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domingo, 8 de abril de 2012

Feliz Páscoa!



O imperador interrogou os cristãos: “Homens estranhos... Dizei-me vós mesmos, ó cristãos, abandonados pela maioria de vossos irmãos e de vossos chefes, o que vos é mais caro no cristianismo?”. Levantou-se, então, o starets João e respondeu com doçura: “Ó grande rei, o que nos é mais caro no cristianismo é o próprio Cristo. Ele próprio e tudo o que dEle vem, porque sabemos que nEle habita corporalmente toda a plenitude da Divindade”.
(SOLOVIEV, Vladimir. Breve conto sobre o Anticristo)

* MASACCIO. O tributo da moeda (detalhe). Florença: Capela Brancacci, 1427.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

E Soloviov desmascarou o Anticristo

Por Filippo Rizzi

No dia 31 de julho de 1900 morria o filósofo russo citado na “Fides et Ratio”, que lançou uma ponte entre o Oriente e o Ocidente

Há cento e dez anos atrás, no dia 31 de julho de 1900, em Uzkoe, perto de Moscou, morria Vladimir Sergeevitch Soloviov. Tinha quarenta e sete anos e estava na plenitude do seu fervor intelectual e religioso. Um autor que havia deixado uma marca indelével na literatura e na filosofia/teologia russo do seu tempo, com obras-primas como as Lições sobre Divino-humanidade, Os fundamentos espirituais da vida e sobretudo aquele que é considerado o seu testamento espiritual, Os três diálogos.
Escutavam-no personalidades do calibre de Dostoievski e Tolstói. Por causa de sua paixão pelos Padres da Igreja foi definido por Bernard Dupuy o “Orígenes dos tempos modernos”. Hans Urs von Balthasar o colocou ao lado de Tomás de Aquino como “o maior artífice da ordem e da organização na história do pensamento”. Também João Paulo II, na encíclica Fides et Ratio, o colocou entre os pensadores que conduziram uma “corajosa pesquisa” sobre a relação entre filosofia e palavra de Deus, junto com figuras como John Henry Newman, Antonio Rosmini, Jacques Maritain e Pavel Florenski.
“Um dos motivos da sua grandeza – lembra Adriano Dell’Asta, docente de Literatura russa na Universidade Católica de Milão e diretor do Instituto Italiano de Cultura em Moscou – é exatamente o fato de ter realizado uma síntese harmônica entre fé e razão, entre teologia e filosofia. Para Soloviov, a plenitude do homem é alcançada apenas quando ele se abre para a fé e a fé o escancara, permitindo a ele um desenvolvimento integral de suas faculdades além de vivê-las em plenitude”. Dell’Asta recorda, em seguida, o seu cristocentrismo, muito afinado ao de Dostoievski, o interesse por Hegel e Kant, de quem foi um excelente tradutor e divulgador, a concepção divino-humana de Cristo proclamada pelo Concílio da Calcedônia como o fio condutor da pesquisa teológica, assim como a grande ternura com a qual falava do Salvador: “Conta-se, frequentemente, esta anedota: muitos amigos lhe perguntavam porque ele fazia o sinal da cruz antes de uma conferência ou antes de comer. E a sua resposta era fleumática: ‘Não quero que ninguém suspeite que eu me envergonho do meu Cristo’. O seu cristianismo era um cristianismo sem compromissos”.
Michelina Tenace, docente de Antropologia teológica na Pontifícia Universidade Gregoriana, sustenta uma dívida de reconhecimento por Soloviov. Ela foi uma das primeiras, na Itália, a estudá-lo em profundidade do ponto de vista teológico, graças às sugestões dos seus “mestres de sempre”, o jesuíta Marko Ivan Rupnik e o cardeal Tomás Spidlík: “retomando e radicalizando a expressão de Dostoievski, Soloviov afirma que ‘a beleza salva o mundo’. O que isso significa, concretamente? A salvação já está em ato lá onde a matéria se deixa transfigurar pela força do conteúdo divino, pela luz, pela vida, pelo amor. A beleza, portanto, tem algo que ver com o descendimento do Espírito Santo (inspiração) e com a transfiguração da realidade em vista do Filho”.
O último escrito do pensador russo é também o mais célebre, o Breve relato sobre o Anticristo. O texto narra a estória de um homem dotado de virtudes excepcionais que consegue pacificar a humanidade e sabe também reconquistar a unidade entre os cristãos divididos por séculos de separações e cismas. A sua obra é combatida e derrotada e ele é desmascarado como o Anticristo por um núcleo irredutível de cristãos. “O engano mais perigoso do Anticristo está no fazer crer – comenta o crítico literário da La Civiltà Cattolica, o jesuíta Ferdinando Castelli – que seja ele o verdadeiro Messias, o salvador, vindo para aperfeiçoar e corrigir a obra de Cristo. O profeta da Galileia complicou a vida, a tornou dura, violenta, impraticável; ele, pelo contrário, a torna fácil e prazeirosa, porque elimina as divisões e as contradições. E na sociedade moderna dos chamados consumismos fáceis, de uma certa messianeidade ao alcance de todos, somos seduzidos e tentados a seguir os chamados desse Anticristo, mais do que à verdadeira mensagem evangélica”.
Um sábio que, segundo o sacerdote ortodoxo e docente de Literatura russa na Católica de Brescia, Vladimir Zelinski, deve ser relido mesmo na sua forte tensão ecumênica: “Por toda a sua vida, ele buscou a unidade visível na história, todavia na sua última obra ele profetizou o retorno à unidade não antes do Juízo final. A sua herança maior é a mensagem de reconciliação entre Oriente e Ocidente cristão, entre a intelligentsia agnóstica e a Igreja, entre os cristianismo e o povo judeu, entre a racionalidade e a mística, assim como a busca por uma resposta comum ao desafio das forças anticristãs. Um legado que, 110 anos depois de sua morte, ainda precisa ser descoberto e vivido plenamente”.
Nas páginas do Anticristo encontra-se viva, nas entrelinhas, a discussão com o autor de Guerra e Paz – a quem Soloviov endereçou, em 1894, uma carta sobre a Ressurreição de Cristo – sobre a autenticidade da mensagem evangélica. “A parábola literária do Anticristo chama a atenção para a urgência de um discernimento, por parte dos cristãos, diante da falsificação do ‘bem’ – sublinha Tenace –: é falso aquele bem que torna vã a cruz de Cristo, vã a fé na Ressurreição, vã a Revelação divina. Mesmo o Evangelho pode se tornar ideologia, ou seja, teoria sobre a paz, sobre o bem-estar e a reconciliação. Este é o motivo da sua oposição a Tolstói”.
Três anos antes de morrer, no dia 13 de fevereiro de 1896, Soloviov aderiu à Igreja Católica, sustentando que ela estava fundada sobre Pedro, “o pastor do rebanho de Cristo”. “Soloviov, em sua breve vida – é a reflexão final do padre Castelli –, defendeu a Revelação cristã do materialismo e do positivismo dominantes naqueles anos, na Rússia. Sobretudo, ele não quis relegar Cristo a um âmbito puramente humano e filantrópico. Contra esta corente colocou-se ao lado de Dostoievski. Ambos testemunharam, em obras densas de doutrina e de arte, que sem Cristo, Verbo encarnado, Deus se confude com os ídolos e o homem se configura a um caminhante sem meta. A ideia principal do seu drama sobre  o Anticristo está na afirmação triunfal: ‘O nosso senhor é Jesus Cristo, o filho do Deus vivo’. E nisto está o seu valor de grande pensador e de cristão”.

