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terça-feira, 20 de setembro de 2011

Cartas do P.e Aldo 204


Asunción, 6 de setembro de 2011.

Caros amigos,
Um fato ocorrido nas últimas semanas me colocou diante da contemporaneidade de Cristo e, portanto, se tornaram um grande possibilidade para fixar nos olhos, de maneira intensa, Jesus.
Eu já estava com as passagens aéreas no bolso para ir à Itália, quando, numa tarde, os médicos e o diretor da clínica chegaram no meu escritório e me disseram: “Padre Aldo, seu filho Aldo [meu filho adotivo, portador de gravíssimas deformações físicas] está muito doente e não temos certeza de que conseguirá sobreviver. Gostaríamos que ele permanecesse aqui na clínica e não fosse enviado a um hospital, onde acabaria sendo deixado morrendo, enquanto que nós queremos acompanhá-lo em sua morte”. Vi-me, uma vez mais, diante de uma decisão: estão me esperando no Meeting e, aqui, os médicos me dizem que meu filho está com os dias contados. O que fazer? Fico e atraso em alguns dias a partida, a fim de ver se ele melhora, ou desisto de ir ao Meeting? Uma escolha difícil porque estavam em jogo os últimos dias do meu filho. E um filho, especialmente quando é adotivo, é a sua mesma carne, ainda mais porque é fruto de uma gratuidade total. Alguns me disseram: como é que o senhor pode ir, deixando-o sozinho, ao invés de acompanhá-lo nas suas últimas horas? Eu sentia meu coração em pedaços, sentia em mim um sentimento que me dizia: você deve ficar. Porém, uma vez mais eu me perguntei: o que Cristo pede de mim, neste momento?
E dois juízos me ajudaram a tomar a decisão de ir. O primeiro: aquele filho me foi dado e se Cristo decidiu pedi-lo de volta, quem sou eu para não devolvê-lo? O segundo: a realidade me pede para estar presente no Meeting e em La Thuile, onde acontecerá a assembleia internacional. Ou seja, a realidade me chama a estar onde estão aqueles amigos que mais me lembram que “É o Senhor”, os amigos que mais me mostram o rosto de Jesus. E eu preciso disto porque, do contrário, não consigo enfrentar a vida todos os dias e nem mesmo o dia de meu filho, que, seja como for, não morrerá sozinho, mas na companhia dos meus amigos da clínica. E assim, peguei o avião com a grata surpresa de que me filho se recuperou. É impressionante ver como Deus me educa a ser livre, ou seja, a confiar no seu desígnio que, qualquer que seja, é sempre positivo, mesmo quando, no momento, parece ser injusto e você preferiria se rebelar. Dizer “Tu, meu Cristo” nunca é algo óbvio, mas se dá sempre dentro de um abandono seu, cheio de dor, cujo resultado é uma estranha letícia.
Os filhos não são algo que nos pertence, e só o são quando amamos o desígnio de Deus sobre eles, mesmo quando isso coincide com o fato de eles nos serem tirados. É assim que me acontece todos os dias. Assim como a cada vez a dor é sempre maior, porque quanto mais Cristo o agarra, tanto mais você se descobre vulnerável, tanto mais você sofre. Se antes de encontrar Jesus nem mesmo uma “pedrada na cabeça” movia o meu coração, agora que Cristo me tomou, basta um grão de areia para que eu sinta toda a dor que me circunda.
Amar, ou seja, deixar-se tomar por Cristo é sofrer e sofrer é amar. E quanto mais você é de Cristo, tanto mais você sofre; e tanto mais você sofre, quanto mais você busca Cristo. Ou, para dizer mais claramente, Cristo nos torna mais vulneráveis, mais sensíveis, mais atentos a cada detalhe.
Rezem por mim e por meus filhos.
Com afeto,
Padre Aldo

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Comentário ao evangelho do dia


Nossa Senhora das Dores

1ª Leitura - Hb 5,7-9
Cristo, nos dias de sua vida terrestre, dirigiu preces e súplicas, com forte clamor e lágrimas, àquele que era capaz de salvá-lo da morte. E foi atendido, por causa de sua entrega a Deus. Mesmo sendo Filho, aprendeu o que significa a obediência a Deus por aquilo que ele sofreu. Mas, na consumação de sua vida, tornou-se causa de salvação eterna para todos os que lhe obedecem.

Evangelho - Jo 19,25-27
Naquele tempo, perto da cruz de Jesus, estavam de pé a sua mãe, a irmó da sua mãe, Maria de Cléofas, e Maria Madalena. Jesus, ao ver sua mãe e, ao lado dela, o discípulo que ele amava, disse à mãe: "Mulher, este é o teu filho". Depois disse ao discípulo: "Esta é a tua mãe". Daquela hora em diante, o discípulo a acolheu consigo.

Comentário feito por Santa Teresinha do Menino Jesus (1873-1897)
carmelita, doutora da Igreja

Num dia em que os pecadores escutam a doutrina
DAquele que os queria receber no céu
Encontro-te com eles, Maria, na colina;
Alguém disse a Jesus que tu querias vê-Lo.
Então, o teu divino Filho, diante de toda a multidão,
Do Seu amor por nós mostra a imensidão;
Ele diz: "Quem é a Minha mãe e quem são os Meus irmãos?" e
"Quem é meu irmão, minha irmã e minha mãe, 
Senão aquele que faz a Minha vontade?" (cf. Mt 12,48-50).

Ó Virgem Imaculada, das mães a mais terna,
Ao escutar Jesus, não te entristeces,
Mas te alegras por Ele nos fazer entender
que a nossa alma se torna aqui na terra a Sua família.
Sim, te alegras por Ele nos dar a Sua vida,
Os tesouros infinitos da Sua divindade!
Como poderia não te amar, ó minha mãe querida,
Vendo tanto amor e tanta humildade. [...]

Tu nos amas verdadeiramente como Jesus nos ama
E, por nós, consentes em afastar-te dEle.
Amar é tudo dar e dar-se a si mesmo;
Quiseste prová-lo permanecendo como nosso apoio.
O Salvador conhecia a tua imensa ternura,
Sabia dos segredos do teu coração maternal.
Refúgio dos pecadores, foi a ti que Ele nos entregou
Quando deixou a Sua cruz para nos esperar no céu. [...]

A casa de São João tornou-se o teu único abrigo;
O filho de Zebedeu vai substituir Jesus.
É o ultimo detalhe que nos dá o Evangelho,
Da Rainha dos Céus não me fala mais.
Mas o seu profundo silêncio, ó minha Mãe querida,
Não mostra que o próprio Verbo eterno
Quer ser Ele a cantar os segredos da tua vida
Para encantar os filhos, todos os eleitos do céu?

Em breve irei ouvir essa suave harmonia;
Em breve, no céu tão belo, te verei.
Tu, que me vieste sorrir na manhã da minha vida,
Vem sorrir-me uma vez mais [...] Mãe, eis chegada a noite!
Já não temo o esplendor da tua suprema glória;
Contigo sofri e quero agora
Cantar no teu regaço, Virgem, porque te amo
E quero dizer, para todo o sempre, que sou tua filha!

