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segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Comentário ao Evangelho do dia - Advento


2ª Semana do Advento - Segunda-feira

1ª Leitura - Is 35,1-10
Alegre-se a terra que era deserta e intransitável, exulte a solidão e floresça como um lírio. Germine e exulte de alegria e louvores. Foi-lhe dada a glória do Líbano, o esplendor do Carmelo e de Saron; seus habitantes verão a glória do Senhor, a majestade do nosso Deus. Fortalecei as mãos enfraquecidas e firmai os joelhos debilitados. Dizei às pessoas deprimidas: "Criai ânimo, não tenhais medo! Vede, é vosso Deus, é a vingança que vem, é a recompensa de Deus; é Ele que vem para vos salvar". Então se abrirão os olhos dos cegos e se descerrarão os ouvidos dos surdos. O coxo saltará como um cervo e se desatará a língua dos mudos, assim como brotarão águas no deserto e jorrarão torrentes no ermo. A terra árida se transformará em lago, e a região sedenta, em fontes d'água; nas cavernas onde viviam dragões crescerá o caniço e o junco. Ali haverá uma vereda e um caminho; o caminho se chamará estrada santa: por ela não passará o impuro; mas será uma estrada reta em que até os débeis não se perderão. Ali não existem leões, não andam por ela animais predadores, nem mesmo aparecem lá; os que forem libertados, poderão percorrê-la, os que o Senhor salvou, voltarão para casa. Eles virão a Sião cantando louvores, com infinita alegria brilhando em seus rostos: cheios de gozo e contentamento, não mais conhecerão a dor e o pranto.

Salmo - Sl 84 (85)
R. Eis que vem o nosso Deus! Ele vem para salvar (Is 35,4d).
Quero ouvir o que o Senhor irá falar:*
é a paz que ele vai anunciar;
a paz para o seu povo e seus amigos,*
para os que voltam ao Senhor seu coração.
Está perto a salvação dos que o temem,*
e a glória habitará em nossa terra. R. 

A verdade e o amor se encontrarão,*
a justiça e a paz se abraçarão;
da terra brotará a fidelidade,*
e a justiça olhará dos altos céus. R. 

O Senhor nos dará tudo o que é bom,*
e a nossa terra nos dará suas colheitas;
a justiça andará na sua frente*
e a salvação há de seguir os passos seus. R.

Evangelho - Lc 5,17-26
Um dia Jesus estava ensinando. À sua volta estavam sentados fariseus e doutores da Lei, vindos de todas as aldeias da Galileia, da Judeia e de Jerusalém. E a virtude do Senhor o levava a curar. Uns homens traziam um paralítico num leito e procuravam fazê-lo entrar para apresentá-lo. Mas, não achando por onde introduzi-lo, devido à multidão, subiram ao telhado e por entre as telhas o desceram com o leito no meio da assembleia diante de Jesus. Vendo-lhes a fé, Ele disse: "Homem, teus pecados estão perdoados". Os escribas e fariseus começaram a murmurar, dizendo: "Quem é este que assim blasfema? Quem pode perdoar os pecados senão Deus?". Conhecendo-lhes os pensamentos, Jesus respondeu, dizendo: "Por que murmurais em vossos corações? O que é mais fácil dizer: 'teus pecados estão perdoados', ou dizer 'levanta-te e anda'? Pois, para que saibais que o Filho do homem tem na terra poder de perdoar os pecados - disse ao paralítico - eu te digo: levanta-te, pega o leito e vai para casa". Imediatamente, diante deles, ele se levantou, tomou o leito e foi para casa, louvando a Deus. Todos ficaram fora de si, glorificavam a Deus e cheios de temor diziam: "Hoje vimos coisas maravilhosas!".

Comentário feito por São Gregório de Agrigento (c. 559-c. 594)
bispo

A luz é suave e é bom contemplar o sol com os nossos olhos de carne [...]; é por isso que já Moisés dizia: "Deus viu que a luz era boa" (Gn 1,4). [...] Como é bom para nós pensar na grande, verdadeira e indefectível luz "que, ao vir ao mundo, a todo o homem ilumina" (Jo 1,9), isto é, Cristo, o Salvador do mundo e seu libertador. Depois de Se ter revelado ao olhar dos profetas, fez-Se homem e penetrou até às últimas profundezas da condição humana. É dEle que fala o profeta Davi: "Louvai a Deus, cantai salmos ao Seu nome, abri caminho Àquele que cavalga sobre as nuvens; o Seu nome é Senhor! Exultai na Sua presença"! (Sl 68,5) E ainda Isaías, falando bem alto: "O povo que andava nas trevas viu uma grande luz; habitavam numa terra de sombras, mas uma luz brilhou sobre eles" (Is 9,1). [...] Assim, portanto, a luz do sol, vista pelos nossos olhos de carne, anuncia o Sol espiritual da justiça (cf Ml 3,20), o mais suave que alguma vez Se elevou, para aqueles que tiveram a felicidade de ser instruídos por Ele e de O ver com os olhos de carne, enquanto Ele permanecia entre os homens, como um homem vulgar. E, no entanto, Ele não era apenas um homem vulgar, uma vez que tinha nascido verdadeiro Deus, capaz de dar a vista aos cegos, de fazer caminhar os coxos, de fazer ouvir os surdos, de purificar os leprosos e de trazer os mortos à vida com uma simples palavra (cf Lc 7,22).

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Ensinar para competências: instruções de uso, evitando o “burocratês”


Por Dario Nicoli

Continua a reflexão de Dario Nicoli sobre o tema das competências. O primeiro artigo foi publicado no IlSussidiario.net de 29 de março (e traduzido para o português por Paulo R. A. Pacheco; ndt), o segundo, no dia 6 de abril (também traduzido por Paulo R. A. Pacheco; ndt)

