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sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Caros professores, foi assim que vocês “mataram” a sua autoridade


Por Giovanni Gobber

Autoridade é uma palavra com muitos sentidos. Pela origem, vem da palavra latina auctoritas, que indicava capacidade de fazer crescer, portanto “prestígio, estima”: vinha de auctor, que denotava “quem faz crescer, quem é fundador”. Na base havia o verbo augere, ou seja “aumentar”. No dicionário etimológico de Ernout e Meillet, augere goza da máxima atenção, visto que deu origem a um grande número de derivados, entre os quais aparece o nome dos augures, os sacerdotes que escrutavam os fenômenos naturais, como o voo dos pássaros, e formulavam previsões, chamadas augurium, porque se acreditava que fossem favoráveis. Os antigos precisavam de auxilium, ou seja, de uma ajuda que “faz as forças crescerem”. Neste âmbito é que se coloca a experiência da auctoritas: a palavra tem valor positivo e atesta a confiança no futuro, que é visto como crescimento, desenvolvimento e é promessa de um bem.
Na época moderna, por causa de uma metonímia (que transfere a palavra de um elemento a outro no mesmo domínio), autoridade se transferiu da capacidade para o indivíduo que tem a capacidade. Dessa forma é que se passou a chamar como autoridade também a pessoa que reveste um alto cargo público (uma posição que confere o poder de “fazer crescer”, de “construir”). Trata-se de um uso de matriz francesa, que remonta ao tardo século XVIII. Uma passagem ulterior tirou a relação com os indivíduos: autoridade, assim, passou a designar o poder legal de gerir os comportamentos sociais. O nexo com o antigo verbo augere e com o prestígio gozado pelos auctores passou a ser opaco. Além do mais, este vínculo se percebe ainda hoje, mesmo que levemente, no adjetivo autoridade (autorevole) e no substantivo autoridade (autorevolezza). O elemento –evole é um derivado do latim –abilis: auctorabilis designava quem é capaz de ser auctor.
Como se pode notar, a moderna autoridade (autorevolezza) está próxima, pelo sentido, da antiga auctoritas: é um prestígio moral, uma estima que se difunde na comunidade e não depende de uma imposição, mas de um compartilhamento. A autoridade era dotada de um fundamento razoável: era reconhecida porque se viam os seus efeitos.
Outros tempos, outros costumes. No mundo moderno, se rompeu o vínculo entre moral e razão.
Consequentemente, autoridade denota sobretudo aquilo que impõe. O bem futuro não é considerado. A ênfase recai sobre a obrigação no presente. A educação não sabe o que fazer com esta autoridade: impondo a obediência não se “faz crescer”; no máximo, se comprime, se reprime.
A crise da autoridade no mundo moderno talvez esteja ligada ao divórcio com a autoridade (autorevolezza). A rebelião surge onde a autoridade indica apenas imposição, obrigação incapaz de mostrar um bem futuro que confira sentido à obediência. Pelo contrário, lá onde age um indivíduo ou um exemplo de autoridade (autorevole), se percebe a necessidade de obedecer. Não se sente como uma obrigação, mas como uma necessidade de seguir quem tem autoridade. Uma disciplina por demais rígida é bem difundida na prática esportiva: quem se submete a treinamentos duros e monótonos encontra uma razão naquilo que faz – e é a recompensa do sucesso futuro. O mesmo vale para quem enfrenta “sessões” exaustivas na academia, enquanto enfrenta a dificuldade de se preparar para provas.
A autoridade depende do bem que pode suscitar. Se não se vê um bem futuro, não se encontra motivo para seguir quem chama para a obediência. Muitos indivíduos – muitas das vezes jovens – recusam a autoridade por este motivo. Outros indivíduos – menos jovens que os primeiros – não aceitam a recusa da autoridade. Estes, por sua vez, não têm autoridade (autorevolezza), não têm a capacidade de mostrar o bem futuro. Há também quem contribuiu, no passado, para a destruição do princípio de uma autoridade fundada sobre um bem do fundamento razoável, e agora se lamenta porque a autoridade não é mais seguida. 
Resta a possibilidade de construir relacionamentos humanos construídos no encontro com pessoas de carne e osso, capazes de “fazer crescer”, ou seja, de educar e ter esperança no futuro. Convém voltar “a crescer”, dizem. Para isto, não são necessários personagens “sóbrios”, austeros, paladinos do rigor, dispensadores de sermões vazios. Para crescer é preciso gerar humanidade. E isto é possível na medida em que se parta da caridade guiada pela fé. O futuro não é apenas dos usuais Übermenschen, para quem tudo é permitido e nenhum veto parece ser fundado.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 16 de dezembro de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

