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domingo, 25 de dezembro de 2011

Deus manifestou-Se... como menino


Missa da noite de Natal
Solenidade do Natal do Senhor
Homilia do Santo Padre Bento XVI
Basílica Vaticana
24 de Dezembro de 2011

Amados irmãos e irmãs!
A leitura que ouvimos, tirada da Carta do Apóstolo São Paulo a Tito, começa solenemente com a palavra “apparuit”, que encontramos de novo na leitura da Missa da Aurora: “apparuit – manifestou-se”. Esta é uma palavra programática, escolhida pela Igreja para exprimir, resumidamente, a essência do Natal. Antes, os homens tinham falado e criado imagens humanas de Deus, das mais variadas formas; o próprio Deus falara de diversos modos aos homens (cf. Hb 1,1: leitura da Missa do Dia). Agora, porém, aconteceu algo mais: Ele Se manifestou, mostrou-Se, saiu da luz inacessível em que habita. Ele, em pessoa, veio para o meio de nós. Na Igreja antiga, esta era a grande alegria do Natal: Deus manifestou-Se. Já não é apenas uma ideia, nem algo que se há de intuir a partir das palavras. Ele “Se manifestou”. 
Mas agora perguntamo-nos: Como Se manifestou? Ele verdadeiramente quem é? A este respeito, diz a leitura da Missa da Aurora: “Manifestaram-se a bondade de Deus (…) e o seu amor pelos homens” (Tt 3, 4). Para os homens do tempo pré-cristão – que, vendo os horrores e as contradições do mundo, temiam que o próprio Deus não fosse totalmente bom, mas pudesse, sem dúvida, ser também cruel e arbitrário –, esta era uma verdadeira ‘epifania’, a grande luz que se nos manifestou: Deus é pura bondade. Ainda hoje há pessoas que, não conseguindo reconhecer a Deus na fé, se interrogam se a Força última que segura e sustenta o mundo seja verdadeiramente boa, ou então se o mal não seja tão poderoso e primordial como o bem e a beleza que, por breves instantes luminosos, se nos deparam no nosso cosmos. “Manifestaram-se a bondade de Deus (…) e o Seu amor pelos homens”: eis a certeza nova e consoladora que nos é dada no Natal.
Na primeira das três leituras desta Missa de Natal, a liturgia cita um texto tirado do livro do Profeta Isaías, que descreve, de forma ainda mais concreta, a epifania que se verificou no Natal: “Um Menino nasceu para nós, um filho nos foi concedido. Tem o poder sobre os ombros, e dão-lhe o seguinte nome: ‘Conselheiro admirável! Deus valoroso! Pai para sempre! Príncipe da Paz!’. O poder será engrandecido numa paz sem fim” (Is 9, 5-6). Não sabemos se o profeta, ao falar assim, tenha em mente um menino concreto nascido no seu período histórico. Mas isso parece ser impossível. Trata-se do único texto no Antigo Testamento, onde de um menino, de um ser humano, se diz: o seu nome será Deus valoroso, Pai para sempre. Estamos perante uma visão que se estende muito para além daquele momento histórico apontando para algo misterioso, colocado no futuro. Um menino, em toda a sua fragilidade, é Deus valoroso; um menino, em toda a sua indigência e dependência, é Pai para sempre. E isto “numa paz sem fim”. Antes, o profeta falara duma espécie de “grande luz” e, a propósito da paz dimanada dEle, afirmara que o bastão do opressor, o calçado ruidoso da guerra, toda a veste manchada de sangue seriam lançados ao fogo (cf. Is 9, 1.3-4).
Deus manifestou-Se... como menino. É precisamente assim que Ele Se contrapõe a toda a violência e traz uma mensagem de paz. Neste tempo, em que o mundo está continuamente ameaçado pela violência em tantos lugares e de muitos modos, em que não cessam de reaparecer bastões do opressor e vestes manchadas de sangue, clamamos ao Senhor: Vós, o Deus forte, Vos manifestastes como menino e mostrastes-Vos a nós como Aquele que nos ama e por meio de quem o amor há de triunfar. Fizestes-nos compreender que, unidos convosco, devemos ser artífices de paz. Amamos o vosso ser menino, a vossa não-violência, mas sofremos pelo fato de perdurar no mundo a violência, levando-nos a rezar assim: Demonstrai a vossa força, ó Deus. Fazei que, neste nosso tempo e neste nosso mundo, sejam queimados os bastões do opressor, as vestes manchadas de sangue e o calçado ruidoso da guerra, de tal modo que a vossa paz triunfe neste nosso mundo.
Natal é epifania: a manifestação de Deus e da sua grande luz num menino que nasceu para nós. Nascido no estábulo de Belém, não nos palácios do rei. Em 1223, quando Francisco de Assis celebrou em Greccio o Natal com um boi, um jumento e uma manjedoura cheia de feno, tornou-se visível uma nova dimensão do mistério do Natal. Francisco de Assis designou o Natal como “a festa das festas” – mais do que todas as outras solenidades – e celebrou-a com “solicitude inefável” (2 Celano, 199: Fontes Franciscanas, 787). Beijava, com grande devoção, as imagens do menino e balbuciava-lhes palavras de ternura como se faz com os meninos – refere Tomás de Celano (ibidem). 
Para a Igreja antiga, a festa das festas era a Páscoa: na ressurreição, Cristo arrombara as portas da morte, e assim mudou radicalmente o mundo: criara para o homem um lugar no próprio Deus. Pois bem! Francisco não mudou, nem quis mudar, esta hierarquia objetiva das festas, a estrutura interior da fé com o seu centro no mistério pascal. Mas, graças a Francisco e ao seu modo de crer, aconteceu algo de novo: ele descobriu, numa profundidade totalmente nova, a humanidade de Jesus. Este fato de Deus ser homem resultou-lhe evidente ao máximo, no momento em que o Filho de Deus, nascido da Virgem Maria, foi envolvido em panos e colocado numa manjedoura. A ressurreição pressupõe a encarnação. 
O Filho de Deus visto como menino, como verdadeiro filho de homem: isto tocou profundamente o coração do Santo de Assis, transformando a fé em amor. “Manifestaram-se a bondade de Deus e o seu amor pelos homens”: esta frase de São Paulo adquiria assim uma profundidade totalmente nova. No menino do estábulo de Belém, pode-se, por assim dizer, tocar Deus e acarinhá-Lo. E o Ano Litúrgico ganhou assim um segundo centro numa festa que é, antes de tudo, uma festa do coração.
Tudo isto não tem nada de sentimentalismo. É precisamente na nova experiência da realidade da humanidade de Jesus que se revela o grande mistério da fé. Francisco amava Jesus menino, porque, neste ser menino, tornou-se-lhe clara a humildade de Deus. Deus tornou-Se pobre. O seu Filho nasceu na pobreza do estábulo. No menino Jesus, Deus fez-Se dependente, necessitado do amor de pessoas humanas, reduzido à condição de pedir o seu, o nosso, amor. Hoje, o Natal tornou-se uma festa dos negócios, cujo fulgor ofuscante esconde o mistério da humildade de Deus, que nos convida à humildade e à simplicidade. Peçamos ao Senhor que nos ajude a alongar o olhar para além das fachadas lampejantes deste tempo a fim de podermos encontrar o menino no estábulo de Belém e, assim, descobrimos a autêntica alegria e a verdadeira luz.
Francisco fazia celebrar a santíssima Eucaristia, sobre a manjedoura que estava colocada entre o boi e o jumento (cf. 1 Celano, 85: Fontes, 469). Depois, sobre esta manjedoura, construiu-se um altar para que, onde outrora os animais comeram o feno, os homens pudessem agora receber, para a salvação da alma e do corpo, a carne do Cordeiro imaculado – Jesus Cristo –, como narra Celano (cf. 1 Celano, 87: Fontes, 471). Na Noite santa de Greccio, Francisco – como diácono que era – cantara, pessoalmente e com voz sonora, o Evangelho do Natal. E toda a celebração parecia uma exultação contínua de alegria, graças aos magníficos cânticos natalícios dos Frades (cf. 1 Celano, 85 e 86: Fontes, 469 e 470). Era precisamente o encontro com a humildade de Deus que se transformava em júbilo: a sua bondade gera a verdadeira festa.
Hoje, quem entra na igreja da Natividade de Jesus em Belém dá-se conta de que o portal de outrora com cinco metros e meio de altura, por onde entravam no edifício os imperadores e os califas, foi em grande parte tapado, tendo ficado apenas uma entrada com metro e meio de altura. Provavelmente isso foi feito com a intenção de proteger melhor a igreja contra eventuais assaltos, mas sobretudo para evitar que se entrasse a cavalo na casa de Deus. Quem deseja entrar no lugar do nascimento de Jesus deve inclinar-se. 
Parece-me que nisto se encerra uma verdade mais profunda, pela qual nos queremos deixar tocar nesta noite santa: se quisermos encontrar Deus manifestado como menino, então devemos descer do cavalo da nossa razão “iluminada”. Devemos depor as nossas falsas certezas, a nossa soberba intelectual, que nos impede de perceber a proximidade de Deus. Devemos seguir o caminho interior de São Francisco: o caminho rumo àquela extrema simplicidade exterior e interior que torna o coração capaz de ver. 
Devemos inclinar-nos, caminhar espiritualmente por assim dizer a pé, para podermos entrar pelo portal da fé e encontrar o Deus que é diverso dos nossos preconceitos e das nossas opiniões: o Deus que Se esconde na humildade dum menino acabado de nascer. Celebremos assim a liturgia desta Noite santa, renunciando a fixarmo-nos no que é material, mensurável e palpável. Deixemo-nos fazer simples por aquele Deus que Se manifesta ao coração que se tornou simples. E nesta hora rezemos também e sobretudo por todos aqueles que são obrigados a viver o Natal na pobreza, no sofrimento, na condição de emigrante, pedindo que se lhes manifeste a bondade de Deus no seu esplendor, que nos toque a todos, a eles e a nós, aquela bondade que Deus quis, com o nascimento de seu Filho no estábulo, trazer ao mundo. Amém.

* Extraído do site do Vaticano, do dia 24 de dezembro de 2011. Revisado e adaptado por Paulo R. A. Pacheco.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

São Francisco de Assis

4 de outubro


São Francisco de Assis,
rogai por nós!

