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quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Comentário ao Evangelho do dia - Advento


3ª Semana do Advento - Quarta-feira
São João da Cruz

1ª Leitura - Is 45, 6b-8.18.21b-25
"Eu sou o Senhor, não há outro, eu formei a luz e criei as trevas, crio o bem-estar e as condições de mal-estar: sou o Senhor que faço todas estas coisas. Céus, deixai cair orvalho das alturas, e que as nuvens façam chover justiça; abra-se a terra e germine a salvação; brote igualmente a justiça: eu, o Senhor, a criei." Isto diz o Senhor que criou os céus, o próprio Deus que fez a terra, a conformou e consolidou; não a criou para ficar vazia, formou-a para ser habitada: "Sou eu o Senhor, e não há outro. Quem vos fez ouvir os fatos passados e soube predizê-los desde então? Acaso não sou eu o Senhor? E não há deus além de mim. Não há um Deus justo, e que salve, a não ser eu. Povos de todos os confins da terra, voltai-vos para mim e sereis salvos, eu sou Deus e não há outro. Juro por mim mesmo: de minha boca sai o que é justo, a palavra que não volta atrás; todo joelho há de dobrar-se para mim, por mim há de jurar toda língua, dizendo: Somente no Senhor residem justiça e força". Comparecerão perante Ele, envergonhados, todos os que Lhe resistem; no Senhor será justificada e glorificada toda a descendência de Israel.

Salmo - Sl 84 (85) 
R. Que os céus lá do alto derramem o orvalho,
que chova das nuvens o Justo esperado! (Is 45,8)
Quero ouvir o que o Senhor irá falar:*
é a paz que Ele vai anunciar;
a paz para o Seu povo e Seus amigos,*
para os que voltam ao Senhor seu coração.
Está perto a salvação dos que O temem,*
e a glória habitará em nossa terra. R. 

A verdade e o amor se encontrarão,*
a justiça e a paz se abraçarão;
da terra brotará a fidelidade,*
e a justiça olhará dos altos céus. R. 

O Senhor nos dará tudo o que é bom,*
e a nossa terra nos dará suas colheitas;
a justiça andará na sua frente*
e a salvação há de seguir os passos seus. R.

Evangelho - Lc 7, 19-23
Naquele tempo, João convocou dois de seus discípulos, e mandou-os perguntar ao Senhor: "És Tu aquele que há de vir, ou devemos esperar outro?". Eles foram ter com Jesus, e disseram: "João Batista nos mandou a Ti para perguntar: 'És Tu aquele que há de vir, ou devemos esperar outro?'". Nessa mesma hora, Jesus curou de doenças, enfermidades e espíritos malignos a muitas pessoas, e fez muitos cegos recuperarem a vista. Então, Jesus lhes respondeu: "Ide contar a João o que vistes e ouvistes: os cegos recuperam a vista, os paralíticos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam, e a Boa Nova é anunciada aos pobres. E feliz é aquele que não se escandaliza por causa de mim!".

Comentário feito por Beato João Paulo II (1920-2005)
papa

Diante dos Seus conterrâneos, em Nazaré, Cristo expõe as palavras do profeta Isaías: "O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para anunciar a Boa-Nova aos pobres; enviou-me a proclamar a libertação aos cativos e, aos cegos, a recuperação da vista; a mandar em liberdade os oprimidos, a proclamar um ano favorável da parte do Senhor" (Lc 4, 18-19). [...] Mediante tais fatos e palavras, Cristo torna o Pai presente no meio dos homens. É muito significativo que estes homens sejam sobretudo os pobres, carecidos dos meios de subsistência, os que estão privados da liberdade, os cegos que não veem a beleza da criação, os que vivem com a amargura no coração, ou então os que sofrem por causa da injustiça social e, por fim, os pecadores. Em relação a estes últimos, de modo especial, o Messias torna-Se sinal particularmente visível de Deus que é amor, torna-Se sinal do Pai. [...] É igualmente significativo que, quando os mensageiros enviados por João Batista foram ter com Jesus e Lhe perguntaram: "Tu és Aquele que está para vir, ou temos de esperar outro?", Ele, referindo-Se ao mesmo testemunho com que havia inaugurado o Seu ensino em Nazaré, lhes tenha respondido: "Ide contar a João o que vistes e ouvistes: os cegos veem, os coxos andam, os leprosos ficam limpos, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam, aos pobres é anunciada a Boa-Nova"; e é ainda significativo que tenha depois concluído: "Bem-aventurado aquele que não se escandalizar a Meu respeito". Jesus revelou, sobretudo pelo Seu estilo de vida e as Suas ações, como o Amor está presente no mundo em que vivemos, Amor operante, Amor que se dirige ao homem e abraça tudo quanto constitui a sua humanidade. Tal amor transparece especialmente no contato com o sofrimento, a injustiça e a pobreza, no contato com toda a "condição humana" histórica que, de vários modos, manifesta as limitações e a fragilidade, tanto físicas como morais, do homem. Precisamente o modo e o âmbito em que Se manifesta o Amor são chamados, na linguagem bíblica, "misericórdia". Cristo, portanto, revela Deus que é Pai, que é "Amor", como referiria João na sua primeira epístola (IJo 4, 16); revela Deus "rico em misericórdia" (Ef 2, 4).

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Comentário ao Evangelho do dia - Advento


2ª Semana do Advento - Quarta-feira

1ª Leitura - Is 40,25-31
"Com quem haveis de me comparar, e a quem seria eu igual?" - fala o Santo. Levantai os olhos para o alto e vede: Quem criou tudo isto? - Aquele que expressa em números o exército das estrelas e a cada uma chama pelo nome: tal é a grandeza e força e poder de Deus que nenhuma delas falta à chamada. Então, por que dizes, Jacó, e por que falas, Israel: "Minha vida ocultou-se da vista do Senhor e meu julgamento escapa ao do meu Deus?". Acaso ignoras, ou não ouviste? O Senhor é o Deus eterno que criou os confins da terra; ele não falha nem se cansa, insondável é sua sabedoria; Ele dá coragem ao desvalido e aumenta o vigor do mais fraco. Cansam-se as crianças e param, os jovens tropeçam e caem, mas os que esperam no Senhor renovam suas forças, criam asas como as águias, correm sem se cansar, caminham sem parar.

Salmo - Sl 102 (103)
R. Bendize, ó minha alma ao Senhor.
Bendize, ó minha alma, ao Senhor, *
e todo o meu ser, seu santo nome!
Bendize, ó minha alma, ao Senhor, *
nâo te esqueças de nenhum de seus favores! R. 

Pois Ele te perdoa toda culpa, *
e cura toda a tua enfermidade;
da sepultura Ele salva a tua vida *
e te cerca de carinho e compaixão. R. 

O Senhor é indulgente, é favorável, *
é paciente, é bondoso e compassivo.
Não nos trata como exigem nossas faltas, *
nem nos pune em proporção às nossas culpas. R.

Evangelho - Mt 11,28-30
Naquele tempo, tomou Jesus a palavra e disse: "Vinde a mim todos vós que estais cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos, e eu vos darei descanso. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e vós encontrareis descanso. Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve".

Comentário feito por Pedro de Celles (c. 1115–1183)
monge, depois bispo

Senhor, envia-nos o Cordeiro; é do cordeiro que precisamos e não do leão (cf. Ap 5, 5-6); do Cordeiro que não Se irrita e cuja mansidão nunca Se perturba; do Cordeiro que nos dará a Sua lã, branca como a neve, para aquecer em nós aquilo que está frio, para cobrir a nossa nudez; do Cordeiro que nos dará a Sua carne a comer, para não morrermos de fraqueza no caminho (cf. Jo 6, 51; Mt 15, 32). Envia-O cheio de sabedoria porque, com a Sua prudência divina, Ele vencerá o espírito orgulhoso; envia-O cheio de força, porque está escrito que Ele é "o Senhor, poderoso herói, o Senhor, herói na batalha" (Sl 24, 8); envia-O cheio de mansidão, pois Ele descerá "como os aguaceiros que regam a terra" (Sl 72, 6); envia-O como vítima, porque Ele deverá ser vendido e imolado para nos resgatar (cf. Mt 26, 15; Jo 19, 36; Ex 12, 46); envia-O, não para exterminar os pecadores, pois "não veio chamar os justos, mas os pecadores" (cf. Mt 9, 13); envia-O, enfim, "digno de receber a glória, a honra e a força, [...] digno de receber o livro e de abrir suas páginas seladas" (Ap 4, 11; Ap 5, 9), isto é, o mistério inexprimível da Encarnação.

