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quinta-feira, 7 de abril de 2011

Amar é dar tudo, e dar a si mesmo

Bento XVI

Audiência Geral

Praça São Pedro
Quarta-feira, 6 de abril de 2011.

Santa Teresa de Lisieux

Caros irmãos e irmãs,
hoje gostaria de falar-vos sobre Santa Teresa de Lisieux, Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face, que viveu neste mundo somente 24 anos, no final do século XIX, conduzindo uma vida muito simples e escondida, mas que, após a morte e a publicação dos seus escritos, se tornou uma das santas mais conhecidas e amadas. A “pequena Teresa” nunca deixou de ajudar as almas mais simples, os pequenos, os pobres e os sofredores que a ela rezam, mas também iluminou toda a Igreja com a sua profunda doutrina espiritual, a tal ponto que o Venerável Papa João Paulo II, em 1997, desejou dar-lhe o título de Doutora da Igreja, em acréscimo ao de Padroeira das Missões, já atribuído por Pio XI em 1939. O meu amado Predecessor a definiu “perita da scientia amoris” (Novo Milennio ineunte, 27). Teresa exprimiu essa ciência, que vê resplandecer no amor toda a verdade da fé, principalmente no relato de sua vida, publicado um ano após a sua morte sob o título História de uma alma. É um livro que teve logo um enorme sucesso, foi traduzido em muitas línguas e difundido em todo o mundo. Gostaria de convidar-vos a redescobrir esse pequeno-grande tesouro, esse luminoso comentário do Evangelho plenamente vivido! A História de uma alma, de fato, é uma maravilhosa história de Amor, narrada com tal autenticidade, simplicidade e frescor que o leitor não pode não ficar fascinado! Mas que Amor é esse que encheu toda a vida de Teresa, desde a infância até à morte? Caros amigos, esse Amor tem um Rosto, tem um Nome, é Jesus! A Santa fala continuamente de Jesus. Queremos percorrer outra vez as grandes etapas da sua vida, para entrar no coração da sua doutrina.
Teresa nasceu no dia 2 de janeiro de 1873, em Alençon, uma cidade da Normandia, na França. Foi a última filha de Luigi e Zelia Martin, esposos e pais exemplares, beatificados no dia 19 de outubro de 2008. Tiveram nove filhos; desses, quatro morreram em tenra idade. Restaram cinco filhas, que se tornaram todas religiosas. Teresa, aos quatro anos, foi profundamente ferida pela morte de sua mãe (Ms A, 13r). O pai, com as filhas, mudou-se, então, para a cidade de Lisieux, onde se passou toda a vida da Santa. Mais tarde, Teresa, atingida por uma grave doença nervosa, foi curada por uma graça divina, que ela mesma define como o “sorriso de Nossa Senhora” (ibid., 29v-30v). Depois, recebeu a Primeira Comunhão, vivida intensamente (ibid., 35r), e colocou Jesus Eucarístico no centro da sua existência.
A “Graça de Natal”, de 1886, marca a grande reviravolta por ela chamada de sua “completa conversão” (ibid., 44v-45r). Foi curada, de fato, totalmente da sua hipersensibilidade infantil e deu início a um “jornada de gigante”. Aos 14 anos, Teresa começou a se aproximar ainda mais, com grande fé, de Jesus Crucificado, e carregou no coração o caso, aparentemente sem esperanças, de um criminoso condenado à morte e impenitente (ibid., 45v-46v). “Desejei a todo custo impedir-lhe de cair no inferno”, escreveu a Santa, com a certeza de que a sua oração o teria colocado em contato com o Sangue redentor de Jesus. Foi a sua primeira e fundamental experiência de maternidade espiritual: “Tinha tanta confiança na Misericórdia Infinita de Jesus”, escreveu. Com Maria Santíssima, a jovem Teresa amou, acreditou e esperou com “um coração de mãe” (cf. PR 6/10r).
