Por Giovanni Maddalena
William James dizia que toda filosofia tem um coração secreto, um centro de gravidade a que todo o resto se refere. Se se chegar a isto, todo o resto virá em seguida. Há verdade nesta descrição e, no caso de Costantino Esposito, cujo livro Una ragione inquieta [Uma razão inquieta – em tradução livre –, publicado este ano pela Edizioni Di Pagina, de Bari; ndt] reúne as reflexões “nas dobras do nosso tempo”, o centro é a dramática separação provocada pela modernidade: o eu de um lado, o mundo, o dado, o objeto, os objetos individuais e irrepetíveis do outro. Esposito persegue esta separação, esta distância, esta “patologia que se tornou fisiologia” (p. 16) em contextos aparentemente distantes, fazendo emergir, desta forma, a nossa frequentemente inconsciente mas inevitável pertença ao horizonte da modernidade. Somos modernos não apenas quando pensamos na verdade (p. 114), mas também quando transferimos este pensamento para a política, nas nossas divisões entre fundamentalismo e relativismo (p. 115) ou entre multiculturalismo e integracionismo (p.121), quando resolvemos a educação com cognitivismo ou sentimentalismo (p. 30), quando – como Svevo – viajamos entre “um pensamento sem afetividade e uma afetividade sem pensamento” (p. 142).
Este abismo que se criou entre razão e sentimento, entre sujeito e objeto é a negação da força constitutiva do relacionamento que já somos. É o relacionamento entre sujeito e dado, ou melhor, entre dado e sujeito que é originário. Por isto, Esposito sublinha todas aquelas experiências de pensamento que são verdadeiras e propriamente ditas performances fenomenológicas: Agostinho, Dante, o Descartes da III meditação (lido segundo a recente tradição francesa), Giussani. É uma fenomenologia do relacionamento que nos faz entender que já estamos numa unidade mais profunda do que pensamos, uma unidade que devemos mais descobrir do que inventar de forma moralista.
Diferentemente do que sustentava James, porém, o centro da questão não resolve tudo no caso de Esposito. O contorno, segundo penso, é quase mais importante do que o centro. O aspecto constitutivo do pensamento de Esposito, de fato, não é a condenação da modernidade, mas o fato de considerá-la como uma possibilidade. O relacionamento constitutivo não será obtido com um simples retorno ao passado, mas atravessando toda a dinâmica da modernidade na qual estamos imersos, inclusive no niilismo. São três os fatores mais interessantes deste ponto de vista: o caso, o indivíduo e o nada.
Contrariamente ao que se poderia esperar de um pensamento declarada e corajosamente católico, o livro de Esposito faz vir à tona uma avaliação positiva do drama da casualidade assim como o homem a percebe em sua ausência de pacificação consoladora. Mesmo numa tragédia como a do tsunami de 2004, Esposito sublinha que as circunstâncias fatais nos fazem perceber, por um instante, a nossa situação mortal, marcada por uma fragilidade estrutural, mas também por uma vontade de viver que não pode ser reduzida a nada (p. 234). “A incerteza é o eco de outra coisa” (p. 4). A casualidade que a filosofia e a religião frequentemente tentam reduzir ou suprimir se mantém em toda a sua ambivalência de derrota e, ao mesmo tempo, de paradoxal esperança do repentino aparecer do momento de graça. Nada de mais distante da resignação sentimental ou da argumentação racionalista com a qual, às vezes se explica aquilo que não se compreende com um genérico “desígnio de Deus”. Esposito evidencia a contradição e deixa que ela seja o grito de necessidade de salvação.
O niilismo mesmo, deserto extremo do pensamento moderno, é percebido como um ponto privilegiado por causa desta percepção dramática do ser: “o niilismo é o nosso destino ou é um caminho, tão paradoxal quanto inesperado, para redescobrir que o destino do niilismo é o evento surpreendente do ser?” (p. 196). É melhor, então, ser niilistas? Talvez não, mas ai de quem, parece dizer Esposito, não percebe suas razões e, de algum modo, seu fascínio.
Finalmente, o indivíduo. O relacionamento sujeito-mundo é constitutivo e o dado tem, certamente, uma primazia. Mas, Esposito não tem dúvidas sobre qual seja o lado do qual ele prefere se aproximar: muito modernamente, a sua filosofia é uma elegia do eu, do sujeito e da sua individualidade. “‘Eu’ é a coisa mais minha que possa existir – o meu eu, a minha consciência, a minha liberdade, a minha ação, os meus pensamentos – é a coisa mais próxima de mim que há” (p. 143). A abertura para o outro, mesmo quando o outro é Deus, é exatamente para a salvaguarda deste “eu”, em toda a sua gigantesca dimensão. Tanto que a educação mesma é ligada apenas e exclusivamente à comunicação do eu (pp. 28-29).
Obviamente, trata-se de teses fortes, sobre as quais há muito o que se discutir, a começar pela última: um “eu” que não gera um método é um “eu” realizado? E também: qual é a lógica, se houver, daquele relacionamento constitutivo? Que tipo de epistemologia nasce desta ontologia do relacionamento constitutivo? É a individualidade ocidental ou a comunhão da tradição ortodoxa que se encontra na origem do eu a partir de um ponto de vista social? Como o relacionamento originário com o dado se traduz em política, em educação, em bem para todos?
Vêm à mente muitas perguntas, e muitas mais virão aos leitores, mas é exatamente este início de diálogo sincero que marca o encontro com um verdadeiro “eu”.
* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 28 de julho de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.
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