sábado, 8 de outubro de 2011

"Tu estás comigo": esta é a certeza que nos sustenta


Bento XVI

Audiência Geral

Praça São Pedro
Quarta-feira, 5 de outubro de 2011

O homem em oração

Caros irmãos e irmãs,
Voltar-se para o Senhor na oração implica um radical ato de confiança, na consciência de se confiar a Deus que é bom, “misericordioso e piedoso, lento para a ira e rico de amor e de fidelidade” (Ex 34, 6-7; Sl 85, 15; cf. Jl 2, 13; Gn 4, 2; Sl 102, 8; Sl 144, 8; Ne 9, 17). Por isto, hoje, gostaria de refletir convosco sobre um Salmo todo permeado de confiança, no qual o Salmista exprime a sua serena certeza de ser guiado e protegido, colocado em segurança contra todo perigo, porque o Senhor é o seu pastor. Trata-se do Salmo 23 – segundo a datação greco-latina 22 –, um texto familiar a todos e amado por todos.
“O Senhor é meu pastor, não me faltará”: assim começa esta bela oração, evocando o ambiente nômade do pastoreio e a experiência de conhecimento recíproco que se estabelece entre o pastor e as ovelhas que compõem o seu pequeno rebanho. A imagem remete a uma atmosfera de confiança, intimidade, ternura: o pastor conhece as suas ovelhas uma a uma, as chama pelo nome e elas o seguem porque o reconhecem e se confiam a ele (cf. Jo 10, 2-4). Ele cuida delas, as custodia como bens preciosos, pronto para defendê-las, garantir o seu bem-estar, fazê-las viver na tranquilidade. Nada pode faltar se o pastor está com elas. O Salmista se refere a esta experiência, chamando Deus de seu pastor, e deixando-se guiar por Ele rumo a pastos seguros: “Em verdes prados ele me faz repousar. Conduz-me junto às águas refrescantes, restaura as forças de minha alma. Pelos caminhos retos ele me leva, por amor do seu nome” (vv. 2-3).
A visão que se abre aos nossos olhos é a de prados verdes e fontes de água límpida, oásis de paz rumo aos quais o pastor acompanha o rebanho, símbolos dos lugares de vida para os quais o Senhor conduz o Salmista, que se sente como as ovelhas deitadas na erva ao lado de uma fonte, em situação de repouso, não em tensão ou em estado de alarme, mas confiantes e tranquilas, porque o lugar é seguro, a água é fresca, e o pastor as vigia. E não esqueçamos aqui que a cena evocada pelo Salmo é ambientada numa terra em grande parte desértica, ferida pelo sol escaldante, onde o pastor seminômade do Oriente Médio vive com o seu rebanho nas estepes secas que se estendem ao redor dos vilarejos. Mas, o pastor sabe onde encontrar erva e água fresca, essenciais para a vida, sabe levar para o oásis no qual a alma “se refresca” e é possível retomar as forças e novas energias para se colocar outra vez no caminho.
Como diz o Salmista, Deus o guia para “verdes prados” e “águas refrescantes”, onde tudo é superabundante, tudo é dado copiosamente. Se o Senhor é o pastor, mesmo no deserto, lugar de ausência e de morte, não diminui a certeza de uma radical presença de vida, a ponto de poder dizer: “nada me faltará”. O pastor, de fato, traz no coração o bem do seu rebanho, adéqua os seus ritmos e exigências às de suas ovelhas, caminha e vive com elas, guiando-as por caminhos “retos”, ou seja, adequados para elas, com atenção às suas necessidades e não às suas próprias. A segurança do seu rebanho é a sua prioridade e ele obedece a ela quando o guia.
Caros irmãos e irmãs, também nós, como o Salmista, se caminhamos atrás do “Bom Pastor”, por mais difíceis, tortuosos ou longos que possam parecer ser os percursos da nossa vida, frequentemente também em zonas desérticas espiritualmente, sem água e com um sol de racionalismo escaldante, sob a guia do bom pastor, Cristo, estaremos certos de estar seguindo por caminhos “retos” e de que o Senhor nos guia e sempre estará por perto e nunca nos faltará.
Por isto, o Salmista pode declarar uma tranquilidade e uma segurança sem incertezas ou temores: “Ainda que eu atravesse o vale escuro, nada temerei, pois estais comigo. Vosso bordão e vosso báculo são o meu amparo” (v. 4).
Quem segue com o Senhor, mesmo nos vales escuros do sofrimento, da incerteza e de todos os problemas humanos, se sente seguro. Tu estás comigo: esta é a nossa certeza, a que nos sustenta. O escuro da noite causa medo, com suas sombras mutantes, a dificuldade para distinguir os perigos, o seu silêncio cheio de ruídos indecifráveis. Se o rebanho se move depois que o sol se põe, quando a visibilidade se faz incerta, é normal que as ovelhas fiquem inquietas, há o risco de tropeçar ou mesmo de se afastar e se perder, e há ainda o temor de possíveis agressores que se escondem na obscuridade. Para falar do vale “escuro”, o Salmista usa uma expressão hebraica que evoca as trevas da morte, de forma que o vale a ser atravessado é um lugar de angústia, de ameaças terríveis, de perigo de morte. E mesmo assim, o orante segue seguro, sem medo, porque sabe que o Senhor está com ele. Aquele “tu estás comigo” é uma proclamação de confiança firme, e sintetiza a experiência de fé radical; a proximidade de Deus transforma a realidade, o vale escuro perde toda periculosidade, se esvazia de toda ameaça. O rebanho, agora, pode caminhar tranquilo, acompanhado pelo ruído familiar do bastão que bate no terreno e assinala a presença tranquilizadora do pastor.
Esta imagem reconfortante encerra a primeira parte do Salmo, e deixa o lugar para uma cena diferente. Estamos ainda no deserto, onde o pastor vive com o seu rebanho, mas agora somos transportados para a sua tenda, que se abre para oferecer hospitalidade: “Preparais para mim a mesa à vista de meus inimigos. Derramais o perfume sobre minha cabeça, e transborda minha taça” (v. 5).
Agora, o Senhor é apresentado como Aquele que acolhe o orante, com os sinais de uma hospitalidade generosa e cheia de atenção. O anfitrião divino prepara a refeição sobre a “mesa”, um termo que, em hebraico, indica, no seu sentido primitivo, a pele de animais que era estendida no chão e sobre a qual os convivas se assentavam para comer juntos. É um gesto de compartilhamento não apenas do alimento, mas também da vida, numa oferta de comunhão e de amizade que cria vínculos e exprime solidariedade. E ainda há o dom munificente do óleo perfumado sobre a cabeça, que dá alívio para o calor do sol do deserto, refresca e acalma a pele e eleva o espírito com sua fragrância. Enfim, o cálice transbordante acrescenta uma nota de festa, com o seu vinho delicioso, compartilhado com generosidade superabundante. Alimento, óleo, vinho: são os dons que fazem viver e dão alegria porque vão além daquilo que é estritamente necessário, e exprimem a gratuidade e a abundância do amor. O Salmo 103 proclama, celebrando a bondade providente do Senhor: “Fazeis brotar a relva para o gado, e plantas úteis ao homem, para que da terra possa extrair o pão e o vinho que alegra o coração do homem, o óleo que lhe faz brilhar o rosto e o pão que lhe sustenta as forças” (vv. 14-15). O Salmista é feito objeto de tantas atenções, de forma que se vê como um viandante que encontra abrigo numa tenda acolhedora, enquanto que seus inimigos são obrigados a parar e olhar, sem poder intervir, porque aquele que consideravam sua presa foi colocado em segurança, se tornou hóspede sagrado, intocável. E o Salmista somos nós se crermos realmente e estivermos em comunhão com Cristo. Quando Deus abre a sua tende para nos acolher, nada nos pode fazer mal.
Quando, depois, o viandante vai embora, a proteção divina se prolonga e o acompanha na sua viagem: “A vossa bondade e misericórdia hão de seguir-me por todos os dias de minha vida. E habitarei na casa do Senhor por longos dias” (v. 6)
A bondade e a fidelidade de Deus são a escolta que acompanha o Salmista que sai da tenda e se coloca no caminho outra vez. Mas, é um caminho que adquire um novo sentido, e se torna peregrinação rumo ao Templo do Senhor, o lugar santo no qual o orante quer “habitar” para sempre e para o qual quer também “retornar”. O verbo hebraico utilizado aqui tem o sentido de “voltar”, mas, com uma pequena modificação vocálica, pode ser compreendido como “habitar”, e assim é traduzido pelas antigas versões e pela maior parte das traduções modernas. Ambos os sentidos podem ser mantidos: voltar para o Templo e nele habitar é o desejo de todo Israelita, e habitar perto de Deus próximo dEle e de sua bondade é o anseio e a nostalgia de todo crente: poder habitar realmente onde Deus está, próximo de Deus. Seguir o Pastor leva à sua casa, é esta a meta de todo caminho, oásis desejado no deserto, tenda de refúgio na fuga dos inimigos, lugar de paz onde se experimenta a bondade e o amor fiel de Deus, dia após dia, na alegria serena de um tempo sem fim.
As imagens deste Salmo, com a sua riqueza e profundidade, acompanharam toda a história e a experiência religiosa do povo de Israel e acompanham os cristãos. A figura do pastor, particularmente, evoca o tempo originário do Êxodo, o longo caminho no deserto, como um rebanho sob a guia do Pastor divino (cf. Is 63, 11-14; Sl 76, 20-21; Sl 77, 52-54). E na Terra Prometida era o rei que tinha a tarefa de pastorear o rebanho do Senhor, como Davi, pastor escolhido por Deus e figura do Messias (cf. 2Sam 5, 1-2; 2Sam 7, 8; Sl 77, 70-72). Além do mais, depois do exílio na Babilônia, quase num novo Êxodo (cf. Is 40, 3-5.9-11; Is 43, 16-21), Israel é levado de volta para a sua pátria como ovelha dispersa e recuperada, reconduzida por Deus a pastor verdejantes e lugares de repouso (cf. Ez 34, 11-16.23-31). Mas é no Senhor Jesus que toda a força evocativa do nosso Salmo alcança a completude, encontra a sua plenitude de significado: Jesus é o “Bom Pastor” que vai em busca da ovelha perdida, que conhece as suas ovelhas e dá a vida por elas (cf. Mt 18, 12-14; Lc 15, 4-7; Jo 10, 2-4.11-18), Ele é o caminho, a estrada reta que nos leva à vida (cf. Jo 14, 6), a luz que ilumina o vale escuro e vence todo o nosso medo (cf. Jo 1, 9; Jo 8, 12; Jo 9, 5; Jo 12, 46). Ele é o anfitrião generoso que nos acolhe e nos coloca a salvo dos inimigos, preparando-nos a mesa do seu corpo e do seu sangue (cf. Mt 26, 26-29; Mc 14, 22-25; Lc 22, 19-20) e a mesa definitiva do banquete messiânico no Céu (cf. Lc 14, 15ss; Ap 3, 20; Ap 19, 9). É Ele o Pastor real, rei na mansidão e no perdão, entronizado sobre o lenho glorioso da cruz (cf. Jo 3, 13-15; Jo 12, 32; Jo 17, 4-5).
Caros irmãos e irmãs, o Salmo 22 nos convida a renovar a nossa confiança em Deus, abandonando-nos totalmente nas suas mãos. Peçamos, portanto, com fé, que o Senhor nos conceda, mesmo nos caminhos difíceis do nosso tempo, poder caminhar sempre em seus caminhos como rebanho dócil e obediente, nos acolha na sua casa, à sua mesa, e nos conduza para “águas refrescantes”, para que, no acolhimento do dom do seu Espírito, possamos beber em suas fontes, fontes daquela água viva que “jorra para a vida eterna” (Jo 4, 14; cf. Jo 7, 37-39). Obrigado

* Extraído do site do Vaticano, do dia 5 de outubro de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Comentário ao evangelho do dia


São Lourenço

Evangelho - Jo 12,24-26
Naquele tempo, disse Jesus a seus discipulos: "Em verdade, em verdade vos digo: Se o grão de trigo que cai na terra não morre, ele continua só um grão de trigo; mas se morre, então produz muito fruto. Quem se apega à sua vida, perde-a; mas quem faz pouca conta de sua vida neste mundo conservá-la-á para a vida eterna. Se alguém me quer servir, siga-me, e onde eu estou estará também o meu servo. Se alguém me serve, meu Pai o honrará".

Comentário feito por Santo Agostinho (354-430)
bispo de Hipona (África do Norte) e doutor da Igreja 

As proezas gloriosas dos mártires, que por todo o lado ornam a Igreja, permitem-nos compreender a verdade daquilo que foi cantado: "É preciosa, aos olhos do Senhor, a morte dos Seus fiéis" (Sl 115,15). Com efeito, ela é preciosa aos nossos olhos e aos olhos dAquele em nome de Quem eles morreram. Mas o preço de todas aquelas mortes é a morte de um só. Quantas mortes resgatou ao morrer sozinho porque, se não tivesse morrido, o grão de trigo não se teria multiplicado? Haveis ouvido o que Ele disse quando se aproximava a Sua Paixão, isto é, quando se aproximava a nossa redenção: "Se o grão de trigo lançado à terra não morrer, fica ele só; mas se morrer dá muito fruto". Quando o Seu lado foi ferido pela lança, o que dele jorrou foi o preço do universo (cf Jo 19,34). Os fiéis e os mártires foram resgatados; mas a fé dos mártires deu provas e o seu sangue é disso testemunho. "Cristo deu a Sua vida por nós ; também nós devemos dar a nossa vida pelos nossos irmãos" (1Jo 3,16). E em outro lugar é dito ainda: "Quando te sentas a uma mesa magnífica, repara bem no que te servem pois terás de preparar o mesmo" (cf Pr 23,1). É uma mesa magnífica, aquela em que comemos com o Senhor do banquete. Ele é o anfitrião que convida, Ele próprio é o alimento e a bebida. Os mártires prestaram atenção ao que comiam e bebiam para poderem dar o mesmo. Mas como teriam eles podido dar o mesmo se Aquele que fez a primeira oferta não lhes tivesse dado o que eles dariam? É isso que nos recomenda o salmo de onde retirámos esta frase: "É preciosa, aos olhos do Senhor, a morte dos Seus fiéis".

