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domingo, 26 de fevereiro de 2012

A Quaresma com os santos

No Cristo fomos tentados e nele vencemos o demônio 

Dos Comentários sobre os Salmos, de Santo Agostinho, bispo (Séc.V)
(Ps 60, 2-3:CCL39,766) 

Ouvi, ó Deus, a minha súplica, atendei a minha oração (Sl 60,2). Quem é que fala assim? Parece ser um só: Dos confins da terra a Vós eu clamo, e em mim o coração já desfalece (Sl 60,3). Então já não é um só, e contudo é somente um, porque o Cristo, de quem todos somos membros, é um só. Como pode um único homem clamar dos confins da terra? Quem clama dos confins da terra é aquela herança a respeito da qual foi dito ao próprio Filho: Pede-me e te darei as nações como herança e os confins da terra por domínio (Sl 2,8). Portanto, é esse domínio de Cristo, essa herança de Cristo, esse corpo de Cristo, essa Igreja de Cristo, essa unidade que somos nós, que clama dos confins da terra. E o que clama? O que eu disse acima: Ouvi, ó Deus, a minha súplica, atendei a minha oração; dos confins da terra a Vós eu clamo. Sim, clamei a Vós dos confins da terra, isto é, de toda parte. Mas por que clamei? Porque em mim o coração já desfalece. Revela com estas palavras que Ele está presente a todos os povos no mundo inteiro, não rodeado de grande glória mas no meio de grandes tentações. Com efeito, nossa vida,enquanto somos peregrinos neste mundo, não pode estar livre de tentações, pois é através delas que se realiza nosso progresso e ninguém pode conhecer-se a si mesmo sem ter sido tentado. Ninguém pode vencer sem ter combatido, nem pode combater se não tiver inimigo e tentações. Aquele que clama dos confins da terra está angustiado, mas não está abandonado. Porque foi a nós mesmos, que somos o Seu corpo, que o Senhor quis prefigurar em Seu próprio corpo, no qual já morreu, ressuscitou e subiu ao céu, para que os membros tenham a certeza de chegar também onde a cabeça os precedeu. Portanto, o Senhor nos representou em Sua pessoa quando quis ser tentado por Satanás. Líamos há pouco no Evangelho que nosso Senhor Jesus Cristo foi tentado pelo demônio no deserto. De fato, Cristo foi tentado pelo demônio. Mas em Cristo também tu eras tentado, porque Ele assumiu a tua condição humana, para te dar a Sua salvação; assumiu a tua morte, para te dar a Sua vida; assumiu os teus ultrajes, para te dar a Sua glória; por conseguinte, assumiu as tuas tentações, para te dar a Sua vitória. Se nEle fomos tentados, nEle também vencemos o demônio. Consideras que o Cristo foi tentado e não consideras que Ele venceu? Reconhece-te nEle em Sua tentação, reconhece-te nEle em Sua vitória. O Senhor poderia impedir o demônio de aproximar-se dEle; mas, se não fosse tentado, não te daria o exemplo de como vencer na tentação.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

A Quaresma com os santos

A amizade de Deus

Do Tratado contra as heresias, de Santo Irineu, bispo (Séc. II)
(Lib. 4,13,4-14,1: Sch 100, 534-540)  

Nosso Senhor, o Verbo de Deus, que primeiro atraiu os homens para serem servos de Deus, libertou em seguida os que lhe estavam submissos, como Ele próprio disse a Seus discípulos: Já não vos chamo servos, pois o servo não sabe o que faz o seu senhor. Eu vos chamo amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de meu Pai (Jo 15, 15). A amizade de Deus concede a imortalidade aos que a obtém. No princípio, Deus formou Adão, não porque tivesse necessidade do homem, mas para ter alguém que pudesse receber os Seus benefícios. De fato, não só antes de Adão, mas antes da criação, o Verbo glorificava Seu Pai, permanecendo nEle, e era também glorificado pelo Pai, como Ele mesmo declara: Pai, glorifica-me com a glória que eu tinha junto de Ti antes que o mundo existisse (Jo 17, 5). Não foi também por necessitar do nosso serviço que Deus nos mandou segui-Lo, mas para dar-nos a salvação. Pois seguir o Salvador é participar da salvação, e seguir a luz é receber a luz. Quando os homens estão na luz, não são eles que a iluminam, mas são iluminados e tornam-se resplandecentes por ela. Nada lhe proporcionam, mas dela recebem o benefício e a iluminação. Do mesmo modo, o serviço que prestamos a Deus nada acrescenta a Deus, porque Ele não precisa do serviço dos homens. Mas aos que O seguem e servem, Deus concede a vida, a incorruptibilidade e a glória eterna. Ele dá Seus benefícios aos que O servem precisamente porque O servem e aos que O seguem precisamente porque O seguem; mas não recebe deles nenhum benefício, porque é rico, perfeito e de nada precisa. Se Deus requer o serviço dos homens é porque, sendo bom e misericordioso, deseja conceder os Seus dons aos que perseveram no Seu serviço. Com efeito, Deus de nada precisa, pois o homem é que precisa da comunhão com Deus.  É esta, pois, a glória do homem: perseverar e permanecer no serviço de Deus. Por esse motivo dizia o Senhor a Seus discípulos: Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi (Jo 15, 16), dando assim a entender que não eram eles que O glorificavam seguindo-O, mas, por terem seguido o Filho de Deus, eram por Ele glorificados. E disse ainda: Quero que estejam comigo onde eu estiver, para que eles contemplem a minha glória (Jo 17, 24).