domingo, 24 de julho de 2011

Segredo e bandalheira

Por Roberto Romano*

O Brasil é o país da corrupção e do segredo, lados da vida nacional que impedem qualquer confiança nas instituições. Os operadores do Estado, sobretudo com o "privilégio de foro", desobedecem às regras basilares da fé pública. O roubo dos recursos coletivos é respondido, entre nós, com perseguição à imprensa, compra de movimentos sociais, sigilo no financiamento de obras. Sem consciência histórica, os nossos políticos e partidos retomam séculos de tirania. A prudência mínima aconselha ligar a censura (o caso do jornal O Estado de S. Paulo é prova) e o segredo que encobre as piores ilicitudes cometidas à sombra do poder. Como disse alguém, "o dia pertence à opinião pública. Nele, os segredos são espancados e os governantes não podem usar o beleguim que realiza o serviço sujo "sob ordem superior". A noite aninha o segredo, covarde razão de Estado".
Os séculos 19 e 20 reuniram censura e hábitos políticos corrompidos, a começar pelo Império de Napoleão I, que espalhou o terror e a guerra com base nas imunidades do Poder Executivo. O fascismo, o nazismo e o stalinismo exibiram o exato contrário da transparência e do respeito à cidadania. Hannah Arendt afirma que a vida totalitária significa a reunião de "sociedades secretas estabelecidas publicamente". Hitler assumiu, para a sua quadrilha, os princípios das sociedades secretas. Ele promulgou algumas regras simples em 1939:
  • Ninguém, sem necessidade de ser informado, deve receber informação;
  • ninguém deve saber mais do que o necessário;
  • e ninguém deve saber algo anteriormente ao necessário.

Segundo Norberto Bobbio, não lido no Congresso Nacional e nos demais palácios de Brasília, "o governo democrático (...) desenvolve a sua própria atividade sob os olhos de todos porque todos os cidadãos devem formar uma opinião livre sobre as decisões tomadas em seu nome. De outro modo, qual razão os levaria periodicamente às urnas e em quais bases poderiam expressar o seu voto de consentimento ou recusa? (...) O poder oculto não transforma a democracia, perverte-a. Não a golpeia com maior ou menor gravidade em um de seus órgãos essenciais, mas a assassina" (O Poder Mascarado).
Quem abre os jornais brasileiros "antigos" percebe o caminho dos que hoje defendem mistérios nas contas públicas e não têm coragem de abrir arquivos ditatoriais. A luta pela transparência, que muitos fingiam conduzir, não passou mesmo de "bravata". O segredo embaralha interesses de grupos privados e assuntos de governo, como no caso Antônio Palocci e no recente episódio no Ministério dos Transportes. Ele ameaça as formas democráticas: nele, os administradores governamentais exasperam aspectos ilegítimos das políticas no setor público. Entramos no paradoxo: o público é definido fora do público e se torna opaco. O segredo, de fato, manifesta-se em todos os coletivos humanos, das igrejas às seitas, dos Estados aos partidos, dos advogados aos juízes, das corporações aos clubes esportivos, da imprensa aos gabinetes da censura, dos laboratórios e bibliotecas universitários às fábricas, dos bancos às obras de caridade. Mas vale repetir a suspeita de Adam Smith: "Como é possível determinar, segundo regras, o ponto exato a partir do qual um delicado sentido de justiça ruma para o escrúpulo fraco e frívolo da consciência? Quando o segredo e a reserva começam a caminhar para a dissimulação?" (Teoria dos Sentimentos Morais, 1759.)
A prudência define a passagem da prática correta do sigilo para uma outra, em que o poder abusivo e tirânico se manifesta. O pensamento ético sempre se opõe ao sigilo, salvo em situações de guerra. Segundo Bentham, a publicidade é "a lei mais apropriada para garantir a confiança pública". O segredo, pensa ele, "é instrumento de conspiração; ele não deve, portanto, ser o sistema de um governo normal. (...) Toda democracia considera desejável a publicidade, seguindo a premissa fundamental de que todas as pessoas deveriam conhecer os eventos e circunstâncias que lhes interessam, visto que esta é a condição sem a qual elas não podem contribuir nas decisões sobre elas mesmas".
Os democratas ou republicanos autênticos devem se acautelar contra o segredo, pois ele se instala na raiz do poder ditatorial e dos golpes de Estado. Não admira que os nossos políticos, herdeiros de costumes definidos nos porões de duas ditaduras, considerem "normais" (com bênçãos de alguns magistrados) tanto o disfarce no manejo das contas públicas quanto a censura à imprensa. Oligarcas manhosos de partidos fisiológicos estão bem no retrato do controle oficial secreto e corrupto. Eles se acostumaram a dobrar a espinha diante dos poderosos porque tal hábito lhes permite corroer as franquias dos "cidadãos comuns". Presos aos favores, vendem a preço vil a dignidade pública na bacia das almas dos Ministérios. Mas cobram caro, das pessoas livres, a crítica aos seus desmandos. A sua técnica de aliciamento usa os laços do "é dando que se recebe", que lhes propicia o controle das informações. Só pode chegar ao público o que eles autorizam. Os coronéis estão mais vivos do que nunca, na pretensa República brasileira.
Já os que, antes de chegar aos postos de autoridade, sempre criticaram os donos do poder, embora queiram exibir uma face polida e bela, escondem (nas paredes escuras dos corredores palacianos) uma repulsiva adesão à bandalheira. A sua figura efetiva? A carantonha de Dorian Gray ou a estátua de Glauco, imagem divina que, por causa das muitas trapaças do tempo, se transformou em bestial. Nada mais desprezível do que o paladino da ética que, por "realismo", age como secretário de práticas contrárias à transparência no manejo dos recursos públicos.

