Mostrando postagens com marcador violência. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador violência. Mostrar todas as postagens

domingo, 9 de outubro de 2011

Sociedade sem graça


Por José de Souza Martins

A falta de liberdade deu lugar à falsa concepção de que ela só pode existir quando for sem freios

A variedade e a frequência da violência que nos assombra constitui indício de profundas e alarmantes mudanças sociais fora de controle: pais que matam filhos, filhos que matam pais, netos que matam avós, bebês que são jogados no lixo, bêbados que dirigem carros em alta velocidade e matam. E mesmo humoristas que querem fazer rir à custa do desrespeito e do menosprezo pelo outro. A sociedade está ficando sem graça. Só há graça na reciprocidade de valores sociais em contraposição à tentação de conveniências pessoais. Nossa tradição de humor é de raiz conservadora e se baseia, sobretudo, em fazer rir das contradições próprias das insuficiências da nossa modernidade, do imitar sem ser ou do ser sem saber. Daí que o caipira seja o nosso sujeito crítico por excelência e nosso insuperável personagem de humor.
A sociedade dos incalculáveis ganhos econômicos tornou-se a sociedade das incalculáveis perdas morais. Falta uma bolsa de valores sociais, que meça diariamente quanto perdemos de nós mesmos, de nossa dignidade, de nossa autoestima, da estima e do respeito pelo outro. A sociedade do pendão da esperança está se transformando na sociedade da desesperança e do ceticismo.
Já há uma rotina de notícias sobre pessoas embriagadas que, dirigindo carro, atropelam, machucam e matam. Vamos nos acostumando, que é o pior sinal da complacência e da rendição incondicional à banalização da vida. Assassinos do volante foram soltos até antes que suas vítimas fossem enterradas. Edson Roberto Domingues, 55 anos, trabalhador, negro, chefe de família, teve 90% do corpo queimado quando seu caminhãozinho foi batido, e pegou fogo, pelo carro Camaro, importado, de R$ 165 mil, dirigido por um jovem embriagado, em disparada, que feriu quatro outras pessoas. Naquela rua a velocidade máxima é de 60 km por hora, que Edson Roberto respeitava. Foi vitimado por um bêbado irresponsável que corria a 116 km por hora. Mediante fiança de R$ 245 mil, o autor da violência foi solto 24 horas antes da morte de sua vítima e dois dias antes que a família a enterrasse no Cemitério da Lapa.
O respeitador da lei foi irremediavelmente punido, como se fosse o culpado; o violador da lei passou umas horas na cadeia e está livre, como se fosse vítima. O assassino vai ser julgado por homicídio doloso, mas o STF já tem decisão sobre outro caso do mesmo gênero, de 2002, em que o dolo é questionado. Como observou um especialista, uma pena que deveria ser de 20 anos de prisão acaba sendo, no máximo, de 4 anos e até trocada por cestas básicas para os pobres. Quando o dinheiro pode pagar por aquilo que não tem preço, quando vida e moeda se equivalem, já significa que nessa equivalência a condição humana se perdeu. O abrandamento do Código de Processo Penal, para casos assim, vai na mesma direção.
História igual ao do dono do Porsche de R$ 600 mil que abalroou e destruiu o carro dirigido por uma moça, matando-a. Salvo por um bombeiro, ele saiu dos escombros de seu carro preocupado unicamente com os danos ao seu veículo. Nossa alma foi mercantilizada no egoísmo da equivalência mercantil do que não é equivalente ou não deveria ser.
Os longos anos de ditadura, de falta de liberdade e de direitos, deram lugar a uma sociedade que se embriaga na falsa concepção de que a liberdade só existe no abuso da liberdade sem freios, sem regras, sem respeito pela liberdade do outro. De que o direito só o é no abuso do direito sem a contrapartida de um código de deveres, os do respeito pelo direito do outro. A democratização corre o risco de se tornar uma farsa na anomia que desagrega, na falta de normas decorrentes de valores sociais de referência. Esses casos sugerem que os valores estão invertidos, pervertidos.
O eixo do nosso senso de justiça vem se deslocando do que por longo tempo definiu os valores sociais e regulou o comportamento das pessoas, a sociedade valorizada como todo. A sociedade tinha a primazia na definição do certo e do errado, do bem e do mal. É verdade que a vara de marmelo teve uma função histórica na formação do caráter do brasileiro, até a geração de nossos pais e avós. O Brasil venceu essa fase repressiva e descabida e começou a formar seus filhos na brandura da compreensão, na honestidade pedagógica de falar, mas de também ouvir.
Mas essa revolução de perspectiva não levou em conta os trânsfugas da educação tradicional e da moderna, os que confundiram liberdade com abuso, direito com prepotência, democracia com impunidade. Chegamos ao tempo cinzento das novas iniquidades, o do direito torto, da lei capciosa, da lei de Gerson, do individualismo exacerbado, da solidão que cega. Em larga extensão, a sociedade brasileira está matando o outro e o sentido da alteridade e da reciprocidade. "Deus é brasileiro" foi frase comum na boca de todos durante um longo tempo de nossa história. Mas Deus morre todos os dias não só nos atos dos que a si mesmos se supõem deuses; também nas várias modalidades de aniquilamento do semelhante.

