Mostrando postagens com marcador Lorenzo Albacete. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Lorenzo Albacete. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Bin Laden e o perdão


Por Lorenzo Albacete

Não há dúvida de que quem sofreu na carne ou viu sofrendo algum ente querido as consequências dos ataques terroristas de 2001 a notícia da morte de Bin Laden tenha suscitado um sentimento de “saúde emotiva”. Como na reação de Lee Lelpi, um bombeiro aposentado de New York cujo filho, que também era um bombeiro, perdeu a vida no desabamento das Torres Gêmeas, e que declarou no Il Politico: “não tenho palavras; estou aqui, sentado, chorando. Temia que este dia nunca fosse chegar... mas, a justiça prevaleceu”.
Posso entender esta reação, pensando nos parentes dos hispânicos, na paróquia na qual eu trabalhava, que morreram no atentado terrorista. O que me perturba é outro tipo de reação. Tão logo se difundiu a notícia da execução de Bin Laden, no final da noite de domingo, uma multidão aplaudindo e agitando bandeiras se amontoou diante da Casa Branca. Esse encontro desencadeou uma entusiasmada expressão de alegria e de orgulho patriótico, que muitos compararam à solidariedade que uniu todos os norte-americanos no dia 11 de setembro de 2001.
Outra massa de pessoas se reuniu para festejar em New York, em torno do venerado Ground Zero. Pouco a pouco, o mesmo aconteceu por toda a nação, especialmente perto dos campi universitários, inclusive da Academia Militar de West Point. Como alguém me disse: “Parecia a comemoração da vitória de um time de futebol”.
Michael Bloomberg, prefeito de New York, tentou explicar assim estas reações: “O assassinato de Osama Bin Laden não diminui o sofrimento que os nova-iorquinos e os norte-americanos experimentaram por sua causa, mas é uma vitória muito importante para a nossa nação. Em New York, esperamos por esta notícia por quase dez anos. A minha esperança é que traga conforto e um pouco de paz a todos aqueles que perderam alguém no dia 11 de setembro de 2001”. O problema desta explicação é que os participantes destas manifestações públicas eram universitários, que tinham 10 ou 12 anos quando dos ataques terroristas, e fica difícil imaginar que tenham esperado dez anos para essa comemoração.
Uma reação semelhante foi a de Condoleezza Rice, ex-Secretária de Estado e conselheira para a segurança nacional de Bush, que definiu a notícia como “absolutamente excitante”. “O fim de Osama Bin Laden é uma vitória enorme para o povo norte-americano”, disse Rice, “nada pode fazer com que as vítimas de Bin Laden voltem à vida, mas talvez isto possa ser uma bálsamo para as feridas de seus entes queridos que sobreviveram”.
Todavia, os funcionários que agiram durante os devastantes ataques, sobretudo os de New York, saudaram a morte de Bin Laden como um triunfo, mas nunca como uma contrapartida de mesma medida das vidas perdidas nestes fatos. Outros, porém, veem o assassinato de Bin Laden como um ato divino. Um bombeiro disse: “Deus abençoe o presidente Bush e Deus abençoe o presidente Obama por isso. É um grande alívio para as famílias, tanto quanto poderiam ter. É algo de grande para nós”.
Até ao final da manhã, os automóveis, nas ruas perto da Casa Branca, marcavam ao som de buzina o seu júbilo, enquanto que os pedestres se reuniam nas esquinas, como que seguindo o convite do presidente Obama: “Esta noite, lembremo-nos do sentido de unidade que prevaleceu” no momento dos ataques terroristas. “O resultado de agora é um testemunho da grandeza de nosso país e da determinação do povo norte-americano”.
Alguns entreviram a mão da divina Providência na data da execução de Bin Laden. No dia primeiro de maio, mais ou menos na mesma hora do discurso de Obama para a nação, a rádio alemã, em 1945, anunciava a morte de Hitler; e também nesse dia, J. Edgar Hoover era nomeado chefe do FBI. Aqueles, porém, que haviam definido o ataque terrorista um juízo de Deus sobre a imoralidade americana ainda não deram o ar da graça.
No entanto, há ainda outra possível manifestação do juízo divino nesta semana: a beatificação do Papa João Paulo II, no dia primeiro de maio, durante as celebrações do Domingo da Divina Misericórdia, festa criada pelo mesmo Beato João Paulo II. Lembro-me muito bem do estupor dos norte-americanos diante da capa da Time Magazine que mostrava o Papa enquanto abraçava aquele que havia tentado assassiná-lo.
A grande palavra da semana foi “alívio”, em sentido psicológico. Agora, finalmente, podemos “curar” os nossos corações feridos. Mas, será de fato possível? Podemos, verdadeiramente, ficar satisfeitos com a justiça feita por um poder humano?
A justiça que pode trazer uma verdadeira paz para os nossos coração feridos se chama perdão e deriva da fé em Cristo, como o Beato João Paulo II nos mostrou. Esta é a Divina Misericórdia que Jesus mesmo demonstrou ao homem crucificado ao Seu lado, um criminoso que, em termos modernos, chamaríamos de terrorista.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 4 de maio de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Por que a mídia fala da revolução egípcia mas se esquece de Israel?