Cantico di Frate Sole o Delle Creature
Altissimu, onnipotente bon Signore,
tue so' le laude, la gloria e l'honore et onne benedictione.
Ad te solo, Altissimo, se konfano,
et nullu homo ène dignu te mentovare.
Laudato sie, mi' Signore, cum tucte le tue creature,
spetialmente messor lo frate sole,
lo qual'è iorno, et allumini noi per lui.
Et ellu è bellu e radiante cum grande splendore:
de te, Altissimo, porta significatione.
Laudato si', mi' Signore, per sora luna e le stelle:
in celu l'ài formate clarite et pretiose et belle.
Laudato si', mi' Signore, per frate vento
et per aere et nubilo et sereno et onne tempo,
per lo quale a le tue creature dài sustentamento.
Laudato si', mi' Signore, per sor'acqua.
la quale è multo utile et humile et pretiosa et casta.
Laudato si', mi' Signore, per frate focu,
per lo quale ennallumini la nocte:
ed ello è bello et iocundo et robustoso et forte.
Laudato si', mi' Signore, per sora nostra matre terra,
la quale ne sustenta et governa,
et produce diversi fructi con coloriti flori et herba.
Laudato si', mi' Signore, per quelli ke perdonano per lo tuo amore
et sostengo infirmitate et tribulatione.
Beati quelli ke 'l sosterrano in pace,
ka da te, Altissimo, sirano incoronati.
Laudato si', mi' Signore, per sora nostra morte corporale,
da la quale nullu homo vivente pò skappare:
guai a·cquelli ke morrano ne le peccata mortali;
beati quelli ke trovarà ne le tue sanctissime voluntati,
ka la morte secunda no 'l farrà male.
Laudate et benedicte mi' Signore et rengratiate
e serviateli cum grande humilitate.


Cântico do Irmão Sol ou Das Criaturas
Altíssimo, omnipotente, bom Senhor,
a ti o louvor, a glória, a honra e toda a bênção.
A ti só, Altíssimo, se hão-de prestar
e nenhum homem é digno de te nomear.
Louvado sejas, ó meu Senhor, com todas as tuas criaturas,
especialmente o meu senhor irmão Sol,
o qual faz o dia e por ele nos alumias.
E ele é belo e radiante, com grande esplendor:
de ti, Altíssimo, nos dá ele a imagem.
Louvado sejas, ó meu Senhor, pela irmã Lua e as Estrelas:
no céu as acendeste, claras, e preciosas e belas.
Louvado sejas, ó meu Senhor, pelo irmão Vento
e pelo Ar, e Nuvens, e Sereno, e todo o tempo,
por quem dás às tuas criaturas o sustento.
Louvado sejas, ó meu Senhor, pela irmã Água,
que é tão útil e humilde, e preciosa e casta.
Louvado sejas, ó meu Senhor, pelo irmão Fogo,
pelo qual alumias a noite:
e ele é belo, e jucundo, e robusto e forte.
Louvado sejas, ó meu Senhor, pela nossa irmã a mãe Terra,
que nos sustenta e governa, e produz variados frutos,
com flores coloridas, e verduras.
Louvado sejas, ó meu Senhor, por aqueles que perdoam por teu amor
e suportam enfermidades e tribulações.
Bem-aventurados aqueles que as suportam em paz,
pois por ti, Altíssimo, serão coroados.
Louvado sejas, ó meu Senhor, por nossa irmã a Morte corporal,
à qual nenhum homem vivente pode escapar:
Ai daqueles que morrem em pecado mortal!
Bem-aventurados aqueles que cumpriram a tua santíssima vontade,
porque a segunda morte não lhes fará mal.
Louvai e bendizei a meu Senhor, e dai-lhe graças
e servi-o com grande humildade.


Ó Deus, que fizestes são Francisco de Assis assemelhar-se ao Cristo por uma vida de humildade e pobreza, concedei que, trilhando o mesmo caminho, sigamos fielmente o vosso filho, unindo-nos convosco na perfeita alegria. Por nosso Senhor Jesus Cristo, Vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.

Comentário ao evangelho do dia


São Francisco de Assis

1ª Leitura - Jn 3,1-10
A palavra do Senhor foi dirigida a Jonas, pela segunda vez: "Levanta-te e põe-te a caminho da grande cidade de Nínive e anuncia-lhe a mensagem que eu te vou confiar". Jonas pôs-se a caminho de Nínive, conforme a ordem do Senhor. Ora, Nínive era uma cidade muito grande; eram necessários três dias para ser atravessada. Jonas entrou na cidade, percorrendo o caminho de um dia; pregava ao povo, dizendo: "Ainda quarenta dias, e Nínive será destruída". Os ninivitas acreditaram em Deus; aceitaram fazer jejum, e vestiram sacos, desde o superior ao inferior. A pregação chegara aos ouvidos do rei de Nínive; ele se levantou do trono e pôs de lado o manto real, vestiu-se de saco e sentou-se em cima de cinza. Em seguida, fez proclamar, em Nínive, como decreto do rei e dos príncipes: "Homens e animais bovinos e ovinos não provarão nada! Não comerão e não beberão água. Homens e animais se cobrirão de sacos, e os homens rezarão a Deus com força; cada um deve afastar-se do mau caminho e de suas práticas perversas. Deus talvez volte atrás, para perdoar-nos e aplacar sua ira, e assim não venhamos a perecer". Vendo Deus as suas obras de conversão e que os ninivitas se afastavam do mau caminho, compadeceu-se e suspendeu o mal, que tinha ameaçado fazer-lhes, e não o fez.

Evangelho - Lc 10,38-42
Naquele tempo, Jesus entrou num povoado, e certa mulher, de nome Marta, recebeu-o em sua casa. Sua irmã, chamada Maria, sentou-se aos pés do Senhor, e escutava a sua palavra. Marta, porém, estava ocupada com muitos afazeres. Ela aproximou-se e disse: "Senhor, não te importas que minha irmã me deixe sozinha, com todo o serviço? Manda que ela me venha ajudar!". O Senhor, porém, lhe respondeu: "Marta, Marta! Tu te preocupas e andas agitada por muitas coisas. Porém, uma só coisa é necessária. Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada".

Comentário feito por São Thomas More (1478-1535)
estadista inglês, mártir

Depois de recebermos Nosso Senhor na Eucaristia e O termos presente no nosso corpo, não havemos de O deixar só e de nos ocuparmos de outras coisas sem fazer mais caso dEle [...], mas de ter nEle todo o nosso sentido. Dirijamo-nos a Ele com ferventes preces e convivamos com Ele em fervente meditação. Digamos como o profeta: "Escutarei o que diz o Senhor dentro de mim" (Sl 85(84),9). Assim, [...] se Lhe dermos toda a nossa atenção, Ele não deixará de pronunciar, no mais íntimo do nosso ser, esta ou aquela palavra e com ela nos proporcionar grande conforto espiritual e proveito para a nossa alma. Sejamos, ao mesmo tempo, Marta e Maria. Como Marta, façamos de tal sorte que toda a nossa atividade exterior a Ele se restrinja e consista em acolhê-Lo como devemos: primeiro a Ele, e de seguida a cada um dos que O acompanham - a todos aqueles que não são apenas Seus discípulos, mas Ele próprio: "Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes" (Mt 25,40). [...] Esforcemo-nos, pois, por conservar o nosso Hóspede. Digamos-Lhe, como os dois discípulos ao entrar no povoado de Emaús, "Fica conosco, [Senhor]" (Lc 24,29). Então, com toda a certeza, não Se afastará mais de nós, a não ser que O rejeitemos com a nossa própria ingratidão.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Indulgência de Santa Maria dos Anjos da Porciúncula


Começou hoje, às 12h, a "Festa do Perdão de Assis"... que se estenderá até amanhã, ao entardecer.

Antigamente, a Indulgência da Porciúncula somente era concedida a quem visitasse a Igreja de Santa Maria dos Anjos, entre a tarde do dia 1 agosto e o pôr-do-sol do dia 2 agosto. Em 9 de julho de 1910, o Papa Pio X concedeu autorização aos Bispos de todo o mundo, só naquele ano de 1910, para que designassem qualquer igreja pública das suas Dioceses, a fim de que também nelas as pessoas recebessem a Indulgência da Porciúncula (Acta Apostolicae Sedis, II, 1910, 443 sq.; Acta Ord. Frat. Min., XXIX, 1910, 226). Este privilégio foi renovado por um tempo indefinido por decreto da Sagrada Congregação de Indulgências, em 26 março de 1911 (Acta Apostolicae Sedis, III, 1911, 233-4). O que quer dizer que, atualmente, qualquer Igreja Católica de qualquer país, tem o benefício da Indulgência que São Francisco conseguiu de Jesus para toda humanidade. Assim ganharão a Indulgência, todas as pessoas que, estando em "estado de graça", visitarem uma Igreja nos dias mencionados, rezarem um Credo, um Pai-Nosso e um Glória, suplicando ao Criador o benefício da indulgência, e rezando também um Pai-Nosso, uma Ave-Maria e um Glória pelas intenções do Santo Padre. Poderão utilizar a Indulgência em seu próprio benefício, ou em favor de pessoas falecidas ou daquelas que necessitam ajuda para a conversão do coração. É preciso estar sinceramente arrependido de todos os pecados e ter se confessado e recebido a absolvição.
Além do mais a Indulgência é toties quoties, ou seja, pode ser recebida tantas vezes quantas a pessoa desejar, isto é, em cada ano, fazendo visitas a diversas Igrejas das 12 horas do dia 1 de agosto até ao entardecer do dia 2 de agosto.

Para saber sobre a história da Indulgência da Porciúncula, clique aqui.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Comentário ao evangelho do dia

Evangelho - Mt 5,43-48
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: "Vós ouvistes o que foi dito: 'Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo!'. Eu, porém, vos digo: Amai os vossos inimigos e rezai por aqueles que vos perseguem! Assim, vos tornareis filhos do vosso Pai que está nos céus, porque ele faz nascer o sol sobre maus e bons, e faz cair a chuva sobre justos e injustos. Porque, se amais somente aqueles que vos amam, que recompensa tereis? Os cobradores de impostos não fazem a mesma coisa? E se saudais somente os vossos irmãos, o que fazeis de extraordinário? Os pagãos não fazem a mesma coisa? Portanto, sede perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito".

Comentário feito por São Francisco de Assis (1182-1226)
fundador dos Irmãos menores

Nós, todos os irmãos, acatamos atentamente o que diz o Senhor: "Amai os vossos inimigos, fazei o bem a quem vos odeia". Nosso Senhor Jesus Cristo, cujos passos devemos seguir (1Pe 2,21), deu o nome de amigo a quem O traía (Mt 26,50), e ofereceu-Se voluntariamente aos que O iam crucificar. Por conseguinte são nossos amigos todos aqueles que nos infligem injustamente adversidades e angústias, afrontas e ofensas, dores e tormentos, o martírio e a morte. Devemos amá-los muito, porque os ferimentos que nos causam proporcionar-nos-ão a vida eterna.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Pausa para babar...

No último sábado, dia 16 de abril de 2011, às 11h21, nasceu o meu primogênito, Francisco.


Que São Francisco de Assis, seu padroeiro, o proteja sempre e o guie no rumo da Felicidade, destino de todo homem!

Por isso, pessoal, vou dar uma pausa... justa, né? Para babar por uns dias...

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Feliz ano novo...

Ganhamos, de uma grande amiga, este presente: é uma pintura medieval, feita por um monge no monte Subiaco, na Itália. Compartilhamos com vocês!


