segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Italo Calvino: “o humano chega aonde chega o amor”


Por Alessandro Banfi

Há vinte cinco anos atrás morria, em Siena, o escritor italiano. A sua abordagem científica da realidade, a poderosa fantasia e o registro envolvente o tornaram célebre. Resta o lamento de não o ter encontrado...

Era uma vez um escritor que nos deu o gosto de ler Ariosto [trata-se de Ludovido Ariosto (1474-1533), poeta italiano; ndt], de contar uma fábula, de sonhar com uma existência inteira passada em uma árvore. Mas que também nos permitiu o gosto da escrita da prosa em hendecassílabos. Chamava-se Italo Calvino, nome fascinante e autêntico, apesar das aparências. Morreu há vinte cinco anos atrás num hospital de Siena, deixando-nos o incômodo de não termos lido suficientemente sua literatura arguta. Sua crítica literária, mas também sua narrativa. E, aqui, não queremos dar um juízo de valor, juízo que, por tanto tempo, não chegou a esclarecer e que ainda divide os críticos. Foi um grande escritor, mas entre os menores do século XX, para citar o que Geno Pampaloni [(1918-2001), jornalista e escritor italiano; ndt] escreveu, quando Calvino faleceu? Ou será que ele foi um gênio anti-manzoniano absoluto, como Goffredo Parise [(1929-1986), jornalista e escritor italiano; ndt] sustentou numa visão compartilhada, certamente ainda hoje, por seu amigo Eugenio Scalfari [jornalista, escritor e político italiano nascido em 1924; ndt], fundador de La Repubblica [jornal italiano que circula desde 1976; ndt]?
É difícil entrar nessa disputa com uma opinião definitiva. Para mim, leitor apaixonado, Calvino é, antes de mais nada, um amante da palavra e do mecanismo narrativo. Um autor racional e iluminista, sempre em busca da verdade, quase científica. Um empirista, para quem os sentidos contam, quando escancaram para a imaginação. Antes e não obstante toda teorização e superestrutura. Como os seus pais amaram a natureza através da botânica, assim também ele, desde jovem, descobriu na linguagem e no relato a chave, quase científica, para redimir a realidade, para atenuar suas dores e evitar suas armadilhas. Para buscar, na nossa vida labiríntica e objetivamente irônica, o percurso para chegar à completude. Passando através do neo-realismo de A trilha dos ninhos de aranha até chegar à fábula urbana do Marcovaldo. Com Calvino é possível ir à lua, como acontece com Ariosto, mas se atravessa também a história, como acontece com Manzoni [Alessandro Manzoni (1785-1873), escritor, poeta e dramaturgo italiano; ndt].
Certamente, a impressão que fica é que tanta literatura, nele, tenha mantido a vida distante. Aquela vida violenta e verdadeira de todos os dias. Mas, não é assim. Da aparência gelada, da leveza ariostesca, passa-se, às vezes, para um registro autenticamente envolvente e emotivo que coloca a questão no centro. Ele escreve em O dia de um escrutinador: “O humano chega aonde chega o amor”. E é, de fato, assim: a sua abordagem racional, científica da realidade convive com uma poderosa fantasia. Resolve-se na imaginação. O seu aparente distanciamento emotivo não cancela o coração, mas, pelo contrário, frequentemente o repropõe como instância última no final de uma trajetória. Como acontece para todos os gênios (Calvino, junto com Primo Levi, é o escritor italiano do século XX mais conhecido no mundo), o seu relato, ao final, coloca uma pergunta sobre a verdade. A sua busca, basta pensar na coletânea estupenda das Fábulas Italianas, chega a colocar a questão da identidade do homem e da sua comparação com o destino. A sua oscilação entre a prosa e a poesia (mesmo no seu Se um viajante numa noite de inverno) leva ao núcleo duro da narração e da língua. E, no fundo dela, assim como nos primeiros versículos do Gênesis e do Evangelho de João, há uma profundidade e uma luz que dizem respeito ao relacionamento misterioso e, ao mesmo tempo, histórico entre o ser humano e Deus. É como para Primo Levi [(1919-1987) escritor italiano; ndt]: resta-nos o lamento de não termos falado com ele, de não o termos encontrado ou de não o termos feito encontrar alguém que lhe pudesse comunicar, de verdade, a única histórica que realmente conta. A grande narração que, hoje, nos salva. Mas, isso vale para todos, todos os dias. Mesmo para nós e para o nosso vizinho no metrô, que sentimos como estranho e a quem não temos a coragem de dizer: vem e vê, há alegria neste mundo.

* Extraído de Tracce.it, do dia 21 de setembro de 2010. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

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