* Texto extraído d'O Estado de São Paulo (versão online), do dia 24 de julho de 2011. Roberto Romano é filósofo, professor de Ética e Filosofia na UNICAMP, é autor, entre outros, de "O caldeirão de Medeia" (Perspectiva)

sábado, 9 de abril de 2011

Quaresma XXXII


"A fé, portanto, não só é capaz de penetrar a substância íntima da Verdade de Deus, mas é um conhecimento de Deus redentor e imediato. Ela nos 'salva'. Sua luz é mais do que um raio de especulação: confere vida. O despertar da fé não só dá luz ao entendimento e paz à vontade: transforma todo o ser moral do homem. Ele se torna uma nova criatura. Renasce." (T. Merton)

O Deus vivo é um escudo protetor, e salva aqueles que têm reto coração.
Sl 7, 11

sábado, 11 de setembro de 2010

Escracho institucional

Por Mauro Chaves *

A esta altura do campeonato político nacional, o que menos importa é saber qual será o resultado das eleições. Se quem ganhar for menos competente para governar o País ou para consertar as crateras administrativas cavadas e camufladas nos últimos tempos, se as oligarquias regionais mais carcomidas readquirirem todas as suas energias predatórias, se cassados chefes de quadrilha passarem a desenvolver com intensidade ainda maior seu milionário tráfico de influência - aumentando o frenético beija-mão que já desfrutam em festas empresariais -,se as tentativas reiteradas de cerceamento da liberdade de imprensa obtiverem êxito semelhante ao de alguns governos de nuestra Latinoamerica, em tudo isso poderá dar-se um jeito.
Afinal de contas, a sociedade brasileira já atingiu tamanho e complexidade (econômico-produtiva, científico-cultural) suficientes para enfrentar tais tolhimentos e não se submeter, docilmente, a caprichos antidemocráticos de detentores de poder. A isso ela conseguirá resistir, de alguma forma. Muito mais grave, no entanto, serão os efeitos, para as próximas gerações, do processo de avacalhação de valores e escracho institucional em curso. Está ocorrendo no País uma desmoralização de instituições permanentes do Estado a que nunca se assistira, nem nos piores momentos de autoritarismo de nossa História.
Na relação dos cidadãos com o Estado pode haver diversas áreas de conflito, cobrança e divergência, mas sempre se preservara uma zona sagrada de tutela, que jamais poderia ter sido invadida ou dominada por grupos políticos, bandos partidários ou que outras entidades sejam, dedicados à conquista e manutenção de controle do poder público. É inimaginável, por exemplo, que o cidadão que tenha uma demanda na Justiça venha a se preocupar com os riscos que corre em razão de eventuais vantagens pessoais que terão os magistrados - ou seus grupos de amigos - ao proferirem suas sentenças desta ou daquela maneira. Da mesma forma, quando faz uma declaração de Imposto de Renda ou fornece qualquer informação ao Fisco, a respeito dos próprios rendimentos, o cidadão contribuinte jamais poderia imaginar que tais informações seriam postas a serviço de algum grupo ou partido político, seja com finalidade de pressão dissuasória, extorsão numerária ou que outros abjetos crimes se venham a praticar com base em informações exclusivas obtidas por agentes detentores de fé pública.
Mas isso está, de fato, acontecendo no Brasil, sob a complacência generalizada das entidades civis, a cumplicidade acovardada das associações de classe - laborais e empresariais -, os esperneares intempestivos das forças (ou fraquezas) políticas oposicionistas e, sobretudo, os deboches e escárnios exemplares de um chefe de Estado e governo que, para tanto, só enxerga (junto com seus áulicos) sustentação ética em sua supostamente avassaladora popularidade. É claro que as criminosas quebras de sigilo - bancário, fiscal, telefônico e de todo gênero - praticadas por servidores públicos, em missões partidárias, não vêm de hoje nem dizem respeito a só uma campanha eleitoral. O que tem vindo à tona - e que a imprensa às vezes consegue descobrir - são apenas faíscas de um incêndio estrutural e profundo do aparelho do Estado brasileiro.
Est modus in rebus, sunt certi denique fines (há uma medida nas coisas, existem, afinal, certos limites) - dizia o poeta Horácio, em suas Sátiras, o que se tem adotado como lema de equilíbrio e moderação do poder nas democracias civilizadas. Mas no Brasil a avidez pelo poder determinou a ultrapassagem de tais limites. Não, não se trata de uma repentina proliferação de corruptos na máquina pública. O que existe é a transformação massiva, sistêmica, de uma imensa máquina administrativa no instrumental de produção de atos e decisões ilegais, em favor dos que desejam manter o poder a qualquer custo.
Por outro lado, a desfaçatez com que altas autoridades procuram dar a entender que o cometimento de crimes - como quebra de sigilo dos cidadãos e a falsificação de documentos - é a coisa mais natural e corriqueira da República só pode estimular a descrença e o desprezo profundo da sociedade, especialmente de suas novas gerações, por tudo o que se refira a lei, regra moral, comportamento ético, respeito ao direito alheio e à própria vida em sociedade. Estão se liquefazendo os nossos valores, ou os substituindo e condensando no lema principal da Lei da Sacanagem, que diz: "Feio é roubar e não saber carregar." (Pois se aprendeu a carregar muito bem em território nacional.)
Muitos se estão ufanando com o fato de um relatório de agência econômica da ONU indicar que o Brasil já passou do quarto para o terceiro lugar entre os países considerados prioritários para investimentos das multinacionais. Mas não se analisou, ainda, por que os brasileiros são os mais barrados nos aeroportos dos países europeus - conforme dados da Frontex (agência europeia de controle de fronteiras) relativos ao primeiro trimestre de 2010. Em ambos os casos, a explicação é óbvia. É claro que às multinacionais interessa o nosso considerável mercado consumidor e os governantes europeus, grandes vendedores, desdobram-se em elogios às coisas do Brasil. Mas na hora de receber a influência direta - do comportamento, dos valores éticos, do relacionamento com as regras legais, das pessoas vindas do Brasil - esses países impõem as mais humilhantes restrições. Entre janeiro e março deste ano 1.840 brasileiros foram escorraçados da Europa e mandados de volta para o Brasil. É que lá fora já se descobriu o estrago moral por que tem passado a sociedade brasileira - pois no mundo globalizado e online não funciona mais a repetição exaustiva de mentiras que se transformam em verdade.

* Mauro Chaves é jornalista, advogado, escritor, administrador de empresas e pintor. Texto extraído da versão online d'O Estado de São Paulo, do dia 11 de setembro de 2010.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Como nunca antes neste país