Escola como comunidade de aprendizagem – Uma escola capaz de fazer isso é definida não como burocracia nem como organização de serviços, mas assume as características de uma comunidade de aprendizagem que será tal na medida em que fornecer àqueles que ali habitam uma perspectiva unitária e, de modo particular, de colocar a ênfase sobre o processo mais importante que acontece ali dentro, ou seja, a relação educativa como solicitação das qualidades humanas dos jovens, colocando em movimento seu desejo de saber e movendo-se junto ao longo de um caminho de pesquisa e de descoberta.
A organização formativa pretendida em sentido comunitário permite a fluidez e a continuidade dos processos de aprendizagem e de amadurecimento. Isso remete aos requisitos das learning organizations, segundo a regra do “desenvolver-se aprendendo”, mobilizando não apenas as habilidades cognitivas, mas também as intuitivas, emocionais, práticas e sociais.
Tal modelo impulsiona as escolas a remodelarem continuamente a própria matéria que é constituída por um pensamento criativo capaz de sempre fazer emergir novas estratégias. Isso exige que se promovam cursos de ação sempre novos, abandonando a ênfase excessiva nos objetivos que, frequentemente, acabam por se tornar camisas de força, de modo a que as pessoas entendam sozinhas qual é o objetivo adequado para toda situação (os objetivos “emergem” através do processo) e quais são os limites a serem evitados.
Os princípios deste modo de organizar a comunidade de aprendizagem são: inserir o todo nas partes (áreas disciplinares, técnicas, papéis...) apontando para a redundância das funções (todo docente não é apenas especialista de uma matéria, mas também membro de uma comunidade de aprendizagem e animador de situações de aprendizagem de caráter holístico), motivando os indivíduos a aceitarem os desafios independentemente de sua natureza e origem; perseguir a diferenciação e a variedade necessária apontando para a possibilidade de que as competências e as capacidades necessárias sejam possuídas pelo grupo e para que o indivíduo seja multifuncional; adotar o mínimo de regras para garantir a liberdade de auto-organização, evitando que os dirigentes se tornem “projetistas de tudo” para ser guias; aprender a aprender, evitando as receitas, mas promovendo posturas mentais abertas e criativas. 
É preciso que a organização-comunidade não caia na rotina, nem mesmo na “projetual”. Ela deve buscar a novidade e se abrir aos eventos potencialmente formativos, colocando em discussão mesmo as práticas consolidadas, quando estas precisam se renovadas.
É preciso recordar que o fator identitário, se não for continuamente “encarnado” na vida da comunidade, pode se transformar num mero discurso retórico, sem que dele flua a seiva vital para todos os âmbitos da vida interna. Os processos organizativos tendem ao resfriamento, os sistemas tendem à entropia (perda de energia) e isto acontece sobretudo quando dominam processos de inércia que replicam o já conhecido.
O fator que está no centro da identidade e nos seus valores deve ser renovado na vida cotidiana da organização: ele é, dessa forma, convalidado cada vez que os alunos aprendem, os pais participam, os professores tiram satisfação de seu trabalho, o contexto reconhece a importância do serviço prestado. Deve ser considerado, para tanto, o perigo de cair na excessiva projetualidade que leva a deslocar a atenção dos estudantes para o sucesso do projeto. Mesmo em temas de qualidade, não deve ser construída uma “organização de papel”, mas uma realidade da cultura como experiência, descoberta, caminho em direção ao saber que se renova continuamente, tirando ensinamento das próprias prática melhores, aberta aos eventos que trazem boas novidades.
A comunidade de aprendizagem requer uma obra de proteção a cargo do responsável, um equilíbrio entre abertura e conservação do seu estilo peculiar, da sua história de entidade que cresce com as pessoas que, aos poucos, começam a fazer parte de si.
Deve-se ter atenção para que os professores não sejam sobrecarregados por muitos compromissos, o que é tido como um dos principais impedimentos para que se realize uma verdadeira comunidade educativa: nem tudo aquilo que é possível deve ser feito, é preciso que seja também conforme à sensibilidade do contexto que pode mesmo rechaçar boas ideias se estas são percebidas como estranhas ao estilo próprio.
Deve ser perseguida e continuamente melhorada a distribuição dos encargos de trabalho, de modo a dar mais tempo e espaço para o “fazer comunidade”. Devem ser redimensionadas até a um nível “justo” as tendências à procedimentação dos processos, que representam a forma atual das lógicas de controle e de homologação que provêm das várias estruturas externas mas também internas (é o caso da qualidade).
Nem todos os espaços e os tempos devem ser preenchidos, porque é preciso deixar também abertas as portas para eventos inesperados e ideias não escritas nos projetos e nos documentos programáticos. Pode-se dizer, para certos casos, que o novo pode emergir do velho e que a rotina pode evidenciar, por contraste, um fator imprevisto que merece ser preferido em lugar do comportamento repetitivo. Uma organização-comunidade que deixa espaços para eventos não previstos sabe viver a espera, cultiva o sentido de privação e educa para a maravilha.
Devem ser reduzidos ao essencial os projetos de que a estrutura participa, preferindo somente aqueles que permitem inovar a didática ordinária ou mesmo que concorrem, de modo concreto e verificável, para o maior sucesso formativo dos estudantes e para a satisfação dos professores. Diversas indicações que derivam das novas teorias construtivistas pecam pela exorbitância: é possível que se exagere mesmo quando se trate de ideias e propostas boas em si mesmas, mas deletérias na medida em que podem acabar sufocando a justa fisiologia do ambiente de aprendizado.