Por Lorenzo Albacete

Caro diretor,
gostaria de falar, neste artigo,  do discurso sobre o Estado da União do presidente Obama, mas (como já esperava!) não está mais no centro da atenção da mídia e da maioria dos norte-americanos (admitido que tenha, em algum momento, estado). A grande notícia destes dias é a crise no Egito. É difícil estabelecer o quanto desta crise seja motivo de preocupação para o grande público, mas certamente o é para a mídia e, pode-se imaginar, para o governo.
O que me impressionou mais durante os primeiros dias desta crise foi o quase completo silêncio da mídia sobre suas implicações para Israel. O que está acontecendo no Egito, diz-se, é importante para os Estados Unidos, dado o perigo que, da confusão atual, nasça uma república islâmica de tipo iraniano que possa ameaçar a segurança nacional americana, ou, ainda mais perigoso, um governo com simpatias pelas organizações terroristas. Mas, nada se disse sobre os perigos que a situação traz para Israel e para o compromisso norte-americano com a sobrevivência desse país.
Agora, a situação está mudando e as relações EUA-Israel começam a ser consideradas como um fator importante na determinação da resposta americana à crise egípcia.
Ao que parece, o primeiro ministro Benjamin Netanyahu ordenou ao governo que não comente nada acerca do que está acontecendo no Egito. Sob a presidência de Hosni Mubarak, o Egito tem ajudado a pressionar o Hamas nas suas fronteiras com a Faixa de Gaza, tem encorajado as negociações com os palestinos, tem enfrentado o Irã e fornecido 40% do seu gás natural para Israel.
Conforme a Time, “a posição de Mubarak na relação com Israel serviu para frear os outros estados árabes, para não mencionar os 80 milhões de egípcios cujas opiniões sobre Israel são, segundo pesquisas, entre as mais negativas do mundo”.
Elu Shaked, embaixador de Israel no Egito, afirma que “qualquer que seja o governo que emirja destas históricas manifestações – populista, islâmico ou de unidade nacional –, na há dúvida de que o novo regime tentará derrubar a paz com Israel. Os únicos que, no Egito, estão comprometidos com a paz com Israel estão em torno de Mubarak”.
Israel acolheu muito bem a nomeação, por parte de Mubarak, do chefe da inteligência, Omar Suleiman, como seu vice-presidente – o primeiro, desde quando está no poder –, visto que o chefe dos serviços secretos e ex-general visita regularmente Israel para se consultar com funcionários do ministério da defesa e dos serviços secretos sobre muitos temas em comum entre os dois países. “Egito e Israel têm interesses estratégicos comuns. Seria muito dizer que são aliados, mas não estão em guerra”, disse Shlomo Avineri, professor de Ciências Política na Hebrew University de Jerusalém. “É o principal estado árabe e nenhum outro país entraria numa guerra sem o Egito”.
Os israelitas temem particularmente a ascensão da Irmandade Muçulmana, a oposição política mais organizada no Egito, que nas últimas décadas assumiu posições muito conservadoras e religiosas, bem como muitas outras associações árabes.
Segundo a Time, “a imprensa israelita descreve um fim de semana marcado por frenéticos encontros nos altos escalões do governo. O exército israelita, que concentrou sua atenção nas fronteiras com o Líbano e em Gaza, parece estar preparando uma redistribuição das forças no Sul, onde Israel já combateu quatro guerras contra o Egito. Nos documentos da diplomacia americana, publicados no ano passado pela Wikileaks, havia queixas de diplomatas pelo fato de certos âmbitos militares egípcios continuarem a considerar Israel como o principal inimigo e se prepararem para um guerra no Deserto do Sinai, que está entre os dois países”.
Ninguém pode pretender conhecer as implicações desta situação.
Depois da assinatura de um tratado de paz por parte do Egito, a mesma coisa foi feita pela Jordânia e depois pela Organização para a Libertação a Palestina. Ao mesmo tempo, a Liga Árabe passou do enfrentamento de Israel à formulação, em 2002, de um plano fundamentado sobre a existência de dois estados para encerrar o conflito Israel-Palestina.
“Sim. Estamos extremamente preocupados com a situação”, disse, privadamente, um general israelita. A situação, portanto, permanece muito fluida e assim também as reações da administração Obama.
Nestes dias, não pude deixar de pensar que o acontecimento mais importante dos últimos tempos no Cairo não tinha nada que ver com as revoltas populares. Tenho em mente o “mini Meeting” que aconteceu ali, no qual quem vinha de Rímini viu, naquilo que acontecia no Cairo, uma clara demonstração da presença de Cristo e da atratividade desta Presença para todos, independentemente da sua cultura e da sua busca religiosa. Eu não sei quando nem onde, mas estou seguro de que esta Presença e a sua atratividade darão forma ao futuro do Egito, mais do que qualquer coisa que possa acontecer nestes dias.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 2 de fevereiro de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Por que o ser ao invés do nada?


