem que ver também com uma gratificação, como disse Stefano: “Por hora, o prato que mais gostei de fazer foi a crostata. Mais do que um prato, é um doce e digo que me dei muito bem porque o professor me disse isso, ele havia dito também que era melhor do que a que ele havia feito”.
Depois de ter descoberto uma paixão, um professor, um tutor, Alessandro, um aluno do segundo ano, chegou a dizer: “Para mim, o estágio é como uma partida de futebol: é bonito, mas cansa”. E Niccolò chegou a falar da escola em termos quase poéticos: “para definir a escola eu usaria a metáfora da neblina, porque a neblina, depois de um tempo, se dissolve. Quando cheguei aqui, não sabia nada, mas agora estou começando a entender esta profissão, exatamente como a neblina que se dissolve”.
Pode acontecer que um aluno entenda mais o que quer fazer e decida mudar o percurso: “Cara Emilia, me chamo Simone, sou do II B Elétrico e tenho 16 anos. Este ano foi bom. Consegui encontrar minha pérola! No início do ano, tive a oportunidade de ver se o eletricista era o meu caminho e, de fato, não era; assim, experimentei o curso de arquivista, mas também este não era o meu caminho. Assim, escolhi seguir a minha paixão, ou seja, estar em contato com os animais e fiquei bem. [...] Quem sabe, quando eu estiver grande, poderei me especializar como adestrador”. Pode acontecer também que se abra algo que estava fechado há tempos ou que, talvez, nunca se tenha aberto: “Sempre fui uma garota daquelas que odeia estudar, mas esta escola conseguiu me fazer abrir a vontade de estudar, de conhecer e aprender a história das paixões que tenho dentro de mim, daquilo que escolhi como o trabalho do meu grande futuro”, disse Yuney, aluna do I Auxiliar de Cozinha.
Por isto, Mattia, depois de ter descoberto que pode enfrentar os seus limites sem censurá-los, depois de ter descoberta que também ele pode ter uma paixão, que tem alguém pronto a acolhê-lo e a ensinar-lhe uma profissão, pode dizer: “Para mim, este ano voou, sem que eu nem me desse conta”.
Portanto, o que é a escola? Marco é quem explica muito bem: “Cara Emilia, estou freqüentando a sua escola porque quero ter um futuro, ser alguém, mesmo porque ser garçon é o que eu sempre quis fazer, e esta escola, a sua escola, me permite realizar este meu sonho”.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 28 de junho de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Cartas do P.e Aldo 198


Asunción, 21 de junho de 2011.

Caríssimos,
Eis a foto de recordação das 11 crianças da Casinha de Belém batizadas neste domingo. A maioria delas não tem ninguém, mas agora podem dizer “Pai” para o Mistério. Que responsabilidade, para mim e os amigos, nos foi presenteada com o batismo delas! Uma responsabilidade possível de viver apenas se o meu eu é definido, momento após momento, pela certeza “eu sou Tu que me fazes”. Desta certeza depende todo o caminho educativo e a sua maturidade.
Olho-os e vejo a grandeza e a beleza do Mistério que permitiu que nascessem em condições desumanas e violentas para, depois, retomá-los e levá-los para onde Sua Presença é evidente.
Olho-os e, comovido, penso naquilo que o profeta disse: “antes de te formares no ventre de tua mãe, pronunciei o teu nome”.
Que bonito: eu, como os meus pequenos, fomos pensados, desde sempre, por Deus! Que bonito: eu, como as minhas crianças, fomos chamados pelo nome, ou seja, somos Seus, pertencemos-Lhe desde sempre. Então, o modo com o qual fomos concebidos é secundário (não porque não seja importante... pelo contrário), porque a nossa identidade vem antes, vem da eternidade. Então, mesmo se concebido na violência, isto não define mais a minha personalidade. 
O aborto é terrível porque elimina um nome que Deus pronunciou desde sempre. Então, entendem porque as meninas grávidas são, para mim, tesouros, mesmo que tenham 12 anos de idade. Elas moram conosco, salvas daquelas diabólicas ONGs que fazem de tudo para que abortem.
Uma garotinha da favela, vítima do crack desde os 9 anos de idade, não queria a criança de que estava grávida e chegou aqui em condições indescritíveis. Deu à luz uma menina lindíssima (hoje, a mãe tem 15 anos) e, no início não a queria. Três meses se passaram e ela, a mãe, é outra pessoa, é uma verdadeira mulher, uma verdadeira mãe. Mesmo o seu aspecto físico mudou: está bonita, bem vestida, limpa, orgulhosa da sua feminilidade. Vê-la amamentando a sua menina é de uma ternura enorme.
Não mais o passado como “piranha” (é como são chamadas essas crianças), mas um início de consciência de ser fruto do SER, daquele “Tu que me fazes”. Mas, dentro de uma companhia de 24 horas por dia. Porém, é assim que o Mistério nos faz companhia. Lucilla, a filha do meu amigo Luigi Amiconi, dizia: “Tudo o que eu faço é dizer ‘sim’ a Liz (uma menina com gravíssimos problemas psíquicos, físicos e de mobilidade), e este ‘SIM’ mudou Liz e me mudou. E dizer ‘SIM’ quer dizer responder às suas necessidades, quer dizer estar sempre com ela. E este ‘SIM’ que digo a ela, eu o digo a todas as crianças. Mas, posso dizê-lo porque um outro o diz para mim”.
E é mesmo bonito ver esta garota de 12 anos, que parece ter a metade, e que não fala, é mesmo bonito vê-la feliz e fazendo de tudo para responder às provocações de Lucilla. E Lucilla que a olha, a olha para perceber o que quer, o que a realidade lhe pede para poder responder “SIM”. Educar é apenas dizer “SIM” à realidade.
Padre Aldo

