quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Caros professores, não se ensina (e não se aprende) nada sem liberdade


Por Eddo Rigotti

O ensino é possível se, para além do professor, exista alguém que aprenda e algo que é aprendido. Antes, quem aprende e a coisa aprendida são, a bem dizer, os fatores constitutivos da aventura do ensino. Aprendemos, de fato, infinitas coisas sem que ninguém propriamente no-las ensine: aprender a nossa língua (que, às vezes, é o nosso dialeto) com os pais não é como aprender a gramática ou a ortografia com o professor. Aprender a língua com os pais é aprender a partir da experiência, do relacionamento direto com a realidade humana e não humana que nos circunda, interagindo na experiência mediada pela comunicação com os nossos pais e os outros adultos. É assim que aprendemos, algumas vezes às nossas custas e outras com vantagem para nós, que a água pode ferver ou congelar, que os figos são mais doces do que as maçãs, que a faca corta e que a rosa pode também cheirar (e a camélia, porém, não), que, se há um sob, deve necessariamente haver também um sobre, e que a neve, cedo ou tarde, derrete. O evento que marca o sucesso do ensino está, em todos os casos, para além do professor
Parecem-me importantes duas questões a serem enfocadas:
a) Para um sujeito, aprender ou, talvez melhor, apreender, é começar a conhecer algo outro. Objeto de conhecimento pode ser apenas aquilo que é real. Isto explica o non sense de uma frase como
João sabe que Luiz chegou, mas eu seu que Luiz ficou em casa
sendo que são possíveis também tanto
João crê que Luiz tenha chegado, mas eu sei que Luiz ficou em casa
como
João crê que Luiz tenha chegado, mas eu creio que Luiz ficou em casa.
Posso falar de conhecimento tão somente na medida em que há uma relação com a realidade: pela sua estrutura semântica e ontológica, o conhecer pressupõe (exige) como objeto algo de real, ou seja, pressupõe a verdade do seu objeto.
b) O fato de que o nexo fundamental seja aquele entre quem aprende e a coisa aprendida, não significa que o papel do adulto no aprendizado desaparece, tampouco significa que esse papel seja pequeno. Como veremos, o adulto é presente, mas não é uma “bica” de conteúdos de programas pré-moldados. O seu papel é mais delicado e incisivo.

Aprofundemos brevemente o primeiro ponto. Aprender como ter “conhecimento de” não é adquirir uma informação, mesmo que seja materialmente verdadeira. A informação se torna conhecimento apenas quando se torna relevante para o sujeito, quando assume significado para o seu destino. Adquire interesse na medida em que o relacionamento do sujeito com a coisa que a aquisição do conhecimento traz para a luz conduz o sujeito para a consciência da relevância que esta coisa tem para ele, da pertinência da coisa ao seu destino.
É diferente enquadrar a presença dos humanos sobre a terra como um incidente lamentável a que a ética e a ecologia sugerem delimitar ao máximo as implicações perversas, ou como o florescimento surpreendente, misterioso de uma autoconsciência capaz de se interrogar sobre o sentido de si, ou seja, capax Dei.
Mas, outro traço essencial distingue o conhecimento da pura informação: a sua racionalidade. Poderíamos definir este traço em relação a um transcendental da filosofia medieval, Ens et verum convertuntur que sublinha a inteligibilidade do real. Mas, sem nos debruçarmos demais sobre pensamentos filosóficos, poderíamos talvez dizer de modo muito mais simples que o conhecimento não é puramente informação na medida em que é resposta a um por quê.
Estou pensando aos por ques da infância com os quais a criança desafia o adulto, quase querendo conquistar um acesso direto à realidade. Parece que este dispositivo critico, que se ativa quase naturalmente tão logo a criança instrumentou e estruturou o seu relacionamento com a realidade mediante a linguagem, seja fundamentalmente desativado na vida escolar. Todos nós, todavia, esperamos que não seja de todo verdadeiro.
Para entender a natureza deste dispositivo crítico devemos identificar as necessidades de conhecimento da criança, exatamente distinguindo os diversos usos semântico-pragmáticos do por quê. Uma pesquisa sobre as estruturas argumentativas nos discursos à mesa de famílias italianas e suíças, conduzida por Antonio Bova (um aluno do professor Galimberti), mostrou que as crianças entre os 4 e os 8 anos usam os seus insuportáveis por quês para desencadear trocas argumentativas e raciocínios de diferentes tipos e complexidades. Acontece com uma certa frequência o por que causal ou explanatório, que pede a explicação de um fato (do tipo: Por que o vovô ronca quando dorme?).