Por Lorenzo Albacete

Em qual jornal do establishment americano se esperaria encontrar um editorial oficial (portanto, não assinado) intitulado “O Ser de Ser”? Francamente, não me vem em mente nenhum nome. Não é à toa que eu tenha ficado tão surpreso quando encontrei um editorial deste gênero no The New York Times de alguns dias atrás (no dia 21 de maio).
Era realmente surpreendente que o Times estivesse pronto a revelar os pressupostos filosóficos que sustentam a escolha das notícias que os seus redatores consideram “adaptadas ao jornal” (como declara o mote do Times) e o modo com o qual devem ser tratadas.
O editorial começa com esta pergunta: “Por que o ser ao invés do nada?”. Obviamente, esta é a famosa pergunta de Martin Heidegger, tomada de empréstimo de Leibniz, e discutida por ele na famosa conferência sobre “O que é a Metafísica?”. Filósofos de todas as escolas de pensamento trataram da mesma questão, antes e depois de Heidegger. A resposta dada por Heidegger foi criticada, apreciada, rejeitada ou ampliada; a sua formulação foi modificada, porém a maior parte dos filósofos reconheceu que esta é a questão fundamental da filosofia ocidental.
Porém, segundo os redatores do Times, a discussão filosófica sobre a questão foi um perda de tempo, porque são os físicos e os matemáticos que a podem tratar melhor. Isto é o que eles sabem: “A matéria e a antimatéria criadas no Big Bang poderiam ter se cancelado, deixando lugar ao nada, ao invés de algo a que damos o nome de universo. Por que isso não aconteceu pode ser, em parte, explicado pelo que emergiu de um recente experimento realizado com o Tevatron, um acelerador de partículas, no Fermilab de Batávia, Illinois”.
Aparentemente, tudo se fundamenta em um “desvio muito pequeno”, “uma assimetria no comportamento de uma partícula subatômica neutra, o B-meson. Na oscilação entre os seus estados de matéria e antimatéria, ela mostra uma diminuta predileção pelo estado de matéria, um resultado previsto por Andrei Sakharov”.
Bem, fiquei muito contente por esta predileção do B-meson, da qual também compartilho. A única diferença é que a preferência do B-meson pela sobrevivência como matéria parece muito pequena, cerca de 1,1%, enquanto que a minha é de 100%! Os cientistas, todavia, creem que esta predileção de 1,1%, quase um curioso capricho, possa ser suficiente para explicar a preponderância da matéria. Os pesquisadores esperam descobrir mais sobre a questão a partir do Tevatron e do seu parente europeu, o Large Hadron Collider.
Quais são, então, as consequências antropológicas da pequena preferência do B-meson pela existência material? O que é o homem, segundo a interpretação que o The New York Times dá do significado destes experimentos?
Simplesmente isso: “Somos, como sabemos, feitos de poeira estelar e de outros elementos que se formaram a partir do Big Bang e das sucessivas criações e destruições de estrelas. A existência mesma do que, no universo, chamamos matéria pode depender de um pequeno desvio na variação frenética de uma partícula, que só se revela em um instante, em meio a um calor nunca criado pelo homem”.
Este juízo não é, seguramente, surpreendente, visto ser o resultado da perigosa redução da humanidade apenas àquilo que pode ser observado, descrito e reproduzido de modo empírico. Os físicos estão preocupados com as implicações desta redução há muito tempo. Lembro da conversa entre Werner Heisenberg e outros físicos importantes, “pais” da mecânica quântica.
A conclusão de Heisenberg é que, quando se apaga totalmente a “bússola magnética” que devemos seguir na busca do nosso caminho através da vida (na fidelidade àquela “ordem central” que define a racionalidade do universo), “coisas terríveis podem acontecer, que superam de longe os campos de concentração e a bomba atômica”. O editorial do Times reduz esta “ordem central” ao comportamento irracional, observável experimentalmente, de uma partícula elementar.
Segundo a perspectiva da fé católica, há nesse editorial uma observação que sugere o caminho a seguir, ainda que o redator não se tenha dado conta. É o comentário de que a pergunta de Heidegger é a pergunta de uma criança. De fato, é apenas através da simplicidade e da admiração de uma criança que podemos experimentar aquela ordem central chamada pelo Evangelista João de o “Logos”, que, depois, se tornou uma criança humana.

