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terça-feira, 3 de abril de 2012

Comentário ao Evangelho do dia - Semana Santa


3ª-feira da Semana Santa
     
1ª Leitura - Is 49,1-6
Nações marinhas, ouvi-me, povos distantes, prestai atenção: o Senhor chamou-me antes de eu nascer, desde o ventre de minha mãe ele tinha na mente o meu nome; fez de minha palavra uma espada afiada, protegeu-me à sombra de sua mão e fez de mim uma flecha aguçada, escondida em sua aljava, e disse-me: "Tu és o meu Servo, Israel, em quem serei glorificado". E eu disse: "Trabalhei em vão, gastei minhas forças sem fruto, inutilmente; entretanto o Senhor me fará justiça e o meu Deus me dará recompensa". E agora diz-me o Senhor - Ele que me preparou desde o nascimento para ser Seu Servo - que eu recupere Jacó para Ele e faça Israel unir-se a Ele; aos olhos do Senhor esta é a minha glória. Disse Ele: "Não basta seres meu Servo para restaurar as tribos de Jacó e reconduzir os remanescentes de Israel: eu te farei luz das nações, para que minha salvação chegue até aos confins da terra".

Salmo - Sl 70
R. Minha boca anunciará vossa justiça.

Eu procuro meu refúgio em vós, Senhor:*
que eu não seja envergonhado para sempre!
Porque sois justo, defendei-me e libertai-me!*
Escutai a minha voz, vinde salvar-me!R. 

Sede uma rocha protetora para mim,*
um abrigo bem seguro que me salve!
Porque sois a minha força e meu amparo,
o meu refúgio, proteção e segurança!
Libertai-me, ó meu Deus, das mãos do ímpio.R. 

Porque sois, ó Senhor Deus, minha esperança,*
em Vós confio desde a minha juventude!
Sois meu apoio desde antes que eu nascesse, 
desde o seio maternal, o meu amparo.R. 

Minha boca anunciará todos os dias*
vossa justiça e vossas graças incontáveis.
Vós me ensinastes desde a minha juventude,*
e até hoje canto as Vossas maravilhas.R.

Evangelho - Jo 13,21-33.36-38
Naquele tempo, estando à mesa com seus discípulos, Jesus ficou profundamente comovido e testemunhou: "Em verdade, em verdade vos digo, um de vós me entregará". Desconcertados, os discípulos olhavam uns para os outros, pois não sabiam de quem Jesus estava falando. Um deles, a quem Jesus amava, estava recostado ao lado de Jesus. Simão Pedro fez-lhe um sinal para que ele procurasse saber de quem Jesus estava falando. Então, o discípulo, reclinando-se sobre o peito de Jesus, perguntou-lhe: "Senhor, quem é?". Jesus respondeu: "É aquele a quem eu der o pedaço de pão passado no molho". Então Jesus molhou um pedaço de pão e deu-o a Judas, filho de Simão Iscariotes. Depois do pedaço de pão, Satanás entrou em Judas. Então Jesus lhe disse: "O que tens a fazer, executa-o depressa". Nenhum dos presentes compreendeu por que Jesus lhe disse isso. Como Judas guardava a bolsa, alguns pensavam que Jesus lhe queria dizer: "Compra o que precisamos para a festa", ou que desse alguma coisa aos pobres. Depois de receber o pedaço de pão, Judas saiu imediatamente. Era noite. Depois que Judas saiu, disse Jesus: "Agora foi glorificado o Filho do Homem, e Deus foi glorificado nEle. Se Deus foi glorificado nEle, também Deus O glorificará em Si mesmo, e O glorificará logo. Filhinhos,  por pouco tempo estou ainda convosco. Vós me procurareis, e agora vos digo, como eu disse também aos judeus: 'Para onde eu vou, vós não podeis ir'". Simão Pedro perguntou: "Senhor, para onde vais?". Jesus respondeu-lhe: "Para onde eu vou, tu não me podes seguir agora, mas me seguirás mais tarde". Pedro disse: "Senhor, por que não posso seguir-Te agora? Eu darei a minha vida por Ti!". Respondeu Jesus: "Darás a tua vida por mim? Em verdade, em verdade te digo: o galo não cantará antes que me tenhas negado três vezes".

Comentário extraído da Liturgia Latina das Horas 
Hino de Laudes da Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo

Desce o Verbo de Deus à nossa terra,  
Sem deixar a direita de Deus Pai 
E, lançada a semente do Evangelho, 
Chega o Senhor ao ocaso da vida. 

Um discípulo O entrega aos inimigos; 
Mas, antes de morrer, o Salvador 
Entrega-Se aos discípulos, dizendo: 
Sou o Pão vivo que desceu do Céu (Jo 6,51). 

O Corpo de Jesus é alimento, 
O Seu Sangue, bebida verdadeira. 
Viverá para sempre o homem novo 
Que tomar deste Pão e deste Vinho. 

Nascendo, quis ser nosso companheiro, 
Na Ceia Se tornou nosso alimento, 
Na Morte Se ofereceu como resgate, 
Na Glória será nossa recompensa. 

Hóstia Santa, penhor de Salvação, 
Perene manancial de eterna Vida, 
O inimigo teima em combater-nos; 
Salvai-nos com a Vossa fortaleza. 

Ao Senhor Uno e Trino demos glória, 
Cantemos Seu louvor por todo o sempre; 
A todos nos conceda a Vida eterna, 
Abrindo-nos as portas do Seu Reino.

quarta-feira, 28 de março de 2012

Chant de Pénitence



Chant de Pénitence
Père Maurice Cocagnac

Oh, si tu savais combien je t’aime,
tu retournerais Jérusalem!
Et le poids de tes péchés eux-mêmes,
te ramènerait Jérusalem.

Nous ne sommes pas meilleurs que nos pères,
les enfants d’Israel.
Nous ne sommes pas meilleurs que nos pères,
nous sommes bien pareils!
Oui, nous avons péché,
et nous avons triché!
Nous avons tout gâché
et nous t’avons lâché.
Nous ne sommers pas meilleurs que nos pères,
les enfants d’Israel.

Nous ne sommes pas meilleurs que saint Pierre
lorque le coq chantait.
Nous ne sommes pas meilleurs que saint Pierre
Mais lui, il en pleurait!
Oui, nous t’avons banni
et nous t’avons trahi,
et nous avons rougi
d’être de tes amis.
Nous ne sommes pas meilleurs que saint Pierre
Lorsque le coq chantait.

Nous ne sommes pas meilleurs que les autres
malgré nos prétentions.
Nous ne sommes pas meilleurs que les autres
bien que nous le croyons.
Mais pourtant quand tu veux
il passe dans nos yeux
Une lueur de feu,
et c’est un jour radieux.
Et nous sommes alors plus proches des autres
malgré nos divisions.
Et nous sommes alors plus proches des autres
et nous te retrouvons.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Comentário ao Evangelho do dia - Advento


Últimos dias antes do Natal - Dia 20 de dezembro

1ª Leitura - Is 7, 10-14
Naqueles dias, o Senhor falou com Acaz, dizendo: "Pede ao Senhor teu Deus que te faça ver um sinal, quer provenha da profundeza da terra, quer venha das alturas do céu". Mas Acaz respondeu: "Não pedirei nem tentarei o Senhor". Disse o profeta: "Ouvi então, vós, casa de Davi; será que achais pouco incomodar os homens e passais a incomodar até o meu Deus? Pois bem, o próprio Senhor vos dará um sinal. Eis que uma virgem conceberá e dará à luz um filho, e lhe porá o nome de Emanuel".

Salmo - Sl 23 (24)
R. O Senhor vai entrar, é o Rei glorioso!
Ao Senhor pertence a terra e o que ela encerra,*
o mundo inteiro com os seres que o povoam;
porque Ele a tornou firme sobre os mares,*
e sobre as águas a mantém inabalável. R. 

"Quem subirá até o monte do Senhor,*
quem ficará em sua santa habitação?"
"Quem tem mãos puras e inocente coração,* 
quem não dirige sua mente para o crime. R. 

Sobre este desce a bênção do Senhor*
e a recompensa de seu Deus e Salvador".
"É assim a geração dos que O procuram,*
e do Deus de Israel buscam a face". R.