* Extraído do jornal Avvenire, do dia 30 de julho de 2010 (p. 24). Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

A barca de Pedro


Por Pigi Colognesi

Amanhã será a festa de São Pedro, a festa do Papa. Há muito tempo se diz que a barca, cujo timoneiro é o Primeiro dos Apóstolos, atravessa águas agitadas e é sacudida de dentro por movimentos imprudentes que a fazem balançar. Nos jornais, aparecem sucessivamente investigações e furos jornalísticos variadamente credíveis e documentados; em muitos sopra o cheiro macabro de quem – como um abutre – se satisfaz apenas quando consegue manchar e destruir. Multidões de comentaristas se exercitam em pontificar – é mesmo necessário usar este termo – sobre causas e remédios da presumida “crise”; deixando frequentemente no leitor a amarga impressão de que estão falando de algo que, no fundo, não lhes interessa, algo do que, arrogantemente, saem fora. Como o fariseu do Evangelho que olhava de alto a baixo as misérias do pobre publicano, no fundo da igreja, pedindo perdão de seus pecados.
Do seu lugar, o atual sucessor de Pedro não cessa de manter o timão da barca firmemente apontado em direção à meta. Com coragem, lembra o essencial; como quando, em Lisboa, disse: “muitas vezes nos preocupamos afanosamente com as consequências sociais, culturais e políticas da fé, dando por suposto que a fé existe, o que é cada vez menos realista”. Sem hesitar, pede a nós, filhos da Igreja, a coragem de reconhecer o nosso pecado e fazer, seguros da misericórdia de Deus, a penitência necessária para purificar a barca da “sujeira” que nós mesmos trouxemos para ela e dos pesos que tornam difícil a sua navegação.
Um dos inúmeros comentários que os jornais dedicaram ao mundo católico tinha o seguinte título: “A Igreja do papa Ratzinger se salvará?”. Esteja tranquilo, jornalista (admitindo que isto lhe interessa, de fato): se salvará. E não tanto porque na sua história milenar tenha assistido a tempestades tão difíceis quanto a que está atravessando agora, ou porque tenha experimentado dolorosamente, no seu seio, divisões e traições muito mais graves do que as atuais. Salvar-se-á porque não é como uma multinacional que sofreu um revés nos negócios ou cujo administrador fugiu com o caixa; não é uma associação de pessoas bem intencionadas que perseguem um objetivo nobre e, de repente, se veem ultrapassados por outros naquele objetivou ou descobrem que alguns dos sócios pensas as coisas por conta própria; não é uma academia de estudiosos cujas teorias podem ser colocadas em discussão por qualquer das novas descobertas ou falhas de um experimento. Simplesmente, a Igreja – corpo de Cristo na história – está já salva e esta salvação é oferecida continuamente a todos.
Que, depois, a história tenha ido contra ela, castigando-a ou perseguindo-a, ou mesmo lhe tenha tributado triunfos e reconhecimentos, quem sabe até interessados, não muda a substância. Poderia acontecer como no final do Relato do Anticristo de Vladimir Soloviov: os habitantes da barca, reduzidos a poucos fiéis, o mundo que se desinteressa da proposta dos cristãos, os traidores que se multiplicam atraídos pelas seduções do poder ou oprimidos pelo medo. Sempre restaria a certeza inabalável no timoneiro; não por sua capacidade, mas porque foi eleito para isso. Sempre restaria alguém que teria a coragem de responder ao imperador do momento (e a seus cúmplices): “Grande soberano, o que temos de mais caro no cristianismo é Cristo mesmo. Ele mesmo e tudo o que vem dEle, já que sabemos que nEle habita corporalmente toda a plenitude da Divindade”.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 28 de junho de 2010. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.