Vejamos, por exemplo, este uso no diálogo entre Lucas, uma criança de 6 anos, e seu pai. Olhando para fora da janela, Lucas observou que, diferentemente dos dias anteriores, não chovia e pergunta ao pai: “Papai, por que hoje não está chovendo?”. Na sua simpática resposta, o pai formula uma explicação adotando a metafísica animística da criança: “Porque hoje as nuvens estão cheias de água, mas querem segurá-la com elas ainda um pouquinho!”.
Lucas, através do seu por que, quer conhecer a causa, as origens de um evento. A pergunta de Lucas é, para bem dizer, a mesma pergunta que gera a ciência (scire per causas), mas é também a pergunta com a qual nós nos interrogamos, através de formas linguísticas diversas, sobre a nossa origem, e portanto sobre a nossa pertença.

[Lembro-me de que, quando eu era pequeno, muito pequeno, as senhoras velhinhas da cidadezinha, frequentemente, ao me encontrarem, com ar inquisitorial, quase me acusando de existir, me perguntavam no meu dialeto tridentino “Popo, de chi se’t ti?” (“Menino, de quem você é?”), quase com se eu tivesse que justificar a minha presença dizendo quem eram os meus pais. Depois, quando entrei na escola, descobri que também a Dante haviam feito, num canto do Inferno, a mesma pergunta – “Chi fur li maggior tui?” – mesmo que eu deva admitir que se tratava de outra solenidade, tanto é verdade que, no poeta, a pergunta suscitou simplesmente orgulho. Mais recentemente, um pesquisador do projeto Argupolis, de origem calabresa, me confiou que também a ele as velhinha de sua cidade perguntavam de forma inquisidora “A quem você pertence?”. É interessante o nexo entre origem e pertença].

Um outro por quê, talvez mais frequente, é de natureza argumentativa e, por outro lado, exige que se dê as razões. São exigidas, antes de tudo, as razões das ações, do fim pelo qual uma ação é realizada. O fim coincide, aqui, com o argumento que justifica a ação, ou seja, mostra a sua razoabilidade. Aqui, poderíamos ativar longuíssimos encadeamentos, entre o jocoso e o persecutório: Por que você está saindo? Vou à biblioteca. Por que você vai à biblioteca? Tenho que ler um livro. Por que tem que ler um livro? Tenho que aprender algumas coisas... Por quê...? Através dessas perguntas, a criança parece descobrir as hierarquias teleológicas para as quais as nossa ações, frequentemente apenas de forma implícita, remetem. O por que argumentativo é quase sempre usado para contestar uma recusa, como nesse breve diálogo onde Elisa, uma menina de 7 anos, pede à sua mãe: “Posso brincar com esse limão, mamãe?”. A mãe, ocupada cozinhando, responde a Elisa com uma recusa que se justifica com uma impossibilidade: “Não, eu não posso deixar você brincar com os limões”. E Elisa, neste ponto, coloca em discussão a recusa, pedindo que ela explicite as razões da impossibilidade: “Por quê?”. A mãe argumenta: “Porque vou precisar dos limões para fazer uma salada gostosa para o papai”.
Um por que análogo solicita, porém, as razões de regras e injunções (proibições, ordens, convites, conselhos, recomendações) e, portanto, as coloca em discussão. Frequentemente, são acompanhados de argumentos para justificar a contestação. Como no breve diálogo entre Marcos, uma criança de 5 anos, e a sua mãe. Marcos observa que o seu pai toma remédios para se curar de um gripe. Obviamente, ficou extasiado e argumenta, por analogia: “Eu também quero os remédios que o papai tomou, mamãe”. A mãe, naturalmente, não está de acordo e formula uma proibição: “Você não pode, Marcos”. Esta resposta não satisfaz naturalmente o menino, que a desafia a dar as razões da proibição: “Por que não?”. A mãe replica com um argumento, muito interessante, que recoloca todos os protagonistas do fato no seu devido lugar: “Porque as crianças devem tomar remédios próprios para crianças. Não podem tomar remédios dos adultos, senão passam mal”.