Editorial d'O Estado de S.Paulo

Tão profícua tem sido a atuação do presidente Lula na desmoralização das mais importantes instituições do Estado brasileiro, que se torna missão complexa avaliar o que efetivamente tem sido realizado nesse campo, aí sim como nunca antes neste país. Como a lista é longa, melhor ficar nos exemplos mais notórios.
O presidente Lula desmoralizou o Congresso Nacional ao permitir que o então chefe de seu Gabinete Civil, o trêfego José Dirceu, urdisse e implantasse um amplo esquema de compra de apoio parlamentar - o malfadado mensalão. Essa bandidagem custou ao chefe da gangue o cargo de ministro. Mas seu trânsito e influência dentro do governo permanecem enormes, com a indispensável anuência tácita do chefão.
Denunciado o plano de compra direta de apoio de deputados e senadores, o governo petista passou a se compor com toda e qualquer liderança disposta a trocar apoio por benesses governamentais, não importando o quanto de incoerência essas novas alianças pudessem significar diante do que propunha, no passado, a aguerrida ação oposicionista de Lula e de seu partido na defesa intransigente dos mais elevados valores éticos na política. Daí estarem hoje solidamente alinhadas com o governo as mais tradicionais oligarquias dos rincões mais atrasados do País - os Sarneys, os Calheiros, os Barbalhos, os Collors de Mello, todos antes vigorosamente apontados pelo lulo-petismo como responsáveis, no mínimo, pela miséria social em seus domínios. Essa mudança foi recentemente explicada por Dilma Rousseff como resultado do "amadurecimento" político do PT.
O presidente Lula desmoralizou a instituição sindical ao estimular o peleguismo nas entidades representativas dos trabalhadores e, de modo especial, nas centrais sindicais, transformadas em correia de transmissão dos interesses políticos de Brasília.
O presidente Lula tentou desmoralizar os tribunais de contas ao acusá-los, reiteradas vezes, de serem entrave à ação executiva do governo por conta do "excesso de zelo" com que fiscalizam as obras públicas.
O presidente Lula desmoralizou os Correios, antes uma instituição reconhecida pela excelência dos serviços essenciais que presta, ao aparelhar partidariamente sua administração em troca, claro, de apoio político.
O presidente Lula desmoralizou o Tribunal Superior Eleitoral, e, por extensão, toda a instituição judiciária, ao ridicularizar em público, para uma plateia de trabalhadores, multas que lhe foram aplicadas por causa de sua debochada desobediência à legislação eleitoral.
Mas é preciso reconhecer que pelo menos uma lei Lula reabilitou, pois andava relegada ao olvido: a lei de Gerson. Aquela que, no auge do regime militar e do "milagre brasileiro", recomendava: o importante é levar vantagem em tudo. Esse sentimento que o presidente nem tenta mais disfarçar - tudo está bem se me convém - só faz aumentar com o incremento de seus índices de popularidade e sinaliza, por um lado, a tentação do autoritarismo populista, enquanto, por outro lado, estimula a erosão dos valores morais, éticos, indispensáveis à promoção humana e a qualquer projeto de desenvolvimento social.
O presidente vangloria-se do enorme apoio popular de que desfruta porque a economia vai bem. Indicadores econômicos positivos, desemprego menor, os brasileiros ganhando mais, Copa do Mundo, Olimpíada. É verdade, mesmo sem considerar que Lula e o PT não fizeram isso sozinhos, pois, embora não tenham a honestidade de reconhecê-lo, beneficiaram-se de condições construídas desde muito antes de 2002 e também de uma conjuntura internacional política e, principalmente, econômica, que de uma maneira ou de outra acabou sendo sempre favorável ao Brasil nos últimos anos.
Mas um país não se constrói apenas com indicadores econômicos positivos. São necessárias também instituições sólidas, consciência cívica, capacidade cidadã de avaliar criticamente o jogo político e as ações do poder público. Nada disso Sua Excelência demonstra desejar. Oferece, é verdade, pão e circo. Não é pouco. Mas é muito menos do que exige a dignidade humana, senhor presidente da República! 

* Extraído da versão online d'O Estado de São Paulo, do dia 9 de setembro de 2010. 

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Um autor russo do século XX dizia...


do Testamento de Pável Aleksándrovich Florenski (1882-1937)