O plano formativo e as unidades de aprendizagem – O ator principal do processo formativo é constituído pelo grupo/comunidade dos docentes agregados seja pelos eixos culturais/áreas profissionais, seja por conselhos de classe. A centralidade da comunidade de aprendizagem permite que se desenvolvam os passos indispensáveis para uma didática para competências: agregar as disciplinas por eixos culturais e identificar os “pontos fundamentais” dos saber; escolher uma abordagem mista, que alterne – de modo inteligente – aulas, tarefas, experiências; suspender o juízo e encorajar o caminho, tolerando incertezas ou erros  desde que haja dedicação e empenho; seguir aquilo que a experiência nos ensinou: aspectos que solicitam a curiosidade, erros a serem evitados, variações que chamam a atenção, momentos nos quais é possível pedir rigor e “disciplina”; evitar a dispersão do tempo e o tédio; solicitar aos estudantes que proponham publicamente o êxito do próprio trabalho.
Este modo de fazer escola pede um quadro de referência unitária da equipe/conselho de classe acerca das experiências que conotam o percurso formativo do ano: disso nasce a necessidade de delinear um Plano Formativo, um instrumento que represente as experiências que, no correr do ano, são capazes de suscitar um relacionamento dos estudantes com o saber em termos afetivos (curiosidade, vínculo, fascínio), concretos (utilidade, descoberta) e cognitivos (domínio) e de solicitar a identificação com a escola a partir do estilo das experiências nas quais são envolvidos. Tais experiências (intencionais e programadas, portanto elaboradas sob a forma de unidade de aprendizagem) preveem um vínculo e uma compreensão entre as diversas disciplinas, a fim de delinear um plano de trabalho comum capaz de perseguir efetivamente as metas educativas, culturais e profissionais declaradas.
É preciso encontrar uma compreensão comum entre escolas da mesma localidade e do mesmo contexto em torno das evidências das competências, de forma a garantir a univocidade de referências e transparência das certificações. Para dar um exemplo, as evidências da competência “consciência e expressão cultural” a respeito das dimensões históricas e sociais podem ser formuladas assim:
- Colocar fatos e eventos no tempo e no espaço, em dimensão sincrônica e diacrônica, reconhecer os elementos fundantes das civilizações estudadas e sua evolução, medir a duração cronológica dos eventos históricos e reportá-los às periodizações fundamentais.
- Selecionar, confrontar e interpretar informações de fontes e documentos de origens e tipos diversos (achados de diferentes épocas, documentos escritos, recursos em rede etc.).
- Identificar os possíveis nexos causa-efeito, descobrindo seus diferentes graus de relevância.
- Buscar e identificar na história do passado as possíveis premissas de situações da contemporaneidade e da atualidade. Reconhecer o valor da memória das violações de direitos dos povos para não repetir os erros do passado. Identificar as marcas da história no próprio território e reportá-los ao quadro sócio-histórico geral.
- Interpretar os relacionamentos entre os fenômenos históricos e seu contexto social, científico e cultural, com particular referência à evolução da tecnologia e a recíproca interação entre esta e a dimensão social.
- Identificar o papel que as estruturas organizativas da civilização (familiar, social, política, econômica) têm na vida humana e o relevo das dimensões religiosa, cultural e tecnológica, analisando suas transformações no tempo e as diversas configurações que tiveram e têm no espaço geográfico. Ler e compreender investigações e desenvolver percursos de pesquisa demográfica, com a utilização dos instrumentos e da metodologia apropriados.

Uma compreensão relativa às evidências das competências, e aos níveis típicos de domínio, permite que se desenvolva, de modo ordenado, a autonomia das escolas e, ao mesmo tempo, o necessário relacionamento de solidariedade e subsidiariedade que se instaura entre elas, evitando tanto a homologação que mata a cultura, como o caos que impede uma correta interação entre os atores do sistema educativo.
A unidade de aprendizagem (UDA) constitui a estrutura de base da ação formativa; conjuntos de ocasiões de aprendizagem que permitem ao aluno entrar em relação pessoal com o saber, enfrentando as tarefas que conduzem a produtos dos quais ele possa se sentir orgulhoso e que constituem objeto de uma avaliação mais confiante.
Podemos ter UDA de amplitude máxima (todos os formadores), média (alguns) ou mínima (eixo cultural). Ela sempre prevê tarefas reais (ou simuladas) e produtos relativos que os destinatários são chamados a realizar e indica os recursos (capacidades, conhecimentos, habilidades) que ele é solicitado a mobilizar para se tornar competente. Cada UDA deve sempre mirar pelo menos uma competência entre aquelas presentes no repertório de referência.
O critérios de fundo a que se referir é a possibilidade de solicitar os talentos dos jovens e de estimular à pesquisa, a tomar o caminho. É preciso ensinar por tarefas com retornos claros e estimulantes, variar as situações de aprendizagem e o modo de implicação com os estudantes, apontar, algumas vezes, para o maravilhamento e para o contraste com o ponto de vista usual. Deve ser evitada a prática que tende a derramar sobre os interlocutores uma quantidade relevante de noções e de regras, substituindo-a por algo que tenda a solicitar a curiosidade, definir um percurso de estudo, fornecer instrumentos e estimular a reflexão e a estruturação do saber adquirido. Deste modo, se aprende trabalhando.
O foco da competência, por isso, colocado sobre a evidência das tarefas/produtos que atestam concretamente o domínio por parte dos alunos, valorizando assim o conceito de “obra-prima” que acaba se estendendo sobre os eixos culturais e a cidadania. É o significado do critério da confiabilidade: com ela se compreende que somente na presença de pelo menos um produto real significativo, criado pessoalmente pelo destinatário, é possível que se certifique a competência que, dessa forma, corresponde efetivamente a um “saber agir e reagir” apropriadamente diante dos desafios (tarefas, problemas, oportunidades) inscritos no âmbito de referência da competência mesma (Fim da parte 3).

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 15 de abril de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Cartas do P.e Aldo 178








Asunción, 26 de janeiro de 2011.

Caros amigos,
Olhem como elas são felizes, e no entanto todos têm um passado de violência. Olhem para Vitória: que olhos belíssimos! E foi abandonada pela mãe tão logo nasceu... encontrada perto de uma tumba.
Por que são felizes? Porque o DNA delas é totalmente definido por “eu sou Tu que me fazes”. Têm um monte de problemas, mas são felizes porque amados. É a surpresa até mesmo para a psicóloga que caminha conosco.
Ela fala de contenção, acerca do comportamento delas, eu falo de comoção, de olhar como aquele que Zaqueu encontrou. Não sei se já lhes disse, mas as minhas crianças em idade escolar passaram todas de ano com média 4 (a nota máxima, aqui, é 5).
Amigos, a vida é uma pertença, e não uma preocupação ou uma estratégia.
Assim, quando pintam o sete e a paciência chega ao limite, explode aquela certeza – “eu sou Tu que me fazes” – e olhar se torna maravilhamento e retoma o caminho.
Padre Aldo

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Václav Havel: somente o maravilhamento é capaz de nos salvar de uma globalização sem alma