Em novembro de 1887, Teresa dirigiu-se em peregrinação a Roma, juntamente com seu pai e a irmã Celina (ibid., 55v-67r). Para ela, o momento culminante foi a Audiência com o Papa Leão XIII, ao qual pediu a permissão para entrar, com apenas 15 anos, no Carmelo de Lisieux. Um ano depois, o seu desejo se realizou: tornou-se Carmelita, “para salvar as almas e rezar pelos sacerdotes” (ibid., 69v). Ao mesmo tempo, teve início também a dolorosa e humilhante doença mental de seu pai. Foi um grande sofrimento que levou Teresa à contemplação do Rosto de Jesus na sua Paixão (ibid., 71rv). Assim, o seu nome de Religiosa – irmã Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face – expressa o programa de toda a sua vida, na comunhão com os Mistérios centrais da Encarnação e da Redenção. A sua profissão religiosa, na festa da Natividade de Maria, aos 8 de setembro de 1890, foi para ela um verdadeiro matrimônio espiritual na “pequenez” evangélica, caracterizada pelo símbolo da flor: “Que bela festa a Natividade de Maria para tornar-se esposa de Jesus!”, escreveu. “Era a pequena Virgem Santa de um dia que apresentava a sua pequena flor ao pequeno Jesus” (ibid., 77r). Para Teresa, ser religiosa significava ser esposa de Jesus e mãe das almas (cf. Ms B, 2v). No mesmo dia, a Santa escreveu uma oração que indica toda a orientação da sua vida: pedia a Jesus o dom do seu Amor infinito, de ser a menor de todas, e sobretudo pedia a salvação de todos os homens: “Que nenhuma alma seja condenada hoje” (Pr 2). Sua Oferta ao Amor Misericordioso, feita na festa da Santíssima Trindade de 1895 é de grande importância (Ms A, 83v-84r; Pr 6): uma oferta que Teresa compartilhou imediatamente com as suas coirmãs, sendo já vice-mestra de noviças.
Dez anos depois da “Graça de Natal”, em 1896, veio a “Graça de Páscoa “, que abriu o último período da vida de Teresa, com o início da sua paixão em união profunda à Paixão de Jesus; tratou-se da paixão do corpo, com a doença que a conduziu à morte através de grandes sofrimentos, mas sobretudo tratou-se da paixão da alma, com uma dolorosíssima provação da fede (Ms C, 4v-7v). Com Maria ao lado da Cruz de Jesus, Teresa viveu então a fé mais heroica, como luz nas trevas que invadiam sua alma. A Carmelitana tinha consciência de estar vivendo essa grande provação pela salvação de todos os ateus do mundo moderno, chamados por ela de “irmãos”. Viveu então ainda mais intensamente o amor fraterno (8r-33v): em relação às suas irmãs de comunidade, aos seus dois irmãos espirituais missionários, aos sacerdotes e a todos os homens, especialmente os mais afastados. Tornou-se verdadeiramente uma “irmã universal”! A sua caridade amável e sorridente era a expressão da alegria profunda, da qual ela nos revelou o segredo: “Jesus, a minha alegria é amar a Ti” (P 45/7). Nesse contexto de sofrimento, vivendo o maior amor nas pequenas coisas da vida cotidiana, a santa levou a cumprimento a sua vocação de ser o Amor no coração da Igreja (cf. Ms B, 3v).
Teresa morreu na noite de 30 de setembro de 1897, pronunciando as simples palavras “Meu Deus, vos amo!”, olhando o Crucifixo que segurava nas mãos. Essas últimas palavras da Santa são a chave de toda a sua doutrina, da sua interpretação do Evangelho. O ato de amor, expresso no seu último suspiro, era como o contínuo respiro da sua alma, como o batimento do seu coração. As simples palavras “Jesus, Te amo” estão no centro de todos os seus escritos. O ato de amor a Jesus a mergulhou na Santíssima Trindade. Ela escreveu: “Ah, Tu o sabes, Divino Jesus, Te amo, / O Espírito de Amor me inflama com o seu fogo, / É amando-Te que eu atraio o Pai” (P 17/2).