Gratos pelo ano que passou e cheios de esperança pelo ano que vai chegar, desejamos aos amigos que passam por aqui um ano novo marcado pela certeza de Cristo presente.
Um abraço,
Paulo, Renata e Francisco

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Comentário ao evangelho do dia

Evangelho - Lc 17,11-19
Aconteceu que, caminhando para Jerusalém, Jesus passava entre a Samaria e a Galiléia. Quando estava para entrar num povoado, dez leprosos vieram ao seu encontro. Pararam à distância, e gritaram: "Jesus, Mestre, tem compaixão de nós!". Ao vê-los, Jesus disse: "Ide apresentar-vos aos sacerdotes". Enquanto caminhavam, aconteceu que ficaram curados. Um deles, ao perceber que estava curado, voltou glorificando a Deus em alta voz; atirou-se aos pés de Jesus, com o rosto por terra, e lhe agradeceu. E este era um samaritano. Então Jesus lhe perguntou: "Não foram dez os curados? E os outro nove, onde estão? Não houve quem voltasse para dar glória a Deus, a não ser este estrangeiro?". E disse-lhe: "Levanta-te e vai! Tua fé te salvou".

Comentário feito por São Francisco de Assis (1182-1226)
fundador dos  Frades Menores 

Todo-poderoso, santíssimo, altíssimo e soberano Deus, Pai santo e justo, Senhor, Rei do céu e da terra, por Ti a Ti damos graças, pois que, por Tua santa vontade, e por Teu Filho unigênito, com o Espírito Santo, criaste todas as coisas espirituais e corporais. À Tua imagem e semelhança nos fizeste, o paraíso por morada nos deste, donde, por nossa culpa, caímos. 
A Ti damos graças pois que, como por Teu Filho nos criaste, assim também, pelo santo amor com que nos amaste, fizeste que Teu Filho, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, nascesse da gloriosa Virgem Santa Maria, e, pela Sua cruz, Seu sangue e Sua morte, quiseste resgatar-nos a nós, os cativos. 
E a Ti damos graças porque esse mesmo Teu Filho de novo há de vir na glória da Sua majestade para lançar ao fogo eterno os malditos que recusaram converter-se e conhecer-Te e para dizer a todos quantos Te conheceram, Te adoraram e Te serviram em penitência: "Vinde, benditos de meu Pai! Recebei em herança o Reino que vos está preparado desde a criação do mundo" (Mt 25, 34). 
E porque somos, nós todos, indigentes e pecadores, dignos não somos de pronunciar o Teu nome; aceita pois, Te suplicamos, que Nosso Senhor Jesus Cristo, Teu Filho muito amado, em Quem puseste todo o Teu agrado, com o Santo Espírito Paráclito Te dê graças por tudo, como a Ti e a Ele agradar, Ele, que é Quem sempre em tudo Te basta, Ele, por Quem tanto fizeste por nós. Aleluia! 

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Comentário ao evangelho do dia

S. Francisco de Assis

Evangelho - Lc 10,25-37
Naquele tempo, um mestre da Lei se levantou e, querendo pôr Jesus em dificuldade, perguntou: "Mestre, que devo fazer para receber em herança a vida eterna?". Jesus lhe disse: "O que está escrito na Lei? Como lês?". Ele então respondeu: "Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração e com toda a tua alma, com toda a tua força e com toda a tua inteligência; e ao teu próximo como a ti mesmo!". Jesus lhe disse: "Tu respondeste corretamente. Faze isso e viverás". Ele, porém, querendo justificar-se, disse a Jesus: "E quem é o meu próximo?". Jesus respondeu: "Certo homem descia de Jerusalém para Jericó e caiu nas mãos de assaltantes. Estes arrancaram-lhe tudo, espancaram-no, e foram-se embora deixando-o quase morto. Por acaso, um sacerdote estava descendo por aquele caminho. Quando viu o homem, seguiu adiante, pelo outro lado. O mesmo aconteceu com um levita: chegou ao lugar, viu o homem e seguiu adiante, pelo outro lado. Mas um samaritano que estava viajando, chegou perto dele, viu e sentiu compaixão. Aproximou-se dele e fez curativos, derramando óleo e vinho nas feridas. Depois colocou o homem em seu próprio animal e levou-o a uma pensão, onde cuidou dele. No dia seguinte, pegou duas moedas de prata e entregou-as ao dono da pensão, recomendando: 'Toma conta dele! Quando eu voltar, vou pagar o que tiveres gasto a mais'". E Jesus perguntou: "Na tua opinião, qual dos três foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?". Ele respondeu: "Aquele que usou de misericórdia para com ele". Então Jesus lhe disse: "Vai e faze a mesma coisa".

Comentário feito por Orígenes (c. 185-253)
presbítero e teólogo 

Está escrito : "Amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus" (1Jo 4, 7); e mais adiante: "Deus é amor" (8). Deste modo se diz, por um lado, que o próprio Deus é amor, e por outro, que aquele que é de Deus é amor. Ora, quem é de Deus senão aquele que diz: "Saí de Deus e vim a este mundo"? (Jo 16, 28). Se Deus Pai é amor, também o Filho é amor [...] ; o Pai e o Filho são um só e em nada diferem. Eis a razão por que Cristo é chamado, para além de Sabedoria, Poder, Justiça, Verbo e Verdade, também Amor. [...] E, porque Deus é amor e o Filho que é de Deus é amor, exige em nós algo semelhante a Ele, de tal maneira que, por este amor, por esta caridade que está em Cristo Jesus [...], sejamos unidos a Ele por uma espécie de parentesco, graças a este nome. Como dizia São Paulo, que estava unido a Ele: "Quem nos separará do amor de Deus, que está em Cristo Jesus Nosso Senhor?" (Rom 8, 39). Ora, este amor de caridade considera que todo o homem é o nosso próximo. Foi por essa razão que o Salvador repreendeu um homem que estava convencido de que a alma justa não estava obrigada a observar para com todos as leis do tratamento ao próximo. [...] E compôs a parábola segundo a qual "certo homem descia de Jerusalém para Jericó e caiu nas mãos dos salteadores". Depois censura o sacerdote e o levita que, vendo-o meio morto, passaram adiante, mas presta homenagem ao Samaritano, que teve misericórdia para com ele. E confirma que este último foi o próximo do homem ferido com a resposta daquele mesmo que tinha feito a pergunta, a quem diz: "Vai e faz tu também o mesmo". Com efeito, por natureza, nós somos todos o próximo uns dos outros, mas pelas obras de caridade, aquele que pode fazer bem torna-se próximo daquele que não pode. Foi por isso que o nosso Salvador Se fez nosso próximo, e não passou adiante quando estávamos "meio mortos" em consequência dos ferimentos infligidos pelos "salteadores". 

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Evangelho - Mt 13, 44-46
Naquele tempo, disse Jesus à multidão: "O Reino dos Céus é como um tesouro escondido no campo. Um homem o encontra e o mantém escondido. Cheio de alegria, ele vai, vende todos os seus bens e compra aquele campo. O Reino dos Céus também é como um comprador que procura pérolas preciosas. Quando encontra uma pérola de grande valor, ele vai, vende todos os seus bens e compra aquela pérola".

Comentário feito por São Boaventura (1221-1274)
franciscano, Doutor da Igreja 

Dentre os dons espirituais recebidos da generosidade de Deus, Francisco obteve em particular o de enriquecer constantemente o seu tesouro de simplicidade graças ao seu amor pela extrema pobreza. Vendo que aquela que tinha sido a companheira habitual do Filho de Deus se tornara, nessa altura, objeto de uma aversão universal, tomou a peito desposá-la e devotou-lhe um amor eterno. Não satisfeito em "deixar por ela pai e mãe" (cf. Gn 2, 24), distribuiu pelos pobres tudo o que pudesse ter (cf. Mt 19, 21). Nunca ninguém guardou tão ciosamente o seu dinheiro como Francisco guardou a sua pobreza; nunca ninguém vigiou o seu tesouro com maior cuidado do que o que ele colocou em guardar esta pérola de que fala o Evangelho. Nada o magoava mais do que encontrar junto dos seus irmãos qualquer coisa que não fosse perfeitamente conforme à pobreza dos religiosos. Pessoalmente, desde o princípio da sua vida como religioso até à morte, não teve senão uma túnica, uma corda a servir de cinto e umas bragas como única riqueza; não precisava de mais nada. Acontecia-lhe muitas vezes chorar ao pensar na pobreza de Cristo Jesus e na de Sua Mãe. Dizia ele: "Aqui está a razão pela qual a pobreza é a rainha das virtudes: pelo esplendor com que brilhou no 'Rei dos reis' (1Tm 6, 15) e na Rainha Sua Mãe". Quando os irmãos lhe perguntaram um dia qual era a virtude que nos torna mais amigos de Cristo ele respondeu abrindo-lhes, por assim dizer, o segredo do seu coração: "Sabei, irmãos, que a pobreza espiritual é o caminho privilegiado para a Salvação, visto que é a seiva da humildade e a raiz da perfeição; os seus frutos são incontáveis, embora escondidos. Ela é esse 'tesouro escondido num campo', do qual nos fala o Evangelho, pelo qual é necessário vender tudo o resto e cujo valor deve impelir-nos a desprezar todas as outras coisas".

terça-feira, 13 de julho de 2010

Audiência Geral - São Boaventura (3)