Por Angelo Bonaguro

Havel já havia dito isso no seu primeiro discurso de início de ano como primeiro presidente tchecoslovaco eleito democraticamente (em janeiro de 1990): vivemos numa época em que os problemas do ambiente nos dizem respeito de perto, mas “o pior é que vivemos num ambiente moralmente deteriorado”. Então, ele se referia à herança devastadora do sistema totalitário, seja do ponto de vista ecológico que ética, um sistema que tinha sido assimilado e sustentado pelas suas vítimas mesmas.
A atenção de Havel aos temas do ambiente não nasceu ontem, mas não tem nada que ver com sóis sorridentes ou com batalhas demagógicas. Havel compreende o ambiente como o conjunto de relações entre seres humanos depositários de uma cultura e a objetividade na qual se movem e da qual são responsáveis. O dramaturgo exemplificou este pensamento dando-lhe forma dramática também na peça A reabilitação (1987), onde um grupo de arquitetos encarregado de reestruturar uma velha cidade se encontra com as várias almas dos projetistas e com a vontade da população local. 
Inaugurando o encontro anual do Forum2000 (a fundação e a conferência homônima que acontece em Praga; ndr), que aconteceu no mês passado, dedicado ao ao “Mundo no qual queremos viver”, Havel denunciou o orgulho da civilização moderna que acredita que pode eliminar o senso do mistério. “Quando vou para minha casinha no campo”, disse o ex-presidente, aquilo que, até há bem pouco tempo, era claramente reconhecível como cidade, agora está perdendo os seus limites e a sua identidade, para se transformar num enorme aglomerado indistinto, sem ruas e praças bem definidas, composto por “enormes shopping centers, postos de gasolina, gigantescos estacionamentos, edifícios enormes destinados a escritórios e depósitos de todo tipo, e fileiras de casinhas que, aparentemente, são contíguas mas, ao mesmo tempo, estão desesperadamente distantes umas das outras”.
E, no meio de tudo isso, de forma desigual, alternam-se zonas de território que não são nada – nem campos, nem bosques, nem assentamentos humanos. Cada vez que se concede à cidade o direito de destruir a paisagem circunstante para, nela, criar aglomerados que tornam a vida irreconhecível, prejudica-se, ao mesmo tempo, a rede das comunidades humanas naturais e, sob a égide da homologação internacional, anulam-se as individualidades e as identidades. Ao final desse processo, “a coletividade sem medidas dos consumidores gera um novo tipo de solidão”.
A causa de tudo isso – segundo Havel – está no fato de que vivemos na primeira civilização ateia globalizada, uma civilização que perdeu os seus nexos com o infinito e com o eterno e, por isso, prefere o proveito imediato ao de longo prazo. O aspecto mais perigoso desta civilização ateia é o seu orgulho, que a torna desrespeitosa quanto ao patrimônio transmitido pela natureza e pelos nossos antepassados, e que faz com que ela se sinta pretensiosamente onisciente.
Deste modo, com o culto do proveito imediato e do progresso, “desaparece o respeito pelo mistério e pelo incomensurável, perde-se o senso do infinito e do eterno, que, até há bem pouco tempo atrás, constituíam os principais horizontes das nossas ações. Esquecemos completamente aquilo que a civilização precedente sabia: que nada é certo”.
O dramaturgo desloca o foco de suas reflexões também para a recente crise financeira, definindo-a como um sinal instrutivo para o mundo contemporâneo, um aviso contra a presunção desproporcional e o orgulho da civilização moderna: a ação humana não é totalmente previsível como acreditam muitos inventores de teorias e concepções econômicas. E o drama é que estes mesmos sabichões, ao invés de aprenderem a pequena lição de humildade que lhes poderia ter ensinado que nem tudo é automaticamente concedido, pretendem descrever com o mesmo método as causas da crise!
“Por séculos, a humanidade viveu em civilizações capazes de formar uma cultura, onde os assentamentos tinham uma ordem natural e determinada por uma sensibilidade compartilhada comunitariamente”, graças à qual o último ferreiro medieval, quando lhe pediam para forjar uma ferramenta, a produzia segundo aquilo que, hoje, chamaríamos estilo gótico, sem ter necessidade de um mestre ou de um designer que lhe ensinassem como fazer. A nossa civilização aparece muito mais como uma das tantas consequências secundárias do orgulho moderno, que acredita ter entendido tudo e, por isso, acredita poder planejar o mundo inteiro.
Segundo Havel, somente o maravilhamento e a consciência de que as coisas não são tão óbvias quanto parece é que nos pode ajudar a superar este período obscuro. Esse maravilhamento diante do mistério da criação o provoca a uma série de perguntas: qual é o significado de tudo isso que existe? É possível o não-ser? “É possível que as coisas existam para que possamos nos maravilhar, e que nós existamos para que exista alguém que se maravilhe. Mas, por que é necessário que exista alguém que se maravilha? E que alternativa pode haver à vida?”.
Um nós de interrogações que agitam ainda o ânimo desse dramaturgo que entrou na casa dos 70 anos apaixonado pela vida, que não parou ainda de procurar, e de maravilhar o seu público, mesmo aquele das multi salas, porque, há alguns meses, colocou na cabeça que vai fazer cinema...

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 3 de novembro de 2010. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Eis porque o nosso “terrível” desejo de felicidade não é vão


Entrevista com Fabrice Hadjadj, feita por Federico Ferraù

“Basta encostar a mão contra a própria garganta para sentir a pulsação do sangue nas nossas artérias. É o sinal de que a nossa vida deve se tornar como que um rio: entrar em relação com a fonte através de todos os córregos da nossa história e fluir sem parar numa oferta”. Nesta longa entrevista, o filósofo francês Fabrice Hadjadj, hoje no Meeting de Rímini para apresentar o livro de Dom Giussani L’io rinasce in un incontro, fala com o Il Sussidiario sobre o coração humano, continuamente em equilíbrio entre o absurdo e a graça.

“Aquela natureza que nos impulsiona a desejar coisas grandes é o coração”. Segundo o senhor, em que sentido o título do Meeting deste ano é um desafio para os nossos dias?
O desafio é reconhecer em si um desejo que não vem de si. O coração é muito surpreendente, sobretudo para um individualista. Não falo em nível espiritual ou sentimental. Falo exatamente do miocárdio. Temos, em nós, este órgão que bate por um tempo que não decidimos, uma espécie de maestro a quem está ligada toda a nossa vida fisiológica. Trata-se de oxigenar o nosso sangue certamente, o que associa o coração à respiração, o “poema da respiração” diz Rilke, visto que a inspiração e a expiração nos outorgam este ensinamento admirável: a vida não está na independência, no isolamento, na autonomia, está num movimento (um teólogo diria que está em uma “pericoresi”) onde nunca se para de receber e de dar. Eis que se reduzem a nada, imediatamente, todas as pretensões de independência!