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

A Quaresma com os santos

A oração é a luz da alma

Das Homílias do Pseudo-Crisóstomo (Séc. IV) 
(Supp., Hom. 6 de precatione: PG 64,462-466) 

A oração, o diálogo com Deus, é um bem incomparável, porque nos põe em comunhão íntima com Deus. Assim como os olhos do corpo são iluminados quando recebem a luz, a alma que se eleva para Deus é iluminada por sua luz inefável. Falo da oração que não é só uma atitude exterior, mas que provém do coração e não se limita a ocasiões ou horas determinadas, prolongando-se dia e noite, sem interrupção. Com efeito, não devemos orientar o pensamento para Deus apenas quando nos aplicamos à oração; também no meio das mais variadas tarefas - como o cuidado dos pobres, as obras úteis de misericórdia ou quaisquer outros serviços do próximo - é preciso conservar sempre vivos o desejo e a lembrança de Deus. E assim, todas as nossas obras, temperadas com o sal do amor de Deus, se tornarão um alimento dulcíssimo para o Senhor do universo. Podemos, entretanto, gozar continuamente em nossa vida do bem que resulta da oração, se lhe dedicarmos todo o tempo que nos for possível. A oração é a luz da alma, o verdadeiro conhecimento de Deus, a mediadora entre Deus e os homens. Pela oração a alma se eleva até aos céus e une-se ao Senhor num abraço inefável; como uma criança que, chorando, chama sua mãe, a alma deseja o leite divino, exprime seus próprios desejos e recebe dons superiores a tudo que é natural e visível. A oração é venerável mensageira que nos leva à presença de Deus, alegra a alma e tranquiliza o coração. Não penses que essa oração se reduza a palavras. Ela é desejo de Deus, amor inexprimível que não provém dos homens, mas é efeito da graça divina, como diz o Apóstolo: Nós não sabemos o que devemos pedir, nem como pedir; é o próprio Espírito que intercede em nosso favor, com gemidos inefáveis (Rm 8,26). Semelhante oração, quando o Senhor a concede a alguém, é uma riqueza que não lhe pode ser tirada e um alimento celeste que sacia a alma. Quem a experimentou inflama-se do desejo eterno de Deus, como que de um fogo devorador que abrasa o coração. Praticando-a em sua pureza original, adorna tua casa de modéstia e humildade, torna-a resplandecente com a luz da justiça. Enfeita-se com boas obras, quais plaquetas de ouro, ornamenta-se de fé e de magnanimidade em vez de paredes e mosaicos. Como cúpula e coroamento de todo o edifício, coloca a oração. Assim prepararás para o Senhor uma digna morada, assim terás um esplêndido palácio real para O receber, e poderás tê-Lo contigo na tua alma, transformada, pela graça, em imagem e templo da sua presença.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Cartas do P.e Aldo 204


Asunción, 6 de setembro de 2011.

Caros amigos,
Um fato ocorrido nas últimas semanas me colocou diante da contemporaneidade de Cristo e, portanto, se tornaram um grande possibilidade para fixar nos olhos, de maneira intensa, Jesus.
Eu já estava com as passagens aéreas no bolso para ir à Itália, quando, numa tarde, os médicos e o diretor da clínica chegaram no meu escritório e me disseram: “Padre Aldo, seu filho Aldo [meu filho adotivo, portador de gravíssimas deformações físicas] está muito doente e não temos certeza de que conseguirá sobreviver. Gostaríamos que ele permanecesse aqui na clínica e não fosse enviado a um hospital, onde acabaria sendo deixado morrendo, enquanto que nós queremos acompanhá-lo em sua morte”. Vi-me, uma vez mais, diante de uma decisão: estão me esperando no Meeting e, aqui, os médicos me dizem que meu filho está com os dias contados. O que fazer? Fico e atraso em alguns dias a partida, a fim de ver se ele melhora, ou desisto de ir ao Meeting? Uma escolha difícil porque estavam em jogo os últimos dias do meu filho. E um filho, especialmente quando é adotivo, é a sua mesma carne, ainda mais porque é fruto de uma gratuidade total. Alguns me disseram: como é que o senhor pode ir, deixando-o sozinho, ao invés de acompanhá-lo nas suas últimas horas? Eu sentia meu coração em pedaços, sentia em mim um sentimento que me dizia: você deve ficar. Porém, uma vez mais eu me perguntei: o que Cristo pede de mim, neste momento?
E dois juízos me ajudaram a tomar a decisão de ir. O primeiro: aquele filho me foi dado e se Cristo decidiu pedi-lo de volta, quem sou eu para não devolvê-lo? O segundo: a realidade me pede para estar presente no Meeting e em La Thuile, onde acontecerá a assembleia internacional. Ou seja, a realidade me chama a estar onde estão aqueles amigos que mais me lembram que “É o Senhor”, os amigos que mais me mostram o rosto de Jesus. E eu preciso disto porque, do contrário, não consigo enfrentar a vida todos os dias e nem mesmo o dia de meu filho, que, seja como for, não morrerá sozinho, mas na companhia dos meus amigos da clínica. E assim, peguei o avião com a grata surpresa de que me filho se recuperou. É impressionante ver como Deus me educa a ser livre, ou seja, a confiar no seu desígnio que, qualquer que seja, é sempre positivo, mesmo quando, no momento, parece ser injusto e você preferiria se rebelar. Dizer “Tu, meu Cristo” nunca é algo óbvio, mas se dá sempre dentro de um abandono seu, cheio de dor, cujo resultado é uma estranha letícia.
Os filhos não são algo que nos pertence, e só o são quando amamos o desígnio de Deus sobre eles, mesmo quando isso coincide com o fato de eles nos serem tirados. É assim que me acontece todos os dias. Assim como a cada vez a dor é sempre maior, porque quanto mais Cristo o agarra, tanto mais você se descobre vulnerável, tanto mais você sofre. Se antes de encontrar Jesus nem mesmo uma “pedrada na cabeça” movia o meu coração, agora que Cristo me tomou, basta um grão de areia para que eu sinta toda a dor que me circunda.
Amar, ou seja, deixar-se tomar por Cristo é sofrer e sofrer é amar. E quanto mais você é de Cristo, tanto mais você sofre; e tanto mais você sofre, quanto mais você busca Cristo. Ou, para dizer mais claramente, Cristo nos torna mais vulneráveis, mais sensíveis, mais atentos a cada detalhe.
Rezem por mim e por meus filhos.
Com afeto,
Padre Aldo

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Fazei tudo o que ele vos disser