Papa Bento XVI

Quarta-feira, 17 de março de 2010

São Boaventura de Bagnoregio

Queridos irmãos e irmãs
Esta manhã, continuando a reflexão de quarta-feira passada, gostaria de aprofundar convosco outros aspectos da doutrina de São Boaventura de Bagnoregio. Ele é um teólogo eminente, que merece ser posto ao lado de outro grandíssimo pensador, seu contemporâneo, São Tomás de Aquino. Ambos perscrutaram os mistérios da Revelação, valorizando os recursos da razão humana, naquele diálogo fecundo entre fé e razão que caracteriza a Idade Média cristã, fazendo dela uma época de grande vivacidade intelectual, e também de fé e de renovação eclesial, muitas vezes não suficientemente evidenciada. Eles são irmanados por outras analogias: tanto Boaventura, franciscano, como Tomás, dominicano, pertenciam às Ordens Mendicantes que, com o seu vigor espiritual, como recordei em catequeses precedentes, renovaram no século XIII a Igreja inteira e atraíram muitos seguidores. Ambos serviram a Igreja com diligência, com paixão e com amor, a ponto de terem sido convidados a participar no Concílio Ecumênico de Lion em 1274, o mesmo ano em que vieram a falecer:  Tomás, enquanto ia a Lion, Boaventura durante a realização do mesmo Concílio. Também na Praça de São Pedro as imagens dos dois Santos são paralelas, colocadas precisamente no início da Colunata, a partir da fachada da Basílica Vaticana:  uma na Ala da esquerda, e a outra na Ala da direita. Não obstante todos estes aspectos, podemos ver nos dois grandes Santos duas abordagens diversas da pesquisa filosófica e teológica, que mostram a originalidade e a profundidade de pensamento de um e do outro. Gostaria de mencionar algumas destas diferenças.
Uma primeira diferença diz respeito ao conceito de teologia. Ambos os doutores perguntam se a teologia é uma ciência prática ou uma ciência teórica, especulativa. São Tomás reflete sobre duas possíveis respostas contrastantes. A primeira diz:  a teologia é reflexão sobre a fé, e a finalidade da fé é que homem se torne bom, viva segundo a vontade de Deus. Portanto, a finalidade da teologia deveria ser a de guiar pelo caminho recto, bom; por conseguinte, no fundo, ela é uma ciência prática. A outra posição diz:  a teologia procura conhecer Deus. Nós somos obra de Deus; Deus está acima do nosso agir. Deus realiza em nós o agir justo. Por conseguinte, trata-se substancialmente não do nosso fazer, mas de conhecer Deus, não do nosso agir. A conclusão de São Tomás é: a teologia implica ambos os aspectos: é teórica, procura conhecer Deus cada vez mais, e é prática: procura orientar a nossa vida para o bem. Mas há um primado do conhecimento:  sobretudo, temos que conhecer Deus, depois vem o agir segundo Deus (cf. Summa Theologiae, ia, q. 1, art. 4). Este primado do conhecimento em relação à prática é significativo para a orientação fundamental de São Tomás.
A resposta de São Boaventura é muito semelhante, mas os matizes são diferentes. São Boaventura conhece os mesmos argumentos em ambas as direções, como São Tomás, mas para responder à pergunta se a teologia é uma ciência prática ou teórica, São Boaventura faz uma distinção tríplice – portanto, amplia a alternativa entre teórico (primado do conhecimento) e prático (primado da prática), acrescentando uma terceira atitude, que chama "sapiencial" e afirmando que a sabedoria abrange ambos os aspectos. E depois, continua:  a sabedoria procura a contemplação (como a mais elevada forma do conhecimento) e tem como intenção "ut boni fiamus" – que nos tornemos bons, sobretudo isto: tornar-nos bons (cf. Breviloquium, Prologus, 5). Depois, acrescenta:  "A fé está no intelecto, de tal modo que provoca o afeto. Por exemplo:   saber que Cristo morreu 'por nós" não permanece conhecimento, mas torna-se necessariamente afeto, amor" (Proemium in I Sent., q. 3).
A sua defesa da teologia, ou seja, da reflexão racional e metódica da fé, move-se na mesma linha. São Boaventura enumera alguns argumentos contra a prática da teologia, talvez difundidos também entre alguns dos frades franciscanos e presentes inclusive no nosso tempo: a razão esvaziaria a fé, seria uma atitude violenta em relação à palavra de Deus, temos que ouvir e não analisar a palavra de Deus (cf. Carta de São Francisco de Assis a Santo Antônio de Pádua). A estes argumentos contra a teologia, que demonstram os perigos existentes na própria teologia, o Santo responde: é verdade que existe um modo arrogante de fazer teologia, uma soberba da razão, que se põe acima da palavra de Deus. Mas a verdadeira teologia, o trabalho racional da teologia verdadeira e boa tem outra origem, não a soberba da razão. Quem ama quer conhecer cada vez melhor e sempre mais o amado; a verdadeira teologia não empenha a razão e sua busca motivada pela soberba, "sed propter amorem eius cui assentit" – "motivada pelo amor daquele a quem deu o seu consentimento" (Proemium in I Sent., q. 2), e que conhecer melhor o amado:  esta é a intenção fundamental da teologia. Portanto, no final para São Boaventura é determinante o primado do amor.
Por conseguinte, São Tomás e São Boaventura definem de modo diferente o destino último do homem, a sua plena felicidade: para São Tomás o fim supremo ao qual se dirige nosso desejo é: ver Deus. Neste simples gesto de ver Deus todos os problemas encontram solução: estamos felizes, nada mais é necessário.
Para São Boaventura, o destino último do homem é outro: amar Deus, o encontrar-se e o unir-se do Seu e do nosso amor. Esta é, para ele, a definição mais adequada da nossa felicidade.
Nesta linha, poderíamos dizer também que para São Tomás a categoria mais elevada é a verdade, enquanto para São Boaventura é o bem. Seria errado ver nestas duas respostas uma contradição. Para ambos, a verdade é também o bem, e o bem é também a verdade; ver Deus é amar, e amar é ver. Portanto, trata-se de aspectos diferentes de uma visão fundamentalmente comum. Ambos os aspectos formaram diferentes tradições e diversas espiritualidades, e assim mostraram a fecundidade da fé, uma só na diversidade das suas expressões.
Voltemos a São Boaventura. É evidente que o aspecto específico da sua teologia, do qual só dei um exemplo, se explica a partir do carisma franciscano: o Pobrezinho de Assis, para além dos debates intelectuais do seu tempo, tinha mostrado com toda a sua vida o primado do amor; era um ícone vivo e apaixonado de Cristo e assim, na sua época, tornou presente a figura do Senhor não convenceu os seus contemporâneos com as palavras, mas com a sua vida. Em todas as obras de São Boaventura, precisamente também as obras científicas, escolares, vê-se e encontra-se esta inspiração franciscana; ou seja, observa-se que ele pensa a partir do encontro com o Pobrezinho de Assis. No entanto, para compreender a elaboração concreta do tema "primado do amor", temos que ter presente mais uma fonte: os escritos do chamado Pseudodionísio, um teólogo sírio do século VI, que se escondeu sob o pseudônimo de Dionísio, o Areopagita, referindo-se com este nome a uma figura dos Atos dos Apóstolos (cf. 17, 34). Este teólogo tinha criado uma teologia litúrgica e uma teologia mística, e falara amplamente das diversas ordens dos anjos. Os seus escritos foram traduzidos em latim no século IX; na época de São Boaventura –  estamos no século XIII – surgia uma nova tradição, que despertou o interesse do Santo e dos outros teólogos do seu século. Duas coisas chamavam a atenção de São Boaventura de modo particular: 
1. O Pseudodionísio fala de nove ordens dos anjos, cujos nomes tinha encontrado na Escritura e depois disposto à sua maneira, desde os anjos simples até aos serafins. São Boaventura interpreta estas ordens dos anjos como degraus na aproximação da criatura a Deus. Assim eles podem representar o caminho humano, a elevação rumo à comunhão com Deus. Para São Boaventura não há qualquer dúvida: São Francisco de Assis pertencia à ordem seráfica, à ordem suprema, ao coro dos serafins, ou seja: era puro fogo de amor. E assim deveriam ser os franciscanos. Mas São Boaventura sabia bem que este último grau de aproximação a Deus não pode ser inserido num ordenamento jurídico, mas é sempre um dom particular de Deus. Por isso, a estrutura da Ordem franciscana é mais modesta, mais realista, porém deve ajudar os membros a aproximar-se cada vez mais de uma existência seráfica de amor puro. Na quarta-feira passada, falei sobre esta síntese entre realismo sóbrio e radicalidade evangélica no pensamento e no agir de São Boaventura.
2. Contudo, São Boaventura encontrou nos escritos do Pseudodionísio outro elemento, para ele ainda mais importante. Enquanto para Santo Agostinho o intellectus, o ver com a razão e o coração, é a última categoria do conhecimento, o Pseudodionísio dá mais um passo: na escalada rumo a Deus pode-se chegar a um ponto em que a razão já não vê. Mas, na noite do intelecto, o amor ainda vê – vê aquilo que permanece inacessível à razão. O amor estende-se além da razão, vê mais, entra mais profundamente no mistério de Deus. São Boaventura sentia-se fascinado por esta visão, que se encontrava com a sua espiritualidade franciscana. Precisamente na noite obscura da Cruz aparece toda a grandeza do amor divino; onde a razão já não vê, o amor vê. As palavras conclusivas do seu "Itinerário da mente em Deus", a uma leitura superficial podem parecer como expressão exagerada de uma devoção sem conteúdo; por outro lado, lidas à luz da teologia da Cruz de São Boaventura, elas são uma expressão límpida e realista da espiritualidade franciscana:  "Se agora desejas saber como isto acontece (ou seja, a escalada para Deus), interroga a graça, não a doutrina; o desejo, não o intelecto; o gemido da oração, não o estudo da letra; ...não a luz, mas o fogo, que tudo inflama e transporta em Deus" (VII, 6). Tudo isto não é anti-intelectual e não é anti-racional:  supõe o caminho da razão, mas transcende-o no amor de Cristo crucificado. Com esta transformação da mística do Pseudodionísio, São Boaventura coloca-se nos primórdios de uma corrente mística, que elevou e purificou em grande medida a mente humana: é um ápice na história do espírito humano.
Esta teologia da Cruz, nascida do encontro entre a teologia do Pseudodionísio e a espiritualidade franciscana, não nos deve fazer esquecer que São Boaventura compartilha com São Francisco de Assis também o amor pela criação, a alegria pela beleza da criação de Deus. Cito nesta altura uma frase do primeiro capítulo do "Itinerário":  "Quem... não vê os inúmeros esplendores das criaturas, é cego; aquele que não desperta com tantas vezes, é surdo; quem não louva a Deus por todas estas maravilhas, é mudo; aquele que de tantos sinais não se eleva ao primeiro princípio, é estulto" (I, 15). Toda a criação fala em voz alta de Deus, do Deus bom e belo, do Seu amor.
Portanto, toda a nossa vida é, para São Boaventura, um "itinerário", uma peregrinação – uma escalada rumo a Deus. Mas só com as nossas forças, não podemos elevar-nos à altura de Deus. O próprio Deus deve ajudar-nos, deve "puxar-nos" para o alto. Por isso, é necessária a oração. A oração – como diz o Santo – é a mãe e a origem da elevação – "sursum actio", ação que  nos  leva  para  o  alto – diz Boaventura. Por isso, concluo com a prece, com a qual ele começa o seu "Itinerário":  "Portanto, oremos e digamos ao nosso Senhor Deus:  'Conduza-me, Senhor, pela Tua via, e eu caminharei na Tua verdade. Alegre-se o meu coração no temor do Teu nome'" (I, 1).

* Extraído do Site do Vaticano.