"Meus caríssimos filhinhos... acostumem-se, aprendam a fazer tudo o que vocês fazem com paixão, a ter gosto pela beleza, pela ordem; não se dispersem, não façam nada sem gosto, de qualquer maneira. Lembrem-se, no 'mais ou menos' é possível perder a vida toda e, pelo contrário, cumprindo de modo ordenado, harmonioso, até as coisas de importância secundária, é possível fazer muitas descobertas, que depois vão servir a vocês como fonte muito profunda de criatividade nova... E não apenas. Quem faz 'de qualquer jeito', aprende a falar do mesmo modo, e a palavra descuidada implica, depois, como consequência, num pensamento confuso. Meus queridos filhinhos, não permitam a vocês mesmos pensarem de modo descuidado. O pensamento é um dom de Deus, requer que cuidemos dele. Ser claros e responsáveis no próprio pensamento é o penhor da liberdade espiritual e da alegria do pensamento. Já faz muito tempo que eu queria lhes escrever isso: Observem as estrelas com mais frequência. Quando tiverem um peso na alma, olhem as estrelas ou o azul do céu. Quando se sentirem tristes, quando lhes ofenderem, quando alguma coisa não der certo ou se abater a tempestade interior, venham para fora e fiquem frente a frente com o céu. Então, a vossa alma encontrará sossego. Não fiquem tristes nem sofram por mim. Se vocês forem alegres e corajosos, eu também ficarei confortado. Sempre estarei com vocês na alma e, se o Senhor assim permitir, virei até vocês com frequência para velar por vocês. A coisa mais importante que lhes peço é que façam sempre memória do Senhor e caminhem na Sua presença. Com isso, lhes disse tudo o que eu era capaz de lhes dizer. O resto, nada mais é que particulares secundários. Mas, disso, nunca se esqueçam".

* Extraído do site da Revista Passos - Litterae Communionis.

Educação superior: imperativo?

Recentemente, a revista Dicta & Contradicta, em seu blog, publicou um texto de Joel Pinheiro intitulado "Universidade para todos?". Na ocasião, escrevi um longo comentário ao texto, descrevendo uma experiência pela qual acabara de passar. Relendo o comentário, lendo algumas coisas nos últimos dias, conversando com algumas pessoas, e repensando o episódio que me levara a escrever o que escrevi, achei por bem publicá-lo aqui, com algumas ligeiras modificações/atualizações e alguns acréscimos.