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Comentário ao evangelho do dia

Evangelho - Mt 13,44-46
Naquele tempo, disse Jesus à multidão: "O Reino dos Céus é como um tesouro escondido no campo. Um homem o encontra e o mantém escondido. Cheio de alegria, ele vai, vende todos os seus bens e compra aquele campo. O Reino dos Céus também é como um comprador que procura pérolas preciosas. Quando encontra uma pérola de grande valor, ele vai, vende todos os seus bens e compra aquela pérola".

Comentário feito por Santa Teresinha do Menino Jesus (1873-1897)
carmelita, doutora da Igreja

A esposa [do Cântico] dos Cânticos diz [...] que se levantou do leito para procurar o seu Bem-Amado na cidade, mas em vão; depois de ter saído da cidade, encontrou Aquele que o seu coração amava (cf. Ct 3, 1-4). Jesus não quer que encontremos a Sua adorável presença no repouso: Ele Se esconde. [...] Oh! Que melodia para o meu coração é esse silêncio de Jesus. Ele Se faz pobre para que possamos usar de caridade para com Ele; estende-nos a mão como um mendigo para que, no dia radioso do julgamento, quando Ele aparecer na Sua glória, possamos escutar as Suas doces palavras: "Vinde, benditos de Meu Pai! Recebei em herança o Reino que vos está preparado desde a criação do mundo. Porque tive fome e Me destes de comer, tive sede e Me destes de beber, era peregrino e Me recolhestes, estava nu e Me destes de vestir, adoeci e Me visitastes, estive na prisão e fostes ter comigo" (Mt 25, 34-36). Foi o próprio Jesus que pronunciou estas palavras, é Ele que quer o nosso amor, que o mendiga. Põe-Se, por assim dizer, à nossa mercê, não quer tomar nada sem que Lho demos. [...] Jesus é um tesouro escondido, um bem inestimável que poucas almas sabem encontrar, porque Ele está escondido e o mundo ama aquilo que brilha. Ah! Se Jesus tivesse querido Se mostrar a todas as almas com os Seus dons inefáveis, certamente não haveria nenhuma que O desdenhasse; mas Ele não quer que O amemos pelos Seus dons: Ele próprio é que deve ser a nossa recompensa. Para encontrarmos uma coisa escondida, temos de nos esconder; a nossa vida deve, portanto, ser um mistério; é preciso assemelharmo-nos a Jesus, a Jesus diante de Quem se tapa o rosto (cf. Is 53,3). [...] Jesus ama-te com um amor tão grande que, se o visses, entrarias num êxtase de felicidade [...], mas não o vês e sofres com isso. Muito em breve Jesus "Se levantará para o julgamento, para salvar os humildes da terra" [Sl 76 (75),10].

terça-feira, 26 de julho de 2011

O homem é feito para voar... do contrário, enlouquece

Por Aldo Trento

Enquanto todos estão de férias, sonhando vencer o estresse de uma vida cada vez menos vida, até mesmo o desejo, como dizia alguns meses atrás uma estatística da CENSIS, parece ter se apagado do coração dos italianos, e nos chega, da Noruega, a terrível notícia de dois atentados com uma centena de mortos. Que tapa na cara! Da Noruega? Um dos países mais “perfeitos” do mundo, onde a honestidade e a organização social são apontadas como exemplo. Justo ali foi acontecer um fato que mexeu com todos. O desalento é grande, assim como a dor pelas vítimas e suas famílias, e no entanto não podemos ficar parados nisso, não podemos deixar de lado a necessidade de entender o que foi que ficou travado nesta máquina “perfeita”.
O que foi que travou? O homem. O coração do homem está cada vez mais cansado das contínuas trapaças a que é submetido por um poder dominante que, tendo eliminado Deus (ou tendo-O reduzido a uma ideologia), conseguiu anestesiar o homem fazendo-o acreditar que a sua vida depende do poder mesmo. Mas, esta operação, que Luigi Giussani definia como “efeito Chernobil”, não poderia durar e não durará por muito tempo, porque nunca existirá um poder no mundo capaz de fazer adormecer, até matá-lo, o coração do homem. Mesmo que na Noruega, assim como em todos os lugares do mundo, o poder seja capaz de fazer seus cidadãos acreditarem que, se vivem, é graças a ele, e ainda que estes mesmos cidadãos fiquem gratos a isso. Uma vez anestesiados, esta operação que pretende mudar a genética humana não conseguirá durar muito tempo, porque dentro de cada um de nós existe um Ícaro que não suporta ficar preso numa gaiola que o impeça de voar. 
O homem, o coração do homem, é feito para voar. Por isso, ou esta exigência encontra a sua liberdade ou se transformará numa loucura. Não é possível conter esta sede e fome de felicidade, de amor, de beleza, de verdade, de justiça que constituem o tecido do coração humano. Uma pessoa pode até maldizer estas batidas, mas não poderá deixar de prestar contas disto. E se o poder se esquece desta verdade, por mais perfeitos que sejam seus sistemas, e mesmo se o homem se esquecer, inevitavelmente chegará o momento da loucura e as consequências ficaram visíveis em Oslo. Uma loucura que pode ter como origem mesmo um cristianismo reduzido a ideologia. Quando uma pessoa não encontrou a presença de Cristo como um fato que responde plenamente às exigências da razão e do coração humano, mas uma ideia ou uma inspiração que se vale de Cristo, é inevitável que se censure a razão, o que dá origem a fanatismo e a violência. Quantos horrores se fizeram em nome de Cristo, com os quais Cristo não tem nada que ver! O cristianismo é um acontecimento verificável na sua profunda razoabilidade apenas a partir de dentro de uma realidade vivida inteiramente. Cristo precisa do homem na sua inteireza, e o homem precisa de Cristo.
Então, diante desta tragédia é preciso – para que estes irmãos não tenham morrido em vão – levar a sério o nosso coração com os seus desejos bem expressos pelo Salmo 63: “Ó Deus, Tu és o meu Deus, por Ti madrugo. A minha alma tem sede de Ti, a minha carne deseja-Te com ardor, como terra seca, esgotada e sem água” (Sl 63, 2). Ou, como nos recorda Giuseppe Ungaretti: “Trancado entre coisas mortais (mesmo o céu cheio de estrelas acabará), porque grito Deus?”. O homem é relação com o eterno, é relação com o Infinito, e se o meu coração não encontrar este Tu para o qual é feito, não haverá sistema social, por mais perfeito que seja, que será capaz de impedir que enlouqueça. Se Deus não existe, ou se for reduzido a um ídolo, a ideologia, tudo é possível. Mas, é o coração que diz que Deus existe! É o coração que grita: quero o Infinito. O poder moderno nasce prescindindo de Deus, nasce pretendendo ser Deus, ser ele aquilo de que o coração precisa, e então é inevitável que aconteçam estes tsunamis que nos fazem tremer. Os valores não são suficientes para viver, e ainda menos a pretensão de ser honestos, como há décadas, na Igreja, nos dizemos. É preciso um passo a mais, é preciso encontrar alguém cujo coração é feito, para pegar nas próprias mãos, outra vez, a própria vida. É preciso que reaconteça agora – no meio do verão, enquanto todos estão esparramados, feito frangos depenados, nas praias ou estão, feito corças, caminhando pelas montanhas – o que aconteceu a João e André, a Zaqueu, a Maria Madalena. É preciso o encontro com aquele olhar no qual o Mistério, aquilo de que é feito o coração, se fez carne. É preciso que o olhar de Cristo cruze com o nosso. Aquele olhar que nos torna conscientes de que, antes da loucura, existe o perdão, existe a misericórdia.
Foi isto que me aconteceu quando a ilusão do poder, na sua expressão ideológica, estava mastigando meu cérebro, convencido que eu era de que Cristo não fosse suficiente para livrar o homem da sua loucura, e que continua me acontecendo, enchendo-me de letícia todos os dias. A tragédia que aconteceu na Noruega interpela a responsabilidade que temos, como cristãos, dentro do mundo. A nossa experiência de Cristo é o reacontecer daquilo que aconteceu a João e André, ou é apenas um conjunto de valores, uma moral, incapaz de resistir aos desafios que o mundo moderno nos coloca? Que nos olha nestes dias, observando o nosso rosto, fica fascinado pela beleza de um olhar no qual é evidente a ternura de Cristo? É possível responder ao fanatismo religioso apenas se se mostrar, na vida cotidiana, a razoabilidade da nossa fé. Não existe nada de mais blasfemo do que definir o cristianismo como de esquerda ou de direita. O cristianismo é apenas Cristo, ou seja, o homem. Ser cristão não é acrescentar um adjetivo à palavra “homem”, mas é o nome próprio do homem, diria Giussani, daquele nível da natureza no qual a natureza toma consciência de si.
(do Il Foglio, de 26 de julho de 2011)

* Extraído da Tracce.it, do dia 26 de julho de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Comentário ao evangelho do dia

Santa Maria Madalena

1ª Leitura - Ct 3,1-4a
Eis o que diz a noiva: "Em meu leito, durante a noite, busquei o amor de minha vida. Procurei-o, e não o encontrei. Vou levantar-me e percorrer a cidade, procurando pelas ruas e praças, o amor de minha vida. Procurei-o, e não o encontrei. Encontraram-me os guardas que faziam a ronda pela cidade. 'Vistes por ventura o amor de minha vida?'. E logo que passei por eles, encontrei o amor de minha vida".