Evangelho - Lc 1, 26-38
Naquele tempo, o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia, chamada Nazaré, a uma virgem, prometida em casamento a um homem chamado José. Ele era descendente de Davi e o nome da virgem era Maria. O anjo entrou onde ela estava e disse: "Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo!". Maria ficou perturbada com estas palavras e começou a pensar qual seria o significado da saudação. O anjo, então, disse-lhe: "Não tenhas medo, Maria, porque encontraste graça diante de Deus. Eis que conceberás e darás à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus. Ele será grande, será chamado Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi. Ele reinará para sempre sobre os descendentes de Jacó, e o Seu reino não terá fim". Maria perguntou ao anjo: "Como acontecerá isso, se eu não conheço homem algum?". O anjo respondeu: "O Espírito virá sobre ti, e o poder do Altissimo te cobrirá com sua sombra. Por isso, o menino que vai nascer será chamado Santo, Filho de Deus. Também Isabel, tua parenta, concebeu um filho na velhice. Este já é o sexto mês daquela que era considerada estéril, porque para Deus nada é impossível". Maria, então, disse: "Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra!". E o anjo retirou-se.

Comentário feito por Prudêncio (348-após 405)
poeta espanhol

Mostra-Te, doce criança, 
Trazida ao mundo por mãe tão casta, 
Que deu à luz sem ter conhecido homem; 
Mostra-Te, Mediador, em ambas as Tuas naturezas. 

Ainda que nascido no tempo, da boca do Pai, 
Engendrado pela Sua palavra (Lc 1,38), 
Já habitavas no seio do Pai (Jo 1,2) 
Ó Sabedoria eterna (1Co 1,24). 

Tu és a Sabedoria que tudo criou (Pr 8,27),
Os céus, a luz e todas as coisas. 
Tu és o Verbo poderoso que fez o universo (Hb 1,3) 
Porque o Verbo é Deus (Jo 1,2). 

Tendo ordenado o curso dos séculos 
E fixado as leis do universo, 
Este artesão do mundo, este construtor, 
Permaneceu no seio do Pai.

Mas, quando se cumpriu o tempo, 
Passados milhões de anos, 
Desceste a visitar 
Este mundo há muito pecador. [...]

Cristo não suportava a queda 
Dos povos que se perdiam; 
Não podia aceitar que a obra do Pai 
Se dissolvesse em nada.

Revestiu-Se de um corpo mortal 
A fim de que a ressurreição da nossa carne 
Quebrasse as cadeias da morte 
E nos conduzisse ao Pai. [...]

Não sentes, ó nobre Virgem, 
Apesar dos dolorosos pressentimentos, 
Que esse glorioso nascimento 
Faz aumentar o brilho da tua virgindade?

Teu seio puríssimo contém o fruto bendito 
Que encherá de alegria toda a criatura. 
Por ti nascerá um mundo novo, 
Aurora de um dia brilhante como o ouro.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Voemos...


"Nós andamos na vida com dois doidos por dentro, um a nos ditar obsessões, outro a nos propor um vôo. Voemos. Libertemos o doido que nos libertará. (...) Siga a boa loucura quem da má quiser fugir. Liberte o doido, que liberta, que sente atrás de si, em cada passo, o doido que aprisiona e que seduz a alma com o tépido confôrto da mediocridade." 


* Corção, Gustavo (1965). O desconcêrto do mundo. Rio de Janeiro: Livraria Agir Editôra, pp. 116-117.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Comentário ao evangelho do dia

3ª-feira da 4ª Semana Quaresma

1ª Leitura - Ez 47,1-9.12
Naqueles dias, o anjo fez-me voltar até a entrada do Templo e eis que saia água da sua parte subterrânea na direção leste, porque o Templo estava voltado para o oriente; a água corria do lado direito do Templo, a sul do altar. Ele fez-me sair pela porta que dá para o norte, e fez-me dar uma volta por fora, até à porta que dá para o leste, onde eu vi a água jorrando do lado direito. Quando o homem saiu na direção leste, tendo uma corda de medir na mão, mediu quinhentos metros e fez-me atravessar a água: ela chegava-me aos tornozelos. Mediu outros quinhentos metros e fez-me atravessar a água: ela chegava-me aos joelhos. Mediu mais quinhentos metros e me fez-me atravessar a água: ela chegava-me à cintura. Mediu mais quinhentos metros, e era um rio que eu não podia atravessar. Porque as águas haviam crescido tanto, que se tornaram um rio impossível de atravessar, a não ser a nado. Ele me disse: "Viste, filho do homem?". Depois fez-me caminhar de volta pela margem do rio. Voltando, eu vi junto à margem muitas árvores, de um e de outro lado do rio. Então ele me disse: "Estas águas correm para a região oriental, descem para o vale do Jordão, desembocam nas águas salgadas do mar, e elas se tornarão saudáveis. Onde o rio chegar, todos os animais que ali se movem poderão viver. Haverá peixes em quantidade, pois ali desembocam as águas que trazem saúde; e haverá vida onde chegar o rio. Nas margens junto ao rio, de ambos os lados, crescerá toda espécie de árvores frutíferas; suas folhas não murcharão e seus frutos jamais se acabarão: cada mês darão novos frutos, pois as águas que banham as árvores saem do santuário. Seus frutos servirão de alimento e suas folhas serão remédio".

Evangelho - Jo 5,1-16
Houve uma festa dos judeus, e Jesus foi a Jerusalém. Existe em Jerusalém, perto da porta das Ovelhas, uma piscina com cinco pórticos, chamada Betesda em hebraico. Muitos doentes ficavam ali deitados - cegos, coxos e paralíticos -, esperando que a água se movesse. De fato, uma anjo descia, de vez em quando, e movimentava a água da piscina, e o primeiro doente que aí entrasse, depois do borbulhar da água, ficava curado de qualquer doença que tivesse. Aí se encontrava um homem, que estava doente havia trinta e oito anos. Jesus viu o homem deitado e sabendo que estava doente há tanto tempo, disse-lhe: "Queres ficar curado?". O doente respondeu: "Senhor, não tenho ninguém que me leve à piscina, quando a água é agitada. Quando estou chegando, outro entra na minha frente". Jesus disse: "Levanta-te, pega na tua cama e anda". No mesmo instante, o homem ficou curado, pegou na sua cama e começou a andar. Ora, esse dia era um sábado. Por isso, os judeus disseram ao homem que tinha sido curado: "É sábado! Não te é permitido carregar tua cama". Ele respondeu-lhes: "Aquele que me curou disse: 'Pega tua cama e anda'". Então lhe perguntaram: "Quem é que te disse: 'Pega tua cama e anda?'". O homem que tinha sido curado não sabia quem fora, pois Jesus se tinha afastado da multidão que se encontrava naquele lugar. Mais tarde, Jesus encontrou o homem no Templo e lhe disse: "Eis que estás curado.  Não voltes a pecar, para que não te aconteça coisa pior". Então o homem saiu e contou aos judeus que tinha sido Jesus quem o havia curado. Por isso, os judeus começaram a perseguir Jesus,  porque fazia tais coisas em dia de sábado.

Comentário feito por São Romano, o Melodista (c. 560)
compositor de hinos 

Nós, os novos batizados, os filhos do batistério que acabamos de receber a luz, damos-Te graças, Cristo Deus. Tu nos iluminaste com a luz do Teu rosto, Tu nos revestiste com a veste que convém às Tuas núpcias (Sl 4, 7; Mt 22, 11). Glória a Ti, glória a Ti, porque tal foi do Teu agrado. Quem dirá, quem mostrará ao primeiro homem criado, Adão, a beleza, o brilho, a dignidade dos seus filhos? Quem contará também à infeliz Eva que os seus descendentes se tornaram reis, revestidos de uma veste de glória, e que com grande glória glorificam Aquele que os glorificou, brilhantes de corpo, de espírito e de veste? [...] E quem os exaltou? Foi, evidentemente, a sua Ressurreição. Glória a Ti, glória a Ti, porque tal foi do Teu agrado. [...] Tu és brilhante e radioso, Adão. [...] Ao ver-te, o teu adversário definha e exclama: Quem é este que vejo? Não sei. O pó foi renovado (Gn 2, 7), as cinzas foram divinizadas. O pobre doente foi convidado, foi refrescado, entrou e sentou-se à mesa, foi conduzido ao banquete e tem a audácia de comer e o desplante de beber Aquele que o criou. E quem Lho deu? Foi, evidentemente, a sua Ressurreição. Glória a Ti, glória a Ti, porque tal foi do Teu agrado. Esqueceu as suas culpas antigas, não ostenta a menor cicatriz dos primeiros ferimentos. Abandonou os seus longos anos de paralisia na piscina, como tinha feito o paralítico, e deixou de trazer o leito aos ombros, mas traz às costas a cruz dAquele que teve piedade dele [...]. Outrora, o Amigo dos homens (Sap 1, 6) lavou muitos homens nas águas, mas eles não brilharam assim; àqueles, porém, a Ressurreição tornou-os luminosos. Glória a Ti, glória a Ti, porque tal foi do Teu agrado. [...]  Eis-te recriado, novo batizado, eis-te renovado; não curves as costas ao peso dos pecados. Possuis a cruz como cajado, apoia-te nela. Leva-a à tua oração, leva-a para a mesa, leva-a para o leito, leva-a para todo o lado como título de glória. [...] Grita aos demônios: Com a cruz na mão, ergo-me, louvando a Ressurreição. Glória a Ti, glória a Ti, porque tal foi do Teu agrado.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

O que quer dizer transmitir aos nossos alunos a poesia dos “grandes”?