Veio bem a calhar a reflexão proposta por Joel Pinheiro, especialmente levando-se em conta os espaços de trabalho com os quais estou envolvido atualmente. Valho-me não apenas de minha experiência docente em uma instituição privada de ensino superior da cidade de São Paulo, como também da minha experiência como psicólogo dentro desta mesma instituição (lidando diretamente com os problemas de ensino-aprendizagem, as relações professor-aluno, as relações instituição-clientes, e as questões vocacionais que emergem tanto antes da entrada na universidade, como depois da entrada), mas também de minha atuação junto à Associação Educar para Vida, como professor de língua portuguesa, lógica, gramática e retórica para alunos pré-universitários associados.
Em minha curta carreira como professor universitário, já passei por universidades públicas (federais e estaduais) e privadas confessionais. Há uma semana, porém, aconteceu, numa sala de aula de sétimo semestre de Pedagogia da instituição na qual trabalho atualmente, o que considero a "gota d’água" de um processo de reflexão pelo qual vinha passando há alguns meses… Há muito, vinha me perguntando e discutindo com colegas e amigos, se a universidade é mesmo para todos. Se não haveria um abismo entre o pretenso direito à educação e essa quase obrigatoriedade a uma educação de nível superior. Se a queda na qualidade em todos os níveis do que se oferece nessas instituições medíocres não seria um preço alto demais a se pagar por essa suposta democratização (que me cheira mais a uma ditadura imbecil do consenso mancomunada com uma lógica financeira perversa que prescinde de qualquer Valor em nome de dígitos depois da vírgula).
Vejamos alguns fatos: as alunas que cursam Pedagogia nesta instituição têm idades que variam entre 20 e 60 anos. A escolha pelo curso foi motivada, em sua grande maioria, pelas justificativas – bastante conhecidas de muitos – da "facilidade para encontrar um emprego público em escolas municipais e estaduais", além da de "ser um curso mais fácil". A história educativa dessas alunas – pode-se dizer sem muita chance de erro – é a história do estudante típico da maioria das universidades privadas que por aí estão: sem um emprego adequado; há anos distante dos bancos escolares; muitas vezes com apenas o ensino fundamental concluído regularmente (quando muito!); com um ensino médio feito em esquema de supletivo; passa, um belo dia, na frente de uma das tantas instituições de ensino superior que – como botecos – se espalham pela cidade, e resolve, confiado na promessa de uma melhora no nível salarial, se inscrever para um vestibular que não separa mais do que o apto do não apto a marcar com um "X" uma entre várias alternativas em uma prova absolutamente medíocre (já viram a qualidade dessas provas? não consegue vencer sequer o nível baixíssimo da qualidade das provas do ENEM), além de pretender verificar, em 10 (ou no máximo 20) linhas, a capacidade lógica argumentativa (?) do pretenso aluno, em uma redação cujo tema é incapaz sequer de verificar o nível de conhecimentos gerais do candidato... A descrição poderia ir mais longe, mas, já com esse pequeno quadro, tem-se o pano de fundo do episódio que tive que encarar na semana passada: deparei-me com uma aluna que se queixava de não ter sido aprovada num processo seletivo para estagiar – vejam bem, "estagiar"! – em uma escola privada de São Paulo; investigando o motivo da não aprovação, descobri que a aluna, na carta de apresentação (de oito linhas, manuscritas) que escreveu para a escola, conseguiu a proeza de grafar a palavra "encino" três vezes e a palavra "serviso" duas vezes, sem falar nos erros de pontuação etc. Já escutei discursos suficientes sobre a "opressão da gramática" ou sobre as relações de poder que se escondem por trás da norma culta etc. Mas, uma aluna de sétimo semestre de Pedagogia, certamente, em três anos e meio de curso, deveria ter lido uma boa centena de vezes a palavra "ensino"... não se trata pois de uma crítica que vem a corroborar o argumento da "opressão da gramática" contra o valor do desejo de se expressar, mas de se perguntar se essa aluna, alguma vez, leu a palavra que está ou estará em sua boca cotidianamente, se trata de se perguntar se podemos nos valer apenas do argumento da experiência (tão comum entre as alunas da Pedagogia: "eu tenho 30 anos de Estado"...) quando o que está em jogo é a formação (e não uso essa palavra banalmente...) das gerações que vêm por aí. Sou até mesmo capaz de dizer que escrever "encino" é, dos males, o menor… Porque a gota d’água mesmo não foi o "encino"… foi bem outra.