Dom Giussani diz que o simples fato de que o nosso coração existe é já uma provocação.
Ele tem razão. Basta encostar a mão contra a própria garganta para sentir a pulsação do sangue nas nossas artérias. É o sinal de que a nossa vida deve se tornar como que um rio: entrar em relação com a fonte através de todos os córregos da nossa história e fluir sem parar numa oferta. A promessa se encontra em Isaías: Eis que vou fazer a paz correr para ela como um rio (Is 66, 12). E também o Evangelho: Quem crê em mim, do seu interior manarão rios de água viva (Jo 7, 38). Certamente esta promessa pode dar medo. Alguns prefeririam reduzir-se aos seus pequenos barris de água parada. Em todo caso, o que é certo é que o cristianismo não é uma série de normas sufocantes, é ao contrário o “desejo de coisas grandes”, de tal forma grandes que superam a capacidade humana. Para acolher é preciso aceitar ser dilatados, ser até mesmo rasgados.

É mesmo necessario chamar a atenção da “natureza” para definir o coração do homem?
O termo “natureza” vem de “nascer”. Nascer é ter recebido a existência e, portanto, não ser a origem do próprio ser. Ter uma natureza é ter recebido, no nascimento, uma certa estrutura de existência, um dinamismo, uma tendência que está em mim e da qual eu não sou o artífice. É aquilo que dissemos sobre o coração: o centro do meu ser não está sob o meu controle, aquilo que tenho de mais íntimo me remete a um outro que não sou eu. Eu me desperto com os meus desejos: beber um café, folhear o jornal, ganhar mais dinheiro, beijar Caterina Murino, mas há em mim também outra coisa: este terrível desejo de felicidade.

Por que o senhor o chama “terrível”?
O dinheiro pode dar-me a felicidade? Caterina pode fazer isso? Se este desejo de felicidade não encontra vias de escape, acaba por me fazer destruir aquilo que eu, no início, havia desejado: como esse algo não é a “coisa grande”, acabo por jogar fora ou dizer isso na sua cara. Ou então me destruo a mim mesmo: como me contento com coisas pequenas, acordo a elas um valor que não têm e sufoco o meu coração. Atenção, não quero dizer que Caterina Murino, criada a imagem de Deus (e que imagem!), seja algo de pequeno. Mas, para poder estar de acordo com o meu coração, seria preciso que Caterina fosse cheia de graça, de verdade, de eternidade até (como a sua frágil beleza me deixa entrever). Seria necessário que Caterina fosse divina. Não posso fazer nada a este respeito. Está na minha natureza (na natureza de todo homem por pouco que escute o próprio coração). Dante entendeu isso muito bem. Há em nós o desejo da Coisa Grande que é Deus mesmo. Mas este desejo de Deus não deve nos levar a desprezar as criaturas (desprezar as criaturas seria necessariamente desprezar o seu Criador). Pelo contrário: o desejo de Deus nos faz desejar a divinização das criaturas. Portanto, desejar “coisas grandes” não significa rejeitar uma Beatriz anã, nem fantasiar uma Beatriz de dois metros e quarenta, mas desejar uma Beatriz tal “che Dio parea nel suo volto gioire” [“que Deus pareça, no seu rosto, se alegrar” (Paraíso XXVII, 105)].

Hoje em dia, estamos convencidos de que as ideias “fortes” não têm nenhum direito ou poder sobre nós. No melhor dos casos, se elas têm algum, é reservado ao âmbito privado, não ao público. É o mesmo também para o cristianismo? Deve ele limitar a sua “pretensão” sobre o homem?
Afirmar que as ideias fortes não têm nenhum poder sobre nós, eis aqui uma ideia, e uma ideia fraca. O homem não é um animal governado pelos instintos. Aquilo que, para o homem, cumpre o papel do instinto é a sua razão. Ele é sempre orientado por ideias, boas ou más, ideias de todas as formas (e de todas as falsificações). O homem inicia, portanto, sempre com o ser um ideólogo (pelo menos depois do pecado original). Utiliza termos abstratos. Por exemplo, diz “tudo bem”. Assim, numa conversa qualquer. Mas, “tudo bem” é algo de abstrato e enorme, é uma questão imensa na sua boca e ele não se dá conta porque é um ideólogo. De fato, deveria sair da ideologia e ir em direção à realidade, ou seja, perguntar-se: o que é verdadeiramente, realmente, “bem”? Trata-se simplesmente de tomar consciência das palavras que já estão ali, na nossa língua, entre as nossas palavras mais cotidianas e descobrir o seu peso concreto.

Qual é este peso?
Dom Giussani amava repetir estas palavras do salmista: Tu, Senhor, és meu único bem (Sl 16, 2). Esta é a concretude! Isso traça um caminho, afirma concretamente no que consiste o meu bem, e me conduz a atos que empenham a minha vida. Mas esta palavra possui algo de exorbitante. É a razão pela qual Dom Giussani acrescentava: “Uma frase assim carregada e assim peremptória, assim definitiva e totalizante, que a pode repetir?” (L’io rinasce in un incontro, p. 59).

E quanto ao que diz respeito à esfera privada, que goza de um direito absoluto?
Quanto ao que concerne à “convicções privadas”, trata-se de uma invenção burguesa: o pequeno possuidor quer afirmar que possui uma propriedade que é mesmo sua e que não pertence a nenhum outro. Mas, ao mesmo tempo, acaba por se dar conta: esta propriedade é morta se ele não acolher ninguém nela. Cada espaço privado se realiza somente na hospitalidade. E assim se torna público. Pelo contrário, peguem um jardim publico: ele assume todo o seu valor quando, por exemplo, vocês estão com uma garota, sentados num banco, ou com um velho amigo, numa conversa íntima. Cada espaço público se realiza somente no encontro entre pessoas. E assim se torna privado. Trago esses exemplos para mostrar que a separação público/privado é uma ficção muito artificial. É literalmente uma mutilação, visto que tal ficção declara: aquilo que vocês têm em no coração não deve ser gritado nas praças. Mas, se não há mais comunicação entre seus corações e suas palavras, quer dizer que não são mais homens. São uma carpa. E acabam por abocanhar todos os anzóis.