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Meditar: "ruminar" os mistérios de Deus e Sua vontade


Bento XVI

Audiência Geral

Pátio do Palácio Apostólico de Castel Gandolfo
Quarta-feira, 17 de agosto de 2011

O homem em oração

Caros irmãos e irmãs,
Ainda estamos sob as luzes da Festa da Assunta, que – como eu disse – é uma Festa da esperança. Maria chegou ao Paraíso e este é o nosso destino: todos nós podemos chegar ao Paraíso. A questão é: como? Maria chegou; Ela – disse o Evangelho – é “Aquela que acreditou no cumprimento daquilo que o Senhor lhe disse” (Lc 1, 45). Portanto, Maria acreditou, confiou-se a Deus, entrou com a sua vontade na vontade do Senhor e, assim, estava exatamente no caminho mais direto, na estrada que leva ao Paraíso. Acreditar, confiar-se ao Senhor, entrar na sua vontade: esta é a direção essencial.
Hoje, não gostaria de falar sobre todo este caminho da fé, mas apenas sobre um pequeno aspecto da vida da oração que é a vida do contato com Deus, ou seja, falar sobre a meditação. E o que é a meditação? Quer dizer “fazer memória” daquilo que Deus fez e não esquecer os tantos benefícios que Ele nos faz (cf. Sl 103, 2b). frequentemente, vemos apenas as coisas negativas; temos que manter na nossa memória também as coisas positivas, os dons que Deus nos fez, estar atentos aos sinais positivos que veem de Deus e fazer memória deles. Portanto, falamos de um tempo de oração que, na tradição cristão, é chamada “oração mental”. Conhecemos, em geral, a oração com palavras, naturalmente também a mente e o coração devem estar presentes nesta oração, mas falamos hoje sobre uma meditação que não é feita de palavras, mas é um deixar que nossa mente entre em contato com o coração de Deus. E Maria, aqui, é um modelo muito real. O evangelista Lucas repete, diversas vezes, que Maria “de sua parte, guardava todas estas coisas, meditando-as no seu coração” (Lc 2, 19; cf. 2, 51b). Guarda, não esquece, Ela é atenta a tudo o que o Senhor lhe disse e fez, e medita, ou seja, entra em contato com diversas coisas, aprofunda-as no seu coração.
Aquela, portanto, que “acreditou”, no momento do anúncio do Anjo, e que se fez instrumento para que a Palavra eterna do Altíssimo pudesse se encarnar, acolheu também no seu coração o maravilhoso prodígio daquele nascimento humano-divino, meditou-o, concentrou-se na reflexão sobre aquilo que Deus estava operando nEla, para acolher a vontade divina na sua vida e corresponder a ela. O mistério da encarnação do Filho de Deus e da maternidade de Maria é tão grande que requer um processo de interiorização, não é apenas algo de físico que Deus opera nEla, mas é algo que exige uma interiorização por parte de Maria, que tenta aprofundar a inteligência do que aconteceu, interpretar seu sentido, compreender as implicações. Assim, dia após dia, no silêncio da vida ordinária, Maria continuou a guardar no seu coração os sucessivos eventos maravilhosos de que foi testemunha, até à prova extrema da Cruz e à glória da Ressurreição. Maria viveu plenamente a sua existência, os seus deveres cotidianos, a sua missão de mãe, mas soube manter em si um espaço interior para refletir sobre a palavra e sobre a vontade de Deus, sobre tudo o que acontecia nEla, sobre os mistérios da vida do seu Filho.
No nosso tempo, somos absorvidos por tantas atividades e compromissos, preocupações, problemas; frequentemente, tendemos a preencher todos os espaços do dia, sem ter um momento para parar e refletir e nutrir a vida espiritual, o contato com Deus. Maria nos ensina como é necessário encontrar, nos nossos dias, com todas as atividades, momentos para nos recolhermos em silêncio e meditar sobre aquilo que o Senhor nos quer ensinar, sobre como está presente e age no mundo e na nossa vida: ser capazes de parar um momento e meditar. Santo Agostinho compara a meditação sobre os mistério de Deus à assimilação da comida e usa um verbo que aparece repetidas vezes em toda a tradição cristão: “ruminar”; ou seja, os mistérios de Deus devem ser continuamente ecoados em nós para que se tornem familiares para nós, guiem a nossa vida, nos nutram como acontece com o alimento necessário para nos sustentar. E São Boaventura, referindo-se às palavras da Sagrada Escritura, diz que “devem ser sempre ruminadas para que possam ser fixadas, com ardente aplicação do espírito” (Coll. In Hex, ed. Quaracchi 1934, p. 218). Meditar, pois, quer dizer criar em nós uma situação de recolhimento, de silêncio interior, para refletir, assimilar os mistérios da nossa fé e aquilo que Deus opera em nós; e não apenas as coisas que vão e vêm. Podemos fazer esta “ruminação” de vários modos, tomando, por exemplo, um breve trecho da Sagrada Escritura, sobretudo dos Evangelhos, dos Atos dos Apóstolos, das Cartas dos apóstolos, ou então uma página de um autor de espiritualidade que nos aproxima e torna mais presente as realidades de Deus para o nosso hoje, ou mesmo deixando-se aconselhar por um confessor ou por um diretor espiritual, ler e refletir sobre o que se leu, centrando-se sobre isto, tentando compreender, entender o que diz para mim, o que diz hoje, abrir o nosso espírito àquilo que o Senhor quer nos dizer e ensinar. Também o Santo Rosário é uma oração de meditação: repetindo a Ave Maria somos convidados a repensar e a refletir sobre o Mistério que proclamamos. Mas podemos nos concentrar também sobre alguma intensa experiência espiritual, sobre palavras que permaneceram impressas em nós ao participar da Eucaristia dominical. Portanto, como podeis ver, existem muitos modos de meditar e, dessa forma, tomar contato com Deus e nos aproximar de Deus e, assim, estar no caminho em direção ao Paraíso.
Caros amigos, a constância no dar tempo a Deus é um elemento fundamental para o crescimento espiritual; será o Senhor mesmo que nos concederá o gosto dos Seus mistérios, das Suas palavras, da Sua presença e ação, sentir como é belo quando Deus fala conosco; nos fará compreender, de modo mais profundo, o que quer de mim. Enfim, é exatamente este o objetivo da meditação: confiar-se sempre mais às mãos de Deus, com confiança e amor, certos de que somente fazendo a Sua vontade seremos, no fim, verdadeiramente felizes.