Encontro com os jovens casais

Discurso do Santo Padre Bento XVI

Praça do Plebiscito, Ancona
Domingo, 11 de setembro de 2011

Caros casais,
Fico feliz por concluir esta jornada intensa, ponto alto do Congresso Eucarístico Nacional, encontrando-vos, quase querendo confiar a herança deste evento de graça às vossas jovens vidas. De resto, a Eucaristia, dom de Cristo para a salvação do mundo, indica e contém o horizonte mais verdadeiro da experiência que estais vivendo: o amor de Cristo como plenitude do amor humano. Agradeço ao Arcebispo de Ancona-Osimo, Dom Edoardo Menichelli, por sua saudação cordial e profunda, e a todos vós por esta participação tão viva; obrigado também pelas perguntas que me dirigistes e que eu recebo confiando na presença em nosso meio do Senhor Jesus: Ele apenas tem palavras de vida eterna, palavras de vida para vós e para o vosso futuro!
As perguntas que fizestes, no atual contexto social, assumem um peso ainda maior. Gostaria de oferecer-vos apenas algumas orientações para uma resposta. Devido a certos aspectos, nosso tempo não é fácil, sobretudo para vós jovens. A mesa está cheia de muitas coisas deliciosas, mas, como no episódio evangélico das Bodas de Caná, parece que faltou o vinho da festa. Sobretudo a dificuldade para encontrar um trabalho estável estende um véu de incerteza sobre o futuro. Esta condição contribui para adiar a tomada de decisões definitivas, e incide de forma negativa sobre o crescimento da sociedade, que não consegue valorizar plenamente a riqueza de energias, de competências e de criatividade da vossa geração.
Falta o vinho da festa mesmo numa cultura que tende a prescindir de claros critérios morais: na desordem, cada um é impulsionado a se mover de maneira individual e autônoma, frequentemente apenas no perímetro do presente. A fragmentação do tecido comunitário se reflete num relativismo que ataca os valores essenciais; a consonância de sensações, de estados de ânimo e de emoções parece mais importante do que o compartilhamento de um projeto de vida. Mesmo as escolhas de fundo se tornam frágeis, expostas a uma perene revogação, que frequentemente é entendida como expressão de liberdade, enquanto que, na verdade,assinala justamente a carência de liberdade. Pertence a uma cultura privada do vinho da festa também a aparente exaltação do corpo, que, na realidade, banaliza a sexualidade e tende a fazer com que ela seja vivida fora de um contexto de comunhão de vida e de amor.
Caros jovens, não tenhais medo de enfrentar estes desafios! Nunca percais a esperança. Tende coragem, mesmo nas dificuldades, permanecendo firmes na fé. Estai certos de que, em toda circunstância, sois amados e guardados pelo amor de Deus, que é a nossa força. Deus é bom. Por isto é importante que o encontro com Deus, sobretudo na oração pessoal e comunitária, seja constante, fiel, exatamente como é o caminho do vosso amor: amar a Deus e sentir que Ele me ama. Nada nos pode separar do amor de Deus! Estai certos, pois, de que também a Igreja está próxima de vós, vos sustenta, não cessa de olhar para vós com grande confiança. Ela sabe que tendes sede de valores, os verdadeiros, sobre os quais valha a pena construir a vossa casa! O valor da fé, da pessoa, da família, das relações humanas, da justiça. Não vos desencorajeis diante das carências que parecem apagar a alegria do banquete da vida. Nas Bodas de Caná, quando o vinho faltou, Maria convidou os servos a se dirigirem a Jesus e lhes deu uma indicação precisa: “Fazei tudo o que ele vos disser” (Jo 2, 5). Guardai como um tesouro estas palavras, as últimas de Maria relatadas pelos Evangelhos, quase como um testamento espiritual, e sempre tereis a alegria da festa: Jesus é o vinho da festa!
Como noivos, vós estais vivendo um tempo único, que abre para a maravilha do encontro e ajuda a descobrir a beleza de existir e de ser preciosos para alguém, de poder dizer reciprocamente: tu és importante para mim. Vivei com intensidade, de modo progressivo e com verdade este caminho. Não renunciai à tarefa de perseguir um ideal alto de amor, reflexo e testemunho do amor de Deus! Mas, como viver esta fase da vossa vida, testemunhar o amor na comunidade? Gostaria de vos dizer, antes de tudo, que evitai fechar-vos em relacionamentos intimistas, falsamente seguros; fazei, pelo contrário, que a vossa relação se torne fermento de uma presença ativa e responsável na comunidade. Não esquecei, pois, que, para ser autêntico, também o amor solicita um caminho de amadurecimento: a partir da atração inicial e do “sentir-se bem” com o outro, educai-vos a “querer bem” ao outro, a “querer o bem” do outro. O amor vive de gratuidade, de sacrifício de si, de perdão e de respeito pelo outro.
Caros amigos, todo amor humano é sinal do Amor eterno que nos criou, cuja graça santifica a escolha de um homem e de uma mulher de se entregarem reciprocamente na vida do matrimônio. Vivei este tempo do noivado na espera confiante de um dom como este, que será recebido na medida em que percorreis um caminho de conhecimento, de respeito, de atenção que não deveis nunca perder de vista: é somente assim que a linguagem do amor permanecerá significativa mesmo com o correr dos anos. Educai-vos, pois, desde agora, à liberdade da fidelidade, que vos leva a ser guardiões uns dos outros, até ao ponto de viverem um para o outro. Preparai-vos para escolher com convicção o “para sempre” que está por trás do amor: a indissolubilidade, antes de ser uma condição, é um dom desejado, solicitado e vivido, para além de toda mutável situação humana. E não pensai, segundo uma mentalidade difusa, que a convivência seja garantia para o futuro. Queimar as etapas acaba por fazer “queimar” o amor, que, pelo contrário, precisa do respeito pelo tempo e pela progressão nas expressões; precisa que dê espaço a Cristo, que é capaz de tornar um amor humano fiel, feliz e indissolúvel. A fidelidade e a continuidade do vosso querer bem vos tornará capazes também de serdes abertos para a vida, de serdes genitores: a estabilidade da vossa união no Sacramento do Matrimônio permitirá aos filhos que Deus quererá vos dar que cresçam confiantes na bondade da vida. Fidelidade, indissolubilidade e transmissão da vida são os pilares de toda família, verdadeiro bem comum, patrimônio precioso para toda a sociedade. Desde já, fundai sobre esses valores o vosso caminho rumo ao matrimônio e testemunhai-o também aos vossos coetâneos: é um serviço precioso! Sede gratos a todos os que, com empenho, competência e disponibilidade, vos acompanham na formação: são sinal da atenção e do cuidado que a comunidade cristão tem por vós. Não permanecei sós: buscai e acolhei a companhia da Igreja.
Gostaria de retornar ainda sobre um ponto essencial: a experiência do amor tem em si a tensão para Deus. O verdadeiro amor promete o infinito! Fazei, portanto, deste vosso tempo de preparação para o matrimônio um itinerário de fé: redescobri, para a vossa vida de casal, a centralidade de Jesus Cristo e do caminhar na Igreja. Maria nos ensina que o bem de cada um depende da escuta dócil da palavra do Filho. Em que se confia a Ele, a água da vida cotidiana se transforma em vinho de um amor que torna boa, bela e fecunda a vida. Caná, de fato, é anúncio e antecipação do dom do vinho novo da Eucaristia, sacrifício e banquete no qual o Senhor nos alcança, nos renova e transforma. Não perdei a importância vital deste encontro: a assembleia litúrgica dominical vos encontre plenamente participantes: da Eucaristia brota o senso cristão da existência e um novo modo de viver (cf. Esort. ap. postsin. Sacramentum caritatis, 72-73). E, então, não tereis medo de assumir a difícil responsabilidade da escolha conjugal, não temereis entrar neste “grande mistério” no qual duas pessoas se tornam uma só carne (cf. Ef 5, 31-32).
Caríssimos jovens, confio-vos à proteção de São José e de Maria Santíssima; seguindo o convite da Virgem Mãe – “Fazei tudo o que ele vos disser” – não vos faltará o gosto da verdadeira festa e sabereis levar a todos o “vinho” melhor, aquele que Cristo dá para a Igreja e para o mundo. Gostaria de dizer-vos que também eu estou próximo de vós e de todos aqueles que, como vós, vivem este maravilhoso caminho de amor. Abençoo-vos com todo o coração!