Audiência Geral - São Boaventura (2)

Papa Bento XVI

Quarta-feira, 10 de março de 2010

São Boaventura de Bagnoregio

Caros irmãos e irmãs
Na semana passada falei da vida e da personalidade de São Boaventura de Bagnoregio. Esta manhã gostaria de continuar a apresentação, refletindo sobre uma parte da sua obra literária e da sua doutrina.
Como já disse São Boaventura, entre os vários méritos, teve o de interpretar autêntica e fielmente a figura de São Francisco de Assis, por ele venerado e estudado com grande amor. Em particular, na época de São Boaventura uma corrente de Frades Menores, chamados "espirituais", afirmava que com São Francisco fora inaugurada uma fase totalmente nova da história, aparecera o "Evangelho eterno" de que fala o Apocalipse, que substituía o Novo Testamento. Este grupo afirmava que a Igreja já tinha esgotado o seu papel histórico e seria substituída por uma comunidade carismática de homens livres guiados interiormente pelo Espírio, isto é pelos "Franciscanos espirituais". Na base das ideias de tal grupo havia os escritos de um abade cisterciense, Joaquim de Fiore, falecido em 1202. Nas suas obras, ele afirmava um ritmo trinitário da história. Considerava o Antigo Testamento como era do Pai, seguido pelo tempo do Filho, o tempo da Igreja. Haveria que esperar ainda a terceira era, a do Espírito Santo. Assim, toda a história devia ser interpretada como uma história de progresso: da severidade do Antigo Testamento à relativa liberdade do tempo do Filho, na Igreja, até à plena liberdade dos Filhos de Deus, no período do Espírito Santo, que enfim seria inclusive o período da paz entre os homens, da reconciliação dos povos e das religiões. Joaquim de Fiore suscitou a esperança de que o início do novo tempo viria de um novo monaquismo. Assim, é compreensível que um grupo de Franciscanos julgasse reconhecer em São Francisco de Assis o iniciador do novo tempo e, na sua Ordem, a comunidade da nova época a comunidade do tempo do Espírito Santo, que deixava atrás de si a Igreja hierárquica, para começar a nova Igreja do Espírito, desligada das velhas estruturas.
Portanto, havia o risco de um gravíssimo mal-entendido da mensagem de São Francisco, da sua fidelidade humilde ao Evangelho e à Igreja, e tal equívoco incluía uma visão errônea do Cristianismo no seu conjunto.
São Boaventura, que em 1257 se tornou Ministro-Geral da Ordem Franciscana, encontrou-se diante de uma grave tensão no interior da sua própria Ordem precisamente por causa de quem defendia a mencionada corrente dos "Franciscanos espirituais", que se inspirava em Joaquim de Fiore. Exatamente para responder a este grupo e dar nova unidade à Ordem, São Boaventura estudou com atenção os escritos autênticos de Joaquim de Fiore e os que lhe eram atribuídos e, tendo em consideração a necessidade de apresentar corretamente a figura e a mensagem do seu amado São Francisco, quis expor uma justa visão da teologia da história. São Boaventura enfrentou o problema na sua última obra, uma coletânea de conferências aos monges do estúdio parisiense, que ficou incompleta e chegou até nós através das transcrições dos auditores, intitulada Hexaëmeron, isto é uma explicação alegórica dos seis dias da criação. Os Padres da Igreja consideravam os seis ou sete dias da narração sobre a criação como profecia da história do mundo, da humanidade. Os sete dias representavam para eles sete períodos da história, mais tarde interpretados também como sete milênios. Com Cristo teríamos entrado no último, ou seja no sexto período da história, ao qual depois se seguiria o grande sábado de Deus. São Boaventura supõe esta interpretação histórica do relatório dos dias da criação, mas de um modo muito livre e inovativo. Para ele, dois fenômenos do seu tempo tornam necessária uma nova interpretação do curso da história.
O primeiro: a figura de São Francisco, homem totalmente unido a Cristo até à comunhão dos estigmas, quase um alter Christus, e com São Francisco a nova comunidade por ele criada, diferente do monaquismo até agora conhecido. Este fenómeno exigia uma nova interpretação, como novidade de Deus que surgiu nesse momento.
O segundo: a posição de Joaquim de Fiore, que anunciava um novo monaquismo e um período totalmente novo da história, indo além da revelação do Novo Testamento exigia uma resposta.
Como Ministro-Geral da Ordem dos Franciscanos, São Boaventura viu logo que com a concepção espiritualista inspirada por Joaquim de Fiore, a Ordem não era governável, mas caminhava logicamente rumo à anarquia. Para ele, havia duas consequências:
A primeira: a necessária prática de estruturas e de inserção na realidade da Igreja hierárquica, da Igreja real, tinha necessidade de um fundamento teológico, também porque os outros, aqueles que seguiam a concepção espiritualista, mostravam um aparente fundamento teológico.
A segunda: mesmo tendo em consideração o realismo necessário, não se podia perder a novidade da figura de São Francisco.
Como respondeu São Boaventura à exigência prática e teórica? Da sua resposta posso dar aqui só um resumo muito esquemático e incompleto, em alguns pontos:
1. São Boaventura rejeita a ideia do ritmo trinitário da história. Deus é um para toda a história e não se divide em três divindades. Portanto, a história é uma só, embora seja um caminho e – segundo São Boaventura – um caminho de progresso.
2. Jesus Cristo é a última palavra de Deus – nele Deus disse tudo, doando-se e proclamando-se a si mesmo. Mais do que Ele mesmo, Deus não pode dizer, nem doar. O Espírito Santo é Espírito do Pai e do Filho. O próprio Cristo diz do Espírito Santo: "...ensinar-vos-á tudo o que vos tenho dito" (Jo 14, 26), "receberá do que é meu para vo-lo anunciar" (Jo 16, 15). Portanto, não existe outro Evangelho mais excelso, não há outra Igreja a esperar. Por isso, até a Ordem de São Francisco deve inserir-se nesta Igreja, na sua fé, no seu ordenamento hierárquico.
3. Isto não significa que a Igreja é imóvel, fixa no passado, e que nela não possa haver novidade. "Opera Christi non deficiunt, sed proficiunt", as obras de Cristo não regridem, não vêm a faltar, mas progridem, diz o Santo na Carta De tribus quaestionibus. Assim, São Boaventura formula explicitamente a ideia de progresso, e esta é uma novidade em relação aos Padres da Igreja e a uma grande parte dos seus contemporâneos. Para São Boaventura, Cristo não é mais, como era para os Padres da Igreja, o fim, mas o centro da história; com Cristo, a história não termina, mas começa um novo período. Outra consequência é a seguinte: até àquele momento predominava a ideia de que os Padres da Igreja fossem o ápice absoluto da teologia, e que todas as gerações seguintes só pudessem ser suas discípulas. Até São Boaventura reconhece os Padres como mestres para sempre, mas o fenômeno de São Francisco dá-lhe a certeza de que a riqueza da palavra de Cristo é inesgotável e que até nas novas gerações podem despontar novas luzes. A unicidade de Cristo garante também novidade e renovação em todos os períodos da história.
Sem dúvida, a Ordem franciscana – assim sublinha – pertence à Igreja de Jesus Cristo, à Igreja Apostólica, e não pode construir-se num espiritualismo utópico. Mas ao mesmo tempo é válida a novidade de tal Ordem em relação ao monaquismo clássico, e São Boaventura – como eu disse na catequese precedente – defendeu esta novidade contra os ataques do Clero secular de Paris: os Franciscanos não têm um mosteiro fixo e podem estar presentes em toda a parte para anunciar o Evangelho. Precisamente a ruptura com a estabilidade, característica do monaquismo, a favor de uma nova flexibilidade, restituiu à Igreja o dinamismo missionário.
Nesta altura, talvez seja útil dizer que até hoje existem visões segundo as quais toda a história da Igreja no segundo milênio teria sido um declínio permanente; alguns veem o declínio já imediatamente após o Novo Testamento. Na realidade, "Opera Christi non deficiunt, sed proficiunt", as obras de Cristo não regridem mas progridem. O que seria a Igreja, sem a nova espiritualidade dos Cistercienses, dos Franciscanos e Dominicanos, da espiritualidade de Santa Teresa de Ávila e de São João da Cruz, e assim por diante? Até hoje é válida esta afirmação: "Opera Christi non deficiunt, sed proficiunt", progridem. São Boaventura ensina-nos o conjunto do discernimento necessário, mesmo severo, do realismo sóbrio e da abertura a novos carismas doados por Cristo no Espírito Santo, à sua Igreja. E enquanto se repete esta ideia do declínio, há também outra ideia, o "utopismo espiritualista" que se repete. Com efeito, sabemos que depois do Concílio Vaticano II alguns estavam convictos de que tudo era novo, como se houvesse outra Igreja, que a Igreja pré-conciliar tivesse terminado e teríamos tido outra, totalmente "outra". Um utopismo anárquico! E graças a Deus os timoneiros sábios da barca de Pedro, Papa Paulo VI e Papa João Paulo II, por um lado defenderam a novidade do Concílio e por outro, ao mesmo tempo, defenderam a unicidade e a continuidade da Igreja, que é sempre Igreja de pecadores e sempre lugar de Graça.
4. Neste sentido São Boaventura, como Ministro-Geral dos Franciscanos, assumiu uma linha de governo em que era bem claro que a nova Ordem não podia, como comunidade, viver à mesma "altura escatológica" de São Francisco, em quem ele vê antecipado o mundo futuro, mas – guiado ao mesmo tempo por um realismo sadio e pela coragem espiritual – tinha que se aproximar o mais possível da máxima realização do Sermão da Montanha, que para São Francisco foi a regra, mesmo tendo em consideração os limites do homem, marcado pelo pecado original.
Vemos assim que, para São Boaventura, governar não era simplesmente agir, mas era sobretudo pensar e rezar. Na base do seu governo encontramos sempre a oração e o pensamento; todas as suas decisões derivam da reflexão, do pensamento iluminado pela oração. O seu contato íntimo com Cristo acompanhou sempre o seu trabalho de Ministro-Geral e por isso ele compôs uma série de escritos teológico-místicos, que expressam a alma do seu governo e manifestam a intenção de orientar interiormente a Ordem, isto é de governar não só mediante mandatos e estruturas, mas guiando e iluminando as almas, orientando para Cristo.
Destes seus escritos, que são a alma do seu governo e mostram o caminho a percorrer, tanto ao indivíduo como à comunidade, gostaria de mencionar um só, sua obra-prima, o Itinerarium mentis in Deum, que é um "manual" de contemplação mística. Este livro foi concebido num lugar de profunda espiritualidade: o monte La Verna, onde São Francisco tinha recebido os estigmas. Na introdução, o autor explica as circunstâncias que deram origem a este seu escrito: "Enquanto eu meditava sobre as possibilidades da alma se elevar a Deus, apresentou-se-me entre outros aquele acontecimento admirável ocorrido naquele lugar com o bem-aventurado Francisco, ou seja a visão do Serafim alado em forma de Crucifixo. E meditando sobre isto, dei-me conta imediatamente de que tal visão me oferecia o êxtase contemplativo do próprio pai Francisco e ao mesmo tempo o caminho que a ele conduz" (Itinerário da mente em Deus, Prólogo, 2 em Obras de São Boaventura. Opúsculos Teológicos/1, Roma 1993, pág. 499).
Assim, as seis asas do Serafim tornam-se o símbolo de seis etapas que conduzem progressivamente o homem ao conhecimento de Deus através da observação do mundo e das criaturas e através da exploração da própria alma com as suas faculdades, até à união total com a Trindade por meio de Cristo, à imitação de São Francisco de Assis. As últimas palavras do Itinerarium de São Boaventura, que respondem à pergunta sobre o modo como se pode alcançar esta comunhão mística com Deus, deviam fazer alcançar o fundo do coração: "Se agora desejas saber como acontece isto (a comunhão mística com Deus), interroga a graça, não a doutrina; o desejo, não o intelecto; o gemido da oração, não o estudo da letra; o esposo, não o mestre; Deus, não o homem; as trevas, não a clareza; não a luz, mas o fogo que tudo inflama e transporta em Deus, com as fortes unções e os afetos ardentíssimos... Portanto, entremos nas trevas, silenciemos os anseios, as paixões e os fantasmas; passemos com Cristo Crucificado deste mundo para o Pai para, depois de o ter visto, dizermos com Filipe: basta-me isto" (Ibid., VII, 6).
Queridos amigos, aceitemos o convite que nos é dirigido por São Boaventura, o Doutor Seráfico, e coloquemo-nos na escola do Mestre divino: ouçamos a sua Palavra de vida e de verdade, que ressoa no íntimo da nossa alma. Purifiquemos os nossos pensamentos e as nossas acções, a fim de que Ele possa habitar em nós, e nós possamos ouvir a sua Voz divina, que nos atrai para a verdadeira felicidade.