O senhor escreveu que a pretensão cristão é “tomar o poder sobre o teu coração, ou seja conquistar-te sem danificar nem a tua inteligência, nem a tua vontade, mas, pelo contrário, reforçando-o”. Como podemos viver a “pretensão” total da verdade encontrada sem renunciar a nós mesmos?
A resposta se encontra na sua pergunta: só existe encontro se existirem dois seres bem distintos. Então, encontrar a verdade não é uma alienação mas uma realização. Se lhe digo “Deus quer tudo de você”,o senhor se assustará porque comparará o desejo de Deus com o seu, e o seu é estreito, possessivo, redutivo. Mas, repito-lhe o que eu disse: “Deus quer tudo de você”, sublinho, “tudo de você”, ou seja você mesmo completamente, sem mutilações, sem diminuições, sem alienação, e portanto você mesmo com a sua alma e o seu corpo, com a sua inteligência e a sua vontade, com toda a sua liberdade, e até mesmo com uma liberdade infinitamente maior, porque desembaraçada de tudo o que pode haver de impedimento. Isso nos reconduz às palavras do salmo que se canta nas vésperas do domingo: O Senhor estenderá desde Sião teu cetro poderoso: Dominarás, disse ele, até no meio de teus inimigos (Sl 109, 2). Se forço o inimigo, se o dobro mesmo que seja com uma pequena sedução psicológica, dominarei talvez o seu corpo, mas não o seu coração. Dominar até o coração é a pretensão mais terrível e, ao mesmo tempo, a intenção mais doce. Porque não existem outros meios para dominar até o coração senão fazer-se amar livre e inteligentemente, ou seja, respondendo às “exigências do coração”. O catecismo da Igreja católica o diz claramente: “Viver no céu é estar com Cristo. Os eleitos vivem nEle, mas conservando, mais, encontrando a sua verdadeira identidade, o seu próprio nome” (Catecismo, §1025). Por que isso? Porque “o eu renasce e renasce em um encontro”. Porque eu sou eu mesmo apenas na minha relação com o meu Criador e, através dEle, com as outras criaturas. Ser originais não é ser excêntrico. É voltar-se para a origem e viver sempre no jorro da fonte.

A maravilha parece ser a dimensão mais adequada à forma original da nossa razão. Como podemos reencontrar esta dimensão para salvar a razão?
A grandeza da inteligência é efetivamente a de saber sentir-se estupefata. Atenção: sentir-se estupefata não significa ser estúpida. De fato, aquele que é verdadeiramente estúpido é, pelo contrário, aquele que crê saber tudo, que tem resposta para tudo. Quem se sente estupefeito coloca-se em posição de escuta e aprende. Um provérbio hebraico diz: “Quem é sábio? Quem sabe aprender de cada coisa”. Há, portanto, um vínculo entre estupor e estupefação. É aqui – estupefazendo-se, sentindo-se estupefeita – que a razão se abre a tudo o que a supera, àquilo que é encontro vivo, que está para além do cálculo (mas não desprezemos o cálculo, esta capacidade de pesar o real que é também um mistério – devemos apenas submeter o cálculo ao louvor, como na música). O problema não é, portanto, como fazer para redescobrir esta dimensão.

Por que o senhor diz isso?
Porque não se trata de fazer. Se nos limitamos ao “fazer” permanecemos no âmbito do nosso poder, das nossas capacidades, e nos fechamos ao estupor. Não se trata de fazer, mas de ser. O ser é, de fato, no fundo, estupor. Para dar-se conta disso é preciso saber-se abandonar ao repouso, viver – pelo menos um dia por semana, um momento no dia – a bênção do shabbat, que se poderia também chamar a nossa essência dominical. Parem tudo (Parai! Sabei que eu sou Deus, diz o salmo 45) e olhem uma flor, uma paisagem, escutem um quarteto de Mozart (ou de Haydn), contemplem o rosto de uma criança... Admirem mesmo uma garrafa, uma simples garrafa, como Morandi sabe admirá-la, não com uma genialidade especial, mas como um respiro amplo, com o coração aberto e disponível (o que é ainda melhor do que a genialidade), e eis que o mistério aparecerá, a incompreensibilidade da presença de uma garrafa... Mesmo a menor das garrafas é uma garrafa jogada ao mar, que esconde uma mensagem do criador de todas as coisas.

No ano passado, o senhor concluiu a sua entrevista no Il Sussidiario com estas palavras: “É preciso que a ação começa com um gesto de gratuidade. Se esta gratuidade não está presente, nunca estarei na direção do ser”. De onde pode vir esta gratuidade?
Não me lembro de ter dito isso. Talvez porque era exatamente um “gesto de gratuidade”... A gratuidade pode ter dois sentidos. Há a gratuidade do absurdo. E há a gratuidade da graça. Tudo aquilo que fazemos, todos os nossos cálculos, todos os nossos projetos, devem desembocar em uma ou outra dessas gratuidades. Encontrou um bom trabalho, e depois? Casa-se com uma mulher, e depois? Tem filhos, e depois? Ou não há nenhum sentido e você se encontra na gratuidade do absurdo. Ou então, tudo isso tem o sentido de um amor, um amor que dá a vida, e você se encontra na gratuidade da graça. Ou uma ou a outra. Mas antes ainda de entender a gratuidade quanto à finalidade da existência, ela pode ser entendida a partir da sua presença mesma: como é possível que eu esteja aqui? De onde me vem esse dom? É um presente envenenado? Também aqui: ou reconheço a graça de ser, ou então acho absurda a existência (mas nesse último caso me contradigo, porque desfruto da existência para desprezar a existência – esta é a minha própria absurdidade). O ato de render graças é o fundamento de toda ação porque, se não reconheço a graça de ser, então tudo aquilo que poderei fazer será da ordem do desprezo do ser, da regressão, da negação. Isso poderá assumir uma aparência humanista, apresentar-se como uma utopia de sociedade perfeita; na verdade, já que não vejo a existência como uma graça, essa utopia será o triunfo do nada: o seu fundamento será o ressentimento. Sob o pretexto de construir um super-homem ou uma super-sociedade, o empreendimento seria a destruição da sociedade e do homem.

