quarta-feira, 6 de abril de 2011

O equívoco sobre as competências faz mal aos professores e aos estudantes


Por Dario Nicoli

Continua a reflexão de Dario Nicoli sobre o tema das competências. O primeiro artigo foi publicado no IlSussidiario.net de 29 de março (e traduzido para o português por Paulo R. A. Pacheco; ndt). 

Este posicionamento só foi possível graças à consciência acerca das três dimensões fundamentais do saber:
- o saber possui uma dimensão lógico-cognitiva que pressupõe uma linguagem, um campo de referência e, além do mais, uma epistemologia que permite delinear os mapas conceituais e os esquemas cognitivo-operativos das disciplinas;
- o saber apresenta também uma dimensão afetiva e relacional que permanece escondida quando se reduz a inteligência a pura função de cálculo, memória e repetição. Todo âmbito disciplinar possui a capacidade de “sedução” no sentido que exprime um fascínio próprio capaz de atrair a pessoa e suscitar emoções. Assim, acontece uma mobilização da inteligência emocional, solicita-se ao estudante que se coloque em jogo, que cuide do objeto do seu estudo apreciando o caráter pessoal e social do saber, seja como procedimento seja como aspiração e necessidade;
- finalmente, o saber evidencia uma dimensão concreta: todo conhecimento está implicado na realidade que constitui seu ambiente, a partir do qual toma vida, dando nome às coisas e aos processos, tornando compreensível aquilo que acontece, contribuindo para formular hipóteses de solução e motivando a utilização dos instrumentos idôneos, fornecendo critérios apropriados para avaliar o percurso que se está percorrendo e sugerir melhorias. O caráter prático do saber está presente também na sua epistemologia: de fato, diz-se que um saber é abstrato no sentido de que foi “extraído” da realidade que representa o lugar no qual ele é necessariamente encorporado.
O poder da cultura e a “pessoa competente” – É exatamente devido a estas três características do saber – lógico-cognitiva, afetiva e relacional, concreta – que se podem pensar experiências de aprendizado não mais inertes, mas vitais, capazes de solicitar ainda mais a pessoa do estudante que, dessa forma, tem a ocasião de experimentar pessoalmente a cultura.
O jovem que se aproxima do saber é colocado, dessa forma, numa afeição que solicita a sua sensibilidade e suscita um vínculo e um desejo de aprender sobre; ao mesmo tempo, ele é levado a colher o valor daquilo que aprende, visto que, através dele, abre-se cada vez mais para a realidade, descobre a possibilidade de conhecê-la efetivamente e, portanto, se torna consciente das próprias capacidades e dos próprios talentos.
É preciso explicitar bem que a competência não é um objeto nem um fator que possa ser transferido do professor para o discente. Ela indica, em sentido próprio, a qualidade de uma pessoa, que é reconhecida quando esta se mostra capaz, com provas tangíveis e significativas, de mobilizar os próprios recursos – habilidades e conhecimentos – a fim de fazer frente, de modo adequado, às tarefas e aos problemas que lhe são confiados.
A competência não é assimilável nem a um conjunto de saberes, e nem mesmo a uma adaptação social, mas indica uma característica de natureza ético-moral da pessoa, uma disposição positiva diante do real. Competente é a pessoa autônoma e responsável que tem consciência dos próprios talentos e da própria vocação, possui um sentido positivo da existência, entra em relação de modo amigável com a realidade em todas as suas dimensões, de onde extrai os principais fatores em jogo, se insere de forma recíproca no tecido da vida social no qual age de modo significativo e eficaz.
As habilidades e os conhecimentos constituem a trama e, ao mesmo tempo, os ingredientes de uma ação formativa para tarefas e problemas que é capaz de solicitar o estudante no sentido da descoberta do valor do saber como fonte de afeição, útil, dotado de sentido.
Paola Mastrocola, no seu recente volume Togliamo il disturbo (Acabemos com o problema; ndt), na sua batalha antipedagógica, acha conveniente o expediente que tende a confundir a competência com a habilidade, reduzindo esta última a “exigência das empresas”. Na realidade, uma abordagem por competências permite que se fixe, de modo unívoco e comprometido para todos – professores, estudantes e famílias –, as metas necessárias para uma séria preparação do aluno: por exemplo, indicando nas evidências (ou desempenhos esperados) o correto domínio da língua ainda que apenas no perfil lexical, ortográfico e gramatical; além de, prevendo que o estudante saiba apresentar publicamente as obras literárias de autores tidos como indispensáveis, manifestando nisso não apenas preparação, mas também paixão e capacidade de convencimento junto dos seus companheiros. A abordagem por competências tem como meta, na realidade, “olhar para cima” e contrastar com a tendência à banalização do saber e ao desaparecimento de um real domínio pela palavra, mas o faz evitando posições restauradoras que não são credíveis porque não prestam contas com a realidade cultural e social do nosso tempo, que não é demonizada, mas compreendida, tomando dela o que tem de bom. Enquanto que o fechamento nas velhas escolas por pouco resulta numa operação, no longo prazo, pouco convincente exatamente naquele plano cultural que se declara, pelo contrário, desejoso de defender da enésima “nova barbárie”.