* José de Souza Martins é sociólogo, professor emérito da Faculdade de Filosofia da USP, autor, dentre outros, de A Política Do Brasil Lúmpen e Místico (Contexto, 2011). Texto extraído da versão online d'O Estado de São Paulo, do dia 9 de outubro de 2011.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

A consciência moral pressupõe a capacidade de escutar a voz da verdade

Bento XVI

Angelus

Palácio Apostólico de Castel Gandolfo
Domingo, 24 de julho de 2011

Caros irmãos e irmãs!
Hoje, na Liturgia, a Leitura do Antigo Testamento nos apresenta a figura do rei Salomão, filho e sucessor de Davi. É apresentado quando do início de seu reino, quando ainda era muito jovem. Salomão herdou uma tarefa muito difícil, e a responsabilidade que carregava nas suas costas era grande demais para um jovem soberano. Logo no início, ele ofereceu a Deus um sacrifício solene – “mil holocaustos”, diz a Bíblia. Então, o Senhor lhe apareceu numa visão noturna e prometeu conceder-lhe aquilo que havia pedido em sua oração. E aqui se vê a grandeza de espírito de Salomão: ele não pede uma vida longa, nem riquezas, nem a eliminação dos inimigos; diz, ao invés, ao Senhor: “Dai, pois, ao vosso servo um coração sábio, capaz de julgar o vosso povo e discernir entre o bem e o mal” (1Re 3, 9). E o Senhor respondeu à sua oração, de forma que Salomão se tornou célebre em todo o mundo pela sua sabedoria e pelos seus julgamentos retos.
Ele, portanto, rezou a Deus pedindo “um coração sábio”. O que significa esta expressão? Sabemos que, na Bíblia, o “coração” indica não só uma parte do corpo, mas o centro da pessoa, a sede das suas intenções e dos seus juízos. Podemos dizer: a consciência. “Coração sábio”, então, significa uma consciência que sabe escutar, que é sensível à voz da verdade, e por isto é capaz de discernir o bem do mal. No caso de Salomão, o pedido é motivado pela responsabilidade de guiar uma nação, Israel, o povo que Deus escolheu para manifestar ao mundo o seu desígnio de salvação. O rei de Israel, por isso, deve buscar sempre estar em sintonia com Deus, escutando a sua Palavra, para guiar o povo pelos caminhos do Senhor, pelo caminho da justiça e da paz. Mas, o exemplo de Salomão vale para todo homem. Cada um de nós tem uma consciência para ser, em certo sentido, um “rei”, ou seja, para exercer a grande dignidade humana de agir segundo a consciência reta, colocando o bem em ação e evitando o mal. A consciência moral pressupõe a capacidade de escutar a voz da verdade, de ser dóceis às suas indicações. As pessoas chamadas a tarefas de governo naturalmente têm uma responsabilidade a mais e, portanto – como ensina Salomão –, têm ainda mais necessidade da ajuda de Deus. Mas, cada um tem a sua parte na concreta situação em que se encontra. Uma mentalidade errada nos sugere que peçamos a Deus coisas ou condições favoráveis; na realidade, a verdadeira qualidade da nossa vida e da vida social depende da consciência reta de cada um, da capacidade de cada um e de todos reconhecerem o bem, separando-o do mal, e de buscarem pacientemente colocá-lo em ação e, dessa forma, contribuir para a justiça e para a paz. 
Peçamos, para isto, a ajuda da Virgem Maria, Sede de Sabedoria. O seu “coração” é perfeitamente “dócil” à vontade do Senhor. Mesmo sendo uma pessoa humilde e simples, Maria é uma rainha aos olhos de Deus, e como tal nós a veneramos. A Virgem Santa nos ajude também a formarmos, com a graça de Deus, uma consciência sempre aberta à verdade e sensível à justiça, para servir ao Reino de Deus.

Depois do Angelus

Caros irmãos e irmãs,
Uma vez mais, infelizmente, chegam notícias de morte e de violência. Todos experimentamos uma profunda dor pelos graves atos terroristas que aconteceram na última sexta-feira na Noruega. Rezemos pelas vítimas, pelos feridos e por seus entes queridos. Quero repetir a todos o premente apelo a abandonar, para sempre, o caminho do ódio e fugir às lógicas do mal. 

* Extraído do site do Vaticano, do dia 24 de julho de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Cartas do P.e Aldo 195

Asunción, 3 de junho de 2011.