* Extraído do site do Vaticano, do dia 17 de agosto de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Instruções para não sucumbir ao fascínio do nada


Por Giovanni Maddalena

William James dizia que toda filosofia tem um coração secreto, um centro de gravidade a que todo o resto se refere. Se se chegar a isto, todo o resto virá em seguida. Há verdade nesta descrição e, no caso de Costantino Esposito, cujo livro Una ragione inquieta [Uma razão inquieta – em tradução livre –, publicado este ano pela Edizioni Di Pagina, de Bari; ndt] reúne as reflexões “nas dobras do nosso tempo”, o centro é a dramática separação provocada pela modernidade: o eu de um lado, o mundo, o dado, o objeto, os objetos individuais e irrepetíveis do outro. Esposito persegue esta separação, esta distância, esta “patologia que se tornou fisiologia” (p. 16) em contextos aparentemente distantes, fazendo emergir, desta forma, a nossa frequentemente inconsciente mas inevitável pertença ao horizonte da modernidade. Somos modernos não apenas quando pensamos na verdade (p. 114), mas também quando transferimos este pensamento para a política, nas nossas divisões entre fundamentalismo e relativismo (p. 115) ou entre multiculturalismo e integracionismo (p.121), quando resolvemos a educação com cognitivismo ou sentimentalismo (p. 30), quando – como Svevo – viajamos entre “um pensamento sem afetividade e uma afetividade sem pensamento” (p. 142).
Este abismo que se criou entre razão e sentimento, entre sujeito e objeto é a negação da força constitutiva do relacionamento que já somos. É o relacionamento entre sujeito e dado, ou melhor, entre dado e sujeito que é originário. Por isto, Esposito sublinha todas aquelas experiências de pensamento que são verdadeiras e propriamente ditas performances fenomenológicas: Agostinho, Dante, o Descartes da III meditação (lido segundo a recente tradição francesa), Giussani. É uma fenomenologia do relacionamento que nos faz entender que já estamos numa unidade mais profunda do que pensamos, uma unidade que devemos mais descobrir do que inventar de forma moralista.
Diferentemente do que sustentava James, porém, o centro da questão não resolve tudo no caso de Esposito. O contorno, segundo penso, é quase mais importante do que o centro. O aspecto constitutivo do pensamento de Esposito, de fato, não é a condenação da modernidade, mas o fato de considerá-la como uma possibilidade. O relacionamento constitutivo não será obtido com um simples retorno ao passado, mas atravessando toda a dinâmica da modernidade na qual estamos imersos, inclusive no niilismo. São três os fatores mais interessantes deste ponto de vista: o caso, o indivíduo e o nada.
Contrariamente ao que se poderia esperar de um pensamento declarada e corajosamente católico, o livro de Esposito faz vir à tona uma avaliação positiva do drama da casualidade assim como o homem a percebe em sua ausência de pacificação consoladora. Mesmo numa tragédia como a do tsunami de 2004, Esposito sublinha que as circunstâncias fatais nos fazem perceber, por um instante, a nossa situação mortal, marcada por uma fragilidade estrutural, mas também por uma vontade de viver que não pode ser reduzida a nada (p. 234). “A incerteza é o eco de outra coisa” (p. 4). A casualidade que a filosofia e a religião frequentemente tentam reduzir ou suprimir se mantém em toda a sua ambivalência de derrota e, ao mesmo tempo, de paradoxal esperança do repentino aparecer do momento de graça. Nada de mais distante da resignação sentimental ou da argumentação racionalista com a qual, às vezes se explica aquilo que não se compreende com um genérico “desígnio de Deus”. Esposito evidencia a contradição e deixa que ela seja o grito de necessidade de salvação.
O niilismo mesmo, deserto extremo do pensamento moderno, é percebido como um ponto privilegiado por causa desta percepção dramática do ser: “o niilismo é o nosso destino ou é um caminho, tão paradoxal quanto inesperado, para redescobrir que o destino do niilismo é o evento surpreendente do ser?” (p. 196). É melhor, então, ser niilistas? Talvez não, mas ai de quem, parece dizer Esposito, não percebe suas razões e, de algum modo, seu fascínio.
Finalmente, o indivíduo. O relacionamento sujeito-mundo é constitutivo e o dado tem, certamente, uma primazia. Mas, Esposito não tem dúvidas sobre qual seja o lado do qual ele prefere se aproximar: muito modernamente, a sua filosofia é uma elegia do eu, do sujeito e da sua individualidade. “‘Eu’ é a coisa mais minha que possa existir – o meu eu, a minha consciência, a minha liberdade, a minha ação, os meus pensamentos – é a coisa mais próxima de mim que há” (p. 143). A abertura para o outro, mesmo quando o outro é Deus, é exatamente para a salvaguarda deste “eu”, em toda a sua gigantesca dimensão. Tanto que a educação mesma é ligada apenas e exclusivamente à comunicação do eu (pp. 28-29).
Obviamente, trata-se de teses fortes, sobre as quais há muito o que se discutir, a começar pela última: um “eu” que não gera um método é um “eu” realizado? E também: qual é a lógica, se houver, daquele relacionamento constitutivo? Que tipo de epistemologia nasce desta ontologia do relacionamento constitutivo? É a individualidade ocidental ou a comunhão da tradição ortodoxa que se encontra na origem do eu a partir de um ponto de vista social? Como o relacionamento originário com o dado se traduz em política, em educação, em bem para todos?
Vêm à mente muitas perguntas, e muitas mais virão aos leitores, mas é exatamente este início de diálogo sincero que marca o encontro com um verdadeiro “eu”.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 28 de julho de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Comentário ao evangelho do dia

Evangelho - Mt 6,7-15
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: "Quando orardes, não useis muitas palavras, como fazem os pagãos. Eles pensam que serão ouvidos por força das muitas palavras. Não sejais como eles, pois vosso Pai sabe do que precisais, muito antes que vós o peçais. Vós deveis rezar assim: Pai Nosso que estás nos céus, santificado seja o teu nome; venha o teu Reino; seja feita a tua vontade, assim na terra como nos céus. O pão nosso de cada dia dá-nos hoje. Perdoa as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido. E não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal. De fato, se vós perdoardes aos homens as faltas que eles cometeram, vosso Pai que está nos céus também vos perdoará. Mas, se vós não perdoardes aos homens, vosso Pai também não perdoará as faltas que vós cometestes.

Comentário feito por Santa Teresa de Ávila (1515-1582)
carmelita, doutora da Igreja

"Seja feita a Vossa vontade, assim na terra como no céu". Porque todos os avisos que vos tenho dado neste livro vão dirigidos a este ponto de nos darmos de todo ao Criador e pormos a nossa vontade na Sua, de nos desapegarmos das criaturas, e já tereis entendido o muito que isto importa, nada mais digo; somente direi o motivo porque o nosso bom Mestre põe aqui estas sobreditas palavras, como Quem sabe quanto ganharemos em prestar este serviço a Seu eterno Pai, a fim de nos dispormos para, com muita brevidade, nos vermos com o caminho acabado de andar e bebendo da água viva da fonte que fica dita. Porque, sem darmos totalmente a nossa vontade ao Senhor para que, em tudo o que nos toca, Ele faça conforme a Sua vontade, nunca nos deixará beber dela. Isto é contemplação, de que me dissestes que escrevesse. E nisto [...] nenhuma coisa fazemos da nossa parte: nem trabalhamos, nem negociamos, nada mais é preciso; porque tudo o mais estorva e impede de dizer "fiat voluntas tua": cumpra-se em mim, Senhor, a Vossa vontade. Com efeito, tudo o que quiséssemos fazer pelo nosso trabalho e pela nossa competência, tendo em vista alcançar para nós a quietude, não nos serviria senão de obstáculo e de impedimento. Cumpra-se em mim, Senhor, a Vossa vontade de todos os modos e maneiras que Vós, Senhor meu, quiserdes. Se quereis com trabalhos, dai-me esforço e venham; se com perseguições e enfermidades e desonras e necessidade, aqui estou, não voltarei o rosto, Pai meu, nem é razão para voltar as costas. Seria indigno de mim recuar. Pois Vosso filho Vos deu esta minha vontade dando-Vos a vontade de todos, não é razoável que falhe por minha parte; mas sim me façais Vós mercê de me dar o Vosso Reino para que eu possa fazê-lo, pois Ele mo pediu, e disponde em mim como de coisa Vossa, conforme a Vossa vontade.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Quaresma XXXV


"Aprendemos o recolhimento, que consiste em ouvir a vontade de Deus, em uma atenção direta e simples à realidade. O recolhimento é consciência do incondicional. Assim, a oração significa aspirar à simples presença de Deus, a uma compreensão pessoal de sua palavra, ao conhecimento de sua vontade e à capacidade de ouvi-Lo e obedecê-Lo." (T. Merton)

Inclinai o vosso ouvido para mim, quando invocar-vos atendei-me sem demora!
Sl 101(102), 3

quarta-feira, 6 de abril de 2011

O equívoco sobre as competências faz mal aos professores e aos estudantes


Por Dario Nicoli

Continua a reflexão de Dario Nicoli sobre o tema das competências. O primeiro artigo foi publicado no IlSussidiario.net de 29 de março (e traduzido para o português por Paulo R. A. Pacheco; ndt). 

