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sábado, 15 de outubro de 2011

Santa Teresa de Ávila

15 de outubro


Santa Teresa de Ávila,
rogai por nós!

Nada te turbe 
Nada te espante 
Dios no muda 
Todo se pasa 
La paciencia 
Todo lo alcanza 
Quien a Dios tiene 
Nada le falta 
Solo Dios basta


Nada te perturbe 
Nada te espante 
Tudo passa, 
Só Deus não muda. 
A paciência 
Tudo alcança 
Quem tem a Deus, 
Nada lhe falta. 
Só Deus basta

“Uma prova de que Deus esteja conosco não é o fato de que não venhamos a cair, mas que nos levantemos depois de cada queda”

Comentário ao evangelho do dia


Santa Teresa de Ávila

1ª Leitura - Rm 4,13.16-18
Irmãos, não foi por causa da Lei, mas por causa da justiça que vem da fé, que Deus prometeu o mundo como herança a Abraão ou à sua descendência. É em virtude da fé que alguém se torna herdeiro. Logo, a condição de herdeiro é uma graça, um dom gratuito, e a promessa de Deus continua valendo para toda a descendência de Abraão, tanto para a descendência que se apega à Lei, quanto para a que se apoia somente na fé de Abraão, que é o pai de todos nós. Pois está escrito: "Eu fiz de ti pai de muitos povos". Ele é pai diante de Deus, porque creu em Deus que vivifica os mortos e faz existir o que antes não existia. Contra toda a humana esperança, ele firmou-se na esperança e na fé. Assim, tornou-se pai de muitos povos, conforme lhe fora dito: "Assim será a tua posteridade". 

Evangelho - Lc 12,8-12
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: "Todo aquele que der testemunho de mim diante dos homens, o Filho do Homem também dará testemunho dele diante dos anjos de Deus. Mas aquele que me renegar diante dos homens, será negado diante dos anjos de Deus. Todo aquele que disser alguma coisa contra o Filho do Homem será perdoado. Mas quem blasfemar contra o Espírito Santo não será perdoado. Quando vos conduzirem diante das sinagogas, magistrados e autoridades, não fiqueis preocupados como ou com que vos defendereis, ou com o que direis. Pois nessa hora o Espírito Santo vos ensinará o que deveis dizer".

Comentário retirado das Atas do Martírio de São Justino e dos seus companheiros
Ano 163, PG 6, 1565-1572

Aqueles homens santos foram presos e levados ao prefeito de Roma, chamado Rústico. Estando eles diante do tribunal, o prefeito Rústico disse a Justino [...]: “Que doutrina professas?”. Justino disse: “Procurei conhecer todas as doutrinas, mas acabei por abraçar a doutrina verdadeira dos cristãos”. [...] O prefeito Rústico inquiriu: “Que verdade é essa?”. Justino explicou: “Adoramos o Deus dos cristãos, a quem consideramos como o único Criador, desde o princípio, e autor de toda a Criação, das coisas visíveis e invisíveis, e o Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, de Quem foi anunciado pelos profetas que viria ao gênero humano como mensageiro da Salvação e Mestre da boa doutrina. E eu, porque sou homem e nada mais, considero insignificante tudo o que digo para exprimir a Sua divindade infinita, mas reconheço o valor das profecias [...] e sei que eram inspirados por Deus os profetas que vaticinaram a Sua vinda ao meio dos homens”. Rústico perguntou: “Onde vos reunis? [...] Diz-me [...] em que lugar juntas os teus discípulos”. Justino respondeu: “Eu vivo em casa de um certo Martinho, nos banhos de Timiotino. [...] Ali, se alguém queria ir ver-me, comunicava as palavras da verdade”. Rústico perguntou: “Portanto, tu és cristão?”. Justino confirmou: “Sim, sou cristão”. O prefeito Rústico perguntou a Caritão: “Diz-me tu agora, Caritão, também és cristão?”. Caritão respondeu: “Sou cristão por graça de Deus”. [...] Rústico perguntou a Evelpisto: “E tu, de quem és, Evelpisto?”. Evelpisto, escravo de César, respondeu: “Também sou cristão, libertado por Cristo, e por graça de Cristo participo da mesma esperança que estes”. [...] O prefeito Rústico perguntou: “Foi Justino que vos fez cristãos?”. Hierax respondeu: “Eu sou cristão há muito tempo e cristão continuarei a ser”. E Peão, pondo-se de pé, disse: “Também eu sou cristão”. [...] Evelpisto disse: “Eu gostava de ouvir os discursos de Justino, mas a ser cristão aprendi-o de meus pais”. [...] O prefeito Rústico disse a Liberiano: “E tu, que dizes? Também és cristão? Também tu não tens religião?”. Liberiano respondeu: “Também eu sou cristão e, quanto à minha religião, só adoro o Deus verdadeiro”. O prefeito disse a Justino: “Ouve, tu que és tido por sábio e julgas conhecer a verdadeira doutrina: se fores flagelado e decapitado, estás convencido de que subirás ao Céu?”. Justino respondeu: “Espero entrar naquela morada, se tiver de sofrer o que dizes, pois sei que a todos os que viverem santamente lhes está reservada a recompensa de Deus até ao fim dos séculos”. O prefeito Rústico perguntou: “Então tu supões que hás-de subir ao Céu para receber algum prêmio em retribuição?”. Justino disse: “Não suponho, sei-o com toda a certeza”.