Por Mauro Grimoldi

Caro editor,
Todos os dias, as crianças, do meio do tumulto dos bancos da escola, oferecem suas vozes para os grandes e o pequenos poetas. Porque assim há de ser: a poesia é obra acabada e não-acabada, ao mesmo tempo. Ela precisa, para voltar a nascer e crescer e se dar, de alguém que lhe dê voz, e que seja em voz alta.
Falando da obra-prima dantesca, Mario Luzi observa que “a Comédia dantesca é, entre as obras de arte, a mais ‘lida’ e, ao mesmo tempo, uma obra ainda por fazer, quero dizer, continuamente proposta à capacidade de reconstrução do homem e da sua inexaurível perfectibilidade”.
O simples ato de oferecer a própria voz, de participar nas palavras recebidas é, me parece, o primeiro, mas realizado, ato desta contínua reconstrução. Ato cognoscitivo e não acessório, visto ser realizado pela presença de quem já disse, o poeta, e de que, obedecendo, aprende a dizer.
Deste ato, nascem as palavras que permanecem na memória e, assim, simplesmente permanecendo, se ligam à experiência de quem as encontra e se deixam interrogar.
Pode acontecer, e acontece de fato, que este trabalho seja acompanhado da explosão inesperada e potente da comoção, ou da emoção, como que por uma imprevista erupção do ânimo.
Todavia, é a fidelidade, a duração, a capacidade que marca o progredir rumo à maturidade.
O homem cresce no difícil exercício da rotina, como quem vive num terreno áspero e fértil: “permanecer, perseverar na nua, hostil, cinza realidade, até ao momento em que ela revele, ao fiel e ao paciente, seu rosto íntimo. Isto é árduo. Hic labor, escreve Hans Urs Von Balthasar.
A paciência do pardal de Pascoli ganha o mundo, porque conhece a alegria do renascimento, enquanto que a andorinha cigana repete os cantos exóticos que aprendeu, mas não sabe a alegria “da neve, o dia em que degela” (o autor se refere à poesia Myricae, de Giovanni Pascoli: “Scilp: i passeri neri su lo spalto / corrono, molleggiando. Il terren sollo / rade la rondine e vanisce in alto: / vitt. . . videvitt. Per gli uni il casolare, / l’aia, il pagliaio con l'aereo stollo; / ma per l’altra il suo cielo ed il suo mare. / Questa, se gli olmi ingiallano la frasca, / cerca i palmizi di Gerusalemme: / quelli, allor che la foglia ultima casca, / restano ad aspettar le prime gemme. / Dib dib bilp bilp: e per le nebbie rare, / quando alla prima languida dolciura / l’olmo già sogna di rigermogliare, / lasciano a branchi la città sonora / e vanno, come per la mietitura, / alla campagna, dove si lavora. / Dopo sementa, presso l’abituro / il casereccio passero rimane; / e dal pagliaio, dentro il cielo oscuro / saluta le migranti oche lontane. / Fischia un grecale gelido, che rade: / copre un tendone i monti solitari: / a notte il vento rugge, urla: poi cade. / E tutto è bianco e tacito al mattino: / nuovo: e dai bianchi e muti casolari / il fumo sbalza, qua e là turchino. / La neve! (Videvitt: la neve? il gelo? / ei di voi, rondini, ride: / bianco in terra, nero in cielo / v’è di voi chi vide . . . vide... videvitt?) / La neve! Allora, poi che il cibo manca, / alla città dai mille campanili / scendono, alla città fumida e bianca; / a mendicare. Dalla lor grondaia / spiano nelle chiostre e nei cortili / la granata o il grembiul della massaia. / Tornano quindi ai campi, a seminare / veccia e saggina coi villani scalzi, / e - videvitt - venuta d’oltremare / trovano te che scivoli, che sbalzi, / rondine, e canti; ma non sai la gioia / - scilp - della neve, il giorno che dimoia.”; ndt).
Tantae molis erat Romanam condere gentem (Eneide, I, 33, “custava muito fundar o povo romano”), Tantae molis erat se ipsam cognoscere mentem (“custava muito à mente conhecer a si mesma”), parafraseava Hegel.
Agora, mais do que nunca, aqui, nas costas áridas do mundo, onde a única ginestra que resplandece e perfuma não é mais acolhida como sinal, mas pequeno oásis de sentimento num inferno sem significado, é preciso, como foi para São Bento, que o heroico se torne cotidiano e que o cotidiano se torne heroico.
Interpreto assim a minha tarefa de adulto e professor.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 2 de abril de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Cícero: não somos frutos do acaso, mas feitos para olhar o Céu


Por Laura Cioni

Entre os inúmeros argumentos sobre os quais Cícero escreveu em suas obras, um diz respeito à natureza dos deuses, naturalmente polemizando com os epicuristas, tão detestados pela tradição romana de pensar e de agir, da qual ele é um crente convicto. A escola epicurista nega que os deuses, da tranquilidade de sua sua sede, se ocupem dos eventos humanos. Antes, eles nem mesmo contruiram o mundo, que nada mais é que fruto do casual aglomerar-se dos átomos. Contra tal doutrina perigosa para as estruturas culturais e políticas de Roma, Cícero responde com uma obra em três livros, o De natura deorum.
Na parte central do segundo livro, o autor fala da conformação física do homem, enumerando a sabedoria com a qual são distribuídos os órgãos que presidem os sentidos; particularmente, há uma passagem surpreendente que, junto a toda a argumentação a que dá lugar, poderia ter sido elaborada pelos defensores do princípio antrópico, a teoria segundo a qual o universo, na sua totalidade, teria sido construído em função da vida do homem sobre a terra. “Deus levantou o homem da terra e o colocou em posição ereta, de pé, de modo que, contemplando o céu, pudesse ter noção dos deuses. Os homens não são habitantes da terra mas, em certo sentido, são expectadores, a partira da terra, das realidades superiores e celestes, cuja contemplação não se vê em nenhuma outra espécie de seres vivos”.
A afirmação demonstra o quanto os antigos, mesmo os mais pragmáticos como os Romanos, soubessem cruzar o limiar da pura observação das coisas para chegar a seu objetivo: neste caso da posição ereta do homem, Cícero chega à conclusão que ela foi querida para favorecer a busca do princípio. Exatamente ele que dedicou a maior parte da sua atividade ao governo da res publica e que, nos períodos nos quais, por causa das contínuas mudanças políticas de Roma, foi obrigado a recuar para o otium, ou para a pura busca intelectual, ocupou-se, mesmo que em função política, de um tema especulativo de grande interesse para quem queira conhecer o pensamento dos antigos. Falando dos deuses, Cícero fala, na realidade, dos homens e reconhece na sua conformação física a marca dos únicos seres a quem foi dada a tarefa de indagar a realidade celeste: uma concepção alta do homem, que funda toda a atividade intelectual que Roma, depois, transmitiu ao ocidente com o nome de humanitas.
De modo mais poético, um profeta do Antigo Testamento, que viveu no século VIII antes de Cristo, usa expressões semelhantes. Oséias dá voz à repreensão de Javé contra Israel: O meu povo é duro para converter-se: / chamado a olhar para o alto / nenhum sabe levantar o olhar.
São vozes antigas, de milênios, mas o seu chamado de atenção é sempre atual, se se ler de dentro de nossos problemas de modernos. Há muitos séculos o céu é sim lugar da pesquisa, mas se tornou, de certa maneira, mais distante, não apenas porque instrumentos cada vez mais potentes dilataram o espaço da pesquisa; a beleza e a ordem do cosmo convidam raramente a ultrapassar aquilo que se vê, para fixar os olhos da mente sobre as coisas invisíveis. Por isso, frequentemente os modernos se concebem apenas como habitantes da terra e a usam a seu bel prazer, sem a atenção devida àquilo que dá a eles a hospitalidade temporária.
Mas, o homem comum sabe que olhar para o céu é um modo simples para não se sentir sozinho, mesmo que no deserto cheio de gente das metrópoles, é uma ocasião para refletir sobre a vastidão do conhecimento e mais ainda sobre tudo aquilo que existe. Não deveria ser difícil neste ponto formular a pergunta que torna verdadeiramente homens, e que Leopardi soube exprimir tão bem: Por que tanta candeia? / Por que estes ares infinitos, este / Infinito profundo, sereno, esta / Imensa solidão? E eu, que sou eu?
Mesmo se a pergunta ficasse sem resposta, ela já daria a dimensão adequada para a vida do homem. E caso acolhese a resposta – Pai nosso que estais nos céus – a sua dignidade de criatura razoável e livre encontraria o abraço.