* Extraído do site do Vaticano, do dia 11 de setembro de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Ler a Bíblia para aprofundar nosso contato com o Eterno...

Bento XVI

Audiência Geral

Praça da Liberdade, Castel Gandolfo
Quarta-feira, 3 de agosto de 2011

O homem em oração

Caros irmãos e irmãs!
Estou muito feliz de vos ver aqui, na praça, em Castel Gandolfo, e poder retomar as audiências interrompidas no mês de julho. Gostaria de continuar com o tema que começamos, ou seja, uma “escola de oração”, e também hoje, de maneira um pouco diferente, sem me afastar do tema, gostaria de acenar alguns aspectos de caráter espiritual e concreto, que me parecem úteis não apenas para quem vive – numa parte do mundo – o período das férias de verão, como é o nosso caso, mas também para todos aqueles que estão comprometidos com o trabalho cotidiano.
Quando temos um momento de pausa nas nossas atividades, de modo especial durante as férias, frequentemente pegamos um livro que desejamos ler. É exatamente este o primeiro aspecto sobre o qual gostaria de me dedicar. Cada um de nós precisa de tempos e espaços de recolhimento, de meditação, de calma... Graças a Deus que é assim! De fato, esta exigência nos diz que não somos feitos apenas para o trabalho, mas também para pensar, refletir, ou então para simplesmente acompanhar, com a mente e o coração, um relato, uma história com a qual nos identificamos, num certo sentido “perdermo-nos” para, em seguida, nos redescobrirmos enriquecidos.
Naturalmente, muitos destes livros de leitura, que pegamos nas férias, são, no mais das vezes, para uma evasão, e isto é normal. Todavia, várias pessoas, particularmente se podem ter espaços de pausa e de relaxamento mais prolongados, se dedicam a ler algo de mais trabalhoso. Gostaria, então, de fazer uma proposta: por que não descobrir alguns livros da Bíblia, que normalmente são desconhecidos? Ou dos quais, talvez, tenhamos escutado algum trecho durante a Liturgia, mas que nunca tivemos a oportunidade de ler por inteiro? Com efeito, muitos cristãos nunca leem a Bíblia, e têm dela uma consciência muito limitada e superficial. A Bíblia – como diz o nome – é uma coletânea de livros, uma pequena “biblioteca”, nascida no curso de um milênio. Alguns destes “livrinhos” que a compõem ficam quase sempre desconhecidos para a maioria das pessoas, mesmo que sejam bons cristãos. Alguns são muito breves, como o Livro de Tobias, um relato que contém um sentido muito elevado da família e do matrimônio; ou o Livro de Ester, no qual a Rainha judia, com a fé e a oração, salva o seu povo do extermínio; ou, ainda mais breve, o Livro de Rute, uma estrangeira que conhece a Deus e experimenta a Sua providência. Estes livros pequenos podem ser lidos por inteiro no espaço de uma hora. Mais trabalhosos, e autênticas obras-primas, são o Livro de Jó, que enfrenta o grande problema da dor inocente; o Eclesiastes, que toca pela desconcertante modernidade com a qual coloca em discussão o sentido da vida e do mundo; o Cântico dos Cânticos, estupendo poema simbólico do amor humano. Como podeis ver, estes são todos livros do Antigo Testamento. E o Novo? Certo, o Novo Testamento é mais conhecido, e os gêneros literários são menos diversificados. Porém, a beleza de ler um Evangelho de uma só vez é algo que precisa ser descoberto, assim como é recomendável que se leia todo o Atos dos Apóstolos, ou uma das Cartas.
Para terminar, caros amigos, gostaria hoje de sugerir que se tenha ao alcance das mãos, durante o período de férias, ou nos momentos de pausa, a Santa Bíblia, para saboreá-la de uma maneira diferente, lendo de uma só vez alguns de seus Livros, aqueles menos conhecidos e também os mais conhecidos, como os Evangelhos, mas numa leitura contínua. Fazendo assim, os momentos de repouso podem se tornar, mais do que momentos de enriquecimento cultural, momentos de nutrição do espírito, capazes de alimentar o conhecimento de Deus e o diálogo com Ele, a oração. E esta parece ser uma bela ocupação para as férias: tomar um livro da Bíblia, e assim ter um pouco de repouso e, ao mesmo tempo, entrar no grande espaço da Palavra de Deus, e aprofundar o nosso contato com o Eterno, exatamente como objetivo do tempo livre que o Senhor nos dá.

* Extraído do site do Vaticano, do dia 3 de agosto de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

domingo, 12 de junho de 2011

Cartas do P.e Aldo 196

Asunción, 10 de junho de 2011.