Caros amigos, também nós, com Santa Teresa do Menino Jesus, devemos poder repetir a cada dia ao Senhor que desejamos viver de amor a Ele e aos outros, aprender na escola dos santos a amar de modo autêntico e total. Teresa é um dos “pequenos” do Evangelho que se deixam conduzir por Deus na profundidade do seu Mistério. Uma guia para todos, sobretudo para aqueles que, no Povo de Deus, desempenham o ministério de teólogos. Com a humildade e a caridade, a fé e a esperança, Teresa entra continuamente no coração da Sagrada Escritura que contém o Mistério de Cristo. E tal leitura da Bíblia, nutrida pela ciência do amor, não se opõe à ciência acadêmica. A ciência dos santos, de fato, da qual ela mesma fala na última página da História de uma alma, é a ciência mais alta. “Todos os santos o compreenderam e de modo mais particular talvez aqueles que encheram o universo com a irradiação da doutrina evangélica. Não é, porventura, da oração que os Santos Paulo, Agostinho, João da Cruz, Tomás de Aquino, Francisco, Domingos e tantos outros ilustres Amigos de Deus extraíram essa ciência divina que fascina os maiores gênios?” (Ms C, 36r). Inseparável do Evangelho, a Eucaristia é, para Teresa, o Sacramento do Amor Divino que se abaixa ao extremo para elevar-nos a Ele. Na sua última Carta, sobre uma imagem que representa o Menino Jesus na Hóstia Consagrada, a Santa escreve estas simples palavras: “Não posso temer um Deus que, para mim, se fez tão pequeno! [...] Eu O amo! De fato, Ele não é senão Amor e Misericórdia!” (LT 266).
No Evangelho, Teresa descobriu sobretudo a Misericórdia de Jesus, a ponto de ter afirmado: “A mim Ele deu a sua Misericórdia infinita, através dela contemplo e adoro as outras perfeições divinas! [...] Então, todas parecem radiantes de amor, a Justiça mesma (e talvez ainda mais que qualquer outra) parece-me revestida de amor” (Ms A, 84r). Assim, se expressa nas últimas linhas da História de uma alma: “Apenas dou uma olhada no Santo Evangelho, subitamente respiro os perfumes da vida de Jesus e sei para onde correr... Não é ao primeiro lugar, mas ao último que me lanço… Sim, o sinto, mesmo se tivesse a consciência de todos os pecados que se podem cometer, iria, com o coração partido de arrependimento, para lançar-me nos braços de Jesus, porque sei o quanto ama o filho pródigo que retorna a Ele” (Ms C, 36v-37r). “Confiança e Amor” são, portanto, o ponto final da narrativa da sua vida, duas palavras que, como faróis, iluminaram todo o seu caminho de santidade, para poder guiar os outros sobre a “pequena vida da confiança e do amor”, da infância espiritual (cf. Ms C, 2v-3r; LT 226). Confiança como aquela da criança que se abandona nas mãos de Deus, inseparável do compromisso forte, radical do verdadeiro amor, que é dom total de si, para sempre, como diz a Santa contemplando Maria: “Amar é dar tudo, e dar a si mesmo” (Perché ti amo, o Maria, P 54/22). Assim, Teresa indica a todos nós que a vida cristã consiste em viver plenamente a graça do Batismo no dom total de si ao Amor do Pai, para viver como Cristo, no fogo do Espírito Santo, o Seu mesmo amor por todos os outros. Obrigado.