O senhor vai apresentar o livro de Dom Giussani L’io rinasce in un incontro. O que lhe sugeriu a leitura desse livro? O senhor compartilha a escolha do título?
Saibam que se eu encontrei o pessoal de CL é porque aquelas pessoas encontraram afinidade entre o meu modo de colocar as questões e o de Dom Giussani. Eu não o conhecia. Travei contato com sua obra apenas há dois anos atrás. Depois, me pediram para fazer a apresentação, em Paris, do livro É possível viver assim? (em abril de 2009). Naquele momento, pude experimentar aquela afinidade de pensamento. Aquele foi um verdadeiro encontro, precisamente. Fiquei tocado com a simplicidade, a força, a tangibilidade concreta das suas palavras. Assim, a leitura de L’io rinasce in un incontro foi a continuação da mesma onda. Cada vez que leio Dom Giussani não é que encontre ideias novas, porque temos o mesmo enraizamento em Santo Tomás e na poesia e, sobretudo (eu devo isso ao teatro), um senso análogo do drama. Não, aquilo que eu acho, o que é muito melhor, é a novidade das ideias que eu já possuo, uma espécie de energia, de envio missionário, de impulsão no sentido de comunicar e viver na “dramaticidade e letícia...”. Quanto ao título do livro, tem a sua evidência. Uma evidência que imerge na profundidade de Deus. O que sabemos nós dessa profundidade? Deus é Trindade. Ele é único em três Pessoas. O Pai gera o Filho na comunhão do Espírito. De tal forma que Deus mesmo é eternamente nascimento e encontro. Um nascimento e um encontro infinito...

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 28 de agosto de 2010. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

sábado, 7 de agosto de 2010

Cartas do P.e Aldo 156



Asunción, 06 de agosto de 2010.

Caros amigos,
Este é o primeiro dos cinco bebês que chegam nos próximos dias. Chama-se Giorgio e tem seis meses. A mãe vive na rua e tem outros 2 filhos que também me serão confiados hoje: um tem dois anos e a outra cinco. Faz muito frio nesses dias e a polícia os encontrou nus no barracão onde moravam, e sozinhos. Daqui a alguns dias Deus me confiará dois outros bebês que estão na encubadora, porque nasceram prematuras e foram abandonadas pela mãe. São gêmeas. Assim, hoje, tenho 40 filhos, dos quais 12 são bebês.
Amigos, como me dói ver tanto sofrimento no inocente Giorgio, o bebê de seis meses era alimentado pela mãe com cachaça por causa do frio. Que conforto eu encontro, no versículo das laudes dessa manhã, para esse drama: "se meu pai e minha mãe me abandonam o Senhor me acolherá". Que bonito esse verbo "me acolherá".
Amigos, como é possível duvidar dEle? Como é possível não vibrar diante da certeza daquele "TU" que domina, diante do "eu sou Tu que me fazes"? Para mim, a vida muito dura é cheia dessa segurança, de forma que sempre respondo "sim" à realidade, sustentado por Nossa Senhora. Hoje, é a festa da realidade como sinal: a Transfiguração.
Que os nossos olhos sejam como os do meu Giorgio: cheios de maravilhamento, porque os Senhor faz grandes coisas por nós e conosco. Que sentido teriam as férias de vocês sem essa comoção? Não se esqueçam daquilo que Cleuza dizia: "Quem fez esse mar é o mesmo que fez Victor", o meu filho sem crânio, que está em coma há dois anos. Somente assim é possível saborear o gosto da água do mar ou das montanhas.
Estamos suspensos sobre um ponto firmíssimo... e é algo do outro mundo. Mesmo a depressão é submetida a este juízo e assim não pode nos vencer. É mesmo belo.
Ciao
Padre Aldo

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

O maravilhamento conhece, mas não é suficiente: uma palavra “secreta” nos diz por quê...