* Texto extraído do IlSussidiario.net, do dia 22 de janeiro de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Comentário ao evangelho do dia

Evangelho - Mc 6,45-52
Depois de saciar os cinco mil homens, Jesus obrigou os discípulos a entrarem na barca e irem na frente para Betsaida, na outra margem, enquanto ele despedia a multidão. Logo depois de se despedir deles, subiu ao monte para rezar. Ao anoitecer, a barca estava no meio do mar e Jesus sozinho em terra. Ele viu os discípulos cansados de remar, porque o vento era contrário. Então, pelas três da madrugada, Jesus foi até eles andando sobre as águas, e queria passar na frente deles. Quando os discípulos o viram andando sobre o mar, pensaram que era um fantasma e começaram a gritar. Com efeito, todos o tinham visto e ficaram assustados. Mas Jesus logo falou: "Coragem, sou eu! Não tenhais medo!". Então subiu com eles na barca. E o vento cessou. Mas os discípulos ficaram ainda mais espantados, porque não tinham compreendido nada a respeito dos pães. O coração deles estava endurecido.

Comentário feito por Bem-aventurado John Henry Newman (1801-1890)
presbítero, fundador de comunidade religiosa, teólogo 

Guia, terna Luz, no meio destas trevas, 
guia-me mais longe. 
A noite é sombria, e eu estou longe da minha casa, 
guia-me mais longe. 
Guarda os meus passos: que me importa ver 
o horizonte distante? Um único passo me basta. 

Nem sempre Te pedi como hoje 
para seres assim Tu o meu Guia. 
Gostaria então de escolher e conhecer o meu caminho; 
doravante sê o meu Guia. 
Eu amava o brilho do dia; apesar dos meus medos 
o orgulho dominava a minha vida: esquece todo esse passado. 

Muitas vezes, estou certo, o Teu poder me abençoou, 
apenas para ser meu Guia 
por entre pântanos e marés, e rochas e torrentes,  
enquanto dura a noite. 
E com a manhã sorrir-me-ão aqueles rostos 
que sempre amei e que um dia perdi.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

O drama de Calogero: a poesia resolve o mistério da morte?


Por Laura Cioni

A vida de Lorenzo Calogero conclui-se em 1961, com o suicídio. O peso muito grande da luta, a forte desilusão por ter visto sua voz não ser escutada, permanecer desconhecida e quase sem ressonância, contribuíram para o desgaste psíquico e a queda de um poeta possuidor de profundo conhecimento literário e consciente do valor da própria arte, mas dotado de um equilíbrio interior frágil.
Ele nasceu em 1910, na província de Reggio Calábria, numa família abastada, terceiro de seis filhos. Em 1922, transfere-se para a capital, onde frequenta as escolas de nível médio. Em seguida, em 1929, vai para Nápoles, onde começa os estudos universitários, inscrevendo-se primeiro em Engenharia, depois em Medicina. Naqueles anos, começou a escrever versos e a entrar em contato com Piero Bargellini (1897-1980) e Carlo Betocchi (1899-1986), para quem enviou algumas poesias na esperança de que fossem publicadas. Revelam-se, nesse mesmo período, os primeiros sintomas das fobias que tornaram sua saúde sempre muito precária. graduou-se em 1937 e, dois anos depois, começou a exercer a profissão em diversos centros da Calábria. Eis uma lírica que remonta a esses anos de atividade poética:
Molti fiori, molte cose odorose
furono concesse a me
da montagne non mie,
pur quando era passato il tempo per riceverle.
Ora mi siedo in una valle ombrosa
presso una fonte
dell’amorosa campagna
e guardo con quale passo
intrattenibile, oscurando i rami
degli alberi, passa il tempo.
(Muitas flores, muitas coisas perfumadas /  foram concedidas a mim / por montanhas que não são minhas, / mesmo quando já havia passado o tempo de recebê-las. / Agora, sento-me num vale sombreado / perto de uma fonte / do amoroso campo / e olho com que ritmo / incontinente, obscurecendo os ramos / das árvores, o tempo passa; ndt).
Em 1949, concluiu-se amargamente a sua primeira história de amor. Mas ele continuou a mandar os seus manuscritos a homens de cultura, sempre obtendo êxito negativo. Em 1954, recebeu o cargo de médico, na província de Siena, onde permaneceu por apenas um ano, porque uma deliberação do conselho municipal o demitiu do cargo. Voltou, então, definitivamente para a sua cidade, permanecendo em completa solidão, até mesmo por causa da vileza das pessoas que o tratavam com aberta desconfiança.
Os últimos anos de vida foram marcados por diversas internações em clínicas psiquiátricas, por um novo amor infeliz, por um irreprimível trabalho de escrita. Publicou, por conta própria, algumas coletâneas de versos e gozou da amizade de Leonardo Sinisgalli (1908-1981), com quem manteve um denso relacionamento epistolar. Em 1957, venceu um prêmio literário. Mas, a sua saúde declinou; não se nutria, mantinha-se com soníferos, cigarros e café; consagrava-se somente à poesia, cortejando a morte. O seu corpo sem vida foi encontrado no dia 25 de março de 1961. Ao seu lado havia um bilhete: “Peço-lhes não ser enterrado vivo”.
Só então a crítica parece tê-lo descoberto; falava-se dele como do “novo Rimbaud italiano”. Após a aclamação que durou quase ininterrupta até o ano de 1966, o silêncio de novo caiu sobre Calogero e a maior parte da sua produção, ainda hoje, permanece inédita.
Muitas líricas não parecem deixar pressagiar o trágico fim do poeta, abertas como são à esperança, dispersa em paisagens evanescentes.  Ele aparece nessas poesias como um mendicante do amor, absorto num silêncio que é fome de vida, pedido por uma revelação:
Angelo della mattina
risvegliami ancora
per la nuova fulgente aurora
che s'arrossa sull'orizzonte o s'incrina.
Io sono uno strano mendicante
che chiede amore e parole,
sono un solitario emigrante
verso le terre della luce e del sole.
Vienimi coi tuoi fulgori,
angelo che non ristai,
coi tuoi infiniti fulgori
colle movenze che tu sai,
e crescimi delle meraviglie,
di quanto raccogli negli occhi neri,
degli infiniti misteri
che tu celi dentro l'arco dei cigli.
(Anjo da manhã / desperta-me de novo / para a nova aurora fulgente / que se avermelha no horizonte ou chora. / Eu sou um estranho mendicante / que pede amor e palavras, / sou um solitário emigrante / que segue em direção às terras da luz e do sol. / Vem a mim com teus fulgores, / anjo que não paras, / com teus infinitos fulgores / com os movimentos que tu conheces, / e faz-me crescer em maravilhas, / naquilo que colhes nos olhos negros, / dos infinitos mistérios / que tu escondes dentro do arco dos cílios; ndt)
De forma mais breve, ele retorna ao tema do desvelar-se das coisas:
Di tanto rovinoso mare
poco suono giunge
al mio orecchio assorto
in ascoltazione dell’Eterno
che come un angelo passa.
(De tão ruidoso mar / pouco som chega / ao meu ouvido absorto / na escuta do Eterno / que como um anjo passa; ndt).
Uma última lírica parece conter toda a tentativa do poeta, destinado à falência, mas não por isso dominado pelo rancor. O repouso no vento é ainda, mesmo que paradoxal, desejo de viver:
Mandai lettere d’amore
ai cieli, ai venti, ai mari,
a tutte le dilagate
forme dell’universo.
Essi mi risposero
in una rugiadosa
lentezza d’amore
per cui riposai
su le arse cime frastagliate loro
come su una selva di vento.
(Enviei cartas de amor / aos céus, aos ventos, aos mares, / a todas as fluentes / formas do universo. / Que me responderam / numa orvalhosa / lentidão de amor / e eu repousei / em seus cimos incendiados / como que sobre uma selva de vento; ndt)

* Texto extraído do IlSussidiario.net, do dia 17 de novembro de 2010. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Leopardi: alma inquieta prisioneira de um desejo impossível


Entrevista com Pietro Citati

Pietro Citati fala com IlSussidiario sobre o seu livro Leopardi (A obra Leopardi, de Pietro Citati, foi lançada recentemente pela editora Mondadori, pelo preço de € 22,00; ndt). No silêncio da sua casa, em Roma, sentado no seu escritório, o crítico responde pacientemente a algumas das tantas possíveis perguntas que a sua última obra é capaz de suscitar. Acontece, assim, a possibilidade de redescobrir, sob nova luz, aquilo que se acreditava já saber sobre um dos maiores poetas que já houve, que Citati, seguindo Nietzsche, coloca ao lado de Pindaro e Hölderlin. O universo leopardiano é difícil de decifrar: “cheio de centros, porque, em Leopardi, não há um único centro”. É assim que Citati nos restitui um Leopardi visto através de sua vida: como se o único modo para adentrar o seu mundo fosse repercorrendo sua complicada, fascinante e controversa existência.