Caros amigos,
É belo se surpreender sempre mais com o olhar fixo no Mistério e os pés bem plantados na realidade, não importando se devo suar as proverbiais sete camisas, porque o suor é a dramaticidade com a qual se enfrenta a vida.
De volta à casa, como acontece em toda família, a pessoa se encontra com a realidade que, no meu caso, é aquela onde a dor transborda de todos os lados: moribundos, jovens com câncer e com AIDS, velhos abandonados, meninas grávidas ou violentadas, filhos que fogem ou se opõem ao caminho educativo das Casinhas de Belém, colaboradores com tantos problemas pessoais e familiares, pessoas que com a desculpa de ajudar criam mais problemas do que soluções. Nem mesmo coloquei os pés na terra, saindo do avião, e eis o cenário. O meui coração sentiu imediatamente que Deus me pede tudo, que a realidade já é amiga e, por isso mesmo, está sempre pronta a me provocar. Não tive tempo nem mesmo para a saudade do que encontrei na Itália, porque a realidade me faz formigar de uma nostalgia muito maior, infinitamente mais bela: a nostalgia de fixar bem nos olhos do Mistério, aquele Tu que me fazes. No avião eu tinha lido a introdução dos exercícios de Carrón. Imediatamente reconheci descrito, de forma operativa, o meu eu tornado ainda mais inquieto, desejoso, saudoso de vê-Lo. Eu estava cansado, o fuso horário, as confusões... as perguntas, a súplica, a necessidade urgente de não perder de vista, um instante sequer, a alegria pascal, ou seja, a companhia dos “vivos”: Julián de la Morena, Paolino, Padre Martino do Chile e visitor da São Carlos Borromeu na América Latina.
Dor, sofrimento, suor, alegria pascal. Sim, porque a alegria pascal é uma companhia na qual é evidente, claro, luminoso, o carisma que nos foi dado. O abraço destes amigos tornou ainda mais potente para mim a pergunta pelo Infinito que trago dentro de mim.
Assim, pude, tão logo cheguei em casa e desfiz as malas de presentes para as minhas crianças, visitar os doentes, os idosos, os meus filhos mais novos, o pessoal que estava trabalhando, vendo neles, mesmo se os olhos estavam anuviados pelo cansaço, a beleza radiante do rosto de Cristo. Aquele rosto que vi, em cada dia, na Itália, em cada lugar por onde passei.
Há, de fato, em todos os lugares, uma vida que desabrocha, um surplus de vida, de vontade de viver. E é esta vontade de viver que tão logo encontrei Isabel, uma garotinha de 15 anos – e que, numa carta, se define como um “vírus” –, me coloquei de joelhos diante do Mistério, suplicando-lhe que me dê aquela paternidade necessária para comunicar a ela a alegria de ser um dom. Um fato que me obriga a estar diante dEle, se verdadeiramente amo esta filha, porque sem esta minha posição não conseguirei lhe comunicar nada, não poderei lhe mostrar que também para ela existe a possibilidade de passar da consciência de ser um “vírus” à certeza “de amei-te com um amor eterno, tendo piedade do teu nada”.
A mesma posição eu senti como necessária quando, visitando a casa onde vivem algumas garotas grávidas (uma de 12 anos está no oitavo mês) e outras que acabaram ter seus filhos, saudando-as com afeto, depois de 15 dias sem as ver, não obtive sequer um olhar delas. Uma vez mais, vi em seus rostos a raiva da vida, de todos. Senti ternura por elas, da mesma forma que o Mistério sente por mim, olhando-me continuamente, acolhendo-me, porque “antes de ser concebido no ventre de minha mãe, Ele pronunciou o meu nome, fez de mim sua propriedade, teve piedade do meu nada, amando-me de um amor eterno”. E, então, eu as saudei dizendo: “Voltarei amanhã e vamos ficar juntos”.
No dia seguinte, o milagre: uma delas, depois de três meses conosco, se aproximou e me deu um beijo. Não somente isso, mas mesmo a sua feminilidade, antes destruída, se refez. Quando ela chegou aqui, com a sua barriga maior do que ela (que tem apenas 15 anos), estava suja, desarrumada, destruída pelo crack; agora, não tem mais nem sinal daquela menina perdida. Bonita, cabelos longos bem penteados, unhas pintadas, vestida como as garotas de hoje etc. Além do mais, vive para a sua filha.
Veio-me em mente aquilo que Dom Giussani disse em “É possível viver assim?”: a moralidade é olhar no rosto a Jesus... então, tudo se torna ordenado, a pessoa se penteia de certa maneira, abotoa seus botões, tem vergonha se está com sapatos sujos e diz “perdoe-me por estar assim desarrumado”.
Hoje, chegou outra garota que está no terceiro ano do ensino médio e está no terceiro mês de gravidez. Esta noite, faremos a festa com as outras para lhe dar as boas vindas. É Jesus que chegou com uma trouxinha na barriga. Olho para ela, é pequena, magra, os olhos verdes, e sinto uma ternura infinita. Outro caso de pedofilia. Mas, tenho a certeza – porque há anos a toco com a mão – que também para ela a certeza do Cristo ressuscitado triunfará. Não existe problema, por mais violento, que não encontre em Cristo a vitória
Certamente, trata-se de uma luta e de uma dor contínuas, mas esta é a condição para estar, instante após instante, diante do Mistério. A dor é tanta (também hoje, na clínica, morreu uma jovem mãe com quatro filhos) e, às vezes, parece me arrastar, no entanto, dentro de tudo isto encontro o repetir contínuo de “eu sou Tu que me fazes”, que muda tudo, e tudo se torna motivo de letícia, porque tudo, exatamente tudo, se torna positivo, porque tudo se torna grito, reconhecimento do Ser que me faz em cada momento, e por quem bate o meu coração.
Padre Aldo

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Cartas do P.e Aldo 192

Asunción, 1 de maio de 2011.