Caríssimos,
Levando a sério aquilo que Carrón nos diz, fazendo um trabalho permanente, verificando em cada momento a razoabilidade da fé, a dúvida desaparece, deixando lugar para uma certeza de ferro que nem mesmo a pior condição na qual uma pessoa possa se encontrar a fará tremer. Isto não significa – e eu experimento isto todos os dias, há mais de 20 anos – que me seja poupada a experiência da solidão, da dor que Jesus mesmo viveu no Getsêmani ou na cruz.
Quantas vezes eu gritei e grito: “Pai, se é possível, afasta de mim este cálice”. Ou quantas vezes busquei inutilmente uma companhia que “vigiasse” comigo! Porém, dentro deste deserto, desta batalha, a luz da fé sempre venceu e mesmo que em certo momentos o grito de Jesus se tenha feito vivo – “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” –, é como se imediatamente a posição da fé vencesse sempre: “Não a minha, mas a tua vontade seja feita” ou “nas tuas mãos eu me confio”.
Ver todos os dias pessoas morrendo ou tanta dor inocente me permite viver continuamente esta experiência. Digo experiência porque fica sempre mais claro que Deus é tudo, que Deus se ocupa de mim e de cada um de nós com uma ternura infinita.
Ontem, morreu Domenica, uma garota lindíssima doente de AIDS. A sua jovem vida tinha sido destruída pela prostituição a que tinha sido obrigada por seu companheiro, um alemão, que desapareceu depois que ela ficou doente. Ler o seu prontuário médico é assustador, quando se vê aonde pode chegar uma pessoa quando em seu coração não há Deus. Nestes últimos meses, vivia numa casa cujas paredes eram de papelão. Nós a encontramos abandonada no chão de terra, sozinha. Vivia com um homem, na miséria absoluta. Nós a trouxemos para a clínica, mas ela já havia decidido morrer. Não queria mais saber de nada: nem comer, nem tomar remédios. Num momento de crise, teve uma reação muito feia com uma enfermeira que acabou machucando o dedo com uma seringa com a qual lhe havia aplicada uma injeção. Um drama no drama.
A enfermeira, uma bela garota, mãe de quatro filhos, dos quais três são gêmeos, depois de um primeiro momento de medo, colocou-se em contato com o médico responsável pela clínica na qual, um tempo antes, havia acontecido a mesma coisa, e escreveu estas palavras: “tão logo me dei conta do que havia acontecido, tirei minhas luvas, lavei minhas mãos, chamei o médico para ver o que podia ser feito e experimentei uma grande angústia. Mas, imediatamente, entreguei tudo a Deus e me lembrei daquilo que me havia sido dito num encontro de catequese: ‘O demônio favorece estas coisas para que nasça em nós a dúvida: por que Deus permite estas coisas’. Mas, eu tenho a certeza de que mesmo esta provação é uma Graça de Deus que me ama, de forma que deixo tudo em Suas mãos, para que se faça a Sua vontade, e isto me dá tanta paz”.
Domenica, olhando-a com amor, começou a se acalmar, tomou o remédio e quando lhe perguntava se queria um sorvete, ela me respondia: “Sim, padre, quero de baunilha”.
A depressão pareceu se acalmar um pouco e foi bonito quando pediu o Batismo e a Primeira Comunhão. Foi um momento que significou mesmo uma melhora do seu estado de saúde. Recebeu a Eucaristia até a manhã do dia em que morreu. Eu a olhei e ainda era bela. O seu corpo nunca amado e sempre usado tinha reencontrado uma harmonia suprimida por anos de prostituição. Uma vez mais Deus venceu, uma vez mais a evidência de que Deus não abandona os seus filhos, por mais desesperados que sejam, se impõe aos olhos de todos.
Era o reacontecer do fato da adúltera, da Samaritana. Então, como não se render à evidência, à razoabilidade da fé?
E todos os dias é assim, amigos. De fato, somos os vivos, de fatos Cristo já venceu tudo. Amigos, vejo como Deus é atento a quem não tem nada, vejo como Deus ama e recolhe aqueles que o mundo chama de lixo humano. De fato, para Deus, não existe o filho bom ou o mal, existe apenas o filho.
Padre Aldo

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Cartas do P.e Aldo 195

Asunción, 3 de junho de 2011.