O senhor afirma, citando Pietro Giordani, que Leopardi dá “medo”. Por quê?
Dá medo por causa de sua grandeza. Nietzsche dizia que, na história do mundo, existem três grandes poetas líricos: Pindaro, Hölderlin e Leopardi. Dá medo por causa de sua multiplicidade: nunca se sabe qual é o seu eu. Há tantos. Para se aproximar de Leopardi, é preciso compreender esta pluralidade de “eus” em relação uns com os outros. E dá medo por causa da sua beleza: para mim, não chegamos ainda a compreender plenamente qual é a beleza de muitas líricas dos Canti (Cantos; ndt) e de muitas das Operette morali (Operetas Morais; ndt).

Por que a lua, como o senhor observa no seu livro, não responde a Leopardi?
Não sabemos o motivo, podemos apenas dizer que a lua não responde. A lua é a encarnação das ilusões, tema essencial da poesia de Leopardi. É a figura que ele mais ama. O pastor se pergunta – ou pergunta em nome de Leopardi – qual é a verdade sobre as coisas, mas a resposta não é dada. Isto significa que nem mesmo Leopardi dá uma resposta às nossas perguntas.

O senhor define Leopardi como “um materialista que odei a matéria”. Pode explicar melhor este juízo?
A partir de 1823, todo o Zibaldone reconduz cada aspecto da realidade, da vida e da psicologia humana, à matéria. O materialismo do século XVIII é uma exaltação da matéria. Também ele remete tudo à matéria, mas a odeia. Tudo o que é, ele diz num certo ponto, de modo eloqüente, é mal. As coisas boas são apenas as coisas que não são. Se todo o universo é matéria, contra a matéria Leopardi exalta a irrealidade: as quimeras, as hipóteses.

Se Leopardi “detesta a realidade”, como o senhor disse também numa entrevista sobre seu último trabalho dada ao jornal La Repubblica, quer dizer que nele prevalece mais o niilismo ou a ênfase no desejo humano insatisfeito e necessitado de infinito?
Não há niilismo em Leopardi. Há muito desejo de infinito, mas este desejo é reconhecido como impossível: o homem não pode alcançar o infinito. Já na poesia O Infinito há uma derrota, porque Leopardi cria na mente espaços intermináveis, mas depois nasce o medo, e dele o retorno ao mundo real, ao sopro do vento, e assim por diante. Aquilo que há de mais sólido em Leopardi, de mais positivo, não é o infinito, mas o indefinido.

Entre os autores que mais influenciaram Leopardi o senhor enumera Epícteto e Rousseau. Em que medida?
Epícteto explica não todo Leopardi, mas um momento preciso de seu pensamento: o da renúncia, da discrição, da abolição total da mente do pensamento sobre o infinito. Quanto a Rousseau, é muito mais complicado, porque nunca saberemos exatamente o que Leopardi leu dele. Mas, tanto Giacomo quanto o seu irmão Carlo citam um trecho da Nouvelle Héloïse, que exalta as quimeras contra as coisas que existem. Portanto, o quimérico em Leopardi tem um fundamento em Rousseau, mas há uma diferença profunda, porque em Rousseau o infinito é uma dilatação em direção ao externo, em direção ao céu, enquanto que em Leopardi ele nasce quando algo impede o olhar. Para criar o infinito, na única poesia em que ele o cria, Leopardi precisa fechar-se, limitar-se, valer-se da “sebe que de tanta parte / Do último horizonte, o olhar exclui”. Somente através da limitação é que se chega ao ilimitado.

O dileto é um topos em Leopardi. É muito diferente da forma como nós o entendemos?
Não diria. Para Leopardi, o dileto é o prazer, mesmo que seja um prazer cotidiano e limitado. A alegria que nos dá a poesia, em primeiro lugar: uma alegria limitada e, ao mesmo tempo, suprema. 

Na escola, se estuda que não houve sintonia entre Leopardi e Manzoni, mas o senhor pensa diferente. Por quê?
Há alguns trechos nas cartas de Leopardi que falam de Manzoni. Primeiro, alguém lhe diz que Os Noivos é um texto feio, e ele registra esse parecer como se fosse seu. Depois, no Gabinete Viesseux (Gabinetto Scientifico Letterario G. P. Viesseux, foi fundado por Giovan Pietro Viesseux e era um ponto de encontro importante, na Itália, onde se reuniam representantes da cultura italiana e europeia; ndt), encontra Manzoni. Então, Leopardi não havia lido ainda Os Noivos, mas mostra grande simpatia por Manzoni. Numa carta, alguns meses mais tarde, escreve que Os Noivos é uma obra muito bonita, mas que contém “defeitos”. Não sabemos quais eram os defeitos daquela obras, segundo Leopardi.

Giulio Augusto Levi coloca “Alla sua donna” no centro da produção leopardiana. O que o senhor pensa sobre isso?
É uma poesia extraordinária, mas eu não diria que seja o centro, mesmo porque a poesia de Leopardi não tem um, mas muitos centros. Um é O Infinito, outro é Alla sua donna, outro é O ressurgimento, outro é A Sílvia, outro As recordações, outro O pensamento dominante, outro ainda Il tramonto della luna. A sua visão do mundo muda de “centro” continuamente.

Há 150 anos a Itália foi unificada. Há um sentimento italiano em Leopardi?
Nele, não há sentimento político de unidade da Itália, mas há um grandíssimo amor pela cultura, pela literatura, pela língua italiana, que ele adora como algo absolutamente superior. Múltipla, móvel, flexível é, para ele, a língua ideal. As duas línguas que ele amava mais eram o grego e o italiano, mas, no fundo, ele amava mais o italiano que o grego.

E ele tinha razão ao identificar no italiano o fator de maior ligação e individualidade do nosso povo?
Acredito que sim, mesmo que isso não tenha muita importância. A língua italiana é maravilhosa, é uma língua que vive, morre, renasce e nós ainda hoje não a entendemos até ao fundo. Na realidade, o único autor de nossa literatura que conseguiu compreender de verdade a nossa língua foi o próprio Leopardi. E a sua interpretação da nossa língua nos está escapando. Estamos esquecendo essa interpretação.

Num artigo seu em La Repubblica, falando de outro assunto, o senhor cita Leopardi. Como é possível manter vivo, na decadência de hoje, “o primeiro homem” de Leopardi, a nossa “alma infantil”, capaz de maravilhamento?
É a mesma coisa que Göethe chama de “natureza original”. Ela pode ser mantida viva apenas com a força da nossa inteligência e das nossas sensações... É, seja como for, um trabalho muito difícil. Felizmente, a beleza pode ajudar nessa busca contínua.

* Texto extraído do IlSussidiario.net, do dia 16 de novembro de 2010. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Italo Calvino: “o humano chega aonde chega o amor”


Por Alessandro Banfi

Há vinte cinco anos atrás morria, em Siena, o escritor italiano. A sua abordagem científica da realidade, a poderosa fantasia e o registro envolvente o tornaram célebre. Resta o lamento de não o ter encontrado...

