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sexta-feira, 16 de julho de 2010

A filosofia da mente que destrói a experiência religiosa

Por Andrea Staiti

No último dia 02 de julho, Giovanni Maddalena escreveu neste jornal que “a mentalidade filosófica de hoje é dominada pelo que se chama naturalismo”, e identificou seu traço fundamental na recusa da ideia de que a realidade possa ser sinal de alguma coisa diferente de si mesma.
Estou substancialmente de acordo com o diagnóstico acerca da mentalidade dominante, mas não estou de todo seguro que o traço distintivo do naturalismo contemporâneo, ou seja do naturalismo American Style, seja o que foi indicado por Maddalena. Ou, pelo menos, gostaria de sugerir uma leitura alternativa. Que a realidade não possa ser considerada sinal de outra coisa diferente de si mesma, de fato, é uma posição que poderia ser compartilhada plenamente também por um filósofo como Kant que além do mais era naturalista e admitia que não podem existir apenas processos físicos, mas também a liberdade humana!
A minha hipótese, derivada da leitura de alguns filósofos americanos contemporâneos, que têm atuado particularmente no âmbito da chamada “filosofia da mente”, é que o naturalismo American Style é, em primeiro lugar, um pressuposto de base que quer exprimir uma espécie de pudor intelectual do filósofo que o distinga da grande massa.
Os EUA são um grande país, povoado por fanáticos da Bíblia céticos quanto ao uso da razão e avessos à filosofia, em nome de um fideísmo emocional, muitas vezes até violentos. Recordamos que existem escolas nas quais é proibido ensinar a teoria da evolução e talk shows televisivos nos quais pretensos teólogos discutem incansavelmente na intenção de entender se os fósseis dos dinossauros foram arquitetados por Deus para colocar a fé de seus eleitos à prova, ou pelo Diabo para tentá-los. Existem seitas com milhões de fiéis que acreditam que, no além, cada um terá um planeta próprio para povoar inteiramente com os filhos gerados pelas próprias mulheres. A lista das extravagâncias poderia continuar.
Ora, diante dessa devastação de crenças bizarras e infundadas, o filósofo busca no naturalismo uma espécie de defesa mínima para “orientar-se no pensamento”. Não é um acaso que o naturalismo ou “fisicalismo” na maior parte dos casos não seja o êxito de uma análise filosófica, mas um ponto de partida, uma espécie de pacto estipulado entre os adeptos dos trabalhos que querem criar para si um espaço de pensamento imune às superstições.
Tudo aquilo que parece aludir a uma dimensão ulterior à material, compreendida, por exemplo, a dimensão da psique humana, é visto como um potencial flanco aberto para aquelas visões do mundo que, frequentemente, impugnam a Bíblia, desembocam na irracionalidade mais total. Nisso, por exemplo, é que se sustentam os rios de tinta que correram nas últimas décadas para articular de modo o mais sólido possível a tese de que os estados mentais são simplesmente idênticos aos estados físicos do cérebro (o que quer que isso queira dizer). Diante das superstições que dominam, o naturalismo aparece como um espaço de pensamento mesquinho, mas pelo menos seguro.
Há um só problema: o naturalismo, para bem dizer, não é menos irracional do que as doutrinas bizarras dos vários Bible Freaks [fanáticos da Bíblia; ndt]. Em ambos os casos estamos diante de um uso muito restrito e prejudicado da razão. Num caso se quer admitir apenas o que é compatível com superstições de fundo bíblico. No outro se quer restringir a razão a contar átomos e moléculas. Em ambos os casos o que é desejável é, como queria Husserl, um retorno às coisas mesmas, da forma como se dão na experiência. Porque a experiência não é nem supersticiosa nem naturalista.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 16 de julho de 2010. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

O New York Times ensina o pessimismo, mas se esquece de como é feito o coração humano