Este posicionamento só foi possível graças à consciência acerca das três dimensões fundamentais do saber:
- o saber possui uma dimensão lógico-cognitiva que pressupõe uma linguagem, um campo de referência e, além do mais, uma epistemologia que permite delinear os mapas conceituais e os esquemas cognitivo-operativos das disciplinas;
- o saber apresenta também uma dimensão afetiva e relacional que permanece escondida quando se reduz a inteligência a pura função de cálculo, memória e repetição. Todo âmbito disciplinar possui a capacidade de “sedução” no sentido que exprime um fascínio próprio capaz de atrair a pessoa e suscitar emoções. Assim, acontece uma mobilização da inteligência emocional, solicita-se ao estudante que se coloque em jogo, que cuide do objeto do seu estudo apreciando o caráter pessoal e social do saber, seja como procedimento seja como aspiração e necessidade;
- finalmente, o saber evidencia uma dimensão concreta: todo conhecimento está implicado na realidade que constitui seu ambiente, a partir do qual toma vida, dando nome às coisas e aos processos, tornando compreensível aquilo que acontece, contribuindo para formular hipóteses de solução e motivando a utilização dos instrumentos idôneos, fornecendo critérios apropriados para avaliar o percurso que se está percorrendo e sugerir melhorias. O caráter prático do saber está presente também na sua epistemologia: de fato, diz-se que um saber é abstrato no sentido de que foi “extraído” da realidade que representa o lugar no qual ele é necessariamente encorporado.
O poder da cultura e a “pessoa competente” – É exatamente devido a estas três características do saber – lógico-cognitiva, afetiva e relacional, concreta – que se podem pensar experiências de aprendizado não mais inertes, mas vitais, capazes de solicitar ainda mais a pessoa do estudante que, dessa forma, tem a ocasião de experimentar pessoalmente a cultura.
O jovem que se aproxima do saber é colocado, dessa forma, numa afeição que solicita a sua sensibilidade e suscita um vínculo e um desejo de aprender sobre; ao mesmo tempo, ele é levado a colher o valor daquilo que aprende, visto que, através dele, abre-se cada vez mais para a realidade, descobre a possibilidade de conhecê-la efetivamente e, portanto, se torna consciente das próprias capacidades e dos próprios talentos.
É preciso explicitar bem que a competência não é um objeto nem um fator que possa ser transferido do professor para o discente. Ela indica, em sentido próprio, a qualidade de uma pessoa, que é reconhecida quando esta se mostra capaz, com provas tangíveis e significativas, de mobilizar os próprios recursos – habilidades e conhecimentos – a fim de fazer frente, de modo adequado, às tarefas e aos problemas que lhe são confiados.
A competência não é assimilável nem a um conjunto de saberes, e nem mesmo a uma adaptação social, mas indica uma característica de natureza ético-moral da pessoa, uma disposição positiva diante do real. Competente é a pessoa autônoma e responsável que tem consciência dos próprios talentos e da própria vocação, possui um sentido positivo da existência, entra em relação de modo amigável com a realidade em todas as suas dimensões, de onde extrai os principais fatores em jogo, se insere de forma recíproca no tecido da vida social no qual age de modo significativo e eficaz.
As habilidades e os conhecimentos constituem a trama e, ao mesmo tempo, os ingredientes de uma ação formativa para tarefas e problemas que é capaz de solicitar o estudante no sentido da descoberta do valor do saber como fonte de afeição, útil, dotado de sentido.
Paola Mastrocola, no seu recente volume Togliamo il disturbo (Acabemos com o problema; ndt), na sua batalha antipedagógica, acha conveniente o expediente que tende a confundir a competência com a habilidade, reduzindo esta última a “exigência das empresas”. Na realidade, uma abordagem por competências permite que se fixe, de modo unívoco e comprometido para todos – professores, estudantes e famílias –, as metas necessárias para uma séria preparação do aluno: por exemplo, indicando nas evidências (ou desempenhos esperados) o correto domínio da língua ainda que apenas no perfil lexical, ortográfico e gramatical; além de, prevendo que o estudante saiba apresentar publicamente as obras literárias de autores tidos como indispensáveis, manifestando nisso não apenas preparação, mas também paixão e capacidade de convencimento junto dos seus companheiros. A abordagem por competências tem como meta, na realidade, “olhar para cima” e contrastar com a tendência à banalização do saber e ao desaparecimento de um real domínio pela palavra, mas o faz evitando posições restauradoras que não são credíveis porque não prestam contas com a realidade cultural e social do nosso tempo, que não é demonizada, mas compreendida, tomando dela o que tem de bom. Enquanto que o fechamento nas velhas escolas por pouco resulta numa operação, no longo prazo, pouco convincente exatamente naquele plano cultural que se declara, pelo contrário, desejoso de defender da enésima “nova barbárie”.
Nesta perspectiva, a escola pode, como afirma Jerome Bruner, cultivar as energias naturais que estimulam o aprendizado espontâneo ou “vontade de aprender”, aquelas que não dependem de uma recompensa externa, mas derivam de uma fonte intrínseca à pessoa, sendo inerente à feliz realização da atividade:
- a curiosidade: de fato, a mais singular característica humana é a atitude a ser aprendida;
- o desejo de competência, ou seja, o estímulo para enfrentar e resolver problemas, de forma que a competência se torna, por sua vez, um fator de motivação antes ainda de se tornar uma capacidade conseguida;
- a aspiração por emular um modelo proposto pelos professores entendidos como equipe, o que não significa necessariamente imitar o mestre, mas no fato de que ele se torne parte integrante do diálogo interno do estudante, uma pessoa de quem ele deseja o respeito, de quem quer fazer suas as qualidades;
- o compromisso consciente por se inserir no tecido da reciprocidade social, que representa o desejo intrínseco na natureza humana de responder aos outros e cooperar com ele tendo em vista um objetivo comum: há no vínculo social uma energia intrínseca para aprender, e não se trata de uma imitação, mas de uma dinâmica na qual se aprende reciprocamente.
A vontade de aprender é um motivo intrínseco, que encontra a sua fonte, a sua recompensa no exercício de si. Ela se torna um problema apenas em determinadas circunstâncias: como aquelas de uma escola na qual se impõe um programa, os estudantes são privados de toda iniciativa, a linha a ser seguida é rigidamente fixada. Portanto, não há um problema de aprendizado em si, mas de um método de ensino que impõe tarefas que não conseguem alavancar as energias naturais do aprendizado próprias do aluno.
O método para o aprendizado autêntico – O ensino não é uma sucessão de aulas e nem mesmo uma simples sequência de práticas operativas, mas é a organização e a animação de situações de aprendizado que se referem a situações reais na qual o sujeito é chamado a exercer papéis ativos, procedendo através deles na plena consciência e domínio também teórico dos saberes subjacentes.
Para trabalhar de modo consciente sobre as competências é necessário, portanto, coligar cada uma das competências a um conjunto delimitado de problemas e de tarefas; inventariar os recursos intelectivos (saberes, técnicas, saber-fazer, atitudes, competências mais específicas) colocados em ação pela competência considerada.
O discente se torna, dessa maneira, capaz de fazer uma experiência cultural que mobiliza suas capacidades e solicita suas boas potencialidades. O saber se mostra a ele como um objeto sensível, uma realidade ao mesmo tempo simbólica, prática e explicativa.
Isto comporta a escolha de ocasiões e de tarefas que consintam ao estudante fazer a descoberta pessoal do saber, reportar-se a ele com um espírito amigável e curioso, compartilhar com os outros esta experiência, adquirir um saber efetivamente pessoal.
É errado contrapor a didática por competências àquela por disciplinas; além do mais, a primeira, se bem entendida, contrasta a degeneração desta última que consiste na redução do trabalho do professor à transferência de uma certa quantidade de noções sem um vínculo buscado nem com os estudantes nem com a realidade, mas nem mesmo com os colegas. O ensino “empregadizado” se tornou uma rotina e, assim, a liberdade de ensino degenerou no automatismo.
O professor não se limita a transferir os conhecimentos, mas é um guia capaz de fazer perguntas, desenvolver estratégias para resolver problemas, levando o discente, assim, a compreensões mais profundas. Os “produtos” da atividade dos estudantes constituem as evidências de uma avaliação confiável, fundada em provas reais e adequadas.
O valor da didática por competências é definido pelas seguintes metas formativas: formar cidadãos conscientes, autônomos e responsáveis; reconhecer os aprendizados adquiridos; favorecer processos formativos eficazes e capazes de mobilizar as capacidades e os talentos dos jovens, tornando-os responsáveis pelo próprio caminho formativo; caracterizar de maneira europeia o sistema educativo italiano, tornando possível a mobilidade das pessoas no contexto comunitário; favorecer a continuidade entre formação, trabalho e vida social ao longo de todo o curso da vida; valorizar a cultura viva do território como recurso para o aprendizado; permitir uma corresponsabilidade educativa por parte das famílias e da comunidade territorial. (Fim da parte 2).