Muito evidente também é o exemplo no qual Clara, uma menina de 5 anos, negocia com seu pai a quantidade de comida que pode deixar no prato, acrescentando, de escanteio, um argumento: “Posso deixar esse pouquinho de macarrão?” (levantando seu prato um pouco para mostrar o conteúdo ao pai). Aqui, a expressão “esse pouquinho” argumenta naturalmente em favor de uma concessão. O pai responde com uma proibição: “Não, não pode”. Neste ponto, Clara, certamente mais determinada a contestar a proibição paterna, descarrega: “Por que, papai?”. O pai refuta, com a evidência, o argumento levantado pelo “esse pouquinho”: “Você não comeu nada, Clara”.
Fica vidente como aos pequenos homens não basta a informação, e como eles querem o acesso à realidade e ao seu significado. Aqueles mesmos por ques podem se tornar, de vez em quando, perguntas que indagam sobre o significado da nossa existência. Querem saber a nossa origem, a nossa tarefa e o nosso destino. O conhecimento com a sua racionalidade, a sua relevância existencial, é então uma exigência natural do ser humano
Os por ques das crianças, ainda que parecem uma brincadeira, e certamente o são, representam o momento central da dinâmica do crescimento, uma dinâmica que é humano manter viva em nós através de toda a nossa existência: não podemos considerar o adulto como alguém que não cresce mais, mesmo que isso possa ser verdadeiro do ponto de vista biológico. A dinâmica do por quê, essencial para a aprendizagem, consequentemente também o é para o ensino que, então, se transforma numa verdadeira interação argumentativa, numa critical discussion.
Aqui, talvez, alguém possa estar esperando ou tema que, daqui para frente, eu comece a considerar a teoria da argumentação, introduzindo algumas definições técnicas e alguns procedimentos, algo como algum analytic overview ou algum Y-structure. Prefiro, porém, contar um episódio.
Uma professora de religião do ensino fundamental foi contestada de forma muito dura por um aluno: “Por que aprendemos a religião se a ciência demonstrou que não é verdadeira?”. Aparentemente, trata-se de uma pergunta, na realidade (como é o caso das perguntas retóricas) é uma tese sustentada por uma argumentação de dois níveis, onde um argumento remete a outro argumento:
tese: é irracional aprender religião
argumento 1: a religião não é verdadeira
argumento 2: a ciência o demonstrou.
Com efeito, o argumento 1 é, em si mesmo, uma boa justificativa para a tese: é, de verdade, irracional pretender que alguém aprenda aquilo que não é verdadeiro, ou seja, aquilo que não existe, porque aprender é começar a conhecer, e o objeto do conhecer só pode ser aquilo que é real, ou seja, verdadeiro. Nesta perspectiva (se, de fato, a ciência tivesse demonstrado a falsidade da religião), teria sentido tão somente o ateísmo. Mas o argumento 1 mantém-se apenas na medida em que sustentado pelo argumento 2. 
É sobre isso que a reflexão da professora deve se centralizar. A sua tarefa não é, de fato, muito simples. Ela revela naturalmente que o aparato contestatório do aluno não é farinha do seu saco e que é, totalmente ou em parte, um discurso repetitivo. Revela também que, no fundo, há uma ideologia cientificista, muitas vezes sustentada por uma divulgação incorreta, certamente com as referências comuns a Kepler e a Galileu.
Ela seria tentada a responder à altura ou a advertir o aluno acerca das manipulações, mas, na melhor das hipóteses, a sua adesão seria ex auctoritate, sem razões. Mas, por outro lado, a professora aproveitou a provocação do aluno para uma extraordinária oportunidade: trouxe à baila uma distinção importante, favorecendo um ponto de crescimento e um ganho de consciência de toda a sala de aula. Percebeu também a necessidade de aprofundar, por sua própria conta, o ponto tematizado e estudar um modo de dizê-lo que fosse sob medida para os seus alunos, que respeitasse a sua capacidade de categorização. Assim, não se empenhou apenas numa confutação extemporânea: sabia que estava numa escola e não num talk show. Louvou o aluno por ter enfrentado um problema importante que, porém, precisava ser considerado de forma aprofundada e reconheceu que, no seu raciocínio, havia uma primeira passagem perfeitamente correta, sublinhando que ainda era preciso ver um segundo ponto sobre o qual seria necessário voltar numa próxima aula: “Você tem razão ao dizer que não tem sentido estudar coisas falsas; porém, devemos ver se a ciência, de fato, demonstrou que a religião é falsa. Será preciso voltar sobre isso na próxima vez”.