Evangelho - Jo 20,1-2.11-18
No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi ao túmulo de Jesus, bem de madrugada, quando ainda estava escuro, e viu que a pedra tinha sido retirada do túmulo. Então ela saiu correndo e foi encontrar Simão Pedro e o outro discípulo, aquele que Jesus amava, e lhes disse: "Tiraram o Senhor do túmulo, e não sabemos onde o colocaram". Maria estava do lado de fora do túmulo, chorando. Enquanto chorava, inclinou-se e olhou para dentro do túmulo. Viu, então, dois anjos vestidos de branco, sentados onde tinha sido posto o corpo de Jesus, um à cabeceira e outro aos pés. Os anjos perguntaram: "Mulher, por que choras?". Ela respondeu: "Levaram o meu Senhor e não sei onde o colocaram". Tendo dito isto, Maria voltou-se para trás e viu Jesus, de pé. Mas não sabia que era Jesus. Jesus perguntou-lhe: "Mulher, por que choras? A quem procuras?". Pensando que era o jardineiro, Maria disse: "Senhor, se foste tu que o levaste dize-me onde o colocaste, e eu o irei buscar". Então Jesus disse: "Maria!". Ela voltou-se e exclamou, em hebraico: "Rabunni" (que quer dizer: Mestre). Jesus disse: "Não me segures. Ainda não subi para junto do Pai. Mas vai dizer aos meus irmãos: subo para junto do meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus". Então Maria Madalena foi anunciar aos discípulos: "Eu vi o Senhor!", e contou o que Jesus lhe tinha dito. 

Comentário feito por São Gregório Palamas (1296-1359)
monge, bispo e teólogo

Entre as que trouxeram perfumes ao túmulo de Cristo, Maria Madalena é a única de cuja memória celebramos. Cristo tinha expulsado dela sete espíritos (Lc 8,2), para dar lugar às sete operações da graça do Espírito. A sua perseverança em ficar perto do túmulo valeu-lhe a visão dos anjos e a conversa com eles; depois, após ter visto o Senhor, tornou-se Sua apóstola junto dos apóstolos. Instruída e plenamente assegurada pela boca de Deus, vai anunciar-lhes que viu o Senhor e repetir-lhes o que Ele lhe disse. Consideremos, meus irmãos, quanto Maria Madalena cedia em dignidade a Pedro, o chefe dos Apóstolos, a João, o teólogo bem-amado por Cristo, e quanto ela foi, no entanto, mais favorecida que eles. Eles, quando acorreram ao sepulcro, apenas viram as ligaduras e o sudário; mas ela, que permanecera com firme perseverança até ao fim à porta do túmulo, viu, antes dos apóstolos, não só os anjos, mas o próprio Senhor dos Anjos, ressuscitado na carne. Ela ouviu a Sua voz e assim Deus, pela Sua própria palavra, a pôs ao Seu serviço.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Nenhuma teoria (e laboratório) nos faz nascer outra vez...


Por Salvatore Abbruzzese

Para o homem contemporâneo, ou seja, aquele que frui – pelo menos potencialmente – do capital informativo e cultural que caracteriza a atual sociedade global, a lista das escolhas possíveis só se tem alongado, estendendo-se dia após dia para além de todo confim tradicionalmente herdado. E possível escolher aquilo que até ontem parecia imutável, pensando que, assim, seja possível, razoavelmente, modificar não apenas as condições materiais de vida e os modelos de expressão, mas também as próprias características físicas e o mesmo o próprio gênero.
O problema encontra-se, portanto, aberto, mas as suas raízes não são, de fato, inéditas. A extensão ilimitada das oportunidades e o consequente aumento das potencialidades de escolha do indivíduo não datam de hoje, mas estão no centro da modernidade como projeto cultural. Nos fatos é a modernidade na qual nascemos que alimenta constantemente a esperança de uma extensão crescente e potencialmente ilimitada das opções, ou seja, das escolhas à disposição. Estender ao máximo as ocasiões de escolha – como recordava Dahrendorf, em 1979 – é um objetivo que se situa no coração do projeto moderno, e constitui o seu verdadeiro motor motivacional, o que alimenta incessantemente sua dimensão projetual. Para um mundo fundado sobre a liberdade, esta última tem tanto sentido quanto mais o sujeito puder escolher entre uma série crescente e potencialmente ilimitada de oportunidades de vida.
O dado inédito, que é alimentado pelos recentes desenvolvimentos da ciência contemporânea, constitui-se da possibilidade de deixar entrar na rede das opções à disposição também os dados da bagagem natural que, até ontem, eram entendidos como o mais incontroverso dos dados de fato. Uma tal possibilidade de escolha também das características vinculadas à própria natureza psíquica e física não tem apenas problemas no plano ético e político, mas transforma também completamente os termos mesmos do confronto entre modernidade e tradição.
A primeira, de fato, vê transitar a própria dimensão projetual do plano social e político para o das características físicas e psíquicas. Tendo emergido a partir da afirmação de um projeto de emancipação no plano social, a sociedade moderna declina, apresentando um programa de transformação genética. Nascida como direito coletivo à palavra, a modernidade vê o seu declínio no direito do sujeito à redefinição de si mesmo. Estabelecida no laboratório político, descobre a resolução no acomodar-se no laboratório genético.
Mas, também a tradição, de modo quase automático, muda decididamente o seu perfil, passando da subscrição de um código ético e normativo já dado, para a definição de um novo modelo de realização. O sujeito, mais do que tender à multiplicação das oportunidades, se volta aqui para a recuperação e para  a reconstrução dos vínculos e das relações significativas. A dinâmica da tradição se desenrola passando da simples subscrição do statu quo para a busca dos pertencimentos vinculantes. Contra a reversibilidade das escolhas propostas pela modernidade, a tradição replica com a irreversibilidade das relações significativas. Não se trata, aqui, apenas das escolhas do vínculo paterno e materno que se revelam, uma vez efetuadas, completamente não modificáveis, mas todas as escolhas afetivas e vocacionais revelam a mesma dinâmica de irreversibilidade: prova disso é a ferida que continua aberta para sempre, todas as vezes em que tais “escolhas de vínculo” são anuladas por uma renúncia pessoal. Não há escolha de vida verdadeiramente autêntica que não envolva a radicalidade do ser e, nesse mesmo caminho, se preste a ser pensada e vivida como implicitamente irreversível.
O deslocamento da modernidade do plano das reivindicações sociais para o da autodeterminação pessoal provoca, assim, uma transformação radical da forma como enfrenta a tradição.
No passado, o confronto entre tradição e modernidade se realizava ao redor da questão ética socialmente dada e juridicamente codificada. A distinção se desenvolvia entre duas leituras da realidade: a primeira, que tendia a uma adesão incondicional à autoridade do “eterno ontem” que, dessa forma, se constitui na premissa legitimadora, a segunda dirigida à busca também incondicional da mudança e à consequente exaltação do novo entendido como senso normativo da história.
Na presente linha de separação entre modernidade e tradição, e portanto o elemento estrutural de diferenciação, desenvolve-se, pelo contrário, na lacuna crescente entre quem persegue um extensão ilimitada das escolhas à disposição e quem, por outro lado, tem como objetivo também uma busca estendida de relações significativas. 
Desenvolve-se assim uma diferenciação cada vez mais clara entre duas antropologias distintas: uma, própria da modernidade, que vê o sujeito tendido a se libertar de todo vínculo e a se voltar para uma busca de uma cada vez maior e mais completa afirmação de si mesmo; a outra, própria da tradição, onde o sujeito, pelo contrário, está sempre mais atento a uma plena e bem definida afirmação das relações significativas, a partir das quais ele se situa e se define. A uma emancipação do sujeito, consequente ao reconhecimento do “direito aos direitos” e, portanto, tendido à autodeterminação radical daquilo que escolhe ser, se contrapõe uma realização da pessoa voltada ao reconhecimento dos vínculos e das redes de relações às quais escolhe se ligar. Na primeira, o sujeito coroa o próprio sucesso na medida em que tem acesso a uma rede cada vez mais vasta de opções, na segunda ele vê a própria realização na localização e no reconhecimento dos vínculos que o definem. Nestes vínculos, o sujeito descobre seu próprio rosto, aquele que, de fato, ele não quer modificar e para o qual toda potencial transformação genética é simples loucura.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 14 de julho de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Entendi, com meus alunos, o que é a escola...


Por Mario Caponnetto

Depois de seis anos ensinando no Centro de Formação Profissional In-presa, neste ano me perguntei qual a incidência que os adultos têm no percurso dos jovens e, sobretudo, qual a incidência que os professores têm entre os alunos, visto que, frequentemente, o professor é uma figura a ser suportada mais do que alguém de quem se aprende algo. Buscando responder a estas perguntas, li com atenção as redações de fim de ano, das quais consegui uma ajuda para julgar, de modo realista, o meu percurso como professor.
Dei-me conta de que aconteceu uma experiência verdadeiramente educativa, porque foram respeitadas certas condições.
Antes de mais, nada daquilo que aconteceu foi censurado, porque tudo foi acolhido e julgado. “Durante o estágio, tive alguns desentendimentos com Marco e Mathias e, às vezes, a vontade de ir trabalhar ia embora”, diz Simone, aluno do I Elétrico; da mesma forma, Mirco, seu colega de sala, que na carta final na qual faz um resumo de como o ano passou, escreve: “Cara Emilia, eu me chamo Mirco e estou na escola há um ano. Gostei muito, mesmo tendo tido alguns desentendimentos com os professores por causa dos meus modos de estar em sala”. Os desentendimentos acontecem, mas não são tudo, se forem julgados: podem representar um passo verdadeiro em direção a uma conquista maior.
O primeiro modo de julgar os limites é aceitá-los, como diz Luigi acerca de seu tutor na empresa: “Cara Emilia, sou Luigi... os meus pontos de referência mais importantes foram os tutores na empresa, particularmente Rossano. Ele foi muito mais do que alguém que me deu um trabalho, porque, mesmo sendo consciente das minhas escassas capacidades, me aceitou e elogiou por aquilo que fiz”.
É apenas assim que se descobre que alguém pode lhe dar uma mão, que você não está sozinho com o seu limite, mas que pode olhá-lo de frente. “No início, eu me sentia sem lugar, a minha situação era parecida com a de um peixe fora d’água, eu tinha sido colocado na cozinha sem ao menos saber as técnicas básicas, eu me sentia inútil... Esta situação melhorou mês após mês, até atingir a autonomia nas tarefas mais elementares e superar problemas que, no início, me pareciam intransponíveis. Giacomo me deu uma mão e tanto”, disse Riccardo do I Auxiliar de Cozinha. Gabriele, um aspirante a eletricista, diz algo parecido: “No laboratório, não sou muito prático, mas os professores me dizem que é normal, de fato aprendi muitas coisas que eu não sabia, e para im isto quer dizer que tenho satisfações”.
Eis outra grande descoberta: posso estar diante dos meus limites apenas se tem alguém que me ajuda a olhar para eles, alguém que vê mais, que vê na frente. O adulto se encontra ali para me ajudar a olhá-los, não para censurá-los; por isto, é alguém que me deixa mais livre, como disse Cristian: “O tutor na empresa sempre me fez sentir em casa, me fez sentir livre para aprender e errar! Teve muita paciência, visto que, no início, eu era como uma criança que engatinha, não sabia caminhar”. É um adulto que ajuda a ver a realidade, que introduz na realidade, até dentro dos aspectos mais difíceis, aqueles a que é necessário se habituar: “Durante o primeiro mês de estágio, eu não estava satisfeita com meu trabalho. Quando comecei a me habituar com os horários e os tempos do restaurante, comecei a me sentir satisfeita com o meu trabalho”, disse Giulia.
O adulto, de um lado, faz entender o valor da fadiga que deve realizar, mas, de outro, oferece a possibilidde de se apaixonar por um pedaço da realidade, como nos testemunha Carlos: “A minha matéria preferida é Cidadania, uma matéria muito importante, porque nos mantém sempre informados de coisas interessantes”. Também Michael se interessou por uma matéria: “A minha matéria preferida é Inglês; tendo uma garota tão bonita como professora, é possível fazer as tarefas melhor e com mais vontade”. É uma paixão que tem que ver com a descoberta do belo, às vezes através do rosto de uma bela professora, mas tem que ver também com uma gratificação, como disse Stefano: “Por hora, o prato que mais gostei de fazer foi a crostata. Mais do que um prato, é um doce e digo que me dei muito bem porque o professor me disse isso, ele havia dito também que era melhor do que a que ele havia feito”.
Depois de ter descoberto uma paixão, um professor, um tutor, Alessandro, um aluno do segundo ano, chegou a dizer: “Para mim, o estágio é como uma partida de futebol: é bonito, mas cansa”. E Niccolò chegou a falar da escola em termos quase poéticos: “para definir a escola eu usaria a metáfora da neblina, porque a neblina, depois de um tempo, se dissolve. Quando cheguei aqui, não sabia nada, mas agora estou começando a entender esta profissão, exatamente como a neblina que se dissolve”.
Pode acontecer que um aluno entenda mais o que quer fazer e decida mudar o percurso: “Cara Emilia, me chamo Simone, sou do II B Elétrico e tenho 16 anos. Este ano foi bom. Consegui encontrar minha pérola! No início do ano, tive a oportunidade de ver se o eletricista era o meu caminho e, de fato, não era; assim, experimentei o curso de arquivista, mas também este não era o meu caminho. Assim, escolhi seguir a minha paixão, ou seja, estar em contato com os animais e fiquei bem. [...] Quem sabe, quando eu estiver grande, poderei me especializar como adestrador”. Pode acontecer também que se abra algo que estava fechado há tempos ou que, talvez, nunca se tenha aberto: “Sempre fui uma garota daquelas que odeia estudar, mas esta escola conseguiu me fazer abrir a vontade de estudar, de conhecer e aprender a história das paixões que tenho dentro de mim, daquilo que escolhi como o trabalho do meu grande futuro”, disse Yuney, aluna do I Auxiliar de Cozinha.
Por isto, Mattia, depois de ter descoberto que pode enfrentar os seus limites sem censurá-los, depois de ter descoberta que também ele pode ter uma paixão, que tem alguém pronto a acolhê-lo e a ensinar-lhe uma profissão, pode dizer: “Para mim, este ano voou, sem que eu nem me desse conta”.
Portanto, o que é a escola? Marco é quem explica muito bem: “Cara Emilia, estou freqüentando a sua escola porque quero ter um futuro, ser alguém, mesmo porque ser garçon é o que eu sempre quis fazer, e esta escola, a sua escola, me permite realizar este meu sonho”.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 28 de junho de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Cartas do P.e Aldo 198