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 6 de abril de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

Comentário ao evangelho do dia

4ª-feira da 4ª Semana Quaresma

1ª Leitura - Is 49,8-15
Isto diz o Senhor: "Eu atendo teus pedidos com favores e te ajudo na obra de salvação; preservei-te para seres elo de aliança entre os povos, para restaurar a terra, para distribuir a herança dispersa; para dizer aos que estão presos: 'Saí!' e aos que estão nas trevas: 'Mostrai-vos'. E todos se alimentam pelas estradas e até nas colinas estéreis se abastecem; não sentem fome nem sede, não os castiga nem o calor nem o sol, porque o seu protetor toma conta deles e os conduz às fontes d'água. Farei de todos os montes uma estrada e os meus caminhos serão nivelados. Eis que estão vindo de longe, uns chegam do Norte e do lado do mar, e outros, da terra de Sinim". Louvai, ó céus, alegra-te, terra; montanhas, fazei ressoar o louvor, porque o Senhor consola o seu povo e se compadece dos pobres. Disse Sião: "O Senhor abandonou-me, o Senhor esqueceu-se de mim!". Acaso pode a mulher esquecer-se do filho pequeno, a ponto de não ter pena do fruto de seu ventre? Se ela se esquecer, eu, porém, não me esquecerei de ti.

Evangelho - Jo 5,17-30
Naquele tempo, Jesus respondeu aos judeus: "Meu Pai trabalha sempre, portanto também eu trabalho". Então, os judeus ainda mais procuravam matá-lo, porque, além de violar o sábado, chamava Deus o seu Pai, fazendo-se, assim, igual a Deus. Tomando a palavra, Jesus disse aos judeus: "Em verdade, em verdade vos digo, o Filho não pode fazer nada por si mesmo; ele faz apenas o que vê o Pai fazer. O que o Pai faz, o Filho o faz também. O Pai ama o Filho e lhe mostra tudo o que ele mesmo faz. E lhe mostrará obras maiores ainda, de modo que ficareis admirados. Assim como o Pai ressuscita os mortos e lhes dá a vida, o Filho também dá a vida a quem ele quer. De fato, o Pai não julga ninguém, mas ele deu ao Filho o poder de julgar, para que todos honrem o Filho, assim como honram o Pai. Quem não honra o Filho, também não honra o Pai que o enviou. Em verdade, em verdade vos digo, quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou, possui a vida eterna. Não será condenado, pois já passou da morte para a vida. Em verdade, em verdade, eu vos digo: está chegando a hora, e já chegou, em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus e os que a ouvirem, viverão. Porque, assim como o Pai possui a vida em si mesmo, do mesmo modo concedeu ao Filho possuir a vida em si mesmo. Além disso, deu-lhe o poder de julgar, pois ele é o Filho do Homem. Não fiqueis admirados com isso, porque vai chegar a hora, em que todos os que estão nos túmulos ouvirão a voz do Filho e sairão: aqueles que fizeram o bem, ressuscitarão para a vida; e aqueles que praticaram o mal, para a condenação. Eu não posso fazer nada por mim mesmo. Eu julgo conforme o que escuto, e meu julgamento é justo, porque não procuro fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou".

Comentário feito por Santo Agostinho (354-430)
Bispo de Hipona (Norte de África) e Doutor da Igreja

Gostaríamos de explicar como é possível compatibilizar o texto do Gênesis onde está escrito que Deus repousou ao sétimo dia de todas as Suas obras, com o texto do evangelho onde o Senhor, por Quem todas as coisas foram feitas, diz: "O Meu Pai continua a realizar obras até agora, e Eu também continuo!" [...] A observância do sábado foi prescrita aos judeus para prefigurar o repouso espiritual que Deus prometeu aos fiéis que fizessem boas obras, repouso cujo mistério o Senhor Jesus Cristo confirmou com a Sua sepultura, porque foi num dia de sábado que Ele repousou no túmulo, [...] depois de ter consumado todas as Suas obras. Podemos pensar que Deus repousou de ter criado os diversos gêneros de criaturas, porque não voltou a criar novos gêneros; mas [...] nem neste sétimo dia deixou de governar o céu, a terra e todos os outros seres que tinha criado, pois de outra maneira eles se teriam diluído no nada. Porque o poder do Criador, a força do Onipotente, é a causa pela qual subsistem todas as criaturas. [...] Com efeito, não se passa com Deus o mesmo que com um arquiteto que, concluída a casa, se afasta e [...] a obra subsiste. Pelo contrário, o mundo não poderia subsistir, um instante que fosse, se Deus lhe retirasse o Seu apoio. [...] É isto que afirma o apóstolo Paulo quando pretende anunciar Deus aos atenienses: "Nele vivemos, nos movemos e somos" (At 17, 28). [...] Com efeito, não somos em Deus como a Sua própria substância, no sentido em que é dito que Ele "tem a vida em Si mesmo"; mas, sendo algo diferente Dele, só podemos ser Nele porque Ele age desta maneira: "A Sua sabedoria estende-se de um extremo ao outro do mundo e governa o universo" (Sb 8, 1). [...] Nós vemos as obras boas que Deus fez (Gn 1, 31). e veremos o Seu repouso depois de termos realizado as nossas obras boas.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Comentário ao evangelho do dia