Assim, consegue tempo. Creio que esta professora, de fato, tenha encontrado um modo adequado para argumentar na escola: não se trata de introduzir uma matéria a mais, preparando uma pequena teoria da argumentação, mas se trata de ensinar argumentando, ou seja, ensinar dando as razões. O primeiro passo na argumentação, que é um colocar à prova a própria posição diante da razão do outro, é o reconhecimento e a estima da razão do outro. A necessidade de verificação manifestada pelo aluno, dessa forma, é encorajada. Ao mesmo tempo, a disponibilidade da professora faz o aluno perceber a importância e a seriedade do empenho argumentativo.
Estou certo de que esta professora, quando voltou para casa, falou do seu problema com algumas amigas e discutiu com elas por muito tempo, assim como com o seu marido. Era importante, antes de tudo, esclarecer o ponto: não se tratava de mostrar que a ciência, pelo menos até agora, não tenha falsificado a religião, mas que nunca o fez nem o poderia fazer, porque ciência e religião – mesmo que ambas contribuam, na medida em que são formas de conhecimento, para a nossa compreensão da realidade – atuam a partir de aspectos distintos. Em outras palavras, ciência e religião têm objetos formais diversos e não podem, portanto, se contradizer. Tratava-se de exprimir tudo isso através das categorias do aluno. Pois bem, exatamente a referência aos infinitos por ques da argumentação na sua primeiríssima fase permitiu à professora, naquela ocasião, o instrumento categorial adequado. Quando voltou à sala de aula, expressou-se, grosso modo, assim: “A ciência e a religião nos são úteis para entender a nós mesmos e à realidade na qual vivemos. Entender significa saber dizer o porquê. Existem por ques aos quais a religião responde (por que existimos? Por que não podemos matar?) e existem por ques aos quais é a ciência que responde (por que o inverno é mais frio? Por que existem as marés?). Ciência e religião são, ambas, necessárias para entender a realidade e dar sentido à vida”.
Naturalmente, todos na sala de aula começaram a querer dar exemplos dos por ques mais variados, perguntando se aqueles são científicos e se esses são religiosos.
Mas, falemos, agora, do segundo ponto desta conferência: qual é o papel do adulto na aprendizagem, ou seja, na aquisição de um conhecimento?
Ensinar não é um verbo causativo em sentido estreito, não equivale a causar o efeito de um outro aprender, porque o objeto indireto, ou seja, esse outro, é um ser humano, portanto é livre: por isso, o evento da aprendizagem não pode ser o efeito óbvio de nenhuma das intervenções do adulto. Inevitavelmente, quando o ensino age prescindindo da liberdade, do interesse e da razão de quem está aprendendo, isso pode dar lugar apenas a um adestramento, ou melhor, a uma manipulação.
Tudo isto, longe de tornar o papel do professor menos significativo, mostra exatamente a sua grandeza. O professor não causa a aprendizagem, não adestra, não é uma cadeia de transmissão de saberes construídos e deliberados em outro lugar, é um “cultor da matéria”, ou seja, é um sujeito apaixonado por aquela realidade que a sua disciplina se encarrega por conhecer. Não se limita a consignar um saber adquirido, mas o desmonta e o remonta junto com o discípulo, reverificando suas razões e seu nexos, interrogando continuamente a realidade à qual o saber se refere para tirar dele uma experiência mais rica. Enquanto acompanho (tomando-o pela mão = Handführung) o meu aluno na realidade (total!), também eu refaço a experiência e reencontro aquela realidade: não é possível repetir a mesma experiência relendo o mesmo canto de Dante ou repercorrendo os movimentos referenciais do mesmo teorema junto com o aluno. O “gaudium de veritate”, ligado, no primeiro caso, à participação no evento poético e, no segundo, à profunda, intensa, alegria da inferência, desencadeia um novo acontecimento. Não sou somente eu que o acompanho na realidade, também ele me acompanha. A sua experiência é uma verificação da minha, na medida em que o ensino não é uma exposição de conteúdos, mas desafio à razão e ao coração do aluno. Neste sentido, é argumentativo.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 22 de fevereiro de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

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