Asunción, 21 de junho de 2011.

Caríssimos,
Eis a foto de recordação das 11 crianças da Casinha de Belém batizadas neste domingo. A maioria delas não tem ninguém, mas agora podem dizer “Pai” para o Mistério. Que responsabilidade, para mim e os amigos, nos foi presenteada com o batismo delas! Uma responsabilidade possível de viver apenas se o meu eu é definido, momento após momento, pela certeza “eu sou Tu que me fazes”. Desta certeza depende todo o caminho educativo e a sua maturidade.
Olho-os e vejo a grandeza e a beleza do Mistério que permitiu que nascessem em condições desumanas e violentas para, depois, retomá-los e levá-los para onde Sua Presença é evidente.
Olho-os e, comovido, penso naquilo que o profeta disse: “antes de te formares no ventre de tua mãe, pronunciei o teu nome”.
Que bonito: eu, como os meus pequenos, fomos pensados, desde sempre, por Deus! Que bonito: eu, como as minhas crianças, fomos chamados pelo nome, ou seja, somos Seus, pertencemos-Lhe desde sempre. Então, o modo com o qual fomos concebidos é secundário (não porque não seja importante... pelo contrário), porque a nossa identidade vem antes, vem da eternidade. Então, mesmo se concebido na violência, isto não define mais a minha personalidade. 
O aborto é terrível porque elimina um nome que Deus pronunciou desde sempre. Então, entendem porque as meninas grávidas são, para mim, tesouros, mesmo que tenham 12 anos de idade. Elas moram conosco, salvas daquelas diabólicas ONGs que fazem de tudo para que abortem.
Uma garotinha da favela, vítima do crack desde os 9 anos de idade, não queria a criança de que estava grávida e chegou aqui em condições indescritíveis. Deu à luz uma menina lindíssima (hoje, a mãe tem 15 anos) e, no início não a queria. Três meses se passaram e ela, a mãe, é outra pessoa, é uma verdadeira mulher, uma verdadeira mãe. Mesmo o seu aspecto físico mudou: está bonita, bem vestida, limpa, orgulhosa da sua feminilidade. Vê-la amamentando a sua menina é de uma ternura enorme.
Não mais o passado como “piranha” (é como são chamadas essas crianças), mas um início de consciência de ser fruto do SER, daquele “Tu que me fazes”. Mas, dentro de uma companhia de 24 horas por dia. Porém, é assim que o Mistério nos faz companhia. Lucilla, a filha do meu amigo Luigi Amiconi, dizia: “Tudo o que eu faço é dizer ‘sim’ a Liz (uma menina com gravíssimos problemas psíquicos, físicos e de mobilidade), e este ‘SIM’ mudou Liz e me mudou. E dizer ‘SIM’ quer dizer responder às suas necessidades, quer dizer estar sempre com ela. E este ‘SIM’ que digo a ela, eu o digo a todas as crianças. Mas, posso dizê-lo porque um outro o diz para mim”.
E é mesmo bonito ver esta garota de 12 anos, que parece ter a metade, e que não fala, é mesmo bonito vê-la feliz e fazendo de tudo para responder às provocações de Lucilla. E Lucilla que a olha, a olha para perceber o que quer, o que a realidade lhe pede para poder responder “SIM”. Educar é apenas dizer “SIM” à realidade.
Padre Aldo