* Extraído de IlSussidiario.net, do dia 26 de maio de 2010. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Unidos na paixão por Cristo e pelo homem

Por Antonio Lopez*

Afastados cinco anos da eleição, a CEI (Conferência Episcopal Italiana) convida a rezar por Bento XVI. Que continua a missão de João Paulo II, seu predecessor. Mas, o que os liga em profundidade? Falamos sobre isso com Monsenhor Lorenzo Albacete e David Schindler

Cinco anos atrás, Bento XVI sucedia a João Paulo II. O que os liga em profundidade? Pedimos a Monsenhor Lorenzo Albacete, editor, ensaista e responsável eclesiástico de CL nos EUA, e ao professor David Schindler, reitor e decano do Instituto João Paulo II para o Matrimônio e a Família, que ilustrassem os principais elementos de continuidade entre os dois pontificados. Por exemplo, o modo tão particular de conceber a fé: paixão por Cristo e pela pessoa humana.

Qual é a opinião de vocês a respeito da continuidade entre aquele grande Papa e seu sucessor?
Albacete: Acredito que a maior parte das pessoas não tenha prestado muita atenção na questão da continuidade. O ensinamento cheio de autoridade de João Paulo II e a sua contribuição para a vida da Igreja, a forma que deu à Igreja, pode se dizer substancialmente esgotada? Pode-se dizer que, hoje, temos algo de novo? Pessoalmente, fui muito tocado pela continuidade. Certamente que os estilos são diferentes, mas a continuidade é impressionante. Talvez alguns não a vejam, porque não é percebida a novidade de Cristo. A Igreja fez um esforço para ultrapassar esta divisão.
Schindler: Estou de acordo sobre o fato de que a continuidade seja profunda. Antes de mais nada, como todos os grandes homens da Igreja, ambos testemunharam o Evangelho e a unidade do Evangelho. Podemos reconhecer a sua unidade no fato de Bento XVI sublinhar, várias vezes, que o problema fundamental, hoje, é o esquecimento de Deus. No centro de todos os problemas culturais ou eclesiais que se tentam enfrentar está a recuperação da memória de Deus. João Paulo II disse algo parecido com isso em "Cruzando o limiar da esperança": o século XXI será um século religioso, ou não será em nada. Penso que este seja, de fato, o fundo de unidade entre eles: a recuperação do senso religioso e a memória de Deus, tal como é concretamente revelada em Jesus Cristo.