Anunciação do Senhor Solenidade

1ª Leitura - Is 7,10-14; 8,10
Naqueles dias, o Senhor falou com Acaz, dizendo: "Pede ao Senhor teu Deus que te faça ver um sinal, quer provenha da profundeza da terra, quer venha das alturas do céu". Mas Acaz respondeu: "Não pedirei nem tentarei o Senhor". Disse o profeta: "Ouvi então, vós, casa de Davi; será que achais pouco incomodar os homens e passais a incomodar até o meu Deus? Pois bem, o próprio Senhor vos dará um sinal. Eis que uma virgem conceberá e dará à luz um filho, e lhe porá o nome de Emanuel, porque Deus está conosco".

2ª Leitura - Hb 10,4-10
Irmãos, é impossível eliminar os pecados com o sangue de touros e bodes. Por isso, ao entrar no mundo, Cristo afirma: "Tu não quiseste vítima nem oferenda, mas formaste-me um corpo. Não foram do teu agrado holocaustos nem sacrifícios pelo pecado. Por isso eu disse: Eis que eu venho. No livro está escrito a meu respeito: Eu vim, ó Deus, para fazer a tua vontade". Depois de dizer: "Tu não quiseste nem te agradaram vítimas, oferendas, holocaustos, sacrifícios pelo pecado", coisas oferecidas segundo a Lei - ele acrescenta: "Eu vim para fazer a tua vontade". Com isso, suprime o primeiro sacrifício, para estabelecer o segundo. É graças a esta vontade que somos santificados pela oferenda do corpo de Jesus Cristo, realizada uma vez por todas

Evangelho - Lc 1,26-38
Naquele tempo, o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galiléia, chamada Nazaré, a uma virgem, prometida em casamento a um homem chamado José. Ele era descendente de Davi e o nome da virgem era Maria. O anjo entrou onde ela estava e disse: "Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo!". Maria ficou perturbada com estas palavras e começou a pensar qual seria o significado da saudação. O anjo, então, disse-lhe: "Não tenhas medo, Maria, porque encontraste graça diante de Deus. Eis que conceberás e darás à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus. Ele será grande, será chamado Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi. Ele reinará para sempre sobre os descendentes de Jacó, e o seu reino não terá fim". Maria perguntou ao anjo: "Como acontecerá isso, se eu não conheço homem algum?"; O anjo respondeu: "O Espírito virá sobre ti, e o poder do Altissimo te cobrirá com sua sombra. Por isso, o menino que vai nascer será chamado Santo, Filho de Deus. Também Isabel, tua parenta, concebeu um filho na velhice. Este já é o sexto mês daquela que era considerada estéril, porque para Deus nada é impossível". Maria, então, disse: "Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra!". E o anjo retirou-se.

Comentário feito por Tertuliano (c. 155-v. 220)
teólogo

Por que é que o Filho de Deus nasceu de uma Virgem? [...] Era necessário um modo totalmente novo de nascer para Aquele que ia consagrar uma nova ordem de nascimento. Isaías tinha profetizado que o Senhor anunciaria esta maravilha através de um sinal. Que sinal? "Eis que uma virgem vai conceber e dará à luz um filho." Sim, a Virgem concebeu e deu à luz o Emanuel, Deus conosco (Is 7, 14; Mt 1, 23). Eis a nova ordem de nascimento: o homem nasce em Deus porque Deus nasce no homem; Deus faz-Se carne, para regenerar a carne pela semente nova do Espírito e lavar todas as manchas passadas. Toda esta nova ordem foi prefigurada no Antigo Testamento, porque na intenção divina o primeiro homem nasceu para Deus através de uma virgem. Com efeito, a terra era ainda virgem, o trabalho do homem não a tinha tocado, a semente não tinha sido ainda lançada, quando Deus a tomou para dar forma ao homem e torná-lo "um ser vivo" (Gn 2, 5.7). Por conseguinte, se o primeiro Adão foi moldado de terra, é justo que o segundo, a quem o apóstolo Paulo chama "o novo Adão", seja retirado por Deus de uma terra virgem, ou seja, de uma carne cuja virgindade permanecia inviolada, para se tornar "Espírito que vivifica" (1Cor 15, 45). [...] Quando quis recuperar "a Sua imagem e a Sua semelhança" (Gn 1, 26) caída sob o poder do demônio, Deus agiu de forma igual à do momento em que o criou. Eva era ainda virgem quando acolheu a palavra que originaria a morte; por conseguinte, seria também de uma virgem que devia descer a Palavra de Deus que ergueria o edifício da Vida. [...] Eva confiou na serpente; Maria teve fé em Gabriel. O pecado que Eva, crendo, cometeu, foi Maria, crendo, que o apagou. [...] A palavra do diabo foi para Eva a semente da sua humilhação e das suas dores de parto (Gn 3, 16), e ela trouxe ao mundo o assassino do seu irmão (4, 8). Pelo contrário, Maria trouxe ao mundo um Filho que haveria de salvar Israel, Seu irmão.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

São João Bosco

Evangelho - Mc 5,1-20
Naquele tempo, Jesus e seus discípulos chegaram à outra margem do mar, na região dos gerasenos. Logo que saiu da barca, um homem possuído por um espírito impuro, saindo de um cemitério, foi ao seu encontro. Esse homem morava no meio dos túmulos e ninguém conseguia amarrá-lo, nem mesmo com correntes. Muitas vezes tinha sido amarrado com algemas e correntes, mas ele arrebentava as correntes e quebrava as algemas. E ninguém era capaz de dominá-lo. Dia e noite ele vagava entre os túmulos e pelos montes, gritando e ferindo-se com pedras. Vendo Jesus de longe, o endemoninhado correu, caiu de joelhos diante dele e gritou bem alto: "Que tens a ver comigo, Jesus, Filho do Deus altíssimo? Eu te conjuro por Deus, não me atormentes!". Com efeito, Jesus lhe dizia: "Espírito impuro, sai desse homem!". Então Jesus perguntou: "Qual é o teu nome?". O homem respondeu: "Meu nome é 'Legião', porque somos muitos". E pedia com insistência para que Jesus não o expulsasse da região. Havia aí perto uma grande manada de porcos, pastando na montanha. O espírito impuro suplicou, então: "Manda-nos para os porcos, para que entremos neles". Jesus permitiu. Os espíritos impuros saíram do homem e entraram nos porcos. E toda a manada - mais ou menos uns dois mil porcos - atirou-se monte abaixo para dentro do mar, onde se afogou. Os homens que guardavam os porcos saíram correndo e espalharam a notícia na cidade e nos campos. E as pessoas foram ver o que havia acontecido. Elas foram até Jesus e viram o endemoninhado sentado, vestido e no seu perfeito juízo, aquele mesmo que antes estava possuído pela Legião. E ficaram com medo. Os que tinham presenciado o fato explicaram-lhes o que havia acontecido com o endemoninhado e com os porcos. Então começaram a pedir que Jesus fosse embora da região deles. Enquanto Jesus entrava de novo na barca, o homem que tinha sido endemoninhado pediu-lhe que o deixasse ficar com ele. Jesus, porém, não permitiu. Entretanto, lhe disse: "Vai para casa, para junto dos teus e anuncia-lhes tudo o que o Senhor, em sua misericórdia, fez por ti". Então o homem foi embora e começou a pregar na Decápole tudo o que Jesus tinha feito por ele. E todos ficavam admirados.