domingo, 21 de agosto de 2011

Diante de um amor desinteressado...



Viagem Apostólica a Madri
Por ocasião da XXVI Jornada Mundial da Juventude
18 a 21 de agosto de 2011

Via Sacra com os Jovens

Alocução do Papa Bento XVI

Praça de Cibeles, Madri
Sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Queridos jovens!
Com piedade e fervor, celebramos esta Via Sacra, acompanhando Cristo na sua Paixão e Morte. As reflexões das Irmãzinhas da Cruz, que servem aos mais pobres e desvalidos, facilitaram-nos a entrada nos mistérios da gloriosa Cruz de Cristo, que encerra a verdadeira sabedoria de Deus, aquela que julga o mundo e todos os que se creem sábios (cf. 1Cor 1, 17-19). Neste itinerário para o Calvário, ajudou-nos também a contemplação destas imagens extraordinárias do patrimônio religioso das dioceses espanholas. São imagens onde se harmonizam a fé e a arte para chegar ao coração do homem e convidá-lo à conversão. Quando é límpido e autêntico o olhar da fé, a beleza coloca-se ao seu serviço e é capaz de representar os mistérios da nossa salvação a ponto de nos tocar profundamente e transformar o nosso coração, como sucedeu a Santa Teresa de Ávila ao contemplar uma imagem de Cristo coberto de chagas (cf. Livro da Vida, 9, 1).
À medida que íamos avançando com Jesus até chegar ao cimo da sua entrega no Calvário, vinham-nos à mente as palavras de São Paulo: “Cristo amou-me e Se entregou por mim” (Gal 2, 20). Diante de um amor assim desinteressado, cheios de admiração e reconhecimento perguntamo-nos agora: Que temos que fazer por Ele? Que resposta Lhe daremos? São João no-lo diz claramente: “Foi com isto que conhecemos o amor: Ele, Jesus, deu a sua vida por nós; assim também nós devemos dar a vida pelos nossos irmãos” (1Jo 3, 16). A paixão de Cristo incita-nos a carregar sobre os nossos ombros o sofrimento do mundo, com a certeza de que Deus não é alguém distante ou alheio ao homem e às suas vicissitudes; pelo contrário, fez-Se um de nós “para poder padecer com o homem, de modo muito real, na carne e no sangue (…). A partir de lá entrou em todo o sofrimento humano alguém que partilha o sofrimento e a sua tolerância; a partir de lá se propaga em todo o sofrimento a consolatio, a consolação do amor solidário de Deus, surgindo assim a estrela da esperança” (Spe salvi, 39).
Queridos jovens, que o amor de Cristo por nós aumente a vossa alegria e vos anime a permanecer junto dos menos favorecidos. Vós que sois tão sensíveis à ideia de partilhar a vida com os outros, não passeis ao largo quando virdes o sofrimento humano, pois é aí que Deus vos espera para dardes o melhor de vós mesmos: a vossa capacidade de amar e de vos compadecerdes. As diversas formas de sofrimento, que foram desfilando diante dos nossos olhos ao longo da Via Sacra, são apelos do Senhor para edificarmos as nossas vidas seguindo os seus passos e para nos tornarmos sinais do seu conforto e salvação. “Sofrer com o outro, pelos outros; sofrer por amor da verdade e da justiça; sofrer por causa do amor e para se tornar uma pessoa que ama verdadeiramente: estes são elementos fundamentais de humanidade, o seu abandono destruiria o mesmo homem” (Ibid., 39).
Espero que saibamos acolher estas lições e pô-las em prática. Com tal finalidade, olhemos para Cristo, suspenso no duro madeiro, e peçamos-Lhe que nos ensine esta misteriosa sabedoria da cruz, graças à qual vive o homem. A cruz não foi o desfecho de um fracasso, mas o modo de exprimir a entrega amorosa que vai até à doação máxima da própria vida. O Pai quis amar os homens no abraço do seu Filho crucificado por amor. Na sua forma e significado, a cruz representa esse amor do Pai e de Cristo pelos homens. Nela reconhecemos o ícone do amor supremo, onde aprendemos a amar o que Deus ama e como Ele o faz: esta é a Boa Nova que devolve a esperança ao mundo.
Voltemos agora os nossos olhos para a Virgem Maria, que nos foi entregue por Mãe no Calvário, e supliquemos-Lhe que nos apoie com a sua amorosa proteção no caminho da vida, particularmente quando passarmos pela noite da dor, para conseguirmos permanecer como Ela firmes ao pé da cruz. Muito obrigado.