Por Andrea Staiti

Há alguns dias, o notável filósofo Peter Singer (alferes das lutas em favor dos animais e de todos os temas caros à ala mais radical da cultura liberal) publicou no site de New York Times um artigo com um título provocativo: Should This Be the Last Generation? (“Será que somos a última geração?”).
A argumentação do filósofo é, em síntese, a seguinte: frequentemente se pensa que seja injusto colocar no mundo um filho cuja vida será cheia de sofrimento, por exemplo, por causa de uma doença genética. Todavia, nunca acontece que se use como argumento para sustentar a decisão de ter um filho o fato de que terá, provavelmente, uma vida feliz e satisfatória. A pergunta, então, é: quão feliz e satisfatória deve ser a vida da criança em perspectiva, para tornar a decisão de colocá-lo no mundo razoável? E será que a vida média de um ser humano em uma nação civilizada é considerável para esse padrão?
Neste ponto, Singer cita Schopenhauer, o célebre filósofo alemão segundo o qual mesmo a vida mais “feliz” que se possa pensar é, em última instância, trágica porque a maior parte dos nossos desejos fica insatisfeito e, mesmo se se satisfaça uma parte, a insaciabilidade que nos caracteriza nos fará desejar ainda, impedindo-nos assim de sermos felizes. Portanto, se colocar no mundo um filho doente é causar-lhe um dano, isto não significa que colocar no mundo um filho saudável seja causar-lhe um benefício. Além do mais, acrescenta Singer, o constante aumento demográfico na Terra acelera o esgotamento dos recursos, criando uma perspectiva de futuro certamente difícil para as gerações futuras. Assim sendo, a partir do que foi dito, colocando no mundo filhos prejudicamos certamente as crianças do futuro (obrigados a viver em um planeta exaurido) sem, por outro lado, beneficiar a ninguém (porque os nossos filhos, como quer Schopenhauer, serão, de qualquer forma, infelizes como todo ser humano está destinado a ser).
Chegado a este ponto da argumentação, Singer propõe um experimento de pensamento (puramente fictício, mas filosoficamente relevante): por que não fazer da nossa a última geração sobre a Terra, através de uma esterilização em massa? Deste modo, livres dos pensamentos sobre as gerações futuras, poderíamos simplesmente gozar do tempo que nos separa da extinção, desfrutando livremente do planeta, conscientes do fato de que a extinção do gênero humano não seria nada de trágico: sendo a vida humana, em última instância, infeliz, não prejudicamos a ninguém impedindo-os de vir ao mundo. No fim das contas, se nos damos conta disso, que problema pode ter imaginar uma Terra sem homens?
Gostaria de mencionar dois pontos que tornam o argumento de Singer (mesmo que lúdico, claro e provocativo, como a filosofia deveria ser) no mínimo problemático.
O primeiro. A consequência mais lógica que advém da sua visão da vida humana não é a esterilização em massa seguida de uma party até a extinção mas, como Schopenhauer tinha compreendido, o suicídio ou uma dramática ascese para eliminar aquele desejo insaciável que nos caracteriza. Se a vida é, em última instância, negatividade e insatisfação, o ponto não é extinguir a futura mas a presente: se há, pelo contrário, alguma (mesmo que macabra) positividade no cenário pensado por Singer – da esterilização em massa, seguida de uma festiva marcha em direção à extinção – então, fazendo da nossa geração a última, estaríamos privando a próxima geração precisamente da única coisa que Singer parece caracterizar de forma positiva: fazer da nossa geração a última.
Seguindo Singer, que direito teríamos de privar a próxima geração do gosto/direito de ser a última? E a próxima que direito teria de privar a seguinte do mesmo direito/gosto? E assim até o infinito. É verdade que  próxima geração, de fato, não existe (ainda) mas me sinto autorizado a usar, tanto quanto Singer, referências às gerações não-existentes na economia do meu argumento. Ou não há nada pelo que valha a pena viver, e então o suicídio é a resposta mais lógica, ou há, mesmo que fosse apenas o gosto de fazer da própria geração a última, e então não teríamos o direito de impedir este gosto aos nossos filhos.
O segundo. Mas, então, o argumento de Schopenhauer revisitado por Singer, segundo o qual a vida é, em última instância, negativa e, portanto, colocar no mundo um filho não é prestar-lhe um bom serviço, está, de fato, em pé? Eu não acredito. O ponto é que o que torna a vida grande e apaixonante não é a somatória dos nossos desejos satisfeitos ou frustrados, mas o acontecer imprevisto de fatos, pessoas, circunstâncias que correspondem inesperadamente às exigências profundas do nosso eu, aquelas que Dom Luigi Giussani chamou sistematicamente de “coração”. Estou convencido de que cada homem sobre a face da Terra, mesmo na condição mais desagradável e miserável que se possa pensar, se interrogado, seria capaz de mencionar pelo menos um fato, um episódio no qual pressentiu com clareza que a vida, a realidade, o ser são, em última instância, positivos (uma bela paisagem? Uma paixão, independente da forma como ela se consumou? Uma vitória esportiva? Cada um pense por si mesmo).
Este pressentimento pode ter sido, depois, recoberto e derrotado por circunstâncias adversas ou mesmo descartado como sentimentalismo ingênuo. E se, pelo contrário, não fosse sentimentalismo mas o primeiro passo, a ocasião (colhida ou deixada de lado) para empreender um caminho de conhecimento mais razoável de si mesmo e da realidade? Em todo caso, aqueles fatos que, mesmo que apenas por um instante, despertaram um pressentimento de bem para si e para o mundo – desafiando, assim, a nossa razão e a nossa liberdade – valem mais do que os balanços das sucessivas falhas nas quais, é verdade, acabamos mal, ainda que estejamos doentes ou vencidos, ou perfeitamente sãos e fortes.
Colocar no mundo filhos, portanto, não é razoável simplesmente levando-se em consideração um cálculo de probabilidade de que tenham uma vida feliz (a partir de que padrões?), mas levando em consideração a certeza de que acontecerão a ele, como a cada um de nós, fatos e circunstâncias nos quais pressentirão que a realidade contém uma promessa de bem. O que farão deste pressentimento será, como para cada um de nós, um desafio aberto e apaixonante.

* Extraído de IlSussidiario.net, do dia 18 de junho de 2010. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.