Apelo
Continuo acompanhando com grande apreensão os dramáticos acontecimentos que as queridas populações da Costa do Marfim e da Líbia estão vivendo nestes dias. Espero, além do mais, que o Cardeal Turkson, que eu havia encarregado de ir à Costa do Marfim para manifestar a minha solidariedade, possa entrar no país brevemente. Rezo pelas vítimas e estou próximo de todos aqueles que estão sofrendo. A violência e o ódio são sempre uma derrota! Por isto, dirijo um novo apelo a todas as partes envolvidas, para que se inicie a obra de pacificação e de diálogo e se evitem posteriores derramamentos de sangue.

* Extraído do site do Vaticano, do dia 6 de abril de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

É na abertura à Sua luz que se encontra a alegria dos redimidos


Bento XVI

Audiência Geral

Aula Paulo VI
Quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

São João da Cruz

Caros irmãos e irmãs,
duas semanas atrás, apresentei a figura da grande mística espanhola Teresa de Jesus. Hoje, gostaria de falar de outro importante Santo daquelas terras, amigo espiritual de Santa Teresa, reformador, junto com ela, da família religiosa carmelitana: São João da Cruz, proclamado Doutor da Igreja pelo Papa Pio XI, em 1926, e chamado na tradição de Doctor mysticus, “Doutor Místico”.
João da Cruz nasceu em 1542, no pequeno vilarejo de Fontiveros, perto de Ávila, na Velha Castilha, filho de Gonzalo de Yepes e de Catalina Alvarez. A família era muito pobre, porque o pai, de origem nobre, de Toledo, havia sido expulso de caso e deserdado por se ter casado com Catalina, uma humilde tecelã de seda. Órfão de pai em tenra idade, João, aos nove anos, transferiu-se, com a mãe e o irmão Francisco, para Medina do Campo, perto de Valladolid, centro comercial e cultural da Espanha, naquela época. Ali, freqüentou o Colégio dos Doutrinos, realizando também alguns trabalhos para as irmãs da igreja-convento da Madalena. Em seguida, dadas as suas qualidades humanas e seus resultados nos estudos, foi admitido como enfermeiro no Hospital da Conceição, e depois no Colégio dos Jesuítas que havia sido fundado recentemente em Medina do Campo. Nesse colégio, João entrou com dezoito anos e estudou durante três anos ciências humanas, retórica e línguas clássicas. No final de sua formação, ele tinha bem claro a sua vocação: a vida religiosa e, entre as várias ordens existentes em Medina, se sentiu chamado para o Carmelo.
No verão de 1563, começou o noviciado junto aos Carmelitas da cidade, assumindo o nome religioso de Matias. No ano seguinte, foi destinado para a prestigiosa Universidade de Salamanca, onde estudou por três anos artes e filosofia. Em 1567, foi ordenado sacerdote e retornou para Medina do Campo, onde celebrou sua Primeira Missa, circundado pelo afeto dos familiares. Exatamente ali aconteceu seu primeiro encontro com Teresa de Jesus. O encontrou foi decisivo para ambos: Teresa lhe expôs o seu plano de reforma do Carmelo, também no ramo masculino da Ordem, e propôs a João aderir a esse plano “para a maior glória de Deus”; o jovem sacerdote ficou fascinado com as ideias de Teresa, a ponto de se tornar um grande apoiador do projeto. Os dois trabalharam juntos por alguns meses, compartilhando ideais e propostas para inaugurar o mais rápido possível a primeira casa de Carmelitas Descalços: a abertura aconteceu no dia 28 de dezembro de 1568, em Duruelo, lugar solitário da província de Ávila. Com João, outros três companheiros formavam esta primeira comunidade masculina reformada. Na renovação de sua profissão religiosa, segundo a Regra primitiva, os quatro adotaram um novo nome: João foi chamado, então, “da Cruz”, como, depois, seria universalmente conhecido. No fim de 1572, sob solicitação de Santa Teresa, tornou-se confessor e vigário do mosteiro da Encarnação de Ávila, onde a Santa era a prioresa. Foram anos de estreita colaboração e amizade espiritual, que enriqueceu a ambos. Desse período são as obras mais importantes de Santa Teresa e os primeiros escritos de João.