Qual é o olhar deles sobre o mundo? O que eles pretendem quando buscam restabelecer um significado adequado da laicidade?
Schindler: Algo que me impressionou de verdade na insistência de Bento XVI sobre a laicidade - por exemplo, quando encontrou os líderes franceses - é a sua insistência sobre o fato de que temos necessidade de recuperar uma compreensão adequada do que é a laicidade. Laicidade, para a nossa cultura, significa calar a respeito de Deus, enquanto que o ponto central de Bento é a retomada do conceito de laicidade, em cujo centro está a busca de Deus, o desejo de Deus, e em segundo lugar um desejo sem descanso, que não encontra realização total senão no encontro com Deus, na forma na qual Ele se revelou na história, ou seja, em Jesus Cristo.
Albacete: Exato. Não haveria laicidade se não existisse o Deus de Cristo. O que se tem chamado de laicidade, a separação de Deus ou da dimensão espiritual, não é laicidade em nada. Uma verdadeira laicidade é possível apenas através do Deus de Jesus Cristo.

Por quê?
Albacete: Porque é Ele que leva juntos, em si, o divino e o humano, na modalidade delineada desde o Concílio da Calcedônia, em 451. Creio que esta seja uma das coisas mais importantes que emergiram no discurso feito no Collège des Bernardins: sem Cristo não há laicidade.

Vocês podem nos dizer algo a mais a respeito da insistência de Bento XVI sobre o monaquismo, e sobre o por que não se trata de uma redução da Igreja a uma forma de vida espiritual, fora do mundo?
Schindler: Para mim, o ponto é que cada dia, na sua realidade mais profunda, cada dia, em cada aspecto seu, é dies Domini. Cada dia é Dia do Senhor. A natureza do homem é litúrgica.
Albacete: Lembrem-se de como Bento XVI expressou isso naquela ocasião: o primeiro fruto desta busca é construir uma biblioteca.
Schindler: E trabalhar!
Albacete: E trabalhar... exatamente assim. Ora et labora.
Schindler: E aqui está a dignidade do que é humilde. Neste contexto, o trabalho manual tem grande dignidade. Em um certo sentido, somente um cristão pode viver seriamente o trabalho manual. Em outros termos, a encarnação é céu e terra que se conjugam. O objetivo do nosso empenho sobre a terra é realizar o céu, mesmo que não nos seja possível realizá-lo plenamente nesta vida. Em Jesus, o céu veio sobre a terra, para que a terra pudesse ir para o céu. Ora, em Jesus, nós já participamos, agora, da unidade entre céu e terra. Por isso, somente no Cristianismo, somente na revelação de Cristo, é possível que a cada tempo, lugar e espaço, seja dada a dignidade que lhe é própria. Hoje, a nossa concepção do trabalho é tão limitada que nós o compreendemos tão somente como um instrumento para adquirir algo. É, em parte, verdadeiro, mas o trabalho é uma atividade que é participação na criatividade mesma de Deus, na ação de Deus encarnado.

A concepção moderna de trabalho é fundamentada sobre a separação entre a vida enquanto tal e o que a pessoa faz no trabalho. O que há de novo na afirmação de João Paulo II e de Bento XVI acerca da unidade entre a vida na sua inteireza e o agir do homem?
Albacete: Todas as divisões como esta são apenas manifestações de uma divisão que está na origem. Trata-se da perda da experiência do Deus cristão. São maneiras diversas de expressar este dualismo.
Schindler: Acredito que seja uma questão muito ampla. O que torna possível unir o conceito de vocação e o trabalho é reconhecer que a liberdade se realiza apenas na afirmação de um "para sempre". A verdadeira liberdade é dirigida a um amor que assume a forma de uma promessa, cuja realização só é possível mediante a verificação da relação de Deus com mundo, que se manifesta na pessoa de Cristo. O fundo da questão é simplesmente reconhecer que o significado da liberdade consiste em dizer "para sempre" a Deus, tornados livres mediante Jesus Cristo, até o ponto de compreender a relação de Deus com todas as coisas, e ao serviço de todas as coisas.