terça-feira, 21 de junho de 2011

O homem não pode viver sem esta busca pela verdade sobre si mesmo

Visita Pastoral à Diocese de San Marino-Montefeltro

Encontro com os jovens da diocese de San Marino-Montefeltro

Discurso do Santo Padre Bento XVI

Praça Vittorio Emanuele – Pennabilli
Domingo, 19 de junho de 2011

Caros jovens,
Estou muito contente de estar, hoje, em vosso meio e convosco! Sinto toda a vossa alegria e o entusiasmo que caracterizam a vossa idade. Saúdo e agradeço o vosso Bispo, D. Luigi Negri, pelas cordiais palavras de acolhida, e o vosso amigo que se fez intérprete dos pensamentos e dos sentimentos de todos, e formulou algumas questões muito sérias e importantes. Espero que, durante esta minha exposição, se encontrem também os elementos para encontrar as respostas a estas perguntas. Saúdo com afeto os Sacerdotes, as Irmãs, os animadores que compartilham convosco o caminho da fé e da amizade; e naturalmente também os vossos pais, que se alegram ao ver-vos crescendo fortes no bem.
O nosso encontro aqui, em Pennabilli, diante desta Catedral, coração da Diocese, e nesta Praça, nos remete, com o pensamento, aos numerosos e diversos encontros de Jesus, que nos são contados pelos Evangelhos. Hoje, gostaria de chamar a atenção para o célebre episódio no qual o Senhor estava no caminho e um tal – um jovem – correu ao seu encontro e, se ajoelhando, lhe fez esta pergunta: “Bom Mestre, o que devo fazer para ter por herança a vida eterna” (Mc 10, 17). Talvez, nós, hoje, não diríamos assim, mas o sentido da pergunta é o mesmo: o que devo fazer, como devo viver para viver realmente, para encontrar a vida? Portanto, dentro desta interrogação podemos ver encerrada a ampla e variada experiência humana que se abre à busca do significado, do sentido profundo da vida: como viver, por que viver. A “vida eterna”, de fato, à qual se refere aquele jovem do Evangelho, não indica apenas a vida depois da morte, não quer saber apenas como se chega ao céu. Quer saber: como devo viver, agora, para ter já a vida que pode ser também, depois, a eterna. Portanto, nesta pergunta, este jovem manifesta a exigência de que a existência cotidiana encontre sentido, encontre plenitude, encontre verdade. O homem não pode viver sem esta busca pela verdade sobre si mesmo – o que sou eu, para que devo viver –, verdade que impulsione a abrir o horizonte e a ir além daquilo que é material, não para fugir da realidade, mas para vivê-la de modo ainda mais verdadeiro, mais rico de sentido e de esperança, e não apenas na superficialidade. E acredito que esta – e eu o vi e ouvi nas palavras do vosso amigo – seja também a vossa experiência. As grandes interrogações que carregamos dentro de nós permanecem sempre, renascem sempre: quem somos?, de onde viemos?, para quem vivemos? E estas questões são o sinal maior da transcendência do ser humano e da capacidade que temos de não parar na superfície das coisas. E é exatamente olhando para nós mesmos com verdade, com sinceridade e com coragem que intuímos a beleza, mas também a precariedade da vida e sentimos uma insatisfação, uma inquietude que nada de concreto consegue preencher. No fim, todas as promessas se demonstram frequentemente insuficientes.
Caros amigos, convido-vos a tomar consciência desta saudável e positiva inquietude, a não ter medo de vos colocar perguntas fundamentais sobre o sentido e sobre o valor da vida. Não parai nas respostas parciais, imediatas, certamente mais fáceis no momento e mais cômodas, que podem dar algum momento de felicidade, de exaltação, de embriaguez, mas que não vos levam à verdadeira alegria de viver, aquela que nasce de quem constrói – como disse Jesus – não sobre a areia, mas sobre a rocha sólida. Aprendei, então, a refletir, a ler de modo não superficial, mas em profundidade, a vossa experiência humana: descobrireis, com maravilhamento e com alegria, que o vosso coração é uma janela aberta para o infinito! Esta é a grandeza do homem e também a sua dificuldade. Uma das ilusões produzidas no curso da história foi a de pensar que o progresso técnico-científico, de modo absoluto, poderia dar respostas e soluções a todos os problemas da humanidade. E vemos que não é assim. Na realidade, mesmo se tivesse sido possível, nada e ninguém poderia ter cancelado as perguntas mais profundas sobre o significado da vida e da morte, sobre o significado do sofrimento, de tudo, porque estas perguntas estão inscritas no espírito humano, no nosso coração, e ultrapassam a esfera das necessidades. O homem, mesmo na era do progresso científico e tecnológico – que nos deu tanto – permanece um ser que deseja mais, mais do que a comodidade e o bem-estar, continua aberto à verdade inteira de sua existência, que não pode parar nas coisas materiais, mas se abre a um horizonte muito mais amplo. Tudo isto vós experimentais continuamente, cada vez que vos perguntais “mas, por quê?”. Quando contemplais um pôr do sol, ou uma música, movem-se em vós o coração e a mente; quando experimentais o que quer dizer amar verdadeiramente; quando sentis com força o sentido da justiça e da verdade, e quando sentis também a falta de justiça, de verdade e de felicidade.
Caros jovens, a experiência humana é uma realidade que nos acomuna a todos, mas a elas se podem dar diversos níveis de significado. E é aqui que se decide a forma como orientar a própria vida e se escolhe a quem confiá-la, a quem se confiar. O risco é sempre o de permanecer aprisionado ao mundo das coisas, do imediato, do relativo, do útil, perdendo a sensibilidade por aquilo que se refere à nossa dimensão espiritual. Não se trata, de fato, de desprezar o uso da razão ou de rejeitar o progresso científico, mas exatamente o contrário; trata-se muito mais de entender que cada um de nós não é feito somente de uma dimensão “horizontal”, mas compreende também aquela dimensão “vertical”. Os dados científicos e os instrumentos tecnológicos não podem substituir-se ao mundo da vida, aos horizontes de significado e de liberdade, à riqueza das relações de amizade e de amor.
Caros jovens, é exatamente na abertura para a verdade inteira de nós, de nós mesmos e do mundo, que vemos a iniciativa de Deus para conosco. Ele vem ao encontro de cada homem e lhe faz conhecer o mistério do Seu amor. No Senhor Jesus, que morreu e ressuscitou por nós e nos deu o Espírito Santo, somos mesmos tornados partícipes da vida de Deus, pertencemos à família de Deus. NEle, em Cristo, podeis encontrar a resposta para as perguntas que acompanham o vosso caminho, não de modo superficial, fácil, mas caminhando com Jesus, vivendo com Jesus. O encontro com Cristo não se resolve na adesão a uma doutrina, a uma filosofia, mas aquilo que Ele vos propõe é compartilhar a Sua mesma vida e, assim, aprender a viver, aprender o que é o homem, o que sou eu. Para aquele jovem, que Lhe havia perguntado o que fazer para entrar na vida eterna, ou seja, para viver verdadeiramente, Jesus responde, convidando-o a largar os seus bens e acrescenta: “Vem! Segue-me!” (Mc 10, 21). A palavra de Cristo mostra que a vossa vida encontra significado no mistério de Deus, que é Amor: um Amor exigente, profundo, que vai além da superficialidade! O que seria da vossa vida sem este amor? Deus cuida do homem desde a criação até ao final dos tempos, quando levará à realização o seu projeto de salvação. No Senhor Ressuscitado a certeza da nossa esperança! Cristo mesmo, que foi até às profundezas da morte e ressuscitou, é a esperança em pessoa, é a Palavra definitiva pronunciada sobre a nossa história, é uma palavra positiva.
Não temeis enfrentar as situações difíceis, os momentos de crise, as provações da vida, porque o Senhor vos acompanha, está convosco! Encorajo-vos a crescer na amizade com Ele, através da leitura frequente do Evangelho e de toda a Sagrada Escritura, da participação fiel à Eucaristia como encontro pessoal com Cristo, do compromisso no interior da comunidade eclesial, do caminho com uma orientação espiritual válida. Transformados pelo Espírito Santo, podereis experimentar a autêntica liberdade, que é tal quando é orientada para o bem. Deste modo, a vossa vida, animada por uma contínua busca do rosto do Senhor e da vontade sincera de dar vós mesmos, será, para tantos de vossos coetâneos, um sinal, um chamado de atenção eloquente a viver de forma tal que o desejo de plenitude que está em todos nós se realize finalmente no encontro com o Senhor Jesus. Deixai que o mistério de Cristo ilumine toda a vossa pessoa! Então, podereis levar aos diversos ambientes aquela novidade que pode mudar as relações, as instituições, as estruturas, para construir um mundo mais justo e solidário, animado pela busca do bem comum. Não cedei à lógica individualista e egoísta! Conforte-vos o testemunho de tantos jovens que atingiram a meta da santidade: pensai em Santa Teresinha do Menino Jesus, em São Domingos Sávio, em Santa Maria Gorete, no Beato Pier Giorgio Frassati, no Beato Alberto Marvelli – que é desta terra! – e em tantos outros, desconhecidos de nós, mas que viveram o seu tempo na luz e na força do Evangelho, e encontraram a resposta: como viver, o que fazer para viver.
Como conclusão deste encontro, quero confiar cada um de vós à Virgem Maria, Mãe da Igreja. Como Ela, possais pronunciar e renovar o vosso “sim” e glorificar sempre o Senhor com a vossa vida, porque Ele vos dá palavras de vida eterna! Coragem, então, caros jovens e caras jovens, no vosso caminho de fé e de vida cristã também eu estarei próximo de vós e vos acompanharei com minha Bênção. Obrigado pela vossa atenção!

* Extraído do site do Vaticano, do dia 19 de junho de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Comentário ao evangelho do dia

Evangelho - Mt 6,7-15
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: "Quando orardes, não useis muitas palavras, como fazem os pagãos. Eles pensam que serão ouvidos por força das muitas palavras. Não sejais como eles, pois vosso Pai sabe do que precisais, muito antes que vós o peçais. Vós deveis rezar assim: Pai Nosso que estás nos céus, santificado seja o teu nome; venha o teu Reino; seja feita a tua vontade, assim na terra como nos céus. O pão nosso de cada dia dá-nos hoje. Perdoa as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido. E não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal. De fato, se vós perdoardes aos homens as faltas que eles cometeram, vosso Pai que está nos céus também vos perdoará. Mas, se vós não perdoardes aos homens, vosso Pai também não perdoará as faltas que vós cometestes.

Comentário feito por Santa Teresa de Ávila (1515-1582)
carmelita, doutora da Igreja

"Seja feita a Vossa vontade, assim na terra como no céu". Porque todos os avisos que vos tenho dado neste livro vão dirigidos a este ponto de nos darmos de todo ao Criador e pormos a nossa vontade na Sua, de nos desapegarmos das criaturas, e já tereis entendido o muito que isto importa, nada mais digo; somente direi o motivo porque o nosso bom Mestre põe aqui estas sobreditas palavras, como Quem sabe quanto ganharemos em prestar este serviço a Seu eterno Pai, a fim de nos dispormos para, com muita brevidade, nos vermos com o caminho acabado de andar e bebendo da água viva da fonte que fica dita. Porque, sem darmos totalmente a nossa vontade ao Senhor para que, em tudo o que nos toca, Ele faça conforme a Sua vontade, nunca nos deixará beber dela. Isto é contemplação, de que me dissestes que escrevesse. E nisto [...] nenhuma coisa fazemos da nossa parte: nem trabalhamos, nem negociamos, nada mais é preciso; porque tudo o mais estorva e impede de dizer "fiat voluntas tua": cumpra-se em mim, Senhor, a Vossa vontade. Com efeito, tudo o que quiséssemos fazer pelo nosso trabalho e pela nossa competência, tendo em vista alcançar para nós a quietude, não nos serviria senão de obstáculo e de impedimento. Cumpra-se em mim, Senhor, a Vossa vontade de todos os modos e maneiras que Vós, Senhor meu, quiserdes. Se quereis com trabalhos, dai-me esforço e venham; se com perseguições e enfermidades e desonras e necessidade, aqui estou, não voltarei o rosto, Pai meu, nem é razão para voltar as costas. Seria indigno de mim recuar. Pois Vosso filho Vos deu esta minha vontade dando-Vos a vontade de todos, não é razoável que falhe por minha parte; mas sim me façais Vós mercê de me dar o Vosso Reino para que eu possa fazê-lo, pois Ele mo pediu, e disponde em mim como de coisa Vossa, conforme a Vossa vontade.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Comentário ao evangelho do dia

Evangelho - Mt 5,43-48
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: "Vós ouvistes o que foi dito: 'Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo!'. Eu, porém, vos digo: Amai os vossos inimigos e rezai por aqueles que vos perseguem! Assim, vos tornareis filhos do vosso Pai que está nos céus, porque ele faz nascer o sol sobre maus e bons, e faz cair a chuva sobre justos e injustos. Porque, se amais somente aqueles que vos amam, que recompensa tereis? Os cobradores de impostos não fazem a mesma coisa? E se saudais somente os vossos irmãos, o que fazeis de extraordinário? Os pagãos não fazem a mesma coisa? Portanto, sede perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito".

Comentário feito por São Francisco de Assis (1182-1226)
fundador dos Irmãos menores

Nós, todos os irmãos, acatamos atentamente o que diz o Senhor: "Amai os vossos inimigos, fazei o bem a quem vos odeia". Nosso Senhor Jesus Cristo, cujos passos devemos seguir (1Pe 2,21), deu o nome de amigo a quem O traía (Mt 26,50), e ofereceu-Se voluntariamente aos que O iam crucificar. Por conseguinte são nossos amigos todos aqueles que nos infligem injustamente adversidades e angústias, afrontas e ofensas, dores e tormentos, o martírio e a morte. Devemos amá-los muito, porque os ferimentos que nos causam proporcionar-nos-ão a vida eterna.

domingo, 12 de junho de 2011

Cartas do P.e Aldo 196

Asunción, 10 de junho de 2011.