* Extraído do Site do Vaticano.

Audiência Geral - São Boaventura (1)

Papa Bento XVI

Quarta-feira, 3 de março de 2010

São Boaventura de Bagnoregio

Queridos irmãos e irmãs
Hoje gostaria de falar de São Boaventura de Bagnoregio. Confesso-vos que, ao vos propor este argumento, sinto uma certa saudade, porque volto a pensar nas pesquisas que, como jovem estudioso, fiz precisamente sobre este autor, que me é particularmente caro. O seu conhecimento influiu em grande medida na minha formação. Com muita alegria, há alguns meses, fui em peregrinação à sua terra natal, Bagnoregio, uma pequena cidade italiana no Lácio, que conserva com veneração a sua memória.
Tendo nascido provavelmente em 1217 e falecido em 1274, ele viveu no século XIII, uma época em que a fé cristã, radicada profundamente na cultura e na sociedade da Europa, inspirou obras imperecíveis no campo da literatura, das artes visuais, da filosofia e da teologia. Entre as grandes figuras cristãs que contribuíram para a composição desta harmonia entre fé e cultura sobressai precisamente Boaventura, homem de ação e de contemplação, de profunda piedade e de prudência no governo.
Chamava-se João de Fidanza. Um episódio que teve lugar quando ainda era jovem marcou profundamente a sua vida, como ele mesmo narra. Tinha sido atingido por uma grave doença e nem sequer o seu pai, que era médico, esperava salvá-lo da morte. Então, sua mãe recorreu à intercessão de São Francisco de Assis, que tinha sido canonizado há pouco tempo. E João ficou curado.
A figura do Pobrezinho de Assis tornou-se-lhe ainda mais familiar alguns anos mais tarde, quando se encontrava em Paris, aonde tinha ido para estudar. Obtivera o diploma de Mestre de Artes, que poderíamos comparar com o de um Liceu prestigioso dos nossos tempos. Nesta altura, como muitos jovens de ontem e também de hoje, João formulou uma pergunta crucial:  "O que devo fazer da minha vida?". Fascinado pelo testemunho de fervor e de radicalidade evangélica dos Frades Menores, que tinham chegado a Paris em 1219, João bateu à porta do Convento franciscano daquela cidade, e pediu para ser acolhido na grande família dos discípulos de São Francisco. Muitos anos depois, ele explicou as razões da sua escolha:  em São Francisco e no movimento por ele iniciado, entrevia a ação de Cristo. Assim escrevia numa carta endereçada a outro frade:  "Confesso diante de Deus que a razão que me fez amar mais a vida do Beato Francisco é que ela se assemelha aos inícios e ao crescimento da Igreja. A Igreja começou com simples pescadores e em seguida enriqueceu-se de doutores muito ilustres e sábios; a religião do Beato Francisco não foi estabelecida pela prudência dos homens, mas de Cristo" (Epistula de tribus quaestionibus ad magistrum innominatum, in Opere di San Bonaventura. Introduzione generale, Roma 1990, pág. 29).
Portanto, por volta do ano de 1243 João vestiu o hábito franciscano e adquiriu o nome de Boaventura. Foi imediatamente destinado aos estudos e frequentou a Faculdade de Teologia da Universidade de Paris, seguindo uma série de cursos muitos exigentes. Obteve os vários títulos requeridos pela carreira acadêmica, os de "bacharel bíblico" e de "bacharel sentenciário". Assim, Boaventura estudou a fundo a Sagrada Escritura, as Sentenças de Pedro Lombardo, o manual de teologia daquela época e os mais importantes autores de teologia e, em contacto com os mestres e os estudantes que afluíam a Paris de toda a Europa, amadureceu a sua reflexão pessoal e uma sensibilidade espiritual de grande valor que, durante os anos seguintes, soube transferir para as suas obras e os seus sermões, tornando-se assim um dos teólogos mais importantes da história da Igreja. É significativo recordar o título da tese que ele defendeu para ser habilitado ao ensino da teologia, a licentia ubique docendi, como então se dizia. A sua dissertação tinha como título Questões sobre o conhecimento de Cristo. Este argumento mostra o papel central que Cristo teve sempre na vida e no ensinamento de Boaventura. Sem dúvida, podemos dizer que todo o seu pensamento foi profundamente cristocêntrico.
Naqueles anos em Paris, a cidade de adoção de Boaventura, desencadeava-se uma polêmica violenta contra os Frades Menores de São Francisco de Assis e contra os Padres Pregadores de São Domingos de Gusmão. Contestava-se o seu direito de ensinar na Universidade e chegava-se até a pôr em dúvida a autenticidade da sua vida consagrada. Certamente, as mudanças introduzidas pelas Ordens Mendicantes no modo de entender a vida religiosa, de que falei nas catequeses precedentes, eram tão inovativas que nem todos conseguiam compreendê-las. Além disso acrescentavam-se, como às vezes acontece também entre pessoas sinceramente religiosas, motivos de debilidade humana, como a inveja e o ciúme. Embora estivesse circundado pela oposição dos outros mestres universitários, Boaventura já tinha começado a ensinar na cátedra de teologia dos Franciscanos e, para responder àqueles que contestavam as Ordens Mendicantes, compôs um escrito intitulado A perfeição evangélica. Neste escrito, ele demonstra que as Ordens Mendicantes, de modo especial os Frades Menores, praticando os votos de pobreza, de castidade e de obediência, seguiam os conselhos do próprio Evangelho. Para além destas circunstâncias históricas, o ensinamento oferecido por Boaventura nesta sua obra e na sua vida permanece sempre actual:  a Igreja tornou-se mais luminosa e bonita pela fidelidade à vocação da parte daqueles seus filhos e filhas que não só põem em prática os preceitos evangélicos mas, pela graça de Deus, são chamados a observar os seus conselhos e assim, através do seu estilo de vida pobre, casto e obediente, são testemunho de que o Evangelho é nascente de alegria e de perfeição.
O conflito foi pacificado, pelo menos por um certo período e, mediante a intervenção pessoal do Papa Alexandre IV em 1257, Boaventura foi reconhecido oficialmente doutor e mestre da Universidade parisiense. Todavia, ele teve que renunciar a este cargo prestigioso, porque naquele mesmo ano o Capítulo geral da Ordem o elegeu Ministro-Geral.
Desempenhou tal encargo durante 17 anos com sabedoria e dedicação, visitando as províncias, escrevendo aos irmãos e intervindo por vezes com uma certa severidade para eliminar abusos. Quando Boaventura deu início a este serviço, a Ordem dos Frades Menores desenvolveu-se de modo prodigioso:  contavam-se mais de 30.000 frades espalhados por todo o Ocidente, com presenças missionárias no norte da África, no Médio Oriente e até em Pequim. Era necessário consolidar esta expansão e sobretudo conferir-lhe, em plena fidelidade ao carisma de Francisco, unidade de ação e de espírito. Com efeito, entre os seguidores do Santo de Assis havia vários modos de interpretar a sua mensagem e existia realmente o risco de uma ruptura interna. Para evitar este perigo, o Capítulo geral da Ordem em Narbona, em 1260, aceitou e retificou um texto proposto por Boaventura, em que se reuniam e unificavam as normas que regulavam a vida diária dos Frades Menores. No entanto, Boaventura intuía que as disposições legislativas, por mais que se inspirassem na sabedoria e na moderação, não eram suficientes para garantir a comunhão do espírito e dos corações. Era necessário compartilhar os mesmos ideais e motivações. Por isso, Boaventura quis apresentar o carisma genuíno de Francisco, a sua vida e o seu ensinamento. Reuniu, então, com grande zelo documentos relativos ao Pobrezinho e ouviu com atenção as recordações daqueles que tinham conhecido Francisco diretamente. Daqui nasceu uma biografia do Santo de Assis, bem fundamentada sob o ponto de vista histórico, intitulada Legenda maior, redigida também de forma mais abreviada e por isso chamada Legenda minor. Diversamente do termo italiano, esta palavra latina não indica um fruto da fantasia, mas ao contrário "Legenda" significa um texto autorizado, "que se deve ler" oficialmente. Com efeito, o Capítulo geral dos Frades Menores de 1263, reunindo-se em Pisa, reconheceu na biografia de São Boaventura o retrato mais fiel do Fundador e deste modo ela tornou-se a biografia oficial do Santo.
Qual é a imagem de São Francisco que sobressai do coração e da pena do seu filho devoto e sucessor, São Boaventura? O ponto essencial:  Francisco é um alter Christus, um homem que procurou Cristo apaixonadamente. No amor que impele à imitação, conformou-se de modo total com Ele. Boaventura indicava este ideal vivo a todos os seguidores de Francisco. Este ideal, válido para cada cristão ontem, hoje e sempre, foi apontado como programa também para a Igreja do Terceiro Milênio pelo meu Predecessor, o Venerável João Paulo II. Tal programa, escreveu na Carta Novo millennio ineunte, está centrado "no próprio Cristo, que deve ser conhecido, amado e imitado, para viver nele a vida trinitária, e transformar com Ele a história até ao seu cumprimento na Jerusalém celeste" (n. 29).
Em 1273, a vida de São Boaventura conheceu outra mudança. O Papa Gregório X quis consagrá-lo Bispo e nomeá-lo Cardeal. Pediu-lhe também que preparasse um importantíssimo evento eclesial:  o II Concílio Ecumênico de Lion, que tinha como finalidade o restabelecimento da comunhão entre as Igrejas latina e grega. Ele dedicou-se a esta tarefa com diligência, mas não conseguiu ver a conclusão daquela assembleia ecumênica, porque faleceu durante a sua realização. Um notário pontifício anônimo compôs um elogio de Boaventura, que nos oferece um retrato conclusivo deste grande santo e excelente teólogo:  "Homem bom, afável, piedoso e misericordioso, repleto de virtudes, amado por Deus e pelos homens... Com efeito, Deus concedeu-lhe tal graça, que todos aqueles que o viam permaneciam imbuídos de um amor que o coração não podia ocultar" (cf. BOUGEROL, J.G. Bonaventura. In: VAUCHEZ, A. (a cura di). Storia dei santi e della santità cristiana - Vol. VI - L'epoca del rinnovamento evangelico. Milano, 1991, pág. 91).
Recolhamos a herança deste Santo Doutor da Igreja, que nos recorda o sentido da nossa vida com as seguintes palavras:  "Na terra... podemos contemplar a imensidão divina mediante o raciocínio e a admiração; na pátria celeste, ao contrário, mediante a visão, quando nos tornarmos semelhantes a Deus, e através do êxtase... entraremos na alegria de Deus" (La conoscenza di Cristo, q. 6, conclusione, in Opere di San Bonaventura. Opuscoli Teologici/1, Roma 1993, pág. 187).