Caros amigos,
É belo se surpreender sempre mais com o olhar fixo no Mistério e os pés bem plantados na realidade, não importando se devo suar as proverbiais sete camisas, porque o suor é a dramaticidade com a qual se enfrenta a vida.
De volta à casa, como acontece em toda família, a pessoa se encontra com a realidade que, no meu caso, é aquela onde a dor transborda de todos os lados: moribundos, jovens com câncer e com AIDS, velhos abandonados, meninas grávidas ou violentadas, filhos que fogem ou se opõem ao caminho educativo das Casinhas de Belém, colaboradores com tantos problemas pessoais e familiares, pessoas que com a desculpa de ajudar criam mais problemas do que soluções. Nem mesmo coloquei os pés na terra, saindo do avião, e eis o cenário. O meui coração sentiu imediatamente que Deus me pede tudo, que a realidade já é amiga e, por isso mesmo, está sempre pronta a me provocar. Não tive tempo nem mesmo para a saudade do que encontrei na Itália, porque a realidade me faz formigar de uma nostalgia muito maior, infinitamente mais bela: a nostalgia de fixar bem nos olhos do Mistério, aquele Tu que me fazes. No avião eu tinha lido a introdução dos exercícios de Carrón. Imediatamente reconheci descrito, de forma operativa, o meu eu tornado ainda mais inquieto, desejoso, saudoso de vê-Lo. Eu estava cansado, o fuso horário, as confusões... as perguntas, a súplica, a necessidade urgente de não perder de vista, um instante sequer, a alegria pascal, ou seja, a companhia dos “vivos”: Julián de la Morena, Paolino, Padre Martino do Chile e visitor da São Carlos Borromeu na América Latina.
Dor, sofrimento, suor, alegria pascal. Sim, porque a alegria pascal é uma companhia na qual é evidente, claro, luminoso, o carisma que nos foi dado. O abraço destes amigos tornou ainda mais potente para mim a pergunta pelo Infinito que trago dentro de mim.
Assim, pude, tão logo cheguei em casa e desfiz as malas de presentes para as minhas crianças, visitar os doentes, os idosos, os meus filhos mais novos, o pessoal que estava trabalhando, vendo neles, mesmo se os olhos estavam anuviados pelo cansaço, a beleza radiante do rosto de Cristo. Aquele rosto que vi, em cada dia, na Itália, em cada lugar por onde passei.
Há, de fato, em todos os lugares, uma vida que desabrocha, um surplus de vida, de vontade de viver. E é esta vontade de viver que tão logo encontrei Isabel, uma garotinha de 15 anos – e que, numa carta, se define como um “vírus” –, me coloquei de joelhos diante do Mistério, suplicando-lhe que me dê aquela paternidade necessária para comunicar a ela a alegria de ser um dom. Um fato que me obriga a estar diante dEle, se verdadeiramente amo esta filha, porque sem esta minha posição não conseguirei lhe comunicar nada, não poderei lhe mostrar que também para ela existe a possibilidade de passar da consciência de ser um “vírus” à certeza “de amei-te com um amor eterno, tendo piedade do teu nada”.
A mesma posição eu senti como necessária quando, visitando a casa onde vivem algumas garotas grávidas (uma de 12 anos está no oitavo mês) e outras que acabaram ter seus filhos, saudando-as com afeto, depois de 15 dias sem as ver, não obtive sequer um olhar delas. Uma vez mais, vi em seus rostos a raiva da vida, de todos. Senti ternura por elas, da mesma forma que o Mistério sente por mim, olhando-me continuamente, acolhendo-me, porque “antes de ser concebido no ventre de minha mãe, Ele pronunciou o meu nome, fez de mim sua propriedade, teve piedade do meu nada, amando-me de um amor eterno”. E, então, eu as saudei dizendo: “Voltarei amanhã e vamos ficar juntos”.
No dia seguinte, o milagre: uma delas, depois de três meses conosco, se aproximou e me deu um beijo. Não somente isso, mas mesmo a sua feminilidade, antes destruída, se refez. Quando ela chegou aqui, com a sua barriga maior do que ela (que tem apenas 15 anos), estava suja, desarrumada, destruída pelo crack; agora, não tem mais nem sinal daquela menina perdida. Bonita, cabelos longos bem penteados, unhas pintadas, vestida como as garotas de hoje etc. Além do mais, vive para a sua filha.
Veio-me em mente aquilo que Dom Giussani disse em “É possível viver assim?”: a moralidade é olhar no rosto a Jesus... então, tudo se torna ordenado, a pessoa se penteia de certa maneira, abotoa seus botões, tem vergonha se está com sapatos sujos e diz “perdoe-me por estar assim desarrumado”.
Hoje, chegou outra garota que está no terceiro ano do ensino médio e está no terceiro mês de gravidez. Esta noite, faremos a festa com as outras para lhe dar as boas vindas. É Jesus que chegou com uma trouxinha na barriga. Olho para ela, é pequena, magra, os olhos verdes, e sinto uma ternura infinita. Outro caso de pedofilia. Mas, tenho a certeza – porque há anos a toco com a mão – que também para ela a certeza do Cristo ressuscitado triunfará. Não existe problema, por mais violento, que não encontre em Cristo a vitória
Certamente, trata-se de uma luta e de uma dor contínuas, mas esta é a condição para estar, instante após instante, diante do Mistério. A dor é tanta (também hoje, na clínica, morreu uma jovem mãe com quatro filhos) e, às vezes, parece me arrastar, no entanto, dentro de tudo isto encontro o repetir contínuo de “eu sou Tu que me fazes”, que muda tudo, e tudo se torna motivo de letícia, porque tudo, exatamente tudo, se torna positivo, porque tudo se torna grito, reconhecimento do Ser que me faz em cada momento, e por quem bate o meu coração.
Padre Aldo

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Digamos, como Maria, o nosso "sim" aos desígnios de Deus...

Conclusão do Mês Mariano

Discurso do Santo Padre Bento XVI

Gruta de Lourdes nos Jardins Vaticanos
Terça-feira, 31 de maio de 2011

Caros irmãos e irmãs, 
Estou feliz por poder me unir a vós em oração, aos pés da Virgem Santa, que hoje contemplamos na Festa da Visitação. Saúdo e agradeço ao Senhor Cardeal Angelo Comastri, Arcipreste da Basílica de São Pedro, aos Cardeais e aos Bispos presentes, e a todos vós que estais aqui reunidos, nesta tarde. Na conclusão do mês de maio, gostaríamos de unir a nossa voz à de Maria, no seu cântico de louvor; com Ela queremos exaltar o Senhor pelas maravilhas que continua a operar na vida da Igreja e de cada um de nós. Particularmente, foi e continua sendo para todos motivo de grande alegria e de gratidão o ter começado este mês mariano com a memorável Beatificação de João Paulo II. Grande dom de graça foi, para toda a Igreja, a vida deste grande Papa! O seu testemunho contínuo iluminou nossas existências e nos impulsionou a sermos verdadeiros discípulos do Senhor, a segui-Lo com a coragem da fé, a amá-Lo com o mesmo entusiasmo com o qual ele deu a própria vida a Ele.
Meditando hoje a Visitação de Maria, somos levados a refletir exatamente sobre esta coragem da fé. Aquela que Isabel acolhe em sua casa é a Virgem que “acreditou” no anúncio do Anjo e respondeu com fé, aceitando com coragem o projeto de Deus para a sua vida e acolhendo, assim, em si a Palavra eterna do Altíssimo. Como sublinhava o meu beato Predecessor na Encíclica Redemptoris Mater, é através da fé que Maria pronunciou o seu fiat, “abandonou-se a Deus sem reservas e ‘consagrou totalmente a si mesma, como serva do Senhor, à pessoa e à obra do Seu Filho’” (n. 13; cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. Dogm. Lumen gentium, 56). Por isto, Isabel, ao saudá-la, exclama: “Bem-aventurada aquela que acreditou no cumprimento daquilo que o Senhor disse” (Lc 1, 45). Maria, de fato, acreditou que “nada é impossível a Deus” (v. 37) e, forte por esta confiança, deixou-se guiar pelo Espírito Santo na obediência cotidiana aos seus desígnios. Como não desejar, para a nossa vida, o mesmo abandono confiante? Como poderemos impedir em nós aquela bem-aventurança que nasce de uma tão íntima e profunda familiaridade com Jesus? Por isso, voltando-nos hoje para a “cheia de graça”, peçamos-Lhe que nos obtenha da Providência divina o poder pronunciar, a cada dia, o nosso “sim” aos desígnios de Deus com a mesma fé humilde e pura com a qual Ele pronunciou o seu. Ela que, acolhendo em si a Palavra de Deus, abandonou-se a Ele sem reservas, nos guie a uma resposta sempre mais generosa e incondicional aos Seus projetos, mesmo quando, neles, somos chamados a abraçar a cruz.
Neste tempo pascal, ao mesmo tempo em que invocamos do Ressuscitado o dom do seu Espírito, confiemos à materna intercessão de Nossa Senhora a Igreja e o mundo inteiro. Maria Santíssima que, no Cenáculo, invocou com os Apóstolos o Consolador, obtenha a cada batizado a graça de uma vida iluminada pelo mistério do Deus crucificado e ressuscitado, o dom de saber acolher sempre mais na própria existência a senhoria dAquele que, com a Sua ressurreição, venceu a morte. Caros amigos, sobre cada um de vós, sobre os vossos entes queridos, em particular sobre aqueles que sofrem, de coração, concedo a Bênção Apostólica.