Caríssimos,
Levando a sério aquilo que Carrón nos diz, fazendo um trabalho permanente, verificando em cada momento a razoabilidade da fé, a dúvida desaparece, deixando lugar para uma certeza de ferro que nem mesmo a pior condição na qual uma pessoa possa se encontrar a fará tremer. Isto não significa – e eu experimento isto todos os dias, há mais de 20 anos – que me seja poupada a experiência da solidão, da dor que Jesus mesmo viveu no Getsêmani ou na cruz.
Quantas vezes eu gritei e grito: “Pai, se é possível, afasta de mim este cálice”. Ou quantas vezes busquei inutilmente uma companhia que “vigiasse” comigo! Porém, dentro deste deserto, desta batalha, a luz da fé sempre venceu e mesmo que em certo momentos o grito de Jesus se tenha feito vivo – “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” –, é como se imediatamente a posição da fé vencesse sempre: “Não a minha, mas a tua vontade seja feita” ou “nas tuas mãos eu me confio”.
Ver todos os dias pessoas morrendo ou tanta dor inocente me permite viver continuamente esta experiência. Digo experiência porque fica sempre mais claro que Deus é tudo, que Deus se ocupa de mim e de cada um de nós com uma ternura infinita.
Ontem, morreu Domenica, uma garota lindíssima doente de AIDS. A sua jovem vida tinha sido destruída pela prostituição a que tinha sido obrigada por seu companheiro, um alemão, que desapareceu depois que ela ficou doente. Ler o seu prontuário médico é assustador, quando se vê aonde pode chegar uma pessoa quando em seu coração não há Deus. Nestes últimos meses, vivia numa casa cujas paredes eram de papelão. Nós a encontramos abandonada no chão de terra, sozinha. Vivia com um homem, na miséria absoluta. Nós a trouxemos para a clínica, mas ela já havia decidido morrer. Não queria mais saber de nada: nem comer, nem tomar remédios. Num momento de crise, teve uma reação muito feia com uma enfermeira que acabou machucando o dedo com uma seringa com a qual lhe havia aplicada uma injeção. Um drama no drama.
A enfermeira, uma bela garota, mãe de quatro filhos, dos quais três são gêmeos, depois de um primeiro momento de medo, colocou-se em contato com o médico responsável pela clínica na qual, um tempo antes, havia acontecido a mesma coisa, e escreveu estas palavras: “tão logo me dei conta do que havia acontecido, tirei minhas luvas, lavei minhas mãos, chamei o médico para ver o que podia ser feito e experimentei uma grande angústia. Mas, imediatamente, entreguei tudo a Deus e me lembrei daquilo que me havia sido dito num encontro de catequese: ‘O demônio favorece estas coisas para que nasça em nós a dúvida: por que Deus permite estas coisas’. Mas, eu tenho a certeza de que mesmo esta provação é uma Graça de Deus que me ama, de forma que deixo tudo em Suas mãos, para que se faça a Sua vontade, e isto me dá tanta paz”.
Domenica, olhando-a com amor, começou a se acalmar, tomou o remédio e quando lhe perguntava se queria um sorvete, ela me respondia: “Sim, padre, quero de baunilha”.
A depressão pareceu se acalmar um pouco e foi bonito quando pediu o Batismo e a Primeira Comunhão. Foi um momento que significou mesmo uma melhora do seu estado de saúde. Recebeu a Eucaristia até a manhã do dia em que morreu. Eu a olhei e ainda era bela. O seu corpo nunca amado e sempre usado tinha reencontrado uma harmonia suprimida por anos de prostituição. Uma vez mais Deus venceu, uma vez mais a evidência de que Deus não abandona os seus filhos, por mais desesperados que sejam, se impõe aos olhos de todos.
Era o reacontecer do fato da adúltera, da Samaritana. Então, como não se render à evidência, à razoabilidade da fé?
E todos os dias é assim, amigos. De fato, somos os vivos, de fatos Cristo já venceu tudo. Amigos, vejo como Deus é atento a quem não tem nada, vejo como Deus ama e recolhe aqueles que o mundo chama de lixo humano. De fato, para Deus, não existe o filho bom ou o mal, existe apenas o filho.
Padre Aldo

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Os homens sempre têm necessidade de Deus, mesmo neste nosso mundo tecnológico...

Bento XVI

Regina Coeli

Praça São Pedro
Domingo, 15 de maio de 2011

Caros irmãos e irmãs!
A liturgia do IV Domingo de Páscoa nos apresenta um dos ícones mais belos que, desde os primeiros séculos da Igreja, representaram o Senhor Jesus: o do Bom Pastor. O Evangelho de São João, no capítulo décimo, nos descreve os traços peculiares do relacionamento entre Cristo Pastor e o seu rebanho, um relacionamento de tal forma estreito que ninguém nunca conseguirá tirar as ovelhas de sua mão. Elas, de fato, são unidas a Ele por um vínculo de amor e de recíproco conhecimento, que garante a eles o dom incomensurável da vida eterna. Ao mesmo tempo, a postura do rebanho para com o Bom Pastor, Cristo, é apresentado pelo Evangelista com dois verbos específicos: escutar e seguir. Estes termos designam as características fundamentais daqueles que vivem o seguimento do Senhor. Antes de tudo, a escuta da sua Palavra, da qual nasce e se alimenta a fé. Somente quem é atento à voz do Senhor é capaz de avaliar na própria consciência as justas decisões para agir segundo Deus. Da escuta deriva, portanto, o seguimento a Jesus: age-se como discípulos depois de ter escutado e acolhido interiormente os ensinamentos do Mestre, para vivê-los cotidianamente.
Neste domingo, portanto, é espontâneo recomendar a Deus os Pastores da Igreja, e aqueles que estão se formando para se tornarem Pastores. Convido-vos, por isso, a uma oração especial pelos Bispos – inclusive o Bispo de Roma! –, pelos párocos, por todos aqueles que têm responsabilidades como guias do rebanho de Cristo, para que sejam fiéis e sábios no cumprimento de seu ministério. Particularmente, rezemos pelas vocações sacerdotais nesta Jornada Mundial de Oração pelas Vocações, para que nunca faltem operários capazes na messe do Senhor. Há setenta anos, o Venerável Pio XII instituiu a Pontifícia Obra pelas Vocações Sacerdotais. A feliz intuição do meu Predecessor se fundava sobre a convicção de que as vocações crescem e amadurecem nas Igrejas particulares, se facilitadas por contextos familiares saudáveis e robustecidos pelo espírito de fé, de caridade e de piedade. Na mensagem enviada para esta Jornada Mundial, chamei a atenção para o fato de que uma vocação se realiza quando sai “da própria vontade fechada e da própria ideia de autorrealização, para imergir numa outra vontade, a de Deus, deixando-se guiar por ela”. Mesmo neste tempo, no qual a voz do Senhor parece submergir em meio a tantas outras vozes, toda comunidade eclesial é chamada a promover e cuidar das vocações ao sacerdócio e à vida consagrada. Os homens, de fato, sempre têm necessidade de Deus, mesmo neste nosso mundo tecnológico, e sempre será necessário Pastores que anunciem a sua Palavra e façam com que Senhor seja encontrado nos Sacramentos.
Caros irmãos e irmãs, revigorados pela alegria pascal e pela fé no Ressuscitado, confiemos os nossos propósitos e as nossas intenções à Virgem Maria, mãe de toda vocação, para que, com a sua intercessão, suscite e sustente numerosas e santas vocações para o serviço da Igreja e do mundo.

Apelo
Continuo acompanhando com grande apreensão o dramático conflito armado que, na Líbia, causou um elevado número de vítimas e de sofrimentos, sobretudo entre a população civil. Renovo um urgente apelo para que o caminho da negociação e do diálogo prevaleça sobre o da violência, com a ajuda dos organismos internacionais que se empenham na busca de uma solução para a crise. Asseguro, além do mais, a minha orante e comovida participação no compromisso com o qual a Igreja local assiste a população, particularmente através de pessoas consagradas presentes nos hospitais.
O meu pensamento se dirige também à Síria, onde é urgente restaurar uma convivência orientada para a concórdia e para a unidade. Peço a Deus que não haja mais derramamento de sangue naquela pátria de grandes religiosos e de grande civilização, e convido as autoridades e todos os cidadãos a não pouparem esforços na busca do bem comum e na acolhida das legítimas aspirações por um futuro de paz e de estabilidade.

* Extraído do site do Vaticano, do dia 15 de maio de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

sábado, 16 de abril de 2011

Comentário ao evangelho do dia

Sábado da 5ª Semana Quaresma

1ª Leitura - Ez 37,21-28
Assim diz o Senhor Deus: "Eu mesmo vou tomar os israelitas  do meio das nações para onde foram, vou recolhê-los de toda a parte e reconduzi-los para a sua terra. Farei deles uma nação única no país, nos montes de Israel, e apenas um rei reinará sobre todos eles. Nunca mais formarão duas nações, nem tornarão a dividir-se em dois reinos. Não se mancharão mais com os seus ídolos e nunca mais cometerão infames abominações. Eu os libertarei de todo o pecado que cometeram em sua infidelidade, e os purificarei. Eles serão o meu povo e eu serei o seu Deus. Meu servo Davi reinará sobre eles, e haverá para todos eles um único pastor. Viverão segundo meus preceitos e guardarão minhas leis, pondo-as em prática. Habitarão no país que dei ao meu servo Jacó, onde moraram vossos pais; ali habitarão para sempre, também eles, com seus filhos e netos, e o meu servo Davi será o seu príncipe para sempre. Farei com eles uma aliança de paz, será uma aliança eterna. Eu os estabelecerei e multiplicarei, e no meio deles colocarei meu santuário para sempre. Minha morada estará junto deles. Eu serei o seu Deus e eles serão o meu povo. Assim as nações saberão que eu, o Senhor, santifico Israel, por estar o meu santuário no meio deles para sempre"

Evangelho - Jo 11,45-56
Naquele tempo, muitos dos judeus que tinham ido à casa de Maria e viram o que Jesus fizera, creram nele. Alguns, porém, foram ter com os fariseus e contaram o que Jesus tinha feito. Então os sumos sacerdotes e os fariseus reuniram o Conselho e disseram: "O que faremos? Este homem realiza muitos sinais. Se deixamos que ele continue assim, todos vão acreditar nele, e virão os romanos e destruirão o nosso Lugar Santo e a nossa nação". Um deles, chamado Caifás, sumo sacerdote em função naquele ano, disse: "Vós não entendeis nada. Não percebeis que é melhor um só morrer pelo povo do que perecer a nação inteira?". Caifás não falou isso por si mesmo. Sendo sumo sacerdote em função naquele ano, profetizou que Jesus iria morrer pela nação. E não só pela nação, mas também para reunir os filhos de Deus dispersos. A partir desse dia, as autoridades judaicas tomaram a decisão de matar Jesus. Por isso, Jesus não andava mais em público no meio dos judeus. Retirou-se para uma região perto do deserto, para a cidade chamada Efraim. Ali permaneceu com os seus discípulos. A Páscoa dos judeus estava próxima. Muita gente do campo tinha subido a Jerusalém para se purificar antes da Páscoa. Procuravam Jesus e, ao reunirem-se no Templo, comentavam entre si: "O que vos parece? Será que ele não vem para a festa?".

Comentário feito por São Roberto Belarmino (1542-1621)
jesuita, bispo e Doutor da Igreja

Ó Senhor, aquilo que nos ensinas poderia parecer excessivamente difícil, excessivamente pesado, se nos falasses de outra tribuna; mas, dado que nos instruis mais pelo exemplo que pela palavra, Tu que és "Mestre e Senhor" (Jo 13, 14), como ousaremos dizer o contrário, nós que somos Teus servos e Teus discípulos? Aquilo que dizes é perfeitamente verdadeiro, aquilo que ordenas perfeitamente justo, e a cruz de onde nos falas o atesta. Atesta-o igualmente o sangue que corre a jorros e que brada ao céu (Gn 4, 10), e por fim, também esta morte: se por ela se rasgou o véu do templo e se abriram fendas nas mais duras rochas (Mt 27, 51), como não fará o mesmo, e mais ainda, ao coração dos crentes, levando-os a submeter-se? Senhor, queremos pagar-Te amor com amor; e, se o desejo de Te seguir não procede ainda do nosso amor a Ti, porque este é fraco, que proceda ao menos do nosso amor ao Teu amor. Se nos atrais a Ti, "corremos ao odor do Teu perfume" (Ct 1, 4): não desejamos apenas amar-Te e seguir-Te, mas estamos decididos a desprezar este mundo [...] quando vemos que Tu, o nosso mestre, não tomaste para Ti as alegrias deste mundo. Vemos-Te afrontar a morte, não numa cama, mas no lenho que faz justiça; sendo rei, não queres outro trono senão este patíbulo. [...] Movidos pelo Teu exemplo de rei cheio de sabedoria, recusamos o apelo deste mundo e dos seus luxos e, tomando a Tua cruz sobre os nossos ombros, propomo-nos seguir-Te, só a Ti. [...] Dá-nos somente a ajuda de que precisamos, dá-nos força para Te seguirmos.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

O que quer dizer transmitir aos nossos alunos a poesia dos “grandes”?