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Família: pequeno Cenáculo de unidade, comunhão e oração

Viagem Apostólica à Croácia
(4 e 5 de junho de 2011)

Santa Missa por ocasião
da Jornada Nacional das Famílias Católicas Croatas

Homilia do Papa Bento XVI

Hipódromo de Zagreb
Domingo, 5 de junho de 2011

Amados irmãos e irmãs!
Nesta Santa Missa que tenho a alegria de presidir, concelebrando com numerosos irmãos no episcopado e com um grande número de sacerdotes, agradeço ao Senhor por todas as queridas famílias aqui reunidas e por muitas outras que estão unidas conosco através do rádio e da televisão. O meu agradecimento particular ao Cardeal Josip Bozanić, Arcebispo de Zagreb, pelas palavras que me dirigiu no início da Santa Missa. A todos dirijo a minha saudação e exprimo a minha grande estima com um abraço de paz.
Celebramos há pouco a Ascensão do Senhor e preparamo-nos para receber o grande dom do Espírito Santo. Vimos, na primeira leitura, como a comunidade apostólica se reunira em oração no Cenáculo com Maria, a Mãe de Jesus (cf. At 1, 12-14). Este é um retrato da Igreja cujas raízes assentam no evento pascal: de fato, o Cenáculo é o lugar onde Jesus instituiu a Eucaristia e o Sacerdócio na Última Ceia, e onde, ressuscitado dos mortos, derramou o seu Espírito sobre os Apóstolos ao entardecer do dia de Páscoa (cf. Jo 20, 19-23). O Senhor ordenara aos seus discípulos que “não se afastassem de Jerusalém, mas que esperassem a Promessa do Pai” (At 1, 4), isto é, pedira que permanecessem juntos preparando-se para receber o dom do Espírito Santo. E eles se reuniram em oração com Maria no Cenáculo à espera do acontecimento prometido (At 1, 14). Permanecer juntos foi a condição que Jesus pôs para acolherem a vinda do Paráclito, e a prolongada oração foi o pressuposto da sua concórdia. Aqui encontramos uma lição estupenda para cada comunidade cristã. Às vezes pensa-se que a eficácia missionária dependa principalmente de uma cuidadosa programação e da sua realização inteligente através de um compromisso concreto. O Senhor pede certamente a nossa colaboração, mas, antes de qualquer resposta da nossa parte, é necessária a sua iniciativa: o verdadeiro protagonista é o seu Espírito, que se deve invocar e acolher.
No Evangelho, ouvimos a primeira parte da chamada “oração sacerdotal” de Jesus (cf. Jo 17, 1-11a) – depois dos discursos de despedida – repleta de familiaridade, ternura e amor. Designa-se “oração sacerdotal”, porque nela Jesus aparece na atitude de sacerdote que intercede pelos seus, quando está para deixar este mundo. Predomina no texto um duplo tema: o da hora e o da glória. Trata-se da hora da morte (cf. Jo 2, 4; 7, 30; 8, 20), a hora em que o Filho deve passar deste mundo para o Pai (Jo 13, 1); mas ao mesmo tempo é também a hora da sua glorificação que se realiza através da cruz, designada pelo evangelista João como “exaltação”, isto é, levantamento, elevação à glória: a hora da morte de Jesus, a hora do amor supremo, é a hora da sua glória mais alta. Também para a Igreja, para cada cristão, a glória mais alta é aquela Cruz, é viver a caridade, dom total a Deus e aos outros.
Amados irmãos e irmãs! De bom grado acolhi o convite que me fizeram os Bispos da Croácia para visitar este país por ocasião do primeiro Encontro Nacional das Famílias Católicas Croatas. Desejo exprimir vivo apreço pela vossa solicitude e empenho a favor da família, não só porque esta realidade humana fundamental tem hoje no vosso país, como em outros lugares, de enfrentar dificuldades e ameaças e, por conseguinte, precisa particularmente de ser evangelizada e sustentada, mas também porque as famílias cristãs são um recurso decisivo para a educação na fé, para a edificação da Igreja como comunhão e para a sua presença missionária nas mais diversas situações da vida. Conheço a generosidade e dedicação com que vós, queridos Pastores, servis o Senhor e a Igreja. O vosso trabalho diário, tanto na formação da fé das novas gerações como na preparação para o matrimônio e no acompanhamento das famílias, é o caminho fundamental para regenerar incessantemente a Igreja e também para vivificar o tecido social do país. Possa este precioso serviço pastoral continuar a contar com a vossa disponibilidade!