A adesão à reforma carmelita não foi fácil e custou a João graves sofrimentos. O episódio mais traumático foi, em 1577, o seu seqüestro e encarceramento no convento dos Carmelitas da Antiga Observância de Toledo, depois de uma acusação injusta. O Santo permaneceu aprisionado por meses, submetido a privações e constrições físicas e morais. Ali, compôs, junto com outras poesias, o célebre Cântico Espiritual. Finalmente, na noite entre o dia 16 e o dia 17 de agosto de 1578, conseguiu fugir de modo intrépido, escondendo-se no mosteiro das Carmelitas Descalças da cidade. Santa Teresa e os companheiros reformados celebraram com muita alegria a sua libertação e, depois de um breve tempo de recuperação das forças, João foi destinado para Andaluzia, onde passou dez anos em vários conventos, especialmente em Granada. Assumiu encargos cada vez mais importantes na Ordem, até se tornar Vigário Provincial, e completou a escrita dos seus tratados espirituais. Voltou, mais tarde, para sua terra natal, como membro do governo geral da família religiosa teresiana, que gozava de plena autonomia jurídica. Morou no Carmelo de Segóvia, trabalhando como superior daquela comunidade. Em 1591, foi retirado de toda responsabilidade e destinado para a nova Província religiosa do México. Enquanto se preparava para a longa viagem com outros dez companheiros, retirou-se num convento solitário perto de Jaén, onde adoeceu gravemente. João enfrentou com exemplar serenidade e paciência os enormes sofrimentos. Morreu na noite entre o dia 13 e o dia 14 de dezembro de 1591, enquanto seus confrades recitavam o Ofício das Matinas. Despediu-se deles dizendo: “Hoje, vou cantar o Ofício no céu”. Os seus restos mortais foram trasladados para Segóvia. Foi beatificado por Clemente X, em 1675, e canonizado por Bento XIII, em 1726.
João é considerado um dos mais importantes poetas líricos da literatura espanhola. Suas maiores obras são: Subida ao Monte Carmelo, Noite Escura da Alma, Cântico Espiritual e Chama Viva de Amor.
No Cântico Espiritual, São João apresenta o caminho de purificação da alma, ou seja, a progressiva posse feliz de Deus, até que a alma chegue a sentir que ama a Deus com o mesmo amor com o qual é amada por Ele. A Chama Viva de Amor prossegue nessa mesma perspectiva, descrevendo mais detalhadamente o estado de união transformadora com Deus. A comparação utilizada por João é sempre a do fogo: assim como o fogo quanto mais arde e consome a lenha, tanto mais se faz incandescente até ao ponto de se tornar chama, assim também o Espírito Santo, que durante a noite escura purifica e “limpa” a alma, com o tempo a ilumina e a aquece como se fosse uma chama. A vida da alma é uma contínua festa do Espírito Santo, que deixa entrever a glória da união com Deus na eternidade.
A Subida ao Monte Carmelo apresenta o itinerário espiritual do ponto de vista da purificação progressiva da alma, necessária para escalar o topo da perfeição cristã, simbolizada pelo cume do Monte Carmelo. Tal purificação é proposta como um caminho que o homem empreende, colaborando com a ação divina, para libertar a alma de todo apego ou afeição contrários à vontade de Deus. A purificação, que para atingir a união de amor com Deus deve ser total, começa pela vida dos sentidos e prossegue pela purificação que se obtém por meio das três virtudes teologais: fé, esperança e caridade, que purificam a intenção, a memória e a vontade. A Noite Escura da Alma descreve o aspecto “passivo”, ou seja, a intervenção de Deus nesse processo de “purificação” da alma. O esforço humano, de fato, é incapaz sozinho de chegar até às raízes profundas das inclinações e dos maus hábitos da pessoa: pode apenas freia-los, mas não arrancá-los completamente. Para fazer isso, é necessária a ação especial de Deus que purifica radicalmente o espírito e o dispõe à união de amor com Ele. São João define “passiva” tal purificação, exatamente porque, mesmo que aceita pela alma, é realizada pela ação misteriosa do Espírito Santo que, como chama de um fogo, consome toda impureza. Neste estado, a alma é submetida a todo tipo de provação, como se se encontrasse numa noite escura.