* Extraído do site do Vaticano, do dia 19 de agosto de 2011. Revisado e adaptado por Paulo R. A. Pacheco.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Comentário ao evangelho do dia

Evangelho - Mt 6,7-15
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: "Quando orardes, não useis muitas palavras, como fazem os pagãos. Eles pensam que serão ouvidos por força das muitas palavras. Não sejais como eles, pois vosso Pai sabe do que precisais, muito antes que vós o peçais. Vós deveis rezar assim: Pai Nosso que estás nos céus, santificado seja o teu nome; venha o teu Reino; seja feita a tua vontade, assim na terra como nos céus. O pão nosso de cada dia dá-nos hoje. Perdoa as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido. E não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal. De fato, se vós perdoardes aos homens as faltas que eles cometeram, vosso Pai que está nos céus também vos perdoará. Mas, se vós não perdoardes aos homens, vosso Pai também não perdoará as faltas que vós cometestes.

Comentário feito por Santa Teresa de Ávila (1515-1582)
carmelita, doutora da Igreja

"Seja feita a Vossa vontade, assim na terra como no céu". Porque todos os avisos que vos tenho dado neste livro vão dirigidos a este ponto de nos darmos de todo ao Criador e pormos a nossa vontade na Sua, de nos desapegarmos das criaturas, e já tereis entendido o muito que isto importa, nada mais digo; somente direi o motivo porque o nosso bom Mestre põe aqui estas sobreditas palavras, como Quem sabe quanto ganharemos em prestar este serviço a Seu eterno Pai, a fim de nos dispormos para, com muita brevidade, nos vermos com o caminho acabado de andar e bebendo da água viva da fonte que fica dita. Porque, sem darmos totalmente a nossa vontade ao Senhor para que, em tudo o que nos toca, Ele faça conforme a Sua vontade, nunca nos deixará beber dela. Isto é contemplação, de que me dissestes que escrevesse. E nisto [...] nenhuma coisa fazemos da nossa parte: nem trabalhamos, nem negociamos, nada mais é preciso; porque tudo o mais estorva e impede de dizer "fiat voluntas tua": cumpra-se em mim, Senhor, a Vossa vontade. Com efeito, tudo o que quiséssemos fazer pelo nosso trabalho e pela nossa competência, tendo em vista alcançar para nós a quietude, não nos serviria senão de obstáculo e de impedimento. Cumpra-se em mim, Senhor, a Vossa vontade de todos os modos e maneiras que Vós, Senhor meu, quiserdes. Se quereis com trabalhos, dai-me esforço e venham; se com perseguições e enfermidades e desonras e necessidade, aqui estou, não voltarei o rosto, Pai meu, nem é razão para voltar as costas. Seria indigno de mim recuar. Pois Vosso filho Vos deu esta minha vontade dando-Vos a vontade de todos, não é razoável que falhe por minha parte; mas sim me façais Vós mercê de me dar o Vosso Reino para que eu possa fazê-lo, pois Ele mo pediu, e disponde em mim como de coisa Vossa, conforme a Vossa vontade.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