Tanto João Paulo II quanto Bento XVI insistiram sobre a liberdade do homem e tentaram defendê-la. Em quase todas as suas encíclicas, João Paulo II citou a Gaudium et spes (n. 22): Cristo revela Deus ao homem e revela o homem a si mesmo. O Cristianismo, para Bento XVI, revela (sem eliminá-lo) o mistério da pessoa humana: cada pessoa é relação com o Mistério, e é livre na medida em que reconhece esta dependência e vive para um outro. Este conceito de liberdade não é um desafio aberto ao mundo contemporâneo, que identifica liberdade com "criatividade", "autonomia" e "igualdade"?
Albacete: Não há nada de errado, em princípio, nestas duas acepções... mas a liberdade não pode ser criativa sem Cristo. Porque, sem Ele, tudo perde a força, tudo passa, e a morte não é vencida. Os impérios vão e vêm, das grandes obras e dos grandes eventos se perde a lembrança.
Schindler: Ratzinger tem um modo maravilhoso de expôr ascoisas. Quando fala do sacramento diz que consiste no dar algo que não se possui. Parece-me que a chave de todo o agir humano é que ele é pré-sacramental. Em outras palavras, eu nunca sou a primeira e absoluta origem do que transmito. Se quisermos falar em termos de paternidade e filiação: queremos ser criativos, estar na origem; queremos ser pais de nossas ações, e em um certo sentido isto é verdadeiro. Mas, na medida em que somos criaturas, podemos ser verdadeiramente pais apenas dentro de uma filiação. Em um nível mais profundo, recebemos a capacidade, a energia que transmitimos, mesmo que participemos dela plenamente. Temos autonomia, mas é a autonomia própria de um dom que recebemos e do qual participamos. Ratzinger fala do sacramento exatamente nestes termos, belíssimos: eu participo de uma força, mas não sou originalmente o seu proprietário. Participo de uma força na medida em que sou seu receptor.

Os pontificados de João Paulo II e o de Bento XVI é um grande "irradiar-se de paternidade" e uma defesa da profundidade do mistério da paternidade. O que se perdeu na atual crise da paternidade?
Albacete: Para mim, não é por acaso nem fruto de uma definição cultural o fato de o nome do Deus cristão ser "Pai": cada gesto e cada palavra de Deus são reveladores, e mesmo Jesus chamava a Deus de "Pai". Isto significa que o primeiro modo no qual se manifesta a perda de orientação natural que, como homens, temos em relação ao infinito, é exatamente a perda do significado da paternidade. Participar da vida de Deus é participar da vida do Pai, é ser como que "a sombra do Pai", como na obra de Karol Wojtyla, "Raios de paternidade", centrada sobre São José, visto como a sombra do Pai. A incapacidade de compreender quão profundamente José encarne isto demonstra a fratura que se verificou.

Uma das maiores contribuições de João Paulo II foram suas catequeses de quarta-feira, nas quais apresentou uma visão do amor humano nos termos do relacionamento nupcial. Quais são os elementos mais essencialmente novidadeiros deste ensinamento?
Albacete: Gostaria de ligar isto à perda do sentido do sacramento, porque o matrimônio é o sacramento primordial. Se não tivesse existido o Pecado original, não existiriam os sacramentos, mas tão somente o matrimônio. O matrimônio revela a intenção de Deus no criar a partir do nada. Não é apenas paternidade, porque a paternidade é inseparável da maternidade e do relacionamento nupcial. Tudo isso, porém, se perdeu. João Paulo II oferece uma grandíssima ajuda para recuperar a unidade entre estes elementos que definem o amor humano. Sem esta unidade, o amor humano é como um edifício que desaba: é um 11 de setembro. Resiste por um pouco, se incendeia e você pensa que o problema é manter o fogo sob controle e, de repente, o edifício desaba.
Schindler: Concordo. Gostaria apenas de acrescentar uma coisa: parece-me que o que ambos os papas querem dizer é que há algo que diz respeito ao homem como destino de paternidade, que diz respeito à mulher como destino de maternidade, que diz respeito à criança; algo que manifesta uma característica essencial da natureza do amor humano. Na nossa cultura, tendemos a julgar que existem agentes humanos, abstratos, pelos quais acontece de serem homens e mulheres. Mas, se perdermos os caracteres distintivos do homem, perdemos uma característica essencial do amor. Se perdermos os caracteres distintivos da mulher, perdemos algo de essencial quanto ao significado do amor. E se pensarmos nas crianças como pequenos adultos que se originarão disto, perdemos algo de essencial quanto ao que respeita ao significado do amor humano. Pensando neste último aspecto, há uma beleza particular no fato de que Deus tenha revelado a Si mesmo em Cristo, na forma de uma criança. Não é uma circunstância temporal: Jesus é Filho do Pai pela eternidade. Por isto, a filiação, o ser criança, não é uma condição da qual somos destinados a sair.
Albacete: Até que não se tornem uma coisa só, vocês não irão ao encontro do próprio destino.