Estas indicações sobre as obras principais do Santo nos ajudam a nos aproximar dos pontos mais importantes da sua vasta e profunda doutrina mística, cujo escopo é descrever um caminho seguro para atingir a santidade, o estado de perfeição ao qual Deus chama a todos nós. Segundo João da Cruz, tudo o que existe, criado por Deus, é bom. Através das criaturas, podemos chegar à descoberta dAquele que, nelas, deixou um traço Seu. A Fé, no entanto, é a única fonte dada ao homem para conhecer a Deus assim como Ele é em si mesmo, como Deus Uno e Trino. Tudo aquilo que Deus queria comunicar ao homem, o disse em Jesus Cristo, a Sua Palavra feita carne. Jesus Cristo é a única e definitiva via para o Pai (cf. Jo 14, 6). Todas as outras coisas criadas são nada se comparadas com Deus, e nada vale fora dEle: consequentemente, para chegar ao amor perfeito de Deus, todo outro amor deve se conformar em Cristo ao amor divino. Disso deriva a insistência de São João da Cruz sobre a necessidade da purificação e do esvaziamento interior para transformar-se em Deus, que é a meta única da perfeição. Esta “purificação” não consiste na simples falta física das coisas ou do seu uso; o que torna a alma pura e livre, pelo contrário, é eliminar toda dependência desordenada das coisas. Tudo deve ser colocado em Deus como centro e fim da vida. O longo e difícil processo de purificação exige, certamente, o esforço pessoal, mas o verdadeiro protagonista é Deus: tudo o que o homem pode fazer é “dispor-se”, estar aberto à ação divina e não impor-lhe obstáculos. Vivendo as virtudes teologais, o homem se eleva e dá valor ao próprio empenho. O ritmo de crescimento da fé, da esperança e da caridade é o mesmo da obra de purificação e da progressiva união com Deus até ao ponto de se transformar nEle. Quando se chega a esta meta, a alma imerge na vida trinitária, de forma que São João afirma que ela chega a amar a Deus com o mesmo amor com o qual Ele a ama, porque a ama no Espírito Santo. Eis porque o Doutor Místico sustenta que não existe verdadeira união de amor com Deus se não culminar na união trinitária. Neste estado supremo a alma santa conhece tudo em Deus e não deva mais passar através das criaturas para chegar a Ele. A alma se sente, desde então, inundada do amor divino e se alegra completamente com isso.
Caros irmãos e irmãs, no fim, permanece a questão: este santo, com sua alta mística, com este árduo caminho em direção ao cume da perfeição, tem algo a dizer a nós, ao cristão normal que vive nas circunstâncias desta vida de hoje, ou é um exemplo, um modelo apenas para poucas almas eleitas que podem realmente empreender esta via de purificação, de subida mística? Para encontrar a resposta temos, antes de mais, que ter presente que a vida de São João da Cruz não foi um “voo sobre nuvens místicas”, mas foi uma vida muito dura, muito prática e concreta, seja como reformador da ordem, onde encontrou tantas oposições, seja como superior provincial, seja no cárcere de seus confrades, onde foi exposto a insultos incríveis e maus tratos físicos. Foi uma vida dura, mas exatamente nos meses passados no cárcere ele escreveu uma das suas mais belas obras. E assim podemos entender que o caminho com Cristo, andar com Cristo, “o Caminho”, não é um peso acrescentado ao já suficientemente duro fardo da nossa vida, não é algo que tornaria ainda mais pesado este fardo, mas é algo de todo diferente, é uma luz, uma força, que nos ajuda a levar este fardo. Se um homem carrega em si um grande amor, este amor quase lhe dá asas, e suporta mais facilmente todas as moléstias da vida, porque carrega consigo esta grande luz; esta é a fé: ser amado por Deus e deixar-se amar por Deus em Cristo Jesus. Este deixar-se amar é a luz que nos ajuda a levar o fardo de cada dia. E a santidade não é uma obra nossa, muito difícil, mas é exatamente esta “abertura”: abrir as janelas da nossa alma para que a luz de Deus possa entrar, não nos esquecermos de Deus, porque é na abertura à Sua luz que se encontra a força, se encontra a alegria dos redimidos. Rezemos a Deus para que Ele nos ajude a encontrar esta santidade, e nos deixemos amar por Deus, que é a vocação de todos nós e a verdadeira redenção. Obrigado.

* Extraído do site do Vaticano, no dia 16 de fevereiro de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.