É na abertura à Sua luz que se encontra a alegria dos redimidos


Bento XVI

Audiência Geral

Aula Paulo VI
Quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

São João da Cruz

Caros irmãos e irmãs,
duas semanas atrás, apresentei a figura da grande mística espanhola Teresa de Jesus. Hoje, gostaria de falar de outro importante Santo daquelas terras, amigo espiritual de Santa Teresa, reformador, junto com ela, da família religiosa carmelitana: São João da Cruz, proclamado Doutor da Igreja pelo Papa Pio XI, em 1926, e chamado na tradição de Doctor mysticus, “Doutor Místico”.
João da Cruz nasceu em 1542, no pequeno vilarejo de Fontiveros, perto de Ávila, na Velha Castilha, filho de Gonzalo de Yepes e de Catalina Alvarez. A família era muito pobre, porque o pai, de origem nobre, de Toledo, havia sido expulso de caso e deserdado por se ter casado com Catalina, uma humilde tecelã de seda. Órfão de pai em tenra idade, João, aos nove anos, transferiu-se, com a mãe e o irmão Francisco, para Medina do Campo, perto de Valladolid, centro comercial e cultural da Espanha, naquela época. Ali, freqüentou o Colégio dos Doutrinos, realizando também alguns trabalhos para as irmãs da igreja-convento da Madalena. Em seguida, dadas as suas qualidades humanas e seus resultados nos estudos, foi admitido como enfermeiro no Hospital da Conceição, e depois no Colégio dos Jesuítas que havia sido fundado recentemente em Medina do Campo. Nesse colégio, João entrou com dezoito anos e estudou durante três anos ciências humanas, retórica e línguas clássicas. No final de sua formação, ele tinha bem claro a sua vocação: a vida religiosa e, entre as várias ordens existentes em Medina, se sentiu chamado para o Carmelo.
No verão de 1563, começou o noviciado junto aos Carmelitas da cidade, assumindo o nome religioso de Matias. No ano seguinte, foi destinado para a prestigiosa Universidade de Salamanca, onde estudou por três anos artes e filosofia. Em 1567, foi ordenado sacerdote e retornou para Medina do Campo, onde celebrou sua Primeira Missa, circundado pelo afeto dos familiares. Exatamente ali aconteceu seu primeiro encontro com Teresa de Jesus. O encontrou foi decisivo para ambos: Teresa lhe expôs o seu plano de reforma do Carmelo, também no ramo masculino da Ordem, e propôs a João aderir a esse plano “para a maior glória de Deus”; o jovem sacerdote ficou fascinado com as ideias de Teresa, a ponto de se tornar um grande apoiador do projeto. Os dois trabalharam juntos por alguns meses, compartilhando ideais e propostas para inaugurar o mais rápido possível a primeira casa de Carmelitas Descalços: a abertura aconteceu no dia 28 de dezembro de 1568, em Duruelo, lugar solitário da província de Ávila. Com João, outros três companheiros formavam esta primeira comunidade masculina reformada. Na renovação de sua profissão religiosa, segundo a Regra primitiva, os quatro adotaram um novo nome: João foi chamado, então, “da Cruz”, como, depois, seria universalmente conhecido. No fim de 1572, sob solicitação de Santa Teresa, tornou-se confessor e vigário do mosteiro da Encarnação de Ávila, onde a Santa era a prioresa. Foram anos de estreita colaboração e amizade espiritual, que enriqueceu a ambos. Desse período são as obras mais importantes de Santa Teresa e os primeiros escritos de João.
A adesão à reforma carmelita não foi fácil e custou a João graves sofrimentos. O episódio mais traumático foi, em 1577, o seu seqüestro e encarceramento no convento dos Carmelitas da Antiga Observância de Toledo, depois de uma acusação injusta. O Santo permaneceu aprisionado por meses, submetido a privações e constrições físicas e morais. Ali, compôs, junto com outras poesias, o célebre Cântico Espiritual. Finalmente, na noite entre o dia 16 e o dia 17 de agosto de 1578, conseguiu fugir de modo intrépido, escondendo-se no mosteiro das Carmelitas Descalças da cidade. Santa Teresa e os companheiros reformados celebraram com muita alegria a sua libertação e, depois de um breve tempo de recuperação das forças, João foi destinado para Andaluzia, onde passou dez anos em vários conventos, especialmente em Granada. Assumiu encargos cada vez mais importantes na Ordem, até se tornar Vigário Provincial, e completou a escrita dos seus tratados espirituais. Voltou, mais tarde, para sua terra natal, como membro do governo geral da família religiosa teresiana, que gozava de plena autonomia jurídica. Morou no Carmelo de Segóvia, trabalhando como superior daquela comunidade. Em 1591, foi retirado de toda responsabilidade e destinado para a nova Província religiosa do México. Enquanto se preparava para a longa viagem com outros dez companheiros, retirou-se num convento solitário perto de Jaén, onde adoeceu gravemente. João enfrentou com exemplar serenidade e paciência os enormes sofrimentos. Morreu na noite entre o dia 13 e o dia 14 de dezembro de 1591, enquanto seus confrades recitavam o Ofício das Matinas. Despediu-se deles dizendo: “Hoje, vou cantar o Ofício no céu”. Os seus restos mortais foram trasladados para Segóvia. Foi beatificado por Clemente X, em 1675, e canonizado por Bento XIII, em 1726.
João é considerado um dos mais importantes poetas líricos da literatura espanhola. Suas maiores obras são: Subida ao Monte Carmelo, Noite Escura da Alma, Cântico Espiritual e Chama Viva de Amor.
No Cântico Espiritual, São João apresenta o caminho de purificação da alma, ou seja, a progressiva posse feliz de Deus, até que a alma chegue a sentir que ama a Deus com o mesmo amor com o qual é amada por Ele. A Chama Viva de Amor prossegue nessa mesma perspectiva, descrevendo mais detalhadamente o estado de união transformadora com Deus. A comparação utilizada por João é sempre a do fogo: assim como o fogo quanto mais arde e consome a lenha, tanto mais se faz incandescente até ao ponto de se tornar chama, assim também o Espírito Santo, que durante a noite escura purifica e “limpa” a alma, com o tempo a ilumina e a aquece como se fosse uma chama. A vida da alma é uma contínua festa do Espírito Santo, que deixa entrever a glória da união com Deus na eternidade.