Caros amigos,
Os apóstolos encheram-se de alegria ao verem Jesus. A alegria, a letícia cristã, portanto, consiste tão somente em ver, em tocar Jesus. Por isso, a nossa falta de alegria nunca se deve à dor, qualquer que seja essa dor, ou às circunstâncias adversas. Também os Evangelhos destes dias nos falaram da falta de letícia dos Apóstolos, uma falta que se devia ao fato de que eles O tinham confundido com um fantasma, com uma imaginação; e o fantasma, a imaginação – que é a negação da realidade – gera apenas medo, angústia, depressão. No fundo, a depressão é a vida sem a realidade e determinada pelos fantasmas, pelas fantasias. Por isto, numa aparição, Jesus disse: “Olhem, sou Eu... um fantasma não tem carne nem osso”, e mostrou suas chagas e comeu com eles. Assim, naquela manhã, no Lago de Tiberíades, Jesus ressuscitado apareceu uma vez mais e os apóstolos se assustaram, pensando que estavam vendo um fantasma. Como é terrível a fantasia, o não ver a realidade. Porém, João, o amigo predileto de Jesus, interveio prontamente e disse: “É o Senhor”. Pedro, como que despertado da sua letargia, ao ouvir “É o Senhor”, se jogou no mar e, nadando, chegou à margem e abraçou Jesus.
Nestes dias, toquei a beleza destes fatos. Vivi momentos duros, nos quais o medo entrou em mim e, com Paolino, nos demos conta de uma necessidade de correr para São Paulo, para encontrar os amigos Marcos, Cleuza, Julián, para que, como João, nos dissessem: “É o Senhor”. Deixamos a paróquia na noite de Páscoa e, como aqueles dois de Emaús, corremos para São Paulo e vimos o Senhor, de forma que, no dia seguinte, voltamos para casa com o coração cheio de letícia.
Os fatos acontecidos tinham sido muito dolorosos: Milagres, uma de nossas filhas da Casinha de Belém, morrera com apenas um ano de idade e me fora entregue nos braços pelo pessoal do hospital público envolta em trapos; a dor de seus irmãozinhos ao verem-na morta (leiam em Tempi o texto no qual relato estes fatos); a morte de um de meus primeiros colegiais, que, há um tempo, era hóspede da nossa clínica e carregava nas costas uma vida de drogas, álcool e rua; a morte de Maria Vitória, com 22 anos de idade, uma garota tão bonita consumida pelo câncer e que tinha uma filha de dois anos; a chegada na nova casa de acolhida para meninas violentadas e grávidas: primeiro (não digo os nomes verídicos) Maria, uma garotinha de 15 anos de idade, que morava numa favela e que parece ter 12 anos, e teve uma filhinha linda, mesmo que, desde os 9 anos de idade, consuma todo tipo de droga, mesmo que, durante a gravidez, tenha consumido tanto crack - a menina é um milagre do Senhor -; Josefina, de 17 anos, uma vida cheia de violência e que deu à luz uma prematura que acabou de completar um mês de vida; Larissa, 15 anos, uma vida de sofrimentos, está grávida de sete meses; Maria, uma menina de 12 anos, está no oitavo mês. Estes são apenas alguns dos acontecimentos. Agora vocês entendem o motivo da urgência de ver os amigos, ou seja, aqueles que nos indicam com clareza que “É o Senhor”. E é esta certeza, neste mar de dor, que torna cheio de letícia o coração, porque, com amigos assim, não existe momento em que não se possa se alegrar ao ver o Senhor ressuscitado.
A alegria é um lugar, não uma emoção ou um sentimento. A alegria é um lugar onde está presente, evidente, o carisma. Não basta que seja um lugar, mas é necessário que esteja presente o carisma. Por isto, tantas companhias não nos dizem nada, porque não vivem aquela pertença ao carisma, não seguem Carrón, não olham para onde ele olha, não se deixam provocar pela experiência que ele vive, pela liberdade que ele nos testemunha. E estas companhias não somente não nos ajudam como também nos causam apenas danos, como é muito frequentemente documentado, mesmo em quem pretende ajudar uma obra.
Sem esta posição que nos define, seremos tristes, vítimas dos nossos fantasmas que, depois, se tornarão pretensões sobre tudo; verdadeiramente, a letícia é um lugar no qual está presente, vibrante, o carisma. E é, de fato, comovente ver que a companhia de Marcos, Cleuza, Julián de La Morena, Bracco é a vitória de Cristo hoje; de forma que mesmo as obras caminham na gratuidade e nos permitem viver sempre mais com clareza aquilo que deriva dEle. Amigos, somente assim é possível estar diante da morte com o coração cheio de letícia, mesmo quando é um filho seu, como Milagres, que lhe é tirado; somente assim é possível permanecer diante destas meninas mães, fruto da violência, com gratuidade, respeito, discrição, amando-as, porque é possível ver nelas a paixão e a ressurreição de Cristo.
Com afeto,
Padre Aldo

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Que Cristo Ressuscitado nos abra o caminho da liberdade, da justiça e da paz

Mensagem Urbi et Orbi
Do Santo Padre Bento XVI

Páscoa de 2011

In resurrectione tua, Christe, coeli et terra laetentur – Na vossa Ressurreição, ó Cristo, alegrem-se os céus e a terra” (Liturgia das Horas).