Comentário feito por Bem-aventurada Teresa de Calcutá (1910-1997)
fundadora das Irmãs Missionárias da Caridade 

"O homem que fora possesso suplicou-Lhe que o deixasse andar com Ele. [...] Disse-lhe antes: 'Vai para tua casa, para junto dos teus, e conta-lhes tudo o que o Senhor fez por ti'". Somos chamados a amar o mundo. E Deus amou de tal forma o mundo que lhe deu Jesus (Jo 3, 16). Hoje, Ele ama de tal forma o mundo que nos dá ao mundo, a ti e a mim, para que sejamos o Seu amor, a Sua compaixão e a Sua presença através de uma vida de oração, de sacrifícios e de entrega. A resposta que Deus espera de ti é que te tornes contemplativo, que sejas contemplativo. Tomemos a palavra de Jesus a sério e sejamos contemplativos no coração do mundo porque, se temos fé, estamos perpetuamente na Sua presença. Pela contemplação a alma bebe diretamente do coração de Deus as graças que a vida ativa está encarregada de distribuir. As nossas vidas devem estar unidas a Cristo vivo que está em nós. Se não vivermos na presença de Deus, não podemos perseverar. O que é a contemplação? É viver a vida de Jesus. É assim que a compreendo. Amar Jesus, viver a Sua vida no âmago da nossa e viver a nossa no seio da Sua. [...] A contemplação não ocorre por nos fecharmos num quarto escuro, mas por permitirmos a Jesus que viva a Sua Paixão, o Seu amor, a Sua humildade em nós, que reze conosco, que esteja conosco e que santifique através de nós. A nossa vida e a nossa contemplação são unas. Não é uma questão de fazer, mas de ser. De fato, trata-se da plena fruição do nosso espírito pelo Espírito Santo, que derrama em nós a plenitude de Deus e nos envia a toda a Criação como mensagem Sua, pessoal, de amor (Mc 16, 15). 

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Comentário ao evangelho do dia

Evangelho - Mt 19, 23-30
Naquele tempo, Jesus disse aos discípulos: "Em verdade vos digo, dificilmente um rico entrará no Reino dos Céus. E digo ainda: é mais fácil um camelo entrar pelo buraco de uma agulha, do que um rico entrar no Reino de Deus". Ouvindo isso, os discípulos ficaram muito espantados, e perguntaram: "Então, quem pode ser salvo?". Jesus olhou para eles e disse: "Para os homens isso é impossível, mas para Deus tudo é possível". Pedro tomou a palavra e disse a Jesus: "Vê! Nós deixamos tudo e te seguimos. O que haveremos de receber?". Jesus respondeu: "Em verdade vos digo, quando o mundo for renovado e o Filho do Homem se sentar no trono de sua glória, também vós, que me seguistes, havereis de sentar-vos em doze tronos, para julgar as doze tribos de Israel. E todo aquele que tiver deixado casas, irmãos, irmãs, pai, mãe, filhos, campos, por causa do meu nome, receberá cem vezes mais e terá como herança a vida eterna. Muitos que agora são os primeiros, serão os últimos. E muitos que agora são os últimos, serão os primeiros".

Comentário feito por São Pedro Damião (1007-1072)
eremita e depois bispo, Doutor da Igreja 

Na verdade, é uma grande coisa "deixar tudo", mas ainda é ainda mais importante "seguir a Cristo" porque, como aprendemos através dos livros, muitos deixaram tudo mas não seguiram a Cristo. Seguir a Cristo é a nossa tarefa, o nosso trabalho, e nisso consiste o essencial da salvação do homem, mas não podemos seguir a Cristo se não abandonarmos tudo o que nos bloqueia. Porque "Ele sai, percorrendo alegremente o seu caminho, como um herói" [Sl 19 (18), 6] e ninguém pode segui-Lo carregado com um fardo. "Nós deixámos tudo e seguimos-Te", diz Pedro, não apenas os bens deste mundo mas também os desejos da nossa alma. Porque quem continua apegado, nem que seja a si mesmo, não abandonou tudo. Mais ainda, não serve de nada deixar tudo à exceção de si mesmo, porque não há para o homem fardo mais pesado que o seu eu. Que tirano será mais cruel, que senhor será mais impiedoso para o homem do que a sua própria vontade? [...] Por consequência, é necessário que deixemos os nossos bens e a nossa vontade própria se que queremos seguir Aquele que não tinha sequer "onde reclinar a cabeça" (Lc 9, 58) e que veio "não para fazer a [Sua] vontade, mas a vontade dAquele que [O] enviou" (Jo 6, 38). 

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Comentário ao evangelho do dia

Evangelho - Mt 9, 9-13
Naquele tempo, partindo dali, Jesus viu um homem chamado Mateus, sentado na coletoria de impostos, e disse-lhe: "Segue-me!". Ele se levantou e seguiu a Jesus. Enquanto Jesus estava à mesa, em casa de Mateus, vieram muitos cobradores de impostos e pecadores e sentaram-se à mesa com Jesus e seus discípulos. Alguns fariseus viram isso e perguntaram aos discípulos: "Por que vosso mestre come com os cobradores de impostos e pecadores?". Jesus ouviu a pergunta e respondeu: "Aqueles que têm saúde não precisam de médico, mas sim os doentes. Aprendei, pois, o que significa: 'Quero misericórdia e não sacrifício'. De fato, eu não vim para chamar os justos, mas os pecadores".

Comentário feito por São Beda, o Venerável (c. 673-735)
monge, Doutor da Igreja 

"Encontrando-Se Jesus à mesa em sua casa, numerosos cobradores de impostos e outros pecadores vieram e sentaram-se com Ele e Seus discípulos." Procuremos compreender com maior profundidade o acontecimento até aqui  relatado. Mateus não quis apenas oferecer ao Senhor uma refeição material na sua morada terrestre mas, com a sua fé e amor, preparou-Lhe na verdade um banquete na casa do seu coração, como dá testemunho aquele que diz: "Eu estou à porta e bato: se alguém ouvir a Minha voz e abrir a porta, Eu entrarei na sua casa e cearei com ele e ele Comigo" (Ap 3, 20). Sim, o Senhor está à nossa porta e bate quando torna o nosso coração atento à Sua vontade, seja através da palavra dos que a ensinam, seja por inspiração interior. Abrimos a porta ao chamado da Sua voz quando livremente aceitamos os Seus ensinamentos interiores ou exteriores e quando, tendo compreendido o que devemos fazer, o cumprimos. E Ele entra para cear, Ele conosco e nós com Ele, porque Ele mora no coração dos Seus amigos, pela graça do Seu amor, para os alimentar Ele próprio, eternamente, com a luz da Sua presença. Assim, os desejos dos Seus amigos tornam-se cada vez mais elevados, e o próprio Senhor Se alimenta do zelo destes para com o céu, como do mais delicioso alimento.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Comentário ao evangelho do dia