A Subida ao Monte Carmelo apresenta o itinerário espiritual do ponto de vista da purificação progressiva da alma, necessária para escalar o topo da perfeição cristã, simbolizada pelo cume do Monte Carmelo. Tal purificação é proposta como um caminho que o homem empreende, colaborando com a ação divina, para libertar a alma de todo apego ou afeição contrários à vontade de Deus. A purificação, que para atingir a união de amor com Deus deve ser total, começa pela vida dos sentidos e prossegue pela purificação que se obtém por meio das três virtudes teologais: fé, esperança e caridade, que purificam a intenção, a memória e a vontade. A Noite Escura da Alma descreve o aspecto “passivo”, ou seja, a intervenção de Deus nesse processo de “purificação” da alma. O esforço humano, de fato, é incapaz sozinho de chegar até às raízes profundas das inclinações e dos maus hábitos da pessoa: pode apenas freia-los, mas não arrancá-los completamente. Para fazer isso, é necessária a ação especial de Deus que purifica radicalmente o espírito e o dispõe à união de amor com Ele. São João define “passiva” tal purificação, exatamente porque, mesmo que aceita pela alma, é realizada pela ação misteriosa do Espírito Santo que, como chama de um fogo, consome toda impureza. Neste estado, a alma é submetida a todo tipo de provação, como se se encontrasse numa noite escura.
Estas indicações sobre as obras principais do Santo nos ajudam a nos aproximar dos pontos mais importantes da sua vasta e profunda doutrina mística, cujo escopo é descrever um caminho seguro para atingir a santidade, o estado de perfeição ao qual Deus chama a todos nós. Segundo João da Cruz, tudo o que existe, criado por Deus, é bom. Através das criaturas, podemos chegar à descoberta dAquele que, nelas, deixou um traço Seu. A Fé, no entanto, é a única fonte dada ao homem para conhecer a Deus assim como Ele é em si mesmo, como Deus Uno e Trino. Tudo aquilo que Deus queria comunicar ao homem, o disse em Jesus Cristo, a Sua Palavra feita carne. Jesus Cristo é a única e definitiva via para o Pai (cf. Jo 14, 6). Todas as outras coisas criadas são nada se comparadas com Deus, e nada vale fora dEle: consequentemente, para chegar ao amor perfeito de Deus, todo outro amor deve se conformar em Cristo ao amor divino. Disso deriva a insistência de São João da Cruz sobre a necessidade da purificação e do esvaziamento interior para transformar-se em Deus, que é a meta única da perfeição. Esta “purificação” não consiste na simples falta física das coisas ou do seu uso; o que torna a alma pura e livre, pelo contrário, é eliminar toda dependência desordenada das coisas. Tudo deve ser colocado em Deus como centro e fim da vida. O longo e difícil processo de purificação exige, certamente, o esforço pessoal, mas o verdadeiro protagonista é Deus: tudo o que o homem pode fazer é “dispor-se”, estar aberto à ação divina e não impor-lhe obstáculos. Vivendo as virtudes teologais, o homem se eleva e dá valor ao próprio empenho. O ritmo de crescimento da fé, da esperança e da caridade é o mesmo da obra de purificação e da progressiva união com Deus até ao ponto de se transformar nEle. Quando se chega a esta meta, a alma imerge na vida trinitária, de forma que São João afirma que ela chega a amar a Deus com o mesmo amor com o qual Ele a ama, porque a ama no Espírito Santo. Eis porque o Doutor Místico sustenta que não existe verdadeira união de amor com Deus se não culminar na união trinitária. Neste estado supremo a alma santa conhece tudo em Deus e não deva mais passar através das criaturas para chegar a Ele. A alma se sente, desde então, inundada do amor divino e se alegra completamente com isso.
Caros irmãos e irmãs, no fim, permanece a questão: este santo, com sua alta mística, com este árduo caminho em direção ao cume da perfeição, tem algo a dizer a nós, ao cristão normal que vive nas circunstâncias desta vida de hoje, ou é um exemplo, um modelo apenas para poucas almas eleitas que podem realmente empreender esta via de purificação, de subida mística? Para encontrar a resposta temos, antes de mais, que ter presente que a vida de São João da Cruz não foi um “voo sobre nuvens místicas”, mas foi uma vida muito dura, muito prática e concreta, seja como reformador da ordem, onde encontrou tantas oposições, seja como superior provincial, seja no cárcere de seus confrades, onde foi exposto a insultos incríveis e maus tratos físicos. Foi uma vida dura, mas exatamente nos meses passados no cárcere ele escreveu uma das suas mais belas obras. E assim podemos entender que o caminho com Cristo, andar com Cristo, “o Caminho”, não é um peso acrescentado ao já suficientemente duro fardo da nossa vida, não é algo que tornaria ainda mais pesado este fardo, mas é algo de todo diferente, é uma luz, uma força, que nos ajuda a levar este fardo. Se um homem carrega em si um grande amor, este amor quase lhe dá asas, e suporta mais facilmente todas as moléstias da vida, porque carrega consigo esta grande luz; esta é a fé: ser amado por Deus e deixar-se amar por Deus em Cristo Jesus. Este deixar-se amar é a luz que nos ajuda a levar o fardo de cada dia. E a santidade não é uma obra nossa, muito difícil, mas é exatamente esta “abertura”: abrir as janelas da nossa alma para que a luz de Deus possa entrar, não nos esquecermos de Deus, porque é na abertura à Sua luz que se encontra a força, se encontra a alegria dos redimidos. Rezemos a Deus para que Ele nos ajude a encontrar esta santidade, e nos deixemos amar por Deus, que é a vocação de todos nós e a verdadeira redenção. Obrigado.