Amados irmãos e irmãs de Roma e do mundo inteiro!
A manhã de Páscoa trouxe-nos este anúncio antigo e sempre novo: Cristo ressuscitou! O eco deste acontecimento, que partiu de Jerusalém há vinte séculos, continua a ressoar na Igreja, que traz viva no coração a fé vibrante de Maria, a Mãe de Jesus, a fé de Madalena e das primeiras mulheres que viram o sepulcro vazio, a fé de Pedro e dos outros Apóstolos.
Até hoje – mesmo na nossa era de comunicações supertecnológicas – a fé dos cristãos se encontra fundada naquele anúncio, no testemunho daquelas irmãs e daqueles irmãos que viram, primeiro, a pedra removida e o túmulo vazio e, depois, os misteriosos mensageiros que atestavam que Jesus, o Crucificado, ressuscitara; em seguida, o Mestre e Senhor em pessoa, vivo e palpável, apareceu a Maria Madalena, aos dois discípulos de Emaús e, finalmente, aos onze, reunidos no Cenáculo (cf. Mc 16, 9-14).
A ressurreição de Cristo não é fruto de uma especulação, de uma experiência mística: é um acontecimento, que ultrapassa certamente a história, mas verifica-se num momento concreto da história e deixa nela uma marca indelével. A luz, que encandeou os guardas de sentinela ao sepulcro de Jesus, atravessou o tempo e o espaço. É uma luz diferente, divina, que fendeu as trevas da morte e trouxe ao mundo o esplendor de Deus, o esplendor da Verdade e do Bem.
Tal como os raios do sol, na primavera, fazem brotar e desabrochar os rebentos nos ramos das árvores, assim também a irradiação que dimana da Ressurreição de Cristo dá força e significado a cada esperança humana, a cada expectativa, desejo, projeto. Por isso, hoje, o universo inteiro se alegra, implicado na primavera da humanidade, que se faz intérprete do tácito hino de louvor da criação. O aleluia pascal, que ressoa na Igreja peregrina no mundo, exprime a exultação silenciosa do universo e sobretudo o anseio de cada alma humana aberta sinceramente a Deus, mais ainda, agradecida pela sua infinita bondade, beleza e verdade.
“Na vossa ressurreição, ó Cristo, alegrem-se os céus e a terra”. A este convite ao louvor, que hoje se eleva do coração da Igreja, os “céus” respondem plenamente: as multidões dos anjos, dos santos e dos beatos unem-se unânimes à nossa exultação. No Céu, tudo é paz e alegria. Mas, infelizmente, não é assim sobre a terra! Aqui, neste nosso mundo, o aleluia pascal contrasta ainda com os lamentos e gritos que provêm de tantas situações dolorosas: miséria, fome, doenças, guerras, violências. E todavia foi por isto mesmo que Cristo morreu e ressuscitou! Ele morreu também por causa dos nossos pecados de hoje, e também para a redenção da nossa história de hoje Ele ressuscitou. Por isso, esta minha mensagem quer chegar a todos e, como anúncio profético, sobretudo aos povos e às comunidades que estão a sofrer uma hora de paixão, para que Cristo Ressuscitado lhes abra o caminho da liberdade, da justiça e da paz.
Possa alegrar-se aquela Terra que, primeiro, foi inundada pela luz do Ressuscitado. O fulgor de Cristo chegue também aos povos do Oriente Médio para que a luz da paz e da dignidade humana vença as trevas da divisão, do ódio e das violências. Na Líbia, que as armas cedam o lugar à diplomacia e ao diálogo e se favoreça, na situação atual de conflito, o acesso das ajudas humanitárias a quantos sofrem as consequências da luta. Nos países da África do Norte e do Oriente Médio, que todos os cidadãos – e de modo particular os jovens – se esforcem por promover o bem comum e construir um sociedade, onde a pobreza seja vencida e cada decisão política seja inspirada pelo respeito da pessoa humana. A tantos prófugos e aos refugiados, que provêm de diversos países africanos e se vêem forçados a deixar os afetos dos seus entes mais queridos, chegue a solidariedade de todos; os homens de boa vontade sintam-se inspirados a abrir o coração ao acolhimento, para se torne possível, de maneira solidária e concorde, acudir às necessidades prementes de tantos irmãos; a quantos se prodigalizam com generosos esforços e dão exemplares testemunhos nesta linha chegue o nosso conforto e apreço.
Possa recompor-se a convivência civil entre as populações da Costa do Marfim, onde é urgente empreender um caminho de reconciliação e perdão, para curar as feridas profundas causadas pelas recentes violências. Possa encontrar consolação e esperança a terra do Japão, enquanto enfrenta as dramáticas consequências do recente terremoto, e demais países que, nos meses passados, foram provados por calamidades naturais que semearam sofrimento e angústia.
Alegrem-se os céus e a terra pelo testemunho de quantos sofrem contrariedades ou mesmo perseguições pela sua fé no Senhor Jesus. O anúncio da sua ressurreição vitoriosa neles infunda coragem e confiança.
Queridos irmãos e irmãs! Cristo ressuscitado caminha à nossa frente para os novos céus e a nova terra (cf. Ap 21, 1), onde finalmente viveremos todos como uma única família, filhos do mesmo Pai. Ele está conosco até ao fim dos tempos. Sigamos as suas pegadas, neste mundo ferido, cantando o aleluia. No nosso coração, há alegria e sofrimento; na nossa face, sorrisos e lágrimas. A nossa realidade terrena é assim. Mas Cristo ressuscitou, está vivo e caminha conosco. Por isso, cantamos e caminhamos, fiéis ao nosso compromisso neste mundo, com o olhar voltado para o Céu.
Boa Páscoa a todos!

* Extraído do site do Vaticano. Revisado por Paulo R. A. Pacheco.

segunda-feira, 28 de março de 2011

A onipotência do Amor respeita sempre a liberdade do homem...

Bento XVI

Angelus

Praça São Pedro
Domingo, 27 de março de 2011.

