quarta-feira, 6 de abril de 2011

Os dois “inimigos” e o crime perfeito que assassinou a paixão dos estudantes


Por Dario Nicoli

O dilema da escola – A escola se encontra diante de um dilema de relevância histórica, que diz respeito à resposta que se deve dar à progressiva queda de motivação dos estudantes quanto aos estudos. De um lado existe a solução que vem prevalecendo e que pode ser definida como “cômoda”, e consiste no abaixar progressivamente as metas, reduzir a carga de trabalho, concordar as verificações, dar peso às condições psicossociais dos estudantes na hora de emitir juízo, conceder novas chances, aumentar as recuperações; de outro lado se percebe uma resposta de tipo “neo-rigorista”que aposta na circunscrição do papel da escola apenas à instrução, livrando-se de todas as “educações” que, nos últimos anos, foram acrescentadas aí, aumentar a importância e a gravidade da disciplina escolar, enfatizar a carga de trabalho dos estudantes, sustentar (ou, para dizer melhor, “armar”) o papel do docente com notas e sanções, estigmatizar lacunas e inobservâncias, selecionar.
Enquanto que a primeira estratégia tendencialmente transforma a escola numa espécie de serviço de animação cuja finalidade é cuidar dos problemas juvenis, a segunda acredita poder restabelecer o princípio de autoridade e de compromisso da forma como existiam no passado, ou seja, antes de 1968.
A bem dizer, ambas as respostas parecem inadequadas: a solução cômoda, com a intenção de “ir ao encontro dos jovens”, acaba por esvaziar a experiência escolar, transformando-a num tempo tedioso no qual nada acontece de interessante, reduzindo a cultura a formulazinhas e esquemas de valor ambíguo; a solução neo-rigorista, iludindo-se de poder desenterrar um tempo superado, só consegue fazer aumentar o mal-estar dos estudantes e sua aversão quanto aos estudos, aumentando a dispersão e a mudança para locais de estudo tidos como mais fáceis. Trata-se de uma alternativa entre duas visões, nenhuma das quais se revela, na prática, aceitável.
Elas apresentam um elemento comum decisivo: consideram indiscutível uma metodologia de ensino centrada na epistemologia das disciplinas, realizada segundo micro-sequências de horários divididas entre aula e exercícios, fundada em tarefas de tipo escolar não retiradas da realidade, com a finalidade não tanto de amadurecer a personalidade do estudante através da cultura, mas de dar notas. Ambas assumem como inevitável a “visão dos dois tempos”: primeiro, é preciso estudar, depois do diploma será possível aplicar na realidade aquilo que se apreendeu. Uma escola assim, cuja principal marca é a inércia, não é, de forma alguma, capaz de enfrentar os desafios do tempo presente e, particularmente, a irrupção no mundo juvenil da irrealidade, ou seja, da estética da aparência e do consumismo.
O desafio da hiperrealidade – A desmotivação dos jovens para o estudo não é sintoma de enfraquecimento das capacidades intelectivas de uma geração inteira, mas encontra sua explicação naquele “crime perfeito” de que Jean Baudrillard falou de modo convincente: a realidade teria sido substituída pelas representações fictícias que se mostram mais interessantes e envolventes do que os conteúdos dos estudos apresentados de modo inerte.
A hiperrealidade, feita de objetos, mídia, informação, espetáculo, ilusão, é feita de experiências intensas e envolventes, que povoam o mundo dos jovens e constituem um formidável competidor da escola. Esta realidade virtual solicita a imersão total, uma fingida participação em causas que, se fossem realmente enfrentadas, seriam beneméritas, uma espécie de relação imediata com tudo e com todos realizada através da anulação das distâncias dentro de um espaço que engloba tudo no instante.
Disso advém a impressão de uma juventude desmotivada para os estudos, amorfa diante das solicitações escolares, que tende a considerar o estudo como um desempenho dirigido apenas à aquisição da nota e do boletim. Diante do perigo de uma “selvageria” da juventude, resultado da ação da poderosa agência antieducativa constituída pelo mundo das mídias e dos consumos, com seu sedutor mito de uma vida fácil, leve, prazerosa e voluntariosa, faz-se urgente que a vida escolar adquira o valor de experiência cultural, através da qual os jovens possam ampliar a própria capacidade de visão da realidade, experimentar o gosto da descoberta e da conquista pessoal do saber.
De tal modo, experimentando a dimensão real própria da cultura, eles poderão se tornar conscientes dos valores da civilização a que pertencem, desejar as metas mais altas ligadas às próprias atitudes e potencialidades, adquirir uma disciplina que permita a eles perseguir essas atitudes e potenciais com convicção, superando as dificuldades que, necessariamente, se encontram nesse caminho, a ponto de se tornarem protagonistas da própria história pessoal e capazes de contribuir com a própria ação para o bem de todos.
Portanto, a teoria dos dois tempos se mostra fraca: a escola não pode se limitar a uma transferência de noções, mas deve, através do encontro com a cultura, habilitar os jovens a entrar de forma positiva no mundo real, fornecendo a eles pontos de referência, tornando-os conscientes de suas potencialidades, aproveitando as possibilidades de bem, de justiça, de beleza que insistem na realidade, ensinando a eles a conectar o presente com o passado e imaginar o futuro de modo razoável, agindo nele como verdadeiros caçadores e construtores de sentido.
Mas, para fazer isto, assim como ensina Edgar Morin, é preciso superar um sistema didático que aposta no isolamento dos objetos de seu ambiente, na separação das disciplinas, na disjunção dos problemas, mais do que na vinculação e na integração, através de uma abordagem que ajude os jovens a interconectar os conhecimentos separados, sair do local e do particular concebendo conjuntos, capaz de prolongar-se numa ética de solidariedade entre os homens. Assim sendo, será sustentada a atitude para organizar o conhecimento, o ensino da condição humana, o aprendizado da vida e da incerteza, a educação para a cidadania.
Da escola depositária do saber à maiêutica do real – Esta nova abordagem solicita que se passe da informação para a formação, encorajando uma postura ativa quanto ao conhecimento, mais do que uma postura passiva que recorre à mera autoridade. Impulsiona a reencontrar na realidade, de modo seletivo, o material sobre o qual dar sequência à obra da educação.
A União Europeia se faz porta-voz desta passagem, sobretudo quando solicita que se considere como “cultura” todo aprendizado, seja lá qual for o modo como é adquirido (formal, não formal, informal), e propõe que se dote cada cidadão com competências-chave que lhe permitam viver como protagonista na sociedade do conhecimento.
As conseqüências desta mudança consistem no envolvimento da comunidade na tarefa educativa e formativa, e na superação dos currículos formais para optar decisivamente por uma pedagogia do real. Para a Itália, trata-se, particularmente, de evitar cair numa espécie de autoritarismo vazio, para enfrentar a educação para a verdade e, ao mesmo tempo, a educação moral partindo de experiências que permitam uma descoberta pessoal e, portanto, uma relação vital com o saber.
Isto obriga a um modo de fazer experiência do saber que permita à pessoa mobilizar-se diante da realidade, a ponto de poder ser capaz de compreender, se orientar e agir. É preciso mobilizar a pessoa de modo ativo na sua relação com as tarefas-problema, de modo a estimular nela a autonomia, a iniciativa concreta, o definitivo desejo de aprender através do envolvimento pessoal. É isso que se entende por “competências” (Fim da parte 1).

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 29 de março de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

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