Era uma vez um escritor que nos deu o gosto de ler Ariosto [trata-se de Ludovido Ariosto (1474-1533), poeta italiano; ndt], de contar uma fábula, de sonhar com uma existência inteira passada em uma árvore. Mas que também nos permitiu o gosto da escrita da prosa em hendecassílabos. Chamava-se Italo Calvino, nome fascinante e autêntico, apesar das aparências. Morreu há vinte cinco anos atrás num hospital de Siena, deixando-nos o incômodo de não termos lido suficientemente sua literatura arguta. Sua crítica literária, mas também sua narrativa. E, aqui, não queremos dar um juízo de valor, juízo que, por tanto tempo, não chegou a esclarecer e que ainda divide os críticos. Foi um grande escritor, mas entre os menores do século XX, para citar o que Geno Pampaloni [(1918-2001), jornalista e escritor italiano; ndt] escreveu, quando Calvino faleceu? Ou será que ele foi um gênio anti-manzoniano absoluto, como Goffredo Parise [(1929-1986), jornalista e escritor italiano; ndt] sustentou numa visão compartilhada, certamente ainda hoje, por seu amigo Eugenio Scalfari [jornalista, escritor e político italiano nascido em 1924; ndt], fundador de La Repubblica [jornal italiano que circula desde 1976; ndt]?
É difícil entrar nessa disputa com uma opinião definitiva. Para mim, leitor apaixonado, Calvino é, antes de mais nada, um amante da palavra e do mecanismo narrativo. Um autor racional e iluminista, sempre em busca da verdade, quase científica. Um empirista, para quem os sentidos contam, quando escancaram para a imaginação. Antes e não obstante toda teorização e superestrutura. Como os seus pais amaram a natureza através da botânica, assim também ele, desde jovem, descobriu na linguagem e no relato a chave, quase científica, para redimir a realidade, para atenuar suas dores e evitar suas armadilhas. Para buscar, na nossa vida labiríntica e objetivamente irônica, o percurso para chegar à completude. Passando através do neo-realismo de A trilha dos ninhos de aranha até chegar à fábula urbana do Marcovaldo. Com Calvino é possível ir à lua, como acontece com Ariosto, mas se atravessa também a história, como acontece com Manzoni [Alessandro Manzoni (1785-1873), escritor, poeta e dramaturgo italiano; ndt].
Certamente, a impressão que fica é que tanta literatura, nele, tenha mantido a vida distante. Aquela vida violenta e verdadeira de todos os dias. Mas, não é assim. Da aparência gelada, da leveza ariostesca, passa-se, às vezes, para um registro autenticamente envolvente e emotivo que coloca a questão no centro. Ele escreve em O dia de um escrutinador: “O humano chega aonde chega o amor”. E é, de fato, assim: a sua abordagem racional, científica da realidade convive com uma poderosa fantasia. Resolve-se na imaginação. O seu aparente distanciamento emotivo não cancela o coração, mas, pelo contrário, frequentemente o repropõe como instância última no final de uma trajetória. Como acontece para todos os gênios (Calvino, junto com Primo Levi, é o escritor italiano do século XX mais conhecido no mundo), o seu relato, ao final, coloca uma pergunta sobre a verdade. A sua busca, basta pensar na coletânea estupenda das Fábulas Italianas, chega a colocar a questão da identidade do homem e da sua comparação com o destino. A sua oscilação entre a prosa e a poesia (mesmo no seu Se um viajante numa noite de inverno) leva ao núcleo duro da narração e da língua. E, no fundo dela, assim como nos primeiros versículos do Gênesis e do Evangelho de João, há uma profundidade e uma luz que dizem respeito ao relacionamento misterioso e, ao mesmo tempo, histórico entre o ser humano e Deus. É como para Primo Levi [(1919-1987) escritor italiano; ndt]: resta-nos o lamento de não termos falado com ele, de não o termos encontrado ou de não o termos feito encontrar alguém que lhe pudesse comunicar, de verdade, a única histórica que realmente conta. A grande narração que, hoje, nos salva. Mas, isso vale para todos, todos os dias. Mesmo para nós e para o nosso vizinho no metrô, que sentimos como estranho e a quem não temos a coragem de dizer: vem e vê, há alegria neste mundo.

* Extraído de Tracce.it, do dia 21 de setembro de 2010. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Dualidades


Por Bruno Tolentino

Não é Deus o problema.
A humana confusão
nasce da velha teima
da alma com o coração
(ou vice-versa) e o tema
não tem solução
enquanto for dilema.

Um corpo e um espírito
que se debatem em vão
um contra o outro, não
separam o infinito
e o instante senão
segundo o velho mito
da humana divisão.

Nossa dualidade
axiomática, o pão
da falsa refeição
em que tudo é metade,
é uma irrealidade.
Somos um todo. A mão
que busca a eternidade

e o eterno que se inclina
para encontrá-la, são
um só, um não termina
onde começa o vão
esforço da cortina
para alçar-se do chão:
a comédia é divina

por ser a encenatura
de um drama em que a paixão,
a dor da criatura
e sua redenção,
atravessam a obscura
ponte-separação,
fazem do mal a cura...

Quando nos debatemos
numa irresolução
entre polos extremos,
resta que a inclinação
insistente de remos
opostos, um na mão,
um no ar, como gêmeos

dissemelhantes, mas
unidos em razão
de uma paixão que faz
do esforço a solução,
resta que essa voraz,
grave equivocação,
deifica o fugaz

e retarda a ascensão
rumo à única meta.
Somos irmãos da seta,
buscamos a amplidão.
E, se a alma é concreta,
tudo é evaporação
insistente, secreta

e enfim irreprimível!
Vamos aonde vão
todos na multidão
à procura do nível,
a predestinação
de tudo é o invisível.
Movemo-nos na mão

de um ritmo contínuo:
recapitulação
do humano no divino,
somos a dispersão
dos gemidos do sino
escalando a amplidão,
o som sempre mais fino,

mais sutil, mais repleto
daquela oscilação
do voo, que é direto
em si, mas que em função
deste mundo inquieto
é cheio de ilusão.
Como o branco no preto,

a reverberação
entre a ausência de cor
e a excessiva união
de todas, faz supor
uma dissolução
contraditória, o alvor
do amor na negação.

Mas ao fim da lição
nem Deus era o problema
nem era a solução:
não havia o dilema!
Era ilusãoa teima
do ser, sua prisão
uma má-criação...

Que se a dor era o estrume,
o humano coração
é mortal como o grão,
não como o vaga-lume,
e sua vocação
é preparar o lume,
a espiga, a erupção

triunfal de um futuro.
Sofri num corpo impuro
sem frutificação,
mas fiz uma canção,
uns desenhos no escuro,
como as heras no muro
vão subindo do chão.

Entendo que não são
duas coisas idênticas,
mas são gêmeas: canção
e hera são concêntricas,
uma e outra a explosão
da terra, o coração
do eterno: uma o adentra

enquanto a outra o concentra,
mas enfim tudo canta!
É tudo um eco, um vão
aberto entre a garganta
e uma sublimação,
uma ânsia de planta
que se alcança: a canção

é o grão que se levanta.

* TOLENTINO, Bruno. As horas de Katharina - com a peça A andorinha, ou: A cilada de Deus. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 2010, pp. 234-237.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

“Morrer cantando, quero morrer cantando...”