* Extraído do Site do Vaticano.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Comentário ao evangelho do dia

Evangelho - Mt 9, 18-26
Enquanto Jesus estava falando, um chefe aproximou-se, inclinou-se profundamente diante dele, e disse: "Minha filha acaba de morrer. Mas vem, impõe tua mão sobre ela e ela viverá". Jesus levantou-se e o seguiu, junto com os seus discípulos. Nisto, uma mulher que sofria de hemorragia, há doze anos, veio por trás dele e tocou a barra do seu manto. Ela pensava consigo: "Se eu conseguir ao menos tocar no manto dele, ficarei curada". Jesus voltou-se e, ao vê-la, disse: "Coragem, filha! A tua fé te salvou". E a mulher ficou curada a partir daquele instante. Chegando à casa do chefe, Jesus viu os tocadores de flauta e a multidão alvoroçada, e disse: "Retirai-vos, porque a menina não morreu, mas está dormindo". E começaram a caçoar dele. Quando a multidão foi afastada, Jesus entrou, tomou a menina pela mão, e ela se levantou. Essa notícia espalhou-se por toda aquela região. 

Comentário feito por São Francisco de Assis (1182-1226)
fundador dos Frades Menores 

Escutai, meus irmãos. Se a Bem-aventurada Virgem Maria é digna de louvor - e o é com justiça - porque trouxe a Cristo no seu seio bendito, se o bem-aventurado João Baptista estremeceu, não ousando sequer tocar na cabeça sagrada do seu Deus, se o túmulo em que o corpo de Cristo foi encerrado durante algum tempo está rodeado de veneração, quão santo, justo e digno há de ser aquele que toca a Cristo com as mãos, O recebe na boca e no coração e O dá aos outros em alimento, este Cristo que deixou de ser mortal, mas que é eternamente vencedor e glorioso, que é Aquele que os anjos desejam contemplar.Reparai na vossa dignidade, irmãos sacerdotes, e sede santos porque Ele é santo (1P 1, 16) [...] Grande miséria e miserável fraqueza se, tendo-O assim presente nas mãos, vos entreteis com qualquer outra coisa! Que todo o homem tema, que o mundo inteiro trema, que o céu exulte quando Cristo, o Filho de Deus vivo, Se encontra sobre o altar, entre as mãos do sacerdote. Que grandeza admirável, que bondade extraordinária! Que humildade sublime! O Senhor do universo, Deus e Filho de Deus, humilha-Se pela nossa salvação, a ponto de Se ocultar numa pequena hóstia de pão. Vede, irmãos, a humildade de Deus; prestai-Lhe homenagem no vosso coração. Sede humildes, vós também, para serdes por Ele exaltados. Nada guardeis para vós, a fim de que Aquele que a vós Se entrega por inteiro vos receba por inteiro. 

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Comentário ao evangelho do dia


Nossa Senhora da Estrada

Evangelho - Mc 10,17-27
Naquele tempo: Quando Jesus saiu a caminhar, veio alguém correndo, ajoelhou-se diante dele, e perguntou: "Bom Mestre, que devo fazer para ganhar a vida eterna?" Jesus disse: "Por que me chamas de bom? Só Deus é bom, e mais ninguém. Tu conheces os mandamentos: não matarás; não cometerás adultério; não roubarás; não levantarás falso testemunho; não prejudicarás ninguém; honra teu pai e tua mãe!" Ele respondeu: "Mestre, tudo isso tenho observado desde a minha juventude." Jesus olhou para ele com amor, e disse: "Só uma coisa te falta: vai, vende tudo o que tens e dá aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois vem e segue-me!" Mas quando ele ouviu isso, ficou abatido e foi embora cheio de tristeza, porque era muito rico. Jesus então olhou ao redor e disse aos discípulos: "Como é difícil para os ricos entrar no Reino de Deus!" Os discípulos se admiravam com estas palavras, mas ele disse de novo: "Meus filhos, como é difícil entrar no Reino de Deus! É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus!" Eles ficaram muito espantados ao ouvirem isso, e perguntavam uns aos outros: "Então, quem pode ser salvo?" Jesus olhou para eles e disse: "Para os homens isso é impossível, mas não para Deus. Para Deus tudo é possível."

Comentário extraído do
Relato de três companheiros de São Francisco de Assis (c. 1244)

Certa noite, depois do seu regresso a Assis, os companheiros do jovem Francisco elegeram-no como chefe do grupo. Com tantas vezes tinha feito, mandou então preparar um suntuoso banquete. Depois de saciados, saíram todos e percorreram a cidade, a cantar. Os companheiros, em grupo, iam à frente de Francisco; este, empunhando o bastão de chefe, fechava o cortejo, um pouco mais atrás, sem cantar, mergulhado nos seus pensamentos. E eis que, de súbito, o Senhor lhe aparece, enchendo-lhe o coração de uma doçura tal, que ele ficou sem conseguir falar, sem se mexer [...]. Quando os companheiros se voltaram para trás e o viram assim tão longe deles, voltaram atrás e aproximaram-se, receosos; encontraram-no mudado, como se fosse outro homem. Perguntaram-lhe: "Em que é que pensavas para te esqueceres assim de nos seguir? Estarias a pensar em arranjar mulher?" "Têm toda a razão! Decidi ter esposa, uma esposa mais nobre, mais rica e mais bela do que todas as que vocês já viram". Os companheiros puseram-se a troçar dele [...]. A partir daquele momento, ele fazia os possíveis para que Jesus Cristo lhe ocupasse a alma, e bem assim aquela pérola que tanto desejava comprar depois de tudo ter vendido (Mt 13, 46). Furtando-se frequentemente aos olhos dos que dele troçavam, ia muitas vezes – quase diariamente – rezar em segredo. De alguma maneira a isso era impelido pelo gozo antecipado daquela doçura extrema que tantas vezes o visitava e que com tanta força o atraía, estando ele na praça ou em outros locais públicos, para a oração.

sábado, 18 de abril de 2009

Cartas do P.e Aldo 27

Asunción, 05 de janeiro de 2009.

Caros amigos,
Hoje, Celeste é testemunha da grandeza da Misericórdia Divina. Nela, há 11 anos, o mal (refere-se à sua leucemia; ndt) não pemitiu que entrasse um outro mal pior no seu coração: o mal de duvidar do rosto bom do Mistério; o mal da falta de confiança... confiança que, mesmo para um “condenado à morte” – como foi declarada ela, pelos médicos –, permite ver tudo o que lhe acontece como estupendamente positivo, como parte de um desígnio bom que nos é dado já experimentar. Se os hospitais não existissem por isso, para que serviriam?
Ontem, internamos um travesti com AIDS, tuberculose, abandonado num canto de um hospital. Há tempos não comia e não tinha ninguém que se interessasse por ele. Tão logo pôs os pés aqui, e sentindo-se abraçado e beijado, disse: “já estou ressuscitado”. Pediu que lhe cortassem os cabelos loiros, as unhas de mulher e que lhe tirassem o esmalte. Hoje, ele pediu para se confessar. Isto sim é um hospital como a Igreja nos ensina: “o pobre não é um fardo, mas um irmão” (em italiano, a frase tem um jogo de palavras que não conseguimos traduzir: “il povero non è un fardello, ma un fratello”; ndt).
Mas, voltemos a Celeste. Hoje, depois de anos de silêncio, ela pronunciou a primeira vogal: “A”! E a está repetindo continuamente. Além do mais, já recomeçou a escrever e a fazer contas de adição e de subtração... Que belo! Que comoção! Ela veio para cá para ser sepultada.
Como é possível viver sem se comover até as lágrimas, como Marcos Zerbini quando veio até aqui... e que, nos próximos dias, encontrarei em São Paulo, para estar na sua companhia e na de Cleuza... que depois virão aqui, de novo, entre o dia 17 e o dia 22 de janeiro, com 30 universitários para gozar daquela certeza: “eu sou Tu que me fazes”, contemplando os doentes e visitando, juntos, as reduções que, para nós, são como São Bento e São Francisco foram para a Europa.
Um abraço
P.e Aldo.

domingo, 12 de abril de 2009

Homilia de Sua Santidade Bento XVI - Vigília de Páscoa

Posto, tal e qual foi publicada no site do Vaticano, a homilia do Papa Bento XVI, na Vigília de Páscoa - 11 de abril de 2009 -, na Basílica de São Pedro, em Roma.