* Publicado em Tracce, no dia 19 de abril de 2010. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Obama e a América em preto e branco


por Lorenzo Albacete

Tudo começou com uma prisão. O sargento James Crowley da polícia de Cambridge, Massachusetts, prendeu Henry Louis Gates Jr. Diante de sua casa por “perturbação da ordem pública”. Gates é um importante professor afro-americano da Universidade de Harvard e está convencido de que, se fosse um branco, não teria sido preso na porta de casa.
A polícia chegou porque foi chamada por uma vizinha (que trabalha na revista dos ex-alunos de Harvard), que tinha visto dois indivíduos que tentavam entrar na casa de Gates. A vizinha não havia se referido a nenhum aspecto racial, mas o relatório da polícia fala de um dois negros. Com efeito, havia dois negros tentando entrar na casa: um era o próprio Gates que havia perdido as chaves de casa e outro era o motorista.
O sargento Crowley, que tem um ótimo currículo quanto ao que respeita ao relacionamento com as minorias, ficou chocado com o que ele definiu como um comportamento agressivo da parte de Gates, que estava com raiva porque atribuia ao seu ser negro o comportamento da polícia.
Assim é como e onde começou a história. Poucos dias depois, a história continua em um outra casa – a Casa Branca – em Washington, onde Gates e Crowley bebem uma cervejinha junto com o presidente dos Estados Unidos, o primeiro afro-americano a ocupar o cargo mais importante da nação. O presidente Barack Hussein (filho de um muçulmano do Quênia) não quis que a história terminasse, quis que se tornasse um “momento de aprendizado” na atual fase das relações raciais na América. O presidente se envolveu na história durante uma entrevista coletiva sobre a reforma de saúde proposta por ele ao Congresso (onde encontrou oposição mesmo dentro de seu partido, por não falar dos Republicanos, que viram nas preocupações dos americanos sobre os custos de seu programa uma oportunidade para cortar as asas do presidente).
No fim da entrevista (que, além do mais, não parece ter se dedicado muito às preocupações com a reforma), foi perguntado a Obama algo acerca da prisão de Gates. Mesmo admitindo não conhecer os detalhes do incidente, Obama definiu como “estúpido” o comportamento da polícia. Os jornalistas viram logo a possibilidade oferecida por esta resposta e se moveram como tubarões enlouquecidos pelo cheiro de sangue. (Um comentaristas que seguia a entrevista pela TV observou: “Oh, meu Deus! Assim termina a discussão sobre a saúde e de agora em diante a questão será a raça!”. Ele tinha razão).
Tanto que o presidente foi obrigado a interromper o encontro cotidiano com a imprensa na Casa Branca para fazer uma declaração pessoal na qual se dizia arrependido pela escolha das palavras, que já se havia desculpado por telefone com o sargento Crowley e que havia também falado com Gates, aparentemente disposto a abaixar os tons da polêmica.
Ambos, depois, aceitaram o convite da Casa Branca. Esta história, de fato, se tornará um “momento de aprendizado”? Se sim, o que nos ensinará? Levará a um real progresso na atormentada história das relações entre brancos e negros nos Estados Unidos ou simplesmente colocará um outro tijolo nos discursos e nos comportamentos politicamente corretos?
Para o presidente Obama, esta é uma ocasião para mostrar de novo as vantagens do seu método de “relativismo com certeza”. Será interessante ver o que acontecerá.

* Extraído do site Il Sussidiario, do dia 29 de julho de 2009. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.