Editorial do Observador Semanal

Carlos, antes de morrer, entoou seu último canto

A morte chega de repente, afirma o Evangelho, como um ladrão. Não envia um aviso, mesmo que, na maioria dos casos, os sinais de sua visita iminente sejam evidentes. Em nossa clínica, porém, ela tem uma presença contínua. Só em um dos últimos dias cinco pessoas morreram e, entre elas, apenas uma tinha mais de cinquenta anos. Os demais tinham entre trinta e quarenta anos, quatro eram vítimas do câncer e o outro de AIDS. A morte convive comigo vinte quatro horas por dia. Todavia, não me assusta. Porque sua presença me remete – e isso é algo maravilhoso – ao motivo último pelo qual vale a pena viver.
Vejo-a caminhando por todos os quartos da clínica, entre as camas onde, lentamente, meus filhos vão se apagando. Vejo-a pelos corredores, quando escuto o ruído já familiar das rodinhas da maca que acompanha ao necrotério o recém-falecido. Não existe esquina ou detalhe que não me recorde o que disse Cesare Pavese: “a morte virá e tomará teus olhos”.
Existe algo de mais belo do que uma companhia que, em cada momento, tira-o da anestesia que facilmente toma conta da vida? Haverá uma motivação mais humana do que uma companhia que desperta a razão com suas grandes interrogações e consegue que, a cada instante, assumamos o Infinito? Não existe aventura mais humana do que conviver com quem permite viver tendido em direção à eternidade.
Quando estou ao lado de um moribundo, escuto sua respiração difícil que, progressivamente, diminui de intensidade até acabar; quando vejo o moribundo com a boca aberta, como na pintura “O grito” de Munch, como que para, finalmente, permitir que a alma saia do corpo; quando vejo os olhos abertos, de par em par, fixando o desconhecido, o incognoscível, não consigo não me identificar com este meu filho que está se adiantando para preparar-me um lugar no Paraíso.
A última batalha da vida, a decisiva, é duríssima, porque, de seu êxito, depende toda a vida, depende a eternidade. E é bonito ver como a maioria absoluta dos que morrem perderam todas as batalhas da vida, mas ganharam a última e, com ela, a guerra. A morte convive conosco, parece a rainha entre nós, todavia é derrotada sempre porque Cristo Eucarístico, o “Pantocrator”, domina a clínica. Ele mesmo é que acompanha a cada um dos que morrem ao Paraíso.
Enquanto a batalha toma corpo e a morte parece prevalecer, é Cristo o protagonista que, diante de um mínimo de consciência do paciente que lhe permita dizer “SIM”, se apieda, o agarra pela mão e o leva consigo. A evidência deste fato é o rosto sorridente do cadáver. É impressionante ver como a pele, antes enrugada, torna-se jovem, os lábios, antes tensos pela dor, se transformam num sorriso celestial.
“Creio na ressurreição da carne e na vida eterna. Amém”. É o último artigo do Credo e é o mais esquecido mesmo pelos padres. No entanto, que sentido teriam os demais artigos se este último? São Paulo nos lembra disso em uma de suas cartas: se os mortos não ressuscitam, tampouco Cristo ressuscitou, e nós seríamos o mais loucos do mundo por seguir uma ilusão que não resolve o problema da morte. Porém, Cristo ressuscitou e nós também com Ele. Por isso, ao longo dos séculos, a Igreja sempre nos educou a uma familiaridade com a morte, aquela familiaridade que permitiu a São Francisco dizer: “louvado seja meu Senhor por nossa irmã morte corporal”. A experiência de Francisco acontece diariamente na clínica. Em seis anos, faleceram mais de setecentas pessoas, a maioria delas jovens, depois de um longo calvário.
Carlos, com um estilo de vida boêmio, de origem argentina, passou sua vida vagabundeando por todos os lados, cantando, farreando, distante de Deus. E como a todos os que pensam que a vida é uma farra, durante a qual se colecionam mulheres, se bebe, se faz o que se quer, quando alguma enfermidade chega, a única companhia que lhes resta é a solidão. E assim aconteceu que Carlos, trazido a nossa clínica por umas pessoas piedosas, se encontrou sozinho diante da morte. Porém, estando em nossa companhia, quer dizer, na companhia de Cristo, conheceu o cristianismo, encontrou a Ele.
O dia em que, depois de décadas longe dos sacramentos, pediu a confissão foi uma festa para ele e para todos. A morte perdeu sua cara feia e se tornou desejável, como para um noivo que, depois de muitas lutas, pode coroar seu sonho de amor. Desde aquele dia, retomou o violão e, ainda que todo carcomido pelo câncer, continuou tocando e cantando na clínica até ao último dia, tornando-se a alegria de todos. Alguns dias antes de morrer, compôs uma canção maravilhosa, através da qual expressou toda a sua paixão por Cristo e a espera gozosa de encontrá-Lo. Música e palavras suas.
O título de sua última canção descreve a modalidade com a qual se preparou para morrer e morreu: “Morrer cantando”

“Envolveu-me a escuridão, com seu escuro manto,
tive uma sensação de medo que fez meus passos tremerem
tratei de me afastar e fugir de suas mãos,
mas uma luz potente me arrebatou num choro.

Veio ao meu encontro e iluminou meus anos
voltei a dizer: Cristo, de olhar manso,
senti um amor diferente, a que abracei chorando,
depois da noite sei que existe algo.

Morrer cantando, quero morrer cantando,
Para encontrar a Cristo
quero morrer cantando.

Aquela escuridão que eu temia tanto
Era uma luz viva, era Deus que se aproximava,
um encontro amigo que me está dando
felicidade eterna, alegria e canto.

Já estou na luz e, com Cristo, a salvo
Meu futuro, um presente que me está passando.
Não fujam da morte, não temam seus dentes
Temam apenas perder-se sem Cristo, irmãos.

Morrer cantando, quero morrer cantando,
Para encontrar a Cristo
quero morrer cantando.

Recordo-me do momento, alguns dias antes de morrer, em que, com um esforço grande, colocando todas as suas energias, quis se despedir, presenteando-nos com este canto que testemunha a mudança de sua vida. Uma mudança que aconteceu graças ao encontro com Cristo, aquele Cristo que havia permanecido no fundo de sua memória, como um tesouro que espera ser reconhecido. Toda a clínica vibrou de comoção porque era evidente a vitória de Cristo.
Aquela mesma comoção que vivemos alguns dias atrás, quando Maria, uma mulher brasileira, sozinha, de origem italiana, que, antes de morrer pronunciando o doce nome de Jesus, pediu um sorvete. “Desejo saborear um sorvete antes de morrer”, nos disse. E, enquanto a enfermeira foi comprá-lo, lhe pedi: “Maria, daqui a pouco você vai estar no Paraíso. Peço que você cumprimente a Jesus, José e Maria e a Santíssima Trindade por mim”. E ela: “Sim, padre”. Uma coisa do outro mundo, neste mundo. Que alguém possa se despedir dessa maneira, quando cotidianamente até mesmo a palavra “morte” é censurada. Quando a enfermeira chegou, conseguiu saborear um pouquinho do sorvete, seus olhos já prontos para se apagarem se iluminaram e, pronunciando o doce nome de Jesus, se foi para o céu.
Sua vida tinha sido uma aventura dolorosa, como é a vida de todos aqueles que morrem na clínica, porém o final foi glorioso. O que pode haver de mais bonito do que morrer saboreando um sorvete e dizendo “Tu, meu Cristo!”? Sim, “Tu, meu Cristo!”, porque quando a pessoa chega aqui, normalmente, não conhece a Jesus. Porém, com o tempo, graças à ternura do pessoal (todos, sem exceção, sentem-se abraçados por Cristo), a liberdade de cada paciente adverte a urgência de pronunciar mesmo com palavras “Tu, meu Cristo!”.
É algo paradisíaco ver como, quando pronunciam o doce nome de Jesus, toda a sua personalidade vibra de comoção até às lágrimas. Não é que desapareça a dor, ou reduzamos a dose de morfina, mas é que o nome de Jesus, apenas pronunciado, faz o milagre de devolver a cada um a paz e a serenidade a que aspira o coração.
Amigos, para mim, é uma graça indizível ver, todos os dias, a potência do nome de Jesus... e sinto uma dor muito grande no coração quando vejo quanta falta de fervor há em nós, quão distantes estamos do que significa vibrar pelo simples fato de pronunciar o nome santo de Jesus. Para mim, é uma doçura e uma fortaleza únicas, desde o momento em que desperto até a hora de dormi, afirmar continuamente “Tu, meu Cristo!”, não apenas com o pensamento como também com a boca. Nesta consciência de ser propriedade de Cristo, brota a liberdade de aceitar minha dor e a dor de todos.
Olhando como morrem meus pacientes, com os olhos fixos no Mistério, para cima, para o Infinito, não posso não sentir que esta é a única postura totalmente humana, porque o homem é feito para o Infinito. Recentemente, me comovi quando Etsuro Sotoo, visitando nossa nova clínica, me disse: “Padre, é importante que o teto de cada quarto não seja branco, mas como o belíssimo céu do Paraguai, azul com linhas de nuvens, para que o paciente, quando estiver por morrer, esteja olhando para o céu, sinal do que é o Paraíso”.
E é verdade, porque todos morremos de morte natural, olhando para o Infinito; e quando o Infinito, que se fez carne, é a vida de quem assiste o moribundo, o moribundo mesmo, ao escutar “Tu, meu Cristo!”, mudará sua atitude, às vezes cheia de angústia, em uma entrega total a Cristo e morrerá saboreando a paz de quem alcançou a meta depois de tanto navegar. 
“Sob o denso azul
do céu, uma ave marinha voa;
nunca descansa, porque todas as imagens têm escrito:
mais além”.
Como são verdadeiros estes suspiros dramáticos de Montale, e que intensidade de esperança vibra em nós só de ouvi-los! Meus pacientes tocam já com a mão aquele “mais além” a que tudo remete.

Padre Aldo

* Extraído do Observador Semanal, do dia 03 de setembro de 2010. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

O nome disso é fé?