Depois desse aperitivo, entrei em sala e me deparei com uma algazarra digna de uma feira livre (não fosse a algazarra, a cena por si mesma descreveria o mesmo ambiente: soutiens e calcinhas espalhados nas mesas, revistas da Natura e da Avon circulando entre as mãos, maquilagens sendo exibidas aqui e ali, um grupo de "meninas" penteando outra...). Pedi licença para entrar, disse bom-dia, ajeitei-me para dar uma aula (nessa instituição, eu era - porque não sou mais - o que o professor eventual é nas escolas públicas: substituía professores que, por algum motivo, se ausentavam ou se atrasavam. Com um agravante, porém: eu era pago para enganar os alunos... segundo me informaram, a "filosofia da proposta" justificava o erro moral que a sustentava), tentei um novo bom-dia e, finalmente, notei alguns movimentos que se pareciam com movimentos de interesse por parte das alunas... até descobrir que não: não eram de interesse, mas de indiferença manifesta claramente nas caras e bocas que me foram dirigidas. Tentei, então, uma medida um pouco mais contundente: "não querem assistir à aula, mas querem ficar aqui para garantir a presença... peço, em nome ao menos da boa condução, que se assentem viradas para cá… em sinal de um mínimo de respeito... visto que, em nome dele, não me parece possível pedir muita coisa". Resultado? Mais caras feias, comentários ofendidos, zombarias e… uma gritaria que eu nunca havia visto, em toda a minha vida, dentro de uma universidade. Fui caluniado, fui agredido, fui impedido de falar... E a cena toda tomou formas inesperadas. Vou resumir toda a ópera apresentando apenas os últimos movimentos, do último ato, a partir das falas de algumas personagens: "professor, se o senhor quer a nossa atenção, não devia estar dando aula" (Ah, não! O que eu deveria estar fazendo, então?... Não souberam responder), "professor, eu tenho uma vida muito cheia – tenho família para cuidar, tenho meu trabalho, saio cedo de casa todos os dias e volto tarde… aqui é o único lugar que eu tenho para bater papo" (Ah! então você paga universidade para bater papo, assinar a lista de presença cotidianamente e pegar seu diploma no final de 4 anos? Novo silêncio), "professor, a gente está quase se formando, não dá para ficar perdendo tempo com aulas, né?" ("Perdendo tempo com aula"? O que vocês esperam desse lugar – além de ser um espaço para bater papo, assinar listas de presença e receber um papel mágico que pretensamente lhes abrirá portas? Novo silêncio), "professor, o dinheiro que eu gasto com a universidade é meu… se eu não estou interessada, é problema meu"… Uma depois da outra, frases grotescas como essas foram sendo regurgitadas daquelas gargantas. O pior de tudo isso foi ver que eu estava vislumbrando, ali, numa sala de aula de ensino superior, um retrato das salas de aula dos ensinos fundamental e médio… sem nenhuma reflexão, sem nenhum espaço para reflexão, sem nenhuma intenção de reflexão, sem nenhum respeito, sem nenhuma crítica ou autocrítica… pura reação, caótica, mecânica ("pago-e-recebo-pelo-que-pago"), histérica, digna de uma descrição dantesca dos círculos infernais. Tentar propor um olhar reflexivo sobre o que me diziam, como metralhadoras ensandecidas, parecia – olhando-me de fora e de longe – com jogar pérolas a porcos. Enojado, peguei minhas coisas, dirigi-me à porta e, num ímpeto de esperança, voltei o olhar a espera de, pelo menos, um rosto envergonhado. Não havia vergonha em nenhum rosto. Finda a vergonha, findos os valores. Findos os valores, o que resta?
Essas mulheres, daqui a seis meses, estarão dando aulas para os "nossos" filhos, com um diploma assinado pela coordenação do curso de Pedagogia dessa instituição, pelo "reitor", e com um carimbo do MEC. É a mediocridade fazendo escola!
Não, a universidade não pode ser para todos! Definitivamente… sobretudo se esse "para todos" for um imperativo!