Caros irmãos e irmãs!
Este 3º Domingo da Quaresma é caracterizado pelo célebre diálogo de Jesus com a mulher Samaritana, contado pelo evangelista João. A mulher ia todos os dias buscar água num antigo poço, que remontava ao patriarca Jacó e, naquele dia, encontrou Jesus ali, sentado, “cansado da viagem” (Jo 4, 6). Santo Agostinho comenta: “Não é por nada que Jesus se cansa... A força de Cristo te criou, a fraqueza de Cristo te recriou... Com a sua força nos criou, com a sua fraqueza veio nos buscar” (In Ioh. Ev., 15, 2). O cansaço de Jesus, sinal da sua verdadeira humanidade, pode ser visto como um prelúdio da paixão, com a qual Ele levou à realização a obra da nossa redenção. Particularmente, no encontro com a Samaritana, no poço, emerge o tema da “sede” de Cristo, que culmina no grito sobre a cruz: “Tenho sede” (Jo 19, 28). Certamente, esta sede, como o cansaço, tem uma base física. Mas Jesus, como ainda uma vez nos diz Agostinho, “tinha sede da fé daquela mulher” (In Ioh. Ev. 15, 11), assim como tem da fé de todos nós. Deus Pai o mandou para saciar a nossa sede de vida eterna, dando-nos o seu amor, mas para conceder-nos este dom Jesus pede a nossa fé. A onipotência do Amor respeita sempre a liberdade do homem; bate à porta do seu coração e espera com paciência a sua resposta. 
No encontro com a Samaritana vem à tona, em primeiro lugar, o símbolo da água, que alude claramente ao sacramento do Batismo, fonte de vida nova pela fé na Graça de Deus. Este Evangelho, de fato – como lembrei na Catequese da Quarta-Feira de Cinzas – faz parte do antigo itinerário de preparação dos catecúmenos para a iniciação cristão, que acontecia na grande Vigília da noite de Páscoa. “Quem beber da água que eu lhe darei – disse Jesus – nunca mais terá sede” (Jo 4, 14). Esta água representa o Espírito Santo, o “dom” por excelência que Jesus veio trazer da parte de Deus Pai. Quem renasce da água e do Espírito Santo, isto é no Batismo, entra numa relação real com Deus, uma relação filial, e pode adorá-Lo “em espírito e verdade” (Jo 4, 23.24), como revela ainda Jesus à mulher Samaritana. Graças ao encontro com Jesus Cristo e ao dom do Espírito Santo, a fé do homem atinge sua realização, como resposta à plenitude da revelação de Deus.
Cada um de nós pode se identificar com a mulher Samaritana: Jesus nos espera, especialmente neste tempo de Quaresma, para falar ao nosso, ao meu coração. Fiquemos um momento em silêncio, no nosso quarto, ou numa igreja, ou num lugar à parte. Escutemos a sua voz que nos diz: “Se tu conhecesses o dom de Deus...”. A Virgem Maria nos ajude a não faltar a este encontro, do qual depende a nossa verdadeira felicidade.

Apelo
Caros irmãos e irmãs,
Diante das notícias, sempre mais dramáticas, que vêm da Líbia, cresce o meu tremor pela proteção e segurança da população civil, e minha apreensão pela evolução da situação, atualmente marcada pelo uso de armas. Nos momentos de maior tensão é ainda mais urgente a exigência de recorrer a todo meio de que dispõe a ação diplomática e de sustentar mesmo os mais frágeis sinais de abertura e de vontade de reconciliação entre todas as partes envolvidas, na busca de solução pacíficas e duradouras.
Nesta perspectiva, enquanto elevo ao Senhor a minha oração por um retorno à concórdia na Líbia e em toda a região do Norte da África, faço um apelo aos organismos internacionais e a todos os que têm alguma responsabilidade política e militar pelo imediato início de um diálogo, que suspenda o uso de armas.
O meu pensamento se dirige, finalmente, às Autoridades e aos cidadãos do Oriente Médio, onde, nos dias passados, verificaram-se diversos episódios de violência, para que também lá se privilegia a via do diálogo e da reconciliação na busca de uma convivência justa e fraterna.

* Extraído do site do Vaticano. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Cartas do P.e Aldo 178








Asunción, 26 de janeiro de 2011.

Caros amigos,
Olhem como elas são felizes, e no entanto todos têm um passado de violência. Olhem para Vitória: que olhos belíssimos! E foi abandonada pela mãe tão logo nasceu... encontrada perto de uma tumba.
Por que são felizes? Porque o DNA delas é totalmente definido por “eu sou Tu que me fazes”. Têm um monte de problemas, mas são felizes porque amados. É a surpresa até mesmo para a psicóloga que caminha conosco.
Ela fala de contenção, acerca do comportamento delas, eu falo de comoção, de olhar como aquele que Zaqueu encontrou. Não sei se já lhes disse, mas as minhas crianças em idade escolar passaram todas de ano com média 4 (a nota máxima, aqui, é 5).
Amigos, a vida é uma pertença, e não uma preocupação ou uma estratégia.
Assim, quando pintam o sete e a paciência chega ao limite, explode aquela certeza – “eu sou Tu que me fazes” – e olhar se torna maravilhamento e retoma o caminho.
Padre Aldo