Soube, por ouvir dizer,
da graça de experimentar tudo fazer
como que de nada depender,
sabendo que depender
é a condição do humano viver.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Somewhere, somehow

Porque é possível fazer
a verdade disso tudo
como quem faz um estudo,
sem que ao cabo do lazer,

do prazer de havê-lo feito,
tenha-se enfim feito nada
daquilo tudo: a estocada
já estava mesmo no peito.

Imagino algum poeta
nalguma língua estrangeira
este mesmo instante à beira
de escrever isso... Há uma reta

que, pelo meio da gente
como uma régua da vida,
é uma frase repetida,
a mesma, insistentemente:

"... porque é possível fazer
toda a realidade disso
sem o enfadonho exercício
de fazê-lo, de o viver..."

TOLENTINO, Bruno. As horas de Katharina com a peça inédita A andorinha, ou: A cilada de Deus. Rio de Janeiro: Record, 2010, p. 76.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Giussani, Leopardi, Zambrano: a nossa razão “vive” de rostos e coisas

Por Laura Cioni

Todo ser humano tem necessidade de se ancorar concreta e afetivamente em alguém. Isso vale também para  faculdade da razão. A propósito, é famosa a expressão agostiniana: Nemo cognoscit nisi per amicitiam – ninguém conhece senão através da amizade, completada pela versão na voz passiva: Nemo cognoscitur nisi per amicitiam, ninguém é conhecido senão através da amizade.
Num romance de ficção política não muito influente ou famoso, Os fantoches de Deus de Morris West, há dois homens, o Papa francês obrigado a demitir-se da cúria depois de ter tido uma visão sobre o iminente fim do mundo, e o seu amigo mais caro, um teólogo alemão. O cenário no qual se passa é o mosteiro beneditino no qual o primeiro encontrou refúgio. No fim de uma conversa, ele diz ao amigo: “Aqui, vejo tudo em escala reduzida. Todo o amor e a nostalgia e o cuidado de que sou capaz estão concentrados no rosto humano que me é mais próximo. Neste momento, é o teu rosto, Carl: tu e tudo aquilo que és”.
O exemplo mais luminoso do fato que a razão funciona em estreita relação com uma situação que interessa pode ser encontrado nos escritos de Dom Giussani, não apenas porque eles nascem de ocasiões bem precisas, mas exatamente na medida em que entre as linhas podem ser reconhecidos rostos de pessoas, dificuldades, descobertas que permitiram as considerações mais gerais expostas nos seus livros. Nessa unidade de atenção ao particular e de visão metafísica está um dos aspectos mais reconhecíveis do seu pensamento e dos seus escritos.
Um único exemplo entre os tantos, extraído de Generare Tracce nella storia del mondo: “A decisão nasce como o instaurar-se de uma simpatia. Os apóstolos iam atrás de Jesus porque estavam ligados a Ele com um juízo que lhes tornava capazes de uma decisão perfeitamente racional: porque onde se gera um relacionamento que chega até a uma simpatia profunda, até à renovação de uma ligação nascida do maravilhamento incomparável, a racionalidade é um acontecimento”
De resto, um dos autores preferidos de Dom Giussani, Giacomo Leopardi, escreve os seus versos exatamente a partir de uma consonância afetiva com um elemento da natureza, a lua por exemplo, ou a sebe, ou a giesta [flor do deserto; ndt], que se torna ocasião para escrever um canto sem igual:
E tu, complacente giesta,
Que de bosques perfumados
Estes campos desataviados enfeitas,
Também tu logo à cruel pujança
Sucumbirás do subterrâneo fogo...
Também Martin Heidegger mostra que procede da mesma forma, em um pequeno livro publicado em 1965 e traduzido para o italiano em 1977, Pensamento e poesia.
Quando, no verão, os narcisos florescem e a rosa alpina resplende sob o bordo...
Suntuosidade do que é humilde.
Somente a imagem conserva um rosto.
Repousa portanto a imagem na poesia.
As mulheres são, frequentemente, mestras deste modo afetivo de pensar e se expressar. Maria Zambrano expõe esse sentimento da vida em muitas de suas páginas; em uma delas escreve: “A vida se nos aparece, no instante do despertar, como algo que já está ali e, nesse sentido, é independente de nós e, todavia, invoca a nossa presença. É algo que, acontecendo inicialmente fora de nós, nos invoca para que entremos em seu interior, já que nele há um vão que é apenas nosso, de cada um de nós”. 

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 21 de julho de 2010. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Não vês?

Tomo a liberdade de publicar uma poesia que meu irmão postou em seu blog - Dois Lobos - no último dia 13 de julho... Faço-o justificado pela dinâmica natural que acontece em quem, vendo algo de belo, o aponta para outra pessoa. Obrigado, Luiz!

Passastes por mim
Minha sede
Intempestiva
Agarrou-se às
Pernas de alguém
Próximo
Que eu não via

Quem é esse homem?
Diz logo, quem é?
É Jesus, o carpinteiro
Filho de Maria
E José
Filho de Israel
Não o vês?

Eu o vejo
Na noite dos
Meus olhos
Opacos
O seu nome
É Inesquecível
Príncipe do Amor

Jesus Cristo!
Jesus!
Homem de Deus!
Tem misericórdia!
Tem compaixão!
Eu sou cego
Não me vês?

Filho de Davi
Tu passastes
Ao largo
E não te
Compadecestes
Da escuridão
Dos meus olhos?

E o meu corpo
Sofrido
E o braço
Latejante
A vida que é
Sombra
Não percebes?

És cego também?
Ou és indiferente?
Tem amor
Por mim, Jesus!
Eu clamo
A tua luz
Não vês?

Cale a tua boca
Cego maldito
É Jesus
O Nazareno
Deixe
O Redentor
Em paz

Levanto
Caio
Tropeço
Saio diante
Dos que me
Desejam calado
Mas chego a ti

Jesus?
Jesus?!
Teu manto
O pé ferido
A sandália
A barba
O cabelo

Vês este que sou?
Quero ver-te!

Filho
Sou eu
Passei por ti
Vi a tua
Cegueira
E me compadeci
Queres ver?

Jesus...

Luiz Fernando de Andrada Pacheco
13/07/2010

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Comentário ao evangelho do dia

Evangelho - Mt 8,1-4
Tendo Jesus descido do monte, numerosas multidões o seguiam. Eis que um leproso se aproximou e se ajoelhou diante dele, dizendo: "Senhor, se queres, tu tens o poder de me purificar." Jesus estendeu a mão, tocou nele e disse: "Eu quero, fica limpo." No mesmo instante, o homem ficou curado da lepra. Então Jesus lhe disse: "Olha, não digas nada a ninguém, mas vai mostrar-te ao sacerdote, e faze a oferta que Moisés ordenou, para servir de testemunho para eles." 

Comentário feito por São Simeão, o Novo Teólogo (c. 949-1022)
monge grego 

Antes que brilhasse a luz divina, 
Não me conhecia a mim mesmo. 
Vendo-me então nas trevas e na prisão, 
Preso num lamaçal, 
Coberto de sujeira, ferido, com a minha carne inchada [...], 
Caí aos pés dAquele que me iluminara. 

E Aquele que me iluminara tocou com as Suas mãos 
Nas minhas cadeias e nas minhas feridas; 
Do lugar onde a sua mão tocou e aonde o Seu dedo se chegou, 
No mesmo momento me caíram as cadeias, 
Desapareceram as feridas e toda a sujidade. 
A mácula da minha carne desapareceu [...] 
E Ele a tornou semelhante à Sua mão divina. 
Estranha maravilha: a minha carne, a minha alma e o meu corpo 
Participam da glória divina. 

Assim que fui purificado e desembaraçado das minhas cadeias, 
Ei-Lo que me estende uma mão divina, 
Retira-me completamente do lamaçal, 
Abraça-me, lança-se-me ao pescoço, 
Cobre-me de beijos (Lc 15, 20). 
E a mim, que estava completamente exausto, 
E tinha perdido as forças, 
Pôs-me aos ombros (Lc 15, 5), 
E levou-me para fora do meu inferno. [...] 
É a luz que me leva e me sustenta; 
Conduz-me para uma grande luz. [...] 
Permite-me contemplar através de que estranha renovação 
Ele próprio me tornou a formar (Gn 2, 7) e me arrancou à corrupção. 
Concedeu-me o dom da vida imortal 
E revestiu-me com uma túnica imaterial e luminosa 
E deu-me sandálias, um anel e uma coroa 
Incorruptíveis e eternos (Lc 15, 22).