Por Mauro Grimoldi

Caro editor,
Todos os dias, as crianças, do meio do tumulto dos bancos da escola, oferecem suas vozes para os grandes e o pequenos poetas. Porque assim há de ser: a poesia é obra acabada e não-acabada, ao mesmo tempo. Ela precisa, para voltar a nascer e crescer e se dar, de alguém que lhe dê voz, e que seja em voz alta.
Falando da obra-prima dantesca, Mario Luzi observa que “a Comédia dantesca é, entre as obras de arte, a mais ‘lida’ e, ao mesmo tempo, uma obra ainda por fazer, quero dizer, continuamente proposta à capacidade de reconstrução do homem e da sua inexaurível perfectibilidade”.
O simples ato de oferecer a própria voz, de participar nas palavras recebidas é, me parece, o primeiro, mas realizado, ato desta contínua reconstrução. Ato cognoscitivo e não acessório, visto ser realizado pela presença de quem já disse, o poeta, e de que, obedecendo, aprende a dizer.
Deste ato, nascem as palavras que permanecem na memória e, assim, simplesmente permanecendo, se ligam à experiência de quem as encontra e se deixam interrogar.
Pode acontecer, e acontece de fato, que este trabalho seja acompanhado da explosão inesperada e potente da comoção, ou da emoção, como que por uma imprevista erupção do ânimo.
Todavia, é a fidelidade, a duração, a capacidade que marca o progredir rumo à maturidade.
O homem cresce no difícil exercício da rotina, como quem vive num terreno áspero e fértil: “permanecer, perseverar na nua, hostil, cinza realidade, até ao momento em que ela revele, ao fiel e ao paciente, seu rosto íntimo. Isto é árduo. Hic labor, escreve Hans Urs Von Balthasar.
A paciência do pardal de Pascoli ganha o mundo, porque conhece a alegria do renascimento, enquanto que a andorinha cigana repete os cantos exóticos que aprendeu, mas não sabe a alegria “da neve, o dia em que degela” (o autor se refere à poesia Myricae, de Giovanni Pascoli: “Scilp: i passeri neri su lo spalto / corrono, molleggiando. Il terren sollo / rade la rondine e vanisce in alto: / vitt. . . videvitt. Per gli uni il casolare, / l’aia, il pagliaio con l'aereo stollo; / ma per l’altra il suo cielo ed il suo mare. / Questa, se gli olmi ingiallano la frasca, / cerca i palmizi di Gerusalemme: / quelli, allor che la foglia ultima casca, / restano ad aspettar le prime gemme. / Dib dib bilp bilp: e per le nebbie rare, / quando alla prima languida dolciura / l’olmo già sogna di rigermogliare, / lasciano a branchi la città sonora / e vanno, come per la mietitura, / alla campagna, dove si lavora. / Dopo sementa, presso l’abituro / il casereccio passero rimane; / e dal pagliaio, dentro il cielo oscuro / saluta le migranti oche lontane. / Fischia un grecale gelido, che rade: / copre un tendone i monti solitari: / a notte il vento rugge, urla: poi cade. / E tutto è bianco e tacito al mattino: / nuovo: e dai bianchi e muti casolari / il fumo sbalza, qua e là turchino. / La neve! (Videvitt: la neve? il gelo? / ei di voi, rondini, ride: / bianco in terra, nero in cielo / v’è di voi chi vide . . . vide... videvitt?) / La neve! Allora, poi che il cibo manca, / alla città dai mille campanili / scendono, alla città fumida e bianca; / a mendicare. Dalla lor grondaia / spiano nelle chiostre e nei cortili / la granata o il grembiul della massaia. / Tornano quindi ai campi, a seminare / veccia e saggina coi villani scalzi, / e - videvitt - venuta d’oltremare / trovano te che scivoli, che sbalzi, / rondine, e canti; ma non sai la gioia / - scilp - della neve, il giorno che dimoia.”; ndt).
Tantae molis erat Romanam condere gentem (Eneide, I, 33, “custava muito fundar o povo romano”), Tantae molis erat se ipsam cognoscere mentem (“custava muito à mente conhecer a si mesma”), parafraseava Hegel.
Agora, mais do que nunca, aqui, nas costas áridas do mundo, onde a única ginestra que resplandece e perfuma não é mais acolhida como sinal, mas pequeno oásis de sentimento num inferno sem significado, é preciso, como foi para São Bento, que o heroico se torne cotidiano e que o cotidiano se torne heroico.
Interpreto assim a minha tarefa de adulto e professor.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 2 de abril de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

Cartas do P.e Aldo 186

Asunción, 1 de abril de 2011.

Caros amigos,
Vimo-nos na Itália, com Marcos e Cleuza... e eis que, para surpresa de todos, eles chegaram no Paraguai. Por que vieram? Muitos se perguntaram. A resposta foi dada por eles: “Há um tempo sentíamos falta e desejávamos estar junto não apenas do Padre Aldo, que encontramos, no último mês, todas as semanas, mas também dos amigos de Padre Aldo, que são também nossos amigos, porque cada um de nós pertence ao outro”.
Muito bonita esta consciência de pertença que não conhece quilômetros. Dessa vez, vieram também Ivone, Guilherme, Angra e Douglas.
Contar tudo o que aconteceu é impossível para mim... de forma que me vejo obrigado a me lembrar da convivência dos apóstolos com Jesus. Mas, tem uma coisa que me parece fundamental compartilhar com vocês. Cleuza disse: “Viver a liberdade no meio da circunstância significa reconhecer a realidade como provocação e não como preocupação. Por isto, não são as coisas que me fazem feliz, nem mesmo o Lago Maggiore que vimos em nossa viagem à Itália, mas aquilo de que o Lago Maggiore é sinal, ou seja, o Mistério que faz tudo.
Por isto, posso não ter mais nada, viver debaixo de uma ponte, mas não mudaria nada, porque posso sempre viver a realidade como sinal. Estar no Lago Maggiore ou chegar a Asunción, onde havíamos previsto uma visita à fazenda, compartilhando um churrasco, e, pelo contrário, chegar à Paróquia, com todos os amigos, depois de nos levantarmos, e ver o Padre Aldo e a Irmã Sônia ocupados, levando um defunto para o cemitério, de forma que todos os projetos foram desfeitos... isso, era a mesma coisa. Tudo estava programado nos mínimos detalhes, mas o imprevisto (o mendigo que morreu na Clínica), que sempre é um Acontecimento, mudou tudo.
Na hora, fiquei com medo, porque nunca me havia acontecido uma coisa parecida. Eu estava com medo. Mas, quando Irmã Sônia começou a rezar o Rosário, uma alegria grande tomou conta do meu coração, uma alegria que me acompanhou durante todo o dia. A realidade desfaz os planos, os projetos, mas é sempre amiga e a Letícia do meu coração é a evidência. Porém, sem amigos, sem rostos, isto não seria possível”.
Com afeto,
Padre Aldo

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Comentário ao evangelho do dia

6ª-feira da 3ª Semana Quaresma

1ª Leitura - Os 14,2-10
Assim fala o Senhor Deus: "Volta, Israel, para o Senhor, teu Deus, porque estavas caído em teu pecado. Vós todos, encontrai palavras e voltai para o Senhor; dizei-lhe: 'Livra-nos de todo o mal e aceita este bem que oferecemos; o fruto de nossos lábios. A Assíria não nos salvará; não queremos montar nossos cavalos, não chamaremos mais 'Deuses nossos' a produtos de nossas mãos; em ti encontrará o órfão misericórdia'. Hei de curar sua perversidade e me será fácil amá-los, deles afastou-se a minha cólera. Serei como orvalho para Israel; ele florescerá como o lírio e lançará raízes como plantas do Líbano. Seus ramos hão de estender-se; será seu esplendor como o da oliveira, e seu perfume como o do Líbano. Voltarão a sentar-se à minha sombra e a cultivar o trigo, e florescerão como a videira, cuja fama se iguala  à do vinho do Líbano. Que tem ainda Efraim a ver com ídolos? Sou eu que o atendo e que olho por ele. Sou como o cipreste sempre verde: de mim procede o teu fruto. Compreenda estas palavras o homem sábio, reflita sobre elas o bom entendedor! São retos os caminhos do Senhor e, por eles, andarão os justos, enquanto os maus ali tropeçam e caem".

Evangelho - Mc 12,28b-34
Naquele tempo, um mestre da Lei, aproximou-se de Jesus e perguntou: "Qual é o primeiro de todos os mandamentos?". Jesus respondeu: "O primeiro é este: Ouve, ó Israel! O Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e com toda a tua força! O segundo mandamento é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo! Não existe outro mandamento maior do que estes". O mestre da Lei disse a Jesus: "Muito bem, Mestre! Na verdade, é como disseste: Ele é o único Deus e não existe outro além dele. Amá-lo de todo o coração, de toda a mente, e com toda a força, e amar o próximo como a si mesmo é melhor do que todos os holocaustos e sacrifícios". Jesus viu que ele tinha respondido com inteligência, e disse: "Tu não estás longe do Reino de Deus". E ninguém mais tinha coragem de fazer perguntas a Jesus.

Comentário extraída do Concílio Vaticano II
Constituição dogmática sobre a Igreja, "Lumen Gentium", § 42

"Deus é caridade e quem permanece na caridade, permanece em Deus e Deus nele" (1 Jo. 4, 16). Ora, Deus difundiu a sua caridade nos nossos corações, por meio do Espírito Santo, que nos foi dado (cf. Rom. 5, 5). Sendo assim, o primeiro e mais necessário dom é a caridade, com que amamos a Deus sobre todas as coisas e ao próximo por amor dEle. Para que esta caridade, como boa semente, cresça e frutifique na alma, cada fiel deve ouvir de bom grado a palavra de Deus, e cumprir, com a ajuda da graça, a Sua vontade, participar frequentemente nos sacramentos, sobretudo na Eucaristia, e nas funções sagradas, dando-se continuamente à oração, à abnegação de si mesmo, ao serviço efetivo de seus irmãos e a toda a espécie de virtude; pois a caridade, vínculo da perfeição e plenitude da lei (cf. Col. 3, 14; Rom. 13, 10), é que dirige todos os meios de santificação, os informa e leva a seu fim. É, pois, pela caridade para com Deus e o próximo que se caracteriza o verdadeiro discípulo de Cristo.