Cada um bem sabe como a família cristã é um sinal especial da presença e do amor de Cristo e como está chamada a dar uma contribuição específica e insubstituível para a evangelização. O Beato João Paulo II, que visitou três vezes este nobre país, afirmava que “a família cristã é chamada a tomar parte viva e responsável na missão da Igreja de modo próprio e original, colocando-se ao serviço da Igreja e da sociedade no seu ser e agir, enquanto comunidade íntima de vida e de amor” (Familiaris consortio, 50). A família cristã foi sempre a primeira via de transmissão da fé e ainda hoje conserva grandes possibilidades para a evangelização em muitos âmbitos.
Queridos pais, empenhai-vos sempre em ensinar os vossos filhos a rezar, e rezai com eles; aproximai-os dos Sacramentos, especialmente da Eucaristia (este ano, celebrais seis séculos do “milagre eucarístico de Ludberg”); introduzi-os na vida da Igreja; na intimidade doméstica, não tenhais medo de ler a Sagrada Escritura, iluminando a vida familiar com a luz da fé e louvando a Deus como Pai. Sede uma espécie de Cenáculo em miniatura, como o de Maria e dos discípulos, onde se vive a unidade, a comunhão, a oração.
Hoje, graças a Deus, muitas famílias cristãs vão adquirindo cada vez maior consciência da sua vocação missionária, e comprometem-se seriamente dando testemunho de Cristo Senhor. O Beato João Paulo II fez questão de salientar: “Uma família autêntica, fundada no matrimônio, é em si mesma uma 'boa notícia' para o mundo”. E acrescentou: “No nosso tempo, são cada vez mais numerosas as famílias que colaboram ativamente na evangelização (…). Amadureceu na Igreja a hora da família, que é também a hora da família missionária” (Angelus, 21 de outubro de 2001).
Na sociedade atual, é muito necessária e urgente a presença de famílias cristãs exemplares. Infelizmente temos de constatar, sobretudo na Europa, o aumento de uma secularização que leva a deixar Deus à margem da vida e a uma crescente desagregação da família. Absolutiza-se uma liberdade sem compromisso com a verdade, e cultiva-se como ideal o bem-estar individual através do consumo de bens materiais e de experiências efêmeras, descuidando a qualidade das relações com as pessoas e os valores humanos mais profundos; reduz-se o amor a mera emoção sentimental e à satisfação de impulsos instintivos, sem empenhar-se por construir laços duradouros de mútua pertença e sem abertura à vida. Somos chamados a contrastar esta mentalidade. A par da palavra da Igreja, é muito importante o testemunho e o compromisso das famílias cristãs, o seu testemunho concreto, sobretudo para afirmar a intangibilidade da vida humana desde a concepção até ao seu fim natural, o valor único e insubstituível da família fundada no matrimônio e a necessidade de disposições legislativas que sustentem as famílias na sua tarefa de gerar e educar os filhos.
Queridas famílias, sede corajosas! Não cedais à mentalidade secularizada que propõe a convivência como preparação ou mesmo substituição do matrimônio. Mostrai com o vosso testemunho de vida que é possível amar, como Cristo, sem reservas, que não é preciso ter medo de assumir um compromisso com outra pessoa. Queridas famílias, alegrai-vos com a paternidade e a maternidade! A abertura à vida é sinal de abertura ao futuro, de confiança no futuro, tal como o respeito da moral natural, antes que mortificar a pessoa, liberta-a. O bem da família é igualmente o bem da Igreja. Quero repetir aqui o que disse um dia: “A edificação de cada uma das famílias cristãs situa-se no contexto daquela família mais ampla que é a Igreja, a qual a sustenta e leva consigo. (…) E, vice-versa, a Igreja é edificada pelas famílias, pequenas Igrejas domésticas” (Discurso de abertura do Congresso eclesial diocesano de Roma, 6 de junho de 2005: Insegnamenti di Benedetto XVI, vol. I, 2005, p. 205). Peçamos ao Senhor que cada vez mais as famílias se tornem pequenas Igrejas e as comunidades eclesiais sejam cada vez mais família.
Queridas famílias croatas, vivendo na comunhão de fé e caridade, sede testemunhas de maneira sempre mais transparente da promessa que o Senhor, ao subir ao Céu, fez a cada um de nós: “Eu estou sempre convosco até ao fim dos tempos” (Mt 28, 20). Amados cristãos croatas, senti-vos chamados a evangelizar com toda a vossa vida; senti intensamente a palavra do Senhor: “Ide, pois, fazer discípulos de todas as nações” (Mt 28, 19). A Virgem Maria, Rainha dos Croatas, vele incessantemente sobre este vosso caminho. Amém. Louvados sejam Jesus e Maria!

* Extraído do site do Vaticano, do dia 5 de junho de 2011. Revisado por Paulo R. A. Pacheco.