* Extraído do site do Vaticano, no dia 16 de fevereiro de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Comentário ao evangelho do dia

Evangelho - Mc 7,1-13
Naquele tempo, os fariseus e alguns mestres da Lei vieram de Jerusalém e se reuniram em torno de Jesus. Eles viam que alguns dos seus discípulos comiam o pão com as mãos impuras, isto é, sem as terem lavado. Com efeito, os fariseus e todos os judeus só comem depois de lavar bem as mãos, seguindo a tradição recebida dos antigos. Ao voltar da praça, eles não comem sem tomar banho. E seguem muitos outros costumes que receberam por tradição: a maneira certa de lavar copos, jarras e vasilhas de cobre. Os fariseus e os mestres da Lei perguntaram então a Jesus: "Por que os teus discípulos não seguem a tradição dos antigos, mas comem o pão sem lavar as mãos?". Jesus respondeu: "Bem profetizou Isaías a vosso respeito, hipócritas, como está escrito: 'Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim. De nada adianta o culto que me prestam, pois as doutrinas que ensinam são preceitos humanos'. Vós abandonais o mandamento de Deus para seguir a tradição dos homens". E dizia-lhes: "Vós sabeis muito bem como anular o mandamento de Deus, a fim de guardar as vossas tradições. Com efeito, Moisés ordenou: 'Honra teu pai e tua mãe'. E ainda: 'Quem amaldiçoa o pai ou a mãe, deve morrer'. Mas vós ensinais que é lícito alguém dizer a seu pai e à sua mãe: 'O sustento que vós poderíeis receber de mim é Corban, isto é, Consagrado a Deus'. E essa pessoa fica dispensada de ajudar seu pai ou sua mãe. Assim vós esvaziais a Palavra de Deus com a tradição que vós transmitis. E vós fazeis muitas outras coisas como estas".