Basílica de São Pedro
Sábado Santo, 11 de Abril de 2009

Amados irmãos e irmãs!
Narra São Marcos no seu Evangelho que os discípulos, ao descer do monte da Transfiguração, discutiam entre si o que queria dizer "ressuscitar dos mortos" (cf. Mc 9, 10). Antes, o Senhor tinha-lhes anunciado a sua paixão e a ressurreição três dias depois. Pedro tinha protestado contra o anúncio da morte. Mas agora interrogavam-se acerca do que se poderia entender pelo termo "ressurreição". Porventura não acontece o mesmo também a nós? O Natal, o nascimento do Deus Menino de certo modo é-nos imediatamente compreensível. Podemos amar o Menino, podemos imaginar a noite de Belém, a alegria de Maria, a alegria de São José e dos pastores e o júbilo dos Anjos. Mas, a ressurreição: o que é? Não entra no âmbito das nossas experiências, e assim a mensagem frequentemente acaba, em qualquer medida, incompreendida, algo do passado. A Igreja procura levar-nos à sua compreensão, traduzindo este acontecimento misterioso na linguagem dos símbolos pelos quais nos seja possível de algum modo contemplar este facto impressionante. Na Vigília Pascal, indica-nos o significado deste dia sobretudo através de três símbolos: a luz, a água e o cântico novo do aleluia.
Temos, em primeiro lugar, a luz. A criação por obra de Deus – acabámos de ouvir a sua narração bíblica – começa com as palavras: "Haja luz!" (Gen 1, 3). Onde há luz, nasce a vida, o caos pode transformar-se em cosmos. Na mensagem bíblica, a luz é a imagem mais imediata de Deus: Ele é todo Resplendor, Vida, Verdade, Luz. Na Vigília Pascal, a Igreja lê a narração da criação como profecia. Na ressurreição, verifica-se de modo mais sublime aquilo que este texto descreve como o início de todas as coisas. Deus diz de novo: "Haja luz". A ressurreição de Jesus é uma irrupção de luz. A morte fica superada, o sepulcro escancarado. O próprio Ressuscitado é Luz, a Luz do mundo. Com a ressurreição, o dia de Deus entra nas noites da história. A partir da ressurreição, a luz de Deus difunde-se pelo mundo e pela história. Faz-se dia. Somente esta Luz – Jesus Cristo – é a luz verdadeira, mais verdadeira que o fenómeno físico da luz. Ele é a Luz pura: é o próprio Deus, que faz nascer uma nova criação no meio da antiga, transforma o caos em cosmos.
Procuremos compreender isto um pouco melhor ainda. Porque é que Cristo é Luz? No Antigo Testamento, a Torah era considerada como a luz vinda de Deus para o mundo e para os homens. Aquela separa, na criação, a luz das trevas, isto é, o bem do mal. Aponta ao homem o caminho justo para viver de modo autêntico. Indica-lhe o bem, mostra-lhe a verdade e conduz-lo para o amor, que é o seu conteúdo mais profundo. Aquela é "lâmpada" para os passos, e "luz" no caminho (cf. Sal 119/118, 105). Ora, os cristãos sabiam que, em Cristo está presente a Torah: a Palavra de Deus está presente nEle como Pessoa. A Palavra de Deus é a verdadeira Luz de que o homem necessita. Esta Palavra está presente nEle, no Filho. O Salmo 19 comparara a Torah ao sol, que, nascendo, manifesta a glória de Deus visivelmente em todo o mundo. Os cristãos compreendem: sim, na ressurreição, o Filho de Deus surgiu como Luz sobre o mundo. Cristo é a grande Luz, da qual provém toda a vida. Ele faz-nos reconhecer a glória de Deus de um extremo ao outro da terra. Indica-nos a estrada. Ele é o dia de Deus que agora, crescendo, se difunde por toda a terra. Agora, vivendo com Ele e por Ele, podemos viver na luz.
Na Vigília Pascal, a Igreja representa o mistério da luz de Cristo no sinal do círio pascal, cuja chama é simultaneamente luz e calor. O simbolismo da luz está ligado com o do fogo: resplendor e calor, resplendor e energia de transformação contida no fogo. Verdade e amor andam juntos. O círio pascal arde e deste modo se consuma: cruz e ressurreição são inseparáveis. Da cruz, da autodoacção do Filho nasce a luz, provém o verdadeiro resplendor sobre o mundo. No círio pascal, todos acendemos as nossas velas, sobretudo as dos neo-batizados, aos quais, neste sacramento, a luz de Cristo é colocada no fundo do coração. A Igreja Antiga designou o Batismo como fotismos, como sacramento da iluminação, como uma comunicação de luz e ligou-o inseparavelmente com a ressurreição de Cristo. No Batismo, Deus diz ao batizando: "Haja luz". O batizando é introduzido dentro da luz de Cristo. Cristo divide agora a luz das trevas. NEle reconhecemos o que é verdadeiro e o que é falso, o que é o resplendor e o que é a escuridão. Com Ele, surge em nós a luz da verdade e começamos a compreender. Uma vez quando Cristo viu a gente que se congregara para O escutar e esperava dEle uma orientação, sentiu compaixão por ela, porque eram como ovelhas sem pastor (cf. Mc 6, 34). No meio das correntes contrastantes do seu tempo, não sabiam a quem dirigir-se. Quanta compaixão deve Ele sentir também do nosso tempo, por causa de todos os grandes discursos por trás dos quais, na realidade, se esconde uma grande desorientação! Para onde devemos ir? Quais são os valores, segundo os quais podemos regular-nos? Os valores segundo os quais podemos educar os jovens, sem lhes dar normas que talvez não subsistam nem exigir coisas que talvez não lhes devam ser impostas? Ele é a Luz. A vela baptismal é o símbolo da iluminação que nos é concedida no Batismo. Assim, nesta hora, também São Paulo nos fala de modo muito imediato. Na Carta aos Filipenses, diz que, no meio de uma geração má e perversa, os cristãos deveriam brilhar como astros no mundo (cf. Fil 2, 15). Peçamos ao Senhor que a pequena chama da vela, que Ele acendeu em nós, a luz delicada da sua palavra e do seu amor no meio das confusões deste tempo não se apague em nós, mas torne-se cada vez mais forte e mais resplendorosa. Para que sejamos com Ele pessoas do dia, astros para o nosso tempo.
O segundo símbolo da Vigília Pascal – a noite do Batismo – é a água. Esta aparece, na Sagrada Escritura e consequentemente também na estrutura íntima do sacramento do Batismo, com dois significados opostos. De um lado, temos o mar que se apresenta como o poder antagonista da vida sobre a terra, como a sua contínua ameaça, à qual, porém, Deus colocou um limite. Por isso o Apocalipse, ao falar do mundo novo de Deus, diz que lá o mar já não existirá (cf. 21, 1). É o elemento da morte. E assim torna-se a representação simbólica da morte de Jesus na cruz: Cristo desceu aos abismos do mar, às águas da morte, como Israel penetrou no Mar Vermelho. Ressuscitado da morte, Ele dá-nos a vida. Isto significa que o Batismo não é apenas um banho, mas um novo nascimento: com Cristo, como que descemos ao mar da morte para dele subirmos como criaturas novas.
O outro significado com que encontramos a água é como nascente fresca, que dá a vida, ou também como o grande rio donde provém a vida. Segundo o ordenamento primitivo da Igreja, o Batismo devia ser administrado com água fresca de nascente. Sem água, não há vida. Impressiona a grande importância que têm na Sagrada Escritura os poços. São lugares donde brota a vida. Junto do poço de Jacó, Cristo anuncia à Samaritana o poço novo, a água da vida verdadeira. Manifesta-Se a ela como o novo e definitivo Jacó, que abre à humanidade o poço que esta aguarda: aquela água que dá a vida que jamais se esgota (cf. Jo 4, 5-15). São João narra-nos que um soldado feriu com uma lança o lado de Jesus e que, do lado aberto – do seu coração trespassado –, saiu sangue e água (cf. Jo 19, 34). Nisto, a Igreja Antiga viu um símbolo do Batismo e da Eucaristia, que brotam do coração trespassado de Jesus. Na morte, Jesus mesmo Se tornou a nascente. Numa visão, o profeta Ezequiel tinha visto o Templo novo, do qual jorra uma nascente que se torna um grande rio que dá a vida (cf. Ez 47, 1-12); para uma Terra que sempre sofria com a seca e a falta de água, esta era uma grande visão de esperança. A cristandade dos primórdios compreendeu: em Cristo, realizou-se esta visão. Ele é o Templo verdadeiro, o Templo vivo de Deus. E é também a nascente de água viva. DEle brota o grande rio que, no Batismo, faz frutificar e renova o mundo; o grande rio de água viva é o seu Evangelho que torna fecunda a terra. Mas, num discurso durante a Festa das Tendas, Jesus profetizou uma coisa ainda maior: "Do seio daquele que acreditar em Mim, correrão rios de água viva" (Jo 7, 38). No Batismo, o Senhor faz de nós não só pessoas de luz, mas também nascentes das quais brota água viva. Todos nós conhecemos tais pessoas que nos deixam de algum modo restaurados e renovados; pessoas que são como que uma fonte de água fresca borbotante. Não devemos necessariamente pensar a pessoas grandes como Agostinho, Francisco de Assis, Teresa de Ávila, Madre Teresa de Calcutá e assim por diante, pessoas através das quais verdadeiramente rios de água viva penetraram na história. Graças a Deus, encontramo-las continuamente mesmo no nosso dia a dia: pessoas que são uma nascente. Com certeza, conhecemos também o contrário: pessoas das quais emana um odor parecido com o dum charco com água estagnada ou mesmo envenenada. Peçamos ao Senhor, que nos concedeu a graça do Batismo, para podermos ser sempre nascentes de água pura, fresca, saltitante da fonte da sua verdade e do seu amor.
O terceiro grande símbolo da Vigília Pascal é de natureza muito particular; envolve o próprio homem. É a entoação do cântico novo: o aleluia. Quando uma pessoa experimenta uma grande alegria, não pode guardá-la para si. Deve manifestá-la, transmiti-la. Mas que sucede quando a pessoa é tocada pela luz da ressurreição, entrando assim em contacto com a própria Vida, com a Verdade e com o Amor? Disto, não pode limitar-se simplesmente a falar; o falar já não basta. Ela tem de cantar. Na Bíblia, a primeira menção do acto de cantar encontra-se depois da travessia do Mar Vermelho. Israel libertou-se da escravidão. Subiu das profundezas ameaçadoras do mar. É como se tivesse renascido. Vive e é livre. A Bíblia descreve a reacção do povo a este grande acontecimento da salvação com a frase: "O povo acreditou no Senhor e em Moisés, seu servo" (Ex 14, 31). Segue-se depois a segunda reacção que nasce, por uma espécie de necessidade interior, da primeira: "Então Moisés e os filhos de Israel cantaram este cântico ao Senhor…". Na Vigília Pascal, ano após ano, nós, cristãos, depois da terceira leitura entoamos este cântico, cantamo-lo como o nosso cântico, porque também nós, pelo poder de Deus, fomos tirados para fora da água e libertos para a vida verdadeira.
Para a história do cântico de Moisés depois da libertação de Israel do Egito e depois da subida do Mar Vermelho, há um paralelismo surpreendente no Apocalipse de São João. Antes de iniciarem os últimos sete flagelos impostos à terra, aparece ao vidente "uma espécie de mar de cristal misturado com fogo. Sobre o mar de cristal, estavam de pé os vencedores do Monstro, da sua imagem e do número do seu nome. Tinham na mão harpas divinas e cantavam o cântico de Moisés, o servo de Deus, e o cântico do Cordeiro…" (Ap 15, 2s). Com esta imagem, é descrita a situação dos discípulos de Jesus em todos os tempos, a situação da Igreja na história deste mundo. Considerada humanamente, tal situação é contraditória em si mesma. Por um lado, a comunidade encontra-se no Êxodo, no meio do Mar Vermelho. Num mar que, paradoxalmente, é ao mesmo tempo gelo e fogo. E não deve porventura a Igreja caminhar sempre sobre o mar através do fogo e do frio? Humanamente falando, deveria afundar. Mas não, e enquanto caminha ainda no meio deste Mar Vermelho, ela canta – entoa o cântico de louvor dos justos: o cântico de Moisés e do Cordeiro, no qual concordam a Antiga e a Nova Aliança. Enquanto, na realidade deveria afundar, a Igreja entoa o cântico de agradecimento dos redimidos. Está sobre as águas de morte da história e todavia já está ressuscitada. Cantando, ela agarra-se à mão do Senhor, que a sustenta por cima das águas. E sabe que deste modo é guindada fora da força de gravidade da morte e do mal – uma força da qual, sem tal intervenção, não haveria caminho algum de fuga – guindada e atraída para dentro da nova força de gravidade de Deus, da verdade e do amor. De momento, ela encontra-se ainda entre os dois campos gravitacionais. Mas desde que Jesus ressuscitou, a gravitação do amor é mais forte que a do ódio; a força de gravidade da vida é mais forte que a da morte. Porventura não é esta a situação da Igreja de todos os tempos? Sempre dá a impressão que ela deva afundar, e todavia já está salva. São Paulo ilustrou esta situação com as palavras: "Somos considerados (…) como agonizantes, embora estejamos com vida" (2 Cor 6, 9). A mão salvadora do Senhor nos sustenta e assim podemos cantar já agora o cântico dos redimidos, o cântico novo dos ressuscitados: Aleluia! Amen.