* Extraído do site do Vaticano, do dia 31 de maio de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Comentário ao evangelho do dia

Evangelho - Mc 7,1-13
Naquele tempo, os fariseus e alguns mestres da Lei vieram de Jerusalém e se reuniram em torno de Jesus. Eles viam que alguns dos seus discípulos comiam o pão com as mãos impuras, isto é, sem as terem lavado. Com efeito, os fariseus e todos os judeus só comem depois de lavar bem as mãos, seguindo a tradição recebida dos antigos. Ao voltar da praça, eles não comem sem tomar banho. E seguem muitos outros costumes que receberam por tradição: a maneira certa de lavar copos, jarras e vasilhas de cobre. Os fariseus e os mestres da Lei perguntaram então a Jesus: "Por que os teus discípulos não seguem a tradição dos antigos, mas comem o pão sem lavar as mãos?". Jesus respondeu: "Bem profetizou Isaías a vosso respeito, hipócritas, como está escrito: 'Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim. De nada adianta o culto que me prestam, pois as doutrinas que ensinam são preceitos humanos'. Vós abandonais o mandamento de Deus para seguir a tradição dos homens". E dizia-lhes: "Vós sabeis muito bem como anular o mandamento de Deus, a fim de guardar as vossas tradições. Com efeito, Moisés ordenou: 'Honra teu pai e tua mãe'. E ainda: 'Quem amaldiçoa o pai ou a mãe, deve morrer'. Mas vós ensinais que é lícito alguém dizer a seu pai e à sua mãe: 'O sustento que vós poderíeis receber de mim é Corban, isto é, Consagrado a Deus'. E essa pessoa fica dispensada de ajudar seu pai ou sua mãe. Assim vós esvaziais a Palavra de Deus com a tradição que vós transmitis. E vós fazeis muitas outras coisas como estas".

Comentário feito por Santa Teresa de Ávila (1515-1582)
carmelita, Doutora da Igreja 

Imaginemos que há em nós um palácio de imensa riqueza, todo construído em ouro e pedras preciosas, digno do Mestre a Quem pertence. Em seguida, pensai, minhas irmãs, que a beleza deste edifício também depende de vós. É verdade, pois haverá edifício mais belo do que uma alma pura e cheia de virtudes? E quanto maiores forem, mais resplandecem as pedrarias. Por fim, pensai que neste palácio habita este grande Rei que quis Se tornar nosso Pai; Ele Se senta num trono de grande valor, que é o vosso coração. [...] Podereis rir-vos de mim e dizer que isto é muito claro. Tendes razão, mas isto foi obscuro para mim durante um certo tempo. Eu compreendia que tinha uma alma, mas a estima que esta alma merecia, a dignidade dAquele que a habitava era algo que eu não compreendia. As vaidades da vida eram como uma venda que colocava sobre os olhos. Se eu tivesse percebido, como percebo hoje, que naquele pequeno palácio da minha alma habita um Rei tão grande, não O teria deixado só tantas vezes; teria ficado de tempos a tempos perto dEle e teria feito o necessário para que o palácio estivesse menos sujo. Como é admirável pensar que Aquele cuja grandeza encheria mil mundos, e muito mais, cabe numa morada tão pequena!

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Cartas do P.e Aldo 176

Asunción, 06 de janeiro de 2011.