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

O professor e uma redação: a caridade de Violaine existe de verdade


Por Dino D'Agata

Diante do diálogo inicial entre Violaine e Pedro de Craon no Anúncio feito a Maria de Paul Claudel, somos tentados a nos perguntar se a postura de Violaine diante de Pedro (que, antes, a havia atacado com uma faca) é enganosamente ingênua ou é verdadeiramente o olhar de uma santa. Além disso, no primeiro ato, se descreve como, aos dezoito anos, conhece o seu lugar: é “feliz... livre”. Aqui, começamos a nos convencer de que estamos na presença de uma pessoa que reconhece algo na realidade capaz de redimir todas as situações, inclusive a lepra que contrai quase volontariamente, quando beija Pedro como sinal de perdão e da sua magnanimidade.
Craon, como Mara, a irmã mais nova de Violaine, tenta possuir a realidade, enquanto que Violaine é consciente do fato de que ela é possuída pelo Criador da realidade; assim, fica livre até mesmo do mal e da cumplicidade contra ela destes dois personagens.
O estudioso e tradutor Robert Fitzgerald, numa discussão sobre a obra de Flannery O’Connor, disse uma vez algo sobre a comédia como suprema forma literária cristã, porque, no mundo, depois da Ressurreição, não é mais possível haver eventos trágicos. O Anúncio feito a Maria, na nossa época, poderia parecer algo ingênuo, tentativa anacrônica de uma apologética católica escondida na ficção dramática, se não fosse o fato que instâncias semelhantes estão presentes na vida real de pessoas que têm uma tal confiança na capacidade do Criador de gerar o bem a ponto de torná-los mansos mesmos diante do mal sofrido.
Quatro dias atrás, uma aluna minha de quinze anos escreveu uma convincente redação na qual tomava posição contra o aborto, descrevendo a vida de uma garota de dezesseis anos, grávida depois de um estupro, que levou até o fim a sua gravidez. Pensei que tivesse criado uma situação hipotética para convencer o leitora dos seus argumentos, até quanto li o quarto parágrafo, de uma só linha, no qual revelou que a mulher sobre quem estava escrevendo era sua avó.
Minha aluna continuou sua dissertação colocando o leitor diante do fato que quem estava escrevendo aquela redação não poderia estar ali, escrevendo-a, se aquela gravidez tivesse sido interrompida. Por isso, assistindo à representação do drama de Claudel, parte do New York Encounter 2011, entendi que Violaine é absolutamente credível. No Anúncio feito a Maria está claro que Violaine não é uma piedosa estúpida, mas é uma pessoa que quer afirmar a sua justificação definitiva de Deus, até ao ponto de trazer o sofrimento para si.
Modificando os fatos, o seu magnânimo beijo em Pedro é relatado como uma traição pela irmã Mara a Jacques, o noivo de Violaine, visto que Mara tem um projeto acerca dele; mas no final é Violaine, na beira da morte, que traz à vida o filho morto de Mara. Se se quer, é a afirmação de Claudel que quem obedece a Deus no mais terrível sofrimento participa do Seu poder de dar a vida.
Esta não é uma mensagem que o mundo moderno, que não entende Deus como presença real, pode tolerar com facilidade, porque se retrai diante do sofrimento, e se fecharia, portanto, à cura, como os nove leprosos do Evangelho, relutantes a voltar – como, pelo contrário, fez o décimo leproso – àquele Homem cujo conhecimento “supera tudo aquilo que é compreensível” e é preferível a qualquer cura, visto ser o Autor da vida mesma.

* Texto extraído do IlSussidiario.net, do dia 18 de janeiro de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Cartas do P.e Aldo 171





Asunción, 19 de dezembro de 2010.