Nesta perspectiva, a escola pode, como afirma Jerome Bruner, cultivar as energias naturais que estimulam o aprendizado espontâneo ou “vontade de aprender”, aquelas que não dependem de uma recompensa externa, mas derivam de uma fonte intrínseca à pessoa, sendo inerente à feliz realização da atividade:
- a curiosidade: de fato, a mais singular característica humana é a atitude a ser aprendida;
- o desejo de competência, ou seja, o estímulo para enfrentar e resolver problemas, de forma que a competência se torna, por sua vez, um fator de motivação antes ainda de se tornar uma capacidade conseguida;
- a aspiração por emular um modelo proposto pelos professores entendidos como equipe, o que não significa necessariamente imitar o mestre, mas no fato de que ele se torne parte integrante do diálogo interno do estudante, uma pessoa de quem ele deseja o respeito, de quem quer fazer suas as qualidades;
- o compromisso consciente por se inserir no tecido da reciprocidade social, que representa o desejo intrínseco na natureza humana de responder aos outros e cooperar com ele tendo em vista um objetivo comum: há no vínculo social uma energia intrínseca para aprender, e não se trata de uma imitação, mas de uma dinâmica na qual se aprende reciprocamente.
A vontade de aprender é um motivo intrínseco, que encontra a sua fonte, a sua recompensa no exercício de si. Ela se torna um problema apenas em determinadas circunstâncias: como aquelas de uma escola na qual se impõe um programa, os estudantes são privados de toda iniciativa, a linha a ser seguida é rigidamente fixada. Portanto, não há um problema de aprendizado em si, mas de um método de ensino que impõe tarefas que não conseguem alavancar as energias naturais do aprendizado próprias do aluno.
O método para o aprendizado autêntico – O ensino não é uma sucessão de aulas e nem mesmo uma simples sequência de práticas operativas, mas é a organização e a animação de situações de aprendizado que se referem a situações reais na qual o sujeito é chamado a exercer papéis ativos, procedendo através deles na plena consciência e domínio também teórico dos saberes subjacentes.
Para trabalhar de modo consciente sobre as competências é necessário, portanto, coligar cada uma das competências a um conjunto delimitado de problemas e de tarefas; inventariar os recursos intelectivos (saberes, técnicas, saber-fazer, atitudes, competências mais específicas) colocados em ação pela competência considerada.
O discente se torna, dessa maneira, capaz de fazer uma experiência cultural que mobiliza suas capacidades e solicita suas boas potencialidades. O saber se mostra a ele como um objeto sensível, uma realidade ao mesmo tempo simbólica, prática e explicativa.
Isto comporta a escolha de ocasiões e de tarefas que consintam ao estudante fazer a descoberta pessoal do saber, reportar-se a ele com um espírito amigável e curioso, compartilhar com os outros esta experiência, adquirir um saber efetivamente pessoal.
É errado contrapor a didática por competências àquela por disciplinas; além do mais, a primeira, se bem entendida, contrasta a degeneração desta última que consiste na redução do trabalho do professor à transferência de uma certa quantidade de noções sem um vínculo buscado nem com os estudantes nem com a realidade, mas nem mesmo com os colegas. O ensino “empregadizado” se tornou uma rotina e, assim, a liberdade de ensino degenerou no automatismo.
O professor não se limita a transferir os conhecimentos, mas é um guia capaz de fazer perguntas, desenvolver estratégias para resolver problemas, levando o discente, assim, a compreensões mais profundas. Os “produtos” da atividade dos estudantes constituem as evidências de uma avaliação confiável, fundada em provas reais e adequadas.
O valor da didática por competências é definido pelas seguintes metas formativas: formar cidadãos conscientes, autônomos e responsáveis; reconhecer os aprendizados adquiridos; favorecer processos formativos eficazes e capazes de mobilizar as capacidades e os talentos dos jovens, tornando-os responsáveis pelo próprio caminho formativo; caracterizar de maneira europeia o sistema educativo italiano, tornando possível a mobilidade das pessoas no contexto comunitário; favorecer a continuidade entre formação, trabalho e vida social ao longo de todo o curso da vida; valorizar a cultura viva do território como recurso para o aprendizado; permitir uma corresponsabilidade educativa por parte das famílias e da comunidade territorial. (Fim da parte 2).

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 6 de abril de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

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