domingo, 23 de maio de 2010

De Arte Voluntatis


Estou, há alguns meses, traduzindo e publicando num blog especialmente dedicado a isso, a obra de Juan Eusebio Nieremberg, chamada De Arte Voluntatis. Trata-se, na verdade, de uma parte de meu projeto de pós-doutorado... e gostaria de compartilhar com todos. Além do mais, gostaria de pedir que, na medida em que forem lendo e identificando problemas com a tradução (ou problemas de compreensão - certamente devidos à tradução), que me informem. Todos os comentários serão bem-vindos.
Para acessar o blog, clique aqui.

terça-feira, 21 de abril de 2009

Amar a Cristo sem moralismos

Uma amiga me mandou este trechinho de D. Gius... e achei por bem postá-lo aqui.
Obrigado, Rê!
Um abraço!

O cristianismo - que é o nosso modo de viver o mistério de Cristo presente - o que é no mundo, se não aquele grupo de homens, aquele pedaço de humanidade que reconhece que Deus tornou-se uma pessoa entre nós, e pronto? É talvez o grupo de homens perfeitos, aqueles que não dizem mentiras e que não roubam, que não fazem mal aos outros, que usam bem do próprio corpo e do corpo de outros? É este o grupo de cristãos? Isso talvez, se acontece, é o milagre dos milagres. Mas a grande questão, a coisa nova é que os cristãos são os seguidores de Cristo (assim os antigos escritores falavam dos cristãos: "São os seguidores de Cristo"), isto é, aqueles que O reconhecem (recordamo-nos dos primeiros, daqueles que andavam atrás Dele), aqueles que vivem a consciência da Sua Presença. Ora, existe uma coisa mais impressionante do que o fato de que ninguém perceba a Sua Presença? "Veio entre os seus, e os seus não O acolheram. Veio à casa deles, e eles não O receberam". E nós, com todo o nosso discurso cristão, com a fé que temos, com as práticas que fazemos, podemos viver como se Cristo não existisse! Então toda a nossa moral o que é? A nossa moral não é mais moral, isto é, não é mais o comportamento verdadeiro; a nossa moral é pagar o pedágio a um medo ou a uma presunção, a um colocar no lugar as coisas, isto é, a um contrato, a um cálculo, vale dizer: é um moralismo.
Ao contrário, toda a lei é amar a Cristo, é a afeição a Cristo (...). Não é preciso arrancar nada para fora, não devemos arrancar nada de nós: é preciso converter-se! É uma outra questão. Quando um homem quer bem, começa a querer bem a uma mulher, se ele quer verdadeiramente bem, entra nele um coração diferente, mas não se arranca nada de si: o dinheiro que tem, o temperamento que tem, etc. É certo que, depois, com o tempo, se "educa", se ordena, se torna capaz, se quer verdadeiramente bem, se torna capaz de coisas das quais antes não era capaz.
Mas isso com o tempo, como uma conseqüência! A questão central não é ser capaz de fazer assim e assim, respeitar as leis assim e assim, mas é a afeição a Cristo.

* O texto acima é um trecho do livro de Don Giussani, La fraternitá di Comunione e Liberazione publicado em ocasião do 20º aniversário de reconhecimento pontifício da Fraternidade, no Jornal Corriere della Sera do dia 15.10.2002