Caros amigos,
Bom Natal! Particularmente aos muitíssimos amigos que, com seus emails, me confiaram suas dores, dificuldades, seus sofrimentos e, frequentemente, sua falta de vontade de viver. Para mim, foi uma graça, porque seja quem for que estiver sofrendo eu o sinto comigo e com o mar de dor que me circunda, da dor de Cristo, daquilo que falta à paixão de Cristo pelo seu corpo que é a Igreja. Agradeço a vocês de coração, porque as feridas que carregam não apenas me impedem de ser um burguês, ou seja, um homem sem pergunta, sem dramaticidade, como também me ajudam a viver dentro das circunstâncias da vida com os olhos fixos no Mistério. É como se o dor de vocês, a nossa dor, me tornasse sempre mais consciente do significado de estar suspenso sobre um cheio, sobre uma certeza.
Confesso a vocês que todas as noites, quando já tarde, vou dormir, depois de ter visitado as várias obras da paróquia onde vejo e sinto somente a dor dos meus filhos, dos recém-nascidos abandonados, das meninas vítimas da violência, dos doentes terminais e dos velhos recolhidos das ruas, reconheço como o Mistério domina a minha vida, enchendo-a de paz. Que bonito é ser tomado, dominado por aquele “Tu” a cujos olhos sou precioso e digno de estima, porque sou Seu, como nos recorda o profeta Isaías. Como eu gostaria que as muitas pessoas deprimidas, cansadas de viver, vítimas das mil fantasias, que conheço muito bem, reconhecessem, mesmo quando a angústia parece sufocá-los, que, seja como for, o Mistério é um Fato presente, é um abraço que nunca permite que nos percamos. O problema não é a dor, a depressão, a doença, mas é a liberdade de reconhecer naquele “Tu que me fazes” a própria consistência. Há momentos em que não vejo nada, mas o juízo é claro e eu repito para mim mesmo continuamente: “Tu, ó meu Cristo!”, e sempre reencontro a energia para caminhar.
Peço a vocês, enquanto peço por mim mesmo, de não colocar os “se”, os “mas”, os “porém” entre Cristo e nós, porque isto seria a única grande fraude e perderíamos a festa da vida. O Mistério ama quem se arrisca, que não tem medo da realidade, e em geral se diverte permitindo-nos chegar até à borda do abismo, mas depois, de repente, quando tudo parece perdido, nos salva, pegando-nos pelos cabelos. Há vinte anos experimento este fato mesmo em nível econômico. Pensem nas centenas de milhares de euros de que precisam estas obras! E, no entanto, chega o último dia do mês e a Providência chega. No início, quem trabalhava comigo se assustava, a administração entrava em crise, enquanto que, para mim, era tudo simples e ainda o é: “Senhora (disse à administradora), estão faltando dois dias para pagar o salário dos 180 dependentes do Mistério, único chefe destas obras; por isso, por que você se preocupa?”. E no dia seguinte, a Providência chegava com o dinheiro necessário – e nada a mais ou a menos. Mesmo com respeito a isso o Mistério me mantém sempre suspenso e, portanto, sempre mendicando. Não sei como pagarei o salário de janeiro às 180 pessoas, ou melhor, famílias, mas, por isto, não perco o sono, porque tenho a certeza absoluta de que o Senhor, aquele “Tu que me fazes”, no momento certo, estará ali para pagar. Que liberdade eu sinto quando estou diante, diante daquele Tu que me domina, me abraçando.
Ontem, Ele me deu dois novos filhinhos. Olhem para eles nas fotos. São gêmeos, foram abandonados por sua mãe e, por causa dos maltratos que sofreram da “mãe”, ambos possuem uma paralisia cerebral, de forma que isso era motivo suficiente para recebê-los. Têm 1 ano e oito meses e pesam, cada um, 6 quilos. A história deles é de um sofrimento terrível. No entanto, o Mistério ocupou-se deles e os deu a mim. Na primeira noite, choraram durante toda a noite, mas nesta última noite, já estavam mais tranquilos entre os meus braços.
No fundo, se o nosso abraço é o fruto da experiência do “Tu que me fazes”, ele se transmite como que por osmose mesmo a eles, cuja inocência foi lacerada pelas violências de todos nós, quando nos esquecemos de ser relação com o Mistério.
Olhando-os, penso naquela pobre mulher que, certamente, mesmo ela, terá sido vítima de outra violência. Confio-os às orações de vocês, assim como confio a terceira Casinha de Belém e a nova casa para as meninas violentadas e grávidas, que iremos inaugurar na vigília de Natal.
Como vocês podem ver, Jesus me enche de presentes, presentes que também são para vocês. É mesmo bonito ser queimados pelo amor por Cristo, porque, assim, o coração queima de amor pelo homem.
Bom Natal.
Padre Aldo

P.S.: Amigos, desculpem o italiano, mas, não sabendo usar o computador, confio-me ao excelente secretário que faz o impossível para me traduzir. Olhem para a essência, para o coração.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

21 de novembro: Oração pelos cristãos no Iraque

Comunhão e Libertação adere ao apelo dos Bispos italianos para rezar, no domingo, 21 de novembro, pelos cristãos do Iraque, “que sofrem a difícil provação do testemunho cruento da fé” (Comunicado final da Assembleia da Conferência Episcopal Italiana, 11 de novembro de 2010).

O Movimento Comunhão e Libertação convida a todos os seus membros a participar das missas segundo as intenções de Bento XVI, que, no dia seguinte ao gravíssimo atentado na catedral sírio-católica de Bagdá, que causou dezenas de mortos e feridos, disse: “Rezo pelas vítimas desta absurda violência, que é ainda mais cruel na medida em que atingiu pessoas indefesas, recolhidas na casa de Deus, que é casa de amor e de reconciliação. Exprimo, além do mais, a minha afetuosa proximidade à comunidade cristã, novamente atingida, e encorajo a todos pastores e fiéis a serem fortes e firmes na esperança. Diante dos brutais episódios de violência que vêm mutilando as populações do Oriente Médio, gostaria finalmente de renovar o meu sincero apelo pela paz, que é dom de Deus, mas também é o resultado dos esforços dos homens de boa vontade, das instituições nacionais e internacionais. Que todos unem suas forças para que tenha fim toda violência!” (Angelus, 1º de novembro de 2010).
Dirigindo-se a todos os membros de Comunhão e Libertação, Padre Julián Carrón disse que “a participação nas missas dominicais segundo as intenções do Papa e dos Bispos é um gesto de comunhão real e de caridade, para que sintamos como nossos amigos os cristãos do Iraque, ainda que não os conheçamos diretamente”.
Como disse Dom Giussani, “se o sacrifício é aceitar as circunstâncias da vida, da forma como acontecem – porque nos tornam correspondentes, participantes da morte de Cristo – então o sacrifício se torna o ponto-chae de toda a vida [...], mas é também o ponto-chave para entender toda a história do homem. Toda a história do homem depende daquele homem morto na cruz, e eu posso influir sobre a história do homem (posso influir sobre as pessoas que vivem no Japão, agora; sobre as pessoas que estão em perigo no mar, agora; posso intervir para ajudar a dor das mulheres que perdem os filhos, agora, neste momento) se aceito o sacrifício que este momento me impõe” (GIUSSANI, L. É possível viver assim? São Paulo: Companhia Ilimitada, 2008, p. 324). 
Por esta razão, Carrón acrescentou, “se um gesto de oração pode influir sobre a mudança das pessoas no Japão, pode mudar algo também no Iraque. O sacrifício que fazemos pelos cristãos iraquianos e a oração desse domingo sejam um gesto com o qual invocamos, imploramos a Deus a proteção para eles”.

Comunhão e Libertação
Milão, 18 de novembro de 2010