Por Costantino Esposito

Uma vez, Espinoza escreveu que quem se esforça por entender as coisas naturais “como um cientista” (ut doctus), para de se maravilhar como faria um ignorante (ut stultus), que camufla com o nome de maravilhamento o simples fato de não conhecer as causas reais do mundo. Por isso, diferentemente do “vulgo”, os cientistas sabem bem que “eliminada a ignorância o maravilhamento diminui” (Ética, parte I, Apêndice).
A ideia espinoziana de um conhecimento perfeito da realidade inteira nas suas causas mecânicas – as únicas que são absolutamente traduzíveis nas demonstrações da geometria – com a exclusão taxativa de qualquer fim ou sentido que transcenda a esta ordem, representa um ideal totalizante e, sem dúvida, fascinante, da pesquisa científica. Um ideal segundo o qual a mente humana é chamada a contemplar a substância objetiva e necessária de todas as coisas, aquilo a que o mesmo Espinoza dá nada menos do que o nome de “Deus ou natureza”.
A pergunta que se faz diante de uma perspectiva como esta é se efetivamente o maravilhamento pode ser entendido como um simples resíduo da ignorância, destinada tendencialmente a ser reabsorvida na medida em que são descobertas e descritas as leis objetivas da natureza, ou se ela não se constituiria muito mais no motor da descoberta e dos desenvolvimentos explicativos da ciência, segundo uma tradição bastante antiga que, desde Aristóteles, chega até aos testemunhos de muitos cientistas contemporâneos, segundo os quais o caminho do conhecimento é, frequentemente, aberto pelo maravilhamento que é despertado quando nos deparamos com uma ordem, ou com aquilo que simplesmente parece “casual”.
Certamente que quando nos surpreendemos diante de algo inesperado ou ainda desconhecido, revelamos a nossa “ignorância”: mas, ao mesmo tempo, esta indicação negativa implica uma referência positiva, ou seja, a emergência ou melhor a manifestação de “algo” na nossa experiência ou de um “dado” do nosso conhecimento. E se é verdade que, daquele momento em diante, o trabalho de conhecer deverá ser o de se apoderar ao máximo, através de nossas categorias, deste hóspede inesperado, transformando-o numa aquisição da nossa mente; é verdade também que esta “redução” do mundo às nossas estruturas mentais (e todo conhecimento científico é sempre tecnicamente “redutivo” do real a invariâncias, estruturas e recursividades) constitui-se em fonte de maravilhamento. Objetivar o mundo nas suas leis pode ser compreendido como o sinal da potência do sujeito conhecedor, mas também como o sinal de uma correspondência não óbvia entre o mundo e as nossas medidas cognoscitivas.
Um recente ensaio do linguista Andrea Moro, intitulado Breve história do verbo ser: viagem ao centro da frase (publicado pela Adelphi), fez-me entender de maneira claríssima a verdadeira questão que estão em jogo nesta alternativa sempre presente no olhar de quem se dedica ao conhecimento rigoroso do mundo. Seguindo os passos do grande Noam Chomsky, Moro aprendeu a olhar e a estudar a nossa linguagem como “o grande escândalo da natureza”, um ponto de “descontinuidade não motivada e imprevista entre os seres vivos” (p. 62), não em sentido frágil, e portanto como expressão de certas representações que se podem transmitir a outros indivíduos (até memso os outros animais fazem isso, não apenas o homem), mas no sentido forte, ou seja, como um código “estruturado” na nossa mente em sentido rigoroso.
A linguagem humana não é uma simples função cognitiva ou um mero instrumento para a comunicação, mas é um sistema formal bem estruturado, isto é, é uma “sintaxe”; e esta última não é explicável como o efeito de uma dada cultura ou de uma sociedade particular, mas como um utensílio ou, se se quer, como um dispositivo que cada homem possui em nível natural e biológico.
A ideia forte é que – como escreveu Chomsky, o fundador da lingüística formal entendida como “gramática generativa” – os seres humanos são “projetados de modo especial”, ou seja, carregam, por assim dizer, uma capacidade bem precisa “de tratar com os dados e de formular hipótese de uma natureza e de uma complexidade desconhecida” (p. 119), como pode ser atestado pela impressionante rapidez com a qual as crianças são capazes de adquirir a gramática muitas vezes bastante complexa de uma língua.
Portanto, estudando a linguagem por este ponto de vista, nos encontramos diante de uma estrutura puramente natural, mas sem cair, com isso, num reducionismo naturalístico, se é verdade que já neste nível o ser-homem é indicador de uma originalidade irredutível. Deste modo, descobrimos um nível da subjetividade que não é, de fato, “subjetivo”, mas plenamente objetivo, a partir do momento em que a “arquitetura” neurobiológica da nossa mente permite capacidades cognitivas dotadas de sensatez e de ordem. E isto pode ser visto não apenas quando buscamos e afirmamos (ou negamos) significados no nosso estar no mundo (dimensão semântica da linguagem), mas já antes, na nossa mesma capacidade de compor uma frase, com uma certa ordem, rigorosamente codificada nas suas variantes, um sujeito, a cópula [é uma categoria da gramática pouco conhecida, entre nós, com este nome, pois é mais usada na Gramática Geral do Trivium; equivale ao verbo de ligação; ndt] e um predicado (dimensão sintática da linguagem). Disso deriva aquela competência específica da mente humana que é a afirmação e a negação, o juízo e a busca pela verdade.
E é exatamente na análise de um problema crucial da lingüística generativa, quer dizer da natureza e da função do verbo “ser”, que Moro prova o quão surpreendente pode ser a descoberta dos dados objetivos, controláveis rigorosamente em sentido formal, e mesmo não dedutíveis em última instância de outras causas. Nesse caso, por exemplo, o fato de a linguagem ser estruturada e programada na nossa mente não quer dizer tanto que ela seja redutível às funções orgânicas do cérebro, mas, pelo contrário, quer dizer que a mente, exatamente na medida em que é estruturada linguisticamente, constitui-se em uma diferença inexplicável quando se pensa em suas outras funções vitais.
Para dizer em poucas palavras aquilo que Moro pretende dizer a partir da filosofia grega até chegar às sofisticadas pesquisas da lingüística do século XX e a contemporânea, o verbo ser, por muito tempo, pareceu ser um elemento da frase privado de propriedades estruturais precisas, pelo fato de exprimir uma identidade (Sócrates é um homem: um nome seguido de outro nome), às vezes um predicado (Sócrates é humano: um nome seguido de um adjetivo), tanto que alguns, como Bertrand Russell, hipotetizaram a existência de dois verbos “ser” diferentes. Se analisarmos, portanto, a sintaxe da frase, notaremos que a cópula não se comporta como os outros verbos transitivos (pelos quais o sujeito permanece sempre diferente do predicado), mas implica também o caso que o sujeito possa ser invertido com o predicado.
O exemplo que Moro dá de uma frase sem o verbo ser é: “esta foto da parede causou a revolta”, que nunca será equivalente a “a revolta causou esta foto da parede”. Porém, usando a cópula posso dizer: “esta foto da parede foi a causa da revolta”, ou então, de maneira equivalente, “a causa da revolta foi esta foto da parede”.
Aqui, parece que sequência canônica das frases copulativas (ou seja, sujeito-verbo-predicado) fique em pedaços, porque, ao menos na metade dos casos, temos uma sequência inversa (ou seja, predicado-verbo-sujeito). Moro propõe a esse respeito uma nova hipótese explicativa, chamada “teoria unificada das frases copulativas”, para resolver a ambiguidade que sempre acompanha esse tipo de frases, sejam as “canônicas” nas quais o sujeito precede o verbo e este vem seguido do complemento objeto, sejam as “inversas”, nas quais primeiro é colocado o complemento objeto e o sujeito vem, porém, depois do verbo. Em outros termos, no nível da sintaxe, ser é sempre o mesmo verbo, cuja estrutura pode se transformar a depender do fato de o nome que preceder a cópula ter a função de sujeito ou de predicado. O ganho dessa teoria consiste, antes de mais, no fato de remeter a “princípios sintáticos universais e independentes” (p. 242) todas as aplicações empíricas das frases copulativas, ou seja, dá conta a partir das estruturas determinadas também dos casos anômalos da frase.
Mas há ainda o significado relevante que tal ganho oferece também para os confins científicos da linguística generativa, contribuindo para a consciência do como é estruturada ou “programada” a nossa experiência, da qual temos consciência sempre e necessariamente de forma linguística (tentem ver se é possível ter consciência de si e do mundo sem afirmar o significado com uma frase e, portanto, segundo regras sintáticas!). A descoberta é que o verbo ser é uma estrutura não arbitrária da nossa mente (mesmo naquelas línguas nas quais ele não é exprimido de forma explícita, como o hebraico), que permite conectar os elementos do mundo de forma sensata, julgando sua identidade ou sua contradição, a verdade ou a falsidade.
E se é lícita uma conclusão filosófica (que talvez não desagradará de todo ao linguista), podemos dizer que a capacidade que os sujeitos humanos têm de se dar conta daquilo que “é” é uma disposição formal, uma espécie de matriz natural (neurobiológica) que estrutura cada um de nossos discursos e nos permite estar conscientemente no mundo. A nossa linguagem não é uma mera interpretação subjetiva ou uma convenção sociocultural, mas constitui-se em uma verdadeira e própria ordem do ser; e o ser das coisas é aquilo pelo que e em vista do que está estruturada a nossa mente. E, nesse ponto, verdadeiramente, não apenas o maravilhamento é causa do conhecimento, mas é o conhecimento a verdadeira causa do maravilhamento.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 04 de agosto de 2010. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.