Evangelho - Mc 11,11-26
Tendo sido aclamado pela multidão, Jesus entrou, no Templo, em Jerusalém, e observou tudo. Mas, como já era tarde, saiu para Betânia com os doze. No dia seguinte, quando saíam de Betânia, Jesus teve fome. De longe, ele viu uma figueira coberta de folhas e foi até lá ver se encontrava algum fruto. Quando chegou perto, encontrou somente folhas, pois não era tempo de figos. Então Jesus disse à figueira: "Que ninguém mais coma de teus frutos." E os discípulos escutaram o que ele disse. Chegaram a Jerusalém. Jesus entrou no Templo e começou a expulsar os que vendiam e os que compravam no Templo. Derrubou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos vendedores de pombas. Ele não deixava ninguém carregar nada através do Templo. E ensinava o povo, dizendo: "Não está escrito: 'Minha casa será chamada casa de oração para todos os povos'? No entanto, vós fizestes dela uma toca de ladrões." Os sumos sacerdotes e os mestres da Lei ouviram isso e começaram a procurar uma maneira de o matar. Mas tinham medo de Jesus, porque a multidão estava maravilhada com o ensinamento dele. Ao entardecer, Jesus e os discípulos saíram da cidade. Na manhã seguinte, quando passavam, Jesus e os discípulos viram que a figueira tinha secado até a raiz. Pedro lembrou-se e disse a Jesus: "Olha, Mestre: a figueira que amaldiçoaste secou." Jesus lhes disse: 'Tende fé em Deus. Em verdade vos digo, se alguém disser a esta montanha: 'Levanta-te e atira-te no mar', e não duvidar no seu coração, mas acreditar que isso vai acontecer, assim acontecerá. Por isso vos digo, tudo o que pedirdes na oração, acreditai que já o recebestes, e assim será. Quando estiverdes rezando, perdoai tudo o que tiverdes contra alguém, para que vosso Pai que está nos céus também perdoe os vossos pecados."

Comentário feito por Jean Tauler (c. 1300-1361)
dominicano

Nosso Senhor entrou no Templo e expulsou todos os que compravam e vendiam, dizendo: "Minha casa será chamada casa de oração para todos os povos? No entanto, vós fizestes dela uma toca de ladrões". Que templo é este que se tornou um covil de ladrões? É a alma e o corpo do homem, que são muito mais o verdadeiro templo de Deus que todos os templos alguma vez edificados (1Cor 3, 17; 6, 19). Quando Nosso Senhor quer vir a este templo, encontra-o transformado num covil de ladrões e numa feira de mercadores. Quem é o mercador? São os que dão o que têm – o seu livre árbitro – por aquilo que não têm – as coisas deste mundo. O mundo está cheio desses mercadores! Há entre os padres e os leigos, entre os religiosos, monges e freiras. [...] Tanta gente tão cheia da sua própria vontade [...]; tanta gente que procura em tudo o seu próprio interesse. Pelo contrário, se quisessem fazer negócio com Deus, oferecendo-Lhe a sua vontade, que feliz negócio fariam! O homem deve querer, deve seguir, deve procurar Deus em tudo o que faz; e quando tiver feito tudo – beber, dormir, comer, falar, ouvir –, deixe então completamente as imagens das coisas e esvazie o seu templo. Uma vez o templo esvaziado, uma vez expulso esse bando de vendedores, a imaginação que te estorva, poderás ser uma casa de Deus (Ef 2, 19). Terás então a paz e a alegria do coração, e mais nada te perturbará, nada do que agora te preocupa, te deprime e te faz sofrer.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Comentário ao evangelho do dia

Evangelho - Mc 10,32-45
Naquele tempo: Os discípulos estavam a caminho subindo para Jerusalém. Jesus ia na frente. Os discípulos estavam espantados, e aqueles que iam atrás estavam com medo. Jesus chamou de novo os Doze à parte e começou a dizer-lhes o que estava para acontecer com ele: "Eis que estamos subindo para Jerusalém, e o Filho do Homem vai ser entregue aos sumos sacerdotes e aos doutores da Lei. Eles o condenarão à morte e o entregarão aos pagãos. Vão zombar dele, cuspir nele, vão torturá-lo e matá-lo. E depois de três dias ele ressuscitará." Tiago e João, filhos de Zebedeu, foram a Jesus e lhe disseram: "Mestre, queremos que faças por nós o que vamos pedir." Ele perguntou: "O que quereis que eu vos faça?" Eles responderam: "Deixa-nos sentar um à tua direita e outro à tua esquerda, quando estiveres na tua glória!" Jesus então lhes disse: "Vós não sabeis o que pedis. Por acaso podeis beber o cálice que eu vou beber? Podeis ser batizados com o batismo com que vou ser batizado?" Eles responderam: "Podemos." E ele lhes disse: "Vós bebereis o cálice que eu devo beber, e sereis batizados com o batismo com que eu devo ser batizado. Mas não depende de mim conceder o lugar à minha direita ou à minha esquerda. É para aqueles a quem foi reservado". Quando os outros dez discípulos ouviram isso, indignaram-se com Tiago e João. Jesus os chamou e disse: "Vós sabeis que os chefes das nações as oprimem e os grandes as tiranizam. Mas, entre vós, não deve ser assim: quem quiser ser grande, seja vosso servo; e quem quiser ser o primeiro, seja o escravo de todos. Porque o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida como resgate para muitos."

Comentário feito por Santo Afonso Maria de Ligório (1696-1787)
bispo e Doutor da Igreja

Um Deus que serve, que varre a casa, que se entrega a trabalhos penosos – deveria bastar um destes pensamentos para nos encher de amor! Quando o Salvador começou a pregar o Seu Evangelho tornou-Se "o servo de todos", afirmando de Si mesmo que "não veio para ser servido, mas para servir". Foi como se tivesse dito que queria ser servo de todos os homens. E, no final da Sua vida, conforme dizia São Bernardo, "não contente com o fato de ter tomado a condição de servo para Se colocar ao serviço dos homens, quis ainda tomar a aparência de servo indigno para ser maltratado e suportar o castigo que devia cair sobre nós, em consequência dos nossos pecados". Eis que o Senhor, servo obediente de todos, Se submete à sentença de Pilatos, injusta como é, e Se entrega aos Seus algozes. [...] Assim, tanto nos amou Deus que, por amor de nós, quis obedecer como escravo até morrer e morrer de uma morte dolorosa e infame, o suplício da cruz (Fl 2, 8). Ora, em tudo isso Ele obedecia, não como Deus, mas como homem, como escravo de que assumira a condição. Tal santo entregou-se como escravo para resgatar um pobre e atraiu a admiração do mundo devido a esse ato heróico de caridade. Mas que caridade é essa, comparada com a do Redentor? Sendo Deus e querendo resgatar-nos da escravidão do Diabo e da morte que nos era devida, tornou-Se Ele mesmo escravo e deixou-Se amarrar e pregar na cruz. "Para que o servo se torne senhor, dizia Santo Agostinho, Deus quis fazer-Se servo".