Há nove anos, na paróquia São Rafael, seguindo a liturgia natalícia, celebramos a família de modo solene, no dia da Sagrada Família. Uma tradição que quisemos colocar como alternativa àquelas iniciativas maçônicas e laicistas que festejam o dia das mães no mês de maio e o dia – quase não observado – dos pais em junho.
Não existe “maternidade” ou “paternidade” sem família, sem aquele lugar original, criado pelo mesmo Deus, como é contado no Gêneses, quando o Onipotente afirma “façamos o homem à nossa imagem e semelhança... homem e mulher. (...) O homem abandonará seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher e os dois serão uma só carne”. E foi assim. O matrimônio monogâmico e heterossexual foi uma iniciativa divina que nem mesmo o pecado original conseguiu destruir.
Todavia, as consequências do pecado original se tornaram evidentes imediatamente: nem o homem nem a mulher sozinhos conseguiram viver mais naquela comunhão original. Por esse motivo, foi necessária a Encarnação de Jesus que instituiu o Sacramento do Matrimônio, ou seja, a possibilidade tanto para o homem como para a mulher de voltar a viver aquela experiência única e original – a de ser uma só carne – que Deus mesmo havia dado de presente a eles, os criando.
O matrimônio está na origem da família como único lugar onde acontece o milagre da paternidade e da maternidade. Por esse motivo, na cultura niilista de hoje, como sua dupla visada de relativismo e de hedonismo, eliminou-se a festa da família, substituindo-a com o dia das mães e o dia dos pais. Pai não é quem fecunda uma mulher, nem mãe é aquela que expele uma criatura do seu ventre. Também os animais fazem essas coisas. Pai e mãe é um dom do Alto, fruto de uma vocação divina que chama o homem e a mulher a formarem um lar no qual se louve o nome do Senhor e se permite a Deus, através dos filhos, levar adiante o seu plano de salvação.
Num mundo que festeja até o dia do agente funerário, somente a Igreja festeja a família, recordando a Sagrada Família de Nazaré. No Paraguai não há categoria de pessoas que não tenham um dia dedicado à sua profissão... e pobre da pessoa que não cumprimenta o festejado!
Por isso, todos os anos, no primeiro domingo depois do Natal, na nossa paróquia, celebramos este dia benzendo e entregando às crianças a vassoura.
Por que a vassoura? Porque é o símbolo da limpeza, da ordem na casa, porque é o instrumento doméstico mais antigo e comum. Porque São Martinho de Porres chegou à santidade usando a vassoura com amor, oferecendo a Cristo o seu trabalho. Para as crianças, como lhes expliquei, lembrando de minha infância, é o primeiro contato com o trabalho físico da casa, é a modalidade para que compreendam a ordem, a limpeza, a beleza.
Por isso, foi bonito, no domingo dia 26 de dezembro, quando pedi às crianças para subirem ao altar para me mostrarem se sabiam usar uma vassoura. Muitos sim, outros não. Então, peguei a vassoura e, diante de todos, expliquei a eles como se pega e como se usa. Há 20 anos sou fiel a este gesto.
Aprenderam rápido o uso e o significado do gesto. Depois, rindo, expliquei a eles como os meus pais usavam a vassoura na minha bunda, quando eu fazia alguma má-criação, para que eu pudesse entender como viver.
Foi, de fato, bonito esse gesto, porque me agrada pensar ainda em Jesus que, desde pequeno, aprendeu a amar e a usar a vassoura ajudando os seus pais, antes de usar a serra e o martelo etc.
Creio que a vassoura seja um dos instrumentos mais antigos e familiares do mundo. Por isso, disse às crianças que merece muito respeito, explicando também como recolocá-la no seu lugar, com a ponta do cabo para baixo e “os cabelos” para cima.
O novo Paraguai, aquele que nasce do encontro com Cristo, não passa em primeiro lugar pela política nem pela economia, mas pela vassoura. Ou seja, pela família que educa os seus filhos.
Padre Aldo.

Cartas do P.e Aldo 175

Asunción, 06 de janeiro de 2011.

De fato, o homem é apenas relação com o Infinito e, desta certeza, nasce aquele dinamismo incansável da vida que é a gratuidade.
Que graça chegar ao fim de um dia cujo calor úmido dos trópicos parece apagar toda energia e se encontrar com o coração fresco pela paixão por Cristo, que se torna paixão pelo homem.
Nesta noite, estive na Casinha de Belém, como tento fazer todos os dias, e Rose, a menina de três anos que tão logo me ouve corre para entre os meus braços, quis – sim ou sim – mesmo que já tarde, vir comigo para casa. Assim, enquanto escrevo, ela está sentada diante de mim com um sorvetinho e fala olhando para as fotografias dos seus irmãozinhos da Casinha. E pensar que quando chegou nós acreditássemos que ela morreria, visto o tanto que havia sofrido. Hoje, ela é como todas as crianças: alegre e brinca. Vejo nela a evidência daquele Mistério que me faz e, consequentemente, faz também ela. Sempre mais experimento que somente vivendo com a certeza do “eu sou Tu que me fazes” é que é possível salvar tudo e todos. Como explicar de outra forma que estes meus filhos, com todas as violências sofridas e os problemas conseqüentes, sejam felizes?
O homem, tanto a criança violentada quanto o violentador, quanto cada um de nós, tem necessidade de encontrar homens definidos pelo Mistério. Somente assim nasce a gratuidade. Aquela gratuidade que vi em ação, nesses dias, quando a doutora especialista em AIDS, Cristina, me chamou, enquanto cuidava do corpo de um doente de AIDS já apodrecido em várias partes e cheio de vermes. Eu estava assustado, enquanto que ela, com as pinças, arrancava daquele corpo apodrecido, um por um, aquelas misérias. A um certo ponto, perguntei-lhe: como você consegue resistir, Cristina? E ela: “Padre, estou tirando os vermes do corpo de Jesus”.
Um minuto depois, o doente, aquele pobre homem que também tem uma psoríase terrível, conseguiu dizer: “Eu sou Jesus”. Veio-me em mente a pergunta de Jesus a Marta, diante do cadáver mal-cheiroso de Lázaro – como o deste meu filho: “Crês isto?”. “Sim, Senhor, eu creio.” E assim consegui até mesmo jantar, não obstante a minha cabeça estivesse fixa sobre aquilo que eu tinha visto.
Amigos, esta é a contemporaneidade de Jesus de que fala Carrón na sua intervenção natalícia.
Estes dias têm sido muito difíceis. O calor me nocauteia. O meu corpo está sempre úmido. A tensão nervosa que isso me cria é enorme, assim como a irritabilidade; e no entanto não é o Alprazolan que me torna sereno e calmo, mas o repetir contínuo “eu sou TU que me fazes”, “Senhor, te ofereço”, “Tu, meu Cristo”. Amigos, vocês entendem como tudo é possibilidade para dizer “Tu, meu Cristo”? Assim, o lamento deixa lugar para a oferta. Mas, sozinho é impossível. Por isto, no fim do ano, peguei o avião e passei três dias com os amigos Marcos, Cleuza, Bracco e Julián de La Morena. Eu precisava urgentemente ver os amigos, aqueles rostos com os quais a familiaridade com Cristo é mais evidente. Não fizemos nada de especial. Ficamos juntos como Jesus com os seus amigos, retomando aquilo que Carrón nos disse no Natal, e a partir disso julgando a nossa vida. Mandei o resultado desse diálogo para “Tempi”, porque desejo que todos, mesmo quem não conhece a nossa experiência, possam perceber que o cristianismo é uma amizade e entendam o que quer dizer que os cristãos sejam os amigos de Jesus.
Amigos, de verdade, tenho o coração queimando por Cristo, e este fogo me torna criativo, atento, para responder a toda provocação da realidade. Exatamente como, nesse momento em que devo levar Rose para dormir com as outras crianças, mesmo que ela não esteja cansada e esteja mexendo em tudo no meu escritório. Olho para ela que está virando de ponta cabeça tudo, o aparelho de fax e o CD player. É isto que passa, para mim, com Jesus: basta estar com Ele, porque, depois, é Ele quem faz, que leva adiante a obra.
Um abraço no Senhor a todos.
Com afeto
Padre Aldo