Comentário feito por Santa Teresa de Ávila (1515-1582)
carmelita, Doutora da Igreja 

Imaginemos que há em nós um palácio de imensa riqueza, todo construído em ouro e pedras preciosas, digno do Mestre a Quem pertence. Em seguida, pensai, minhas irmãs, que a beleza deste edifício também depende de vós. É verdade, pois haverá edifício mais belo do que uma alma pura e cheia de virtudes? E quanto maiores forem, mais resplandecem as pedrarias. Por fim, pensai que neste palácio habita este grande Rei que quis Se tornar nosso Pai; Ele Se senta num trono de grande valor, que é o vosso coração. [...] Podereis rir-vos de mim e dizer que isto é muito claro. Tendes razão, mas isto foi obscuro para mim durante um certo tempo. Eu compreendia que tinha uma alma, mas a estima que esta alma merecia, a dignidade dAquele que a habitava era algo que eu não compreendia. As vaidades da vida eram como uma venda que colocava sobre os olhos. Se eu tivesse percebido, como percebo hoje, que naquele pequeno palácio da minha alma habita um Rei tão grande, não O teria deixado só tantas vezes; teria ficado de tempos a tempos perto dEle e teria feito o necessário para que o palácio estivesse menos sujo. Como é admirável pensar que Aquele cuja grandeza encheria mil mundos, e muito mais, cabe numa morada tão pequena!

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Comentário ao evangelho do dia

Santa Teresa d'Ávila

Evangelho - Lc 12,1-7
Naquele tempo, milhares de pessoas se reuniram, a ponto de uns pisarem os outros. Jesus começou a falar, primeiro a seus discípulos: "Tomai cuidado com o fermento dos fariseus, que é a hipocrisia. Não há nada de escondido, que não venha a ser revelado, e não há nada de oculto que não venha a ser conhecido. Portanto, tudo o que tiverdes dito na escuridão, será ouvido à luz do dia; e o que tiverdes pronunciado ao pé do ouvido, no quarto, será proclamado sobre os telhados. Pois bem, meus amigos, eu vos digo: não tenhais medo daqueles que matam o corpo, não podendo fazer mais do que isto. Vou mostrar-vos a quem deveis temer: temei aquele que, depois de tirar a vida, tem o poder de lançar-vos no inferno. Sim, eu vos digo, a este temei. Não se vendem cinco pardais por uma pequena quantia? No entanto, nenhum deles é esquecido por Deus. Até mesmo os cabelos de vossa cabeça estão todos contados. Não tenhais medo! Vós valeis mais do que muitos pardais".

Comentário feito por São Pio de Pietrelcina (1887-1968)
capuchinho 

A verdadeira razão pela qual nem sempre és bem sucedido na tua meditação é esta – e não me engano! Começas a tua meditação na agitação e na ansiedade. Isso é o suficiente para que não obtenhas nunca o que procuras, porque o teu espírito não está concentrado na verdade que meditas e não há amor no teu coração. Esta ansiedade é ineficaz, não retiras dela senão uma grande fadiga espiritual e uma certa frieza da alma, sobretudo ao nível afetivo. Não conheço para isso senão um remédio, que é este: abandonares essa ansiedade, que é um dos maiores obstáculos à prática religiosa e à vida de oração. Ela nos faz correr para nos fazer tropeçar. Não quero evidentemente dispensar-te da meditação simplesmente porque te parece que não retiras dela nenhum benefício. À medida que fizeres vazio em ti, que te desembaraçares desse apego por meio da humildade, o Senhor te dará o dom da oração que guarda na Sua mão direita. 

domingo, 18 de julho de 2010

Comentário ao evangelho do dia

Evangelho - Lc 10, 38-42
Naquele tempo: Jesus entrou num povoado, e certa mulher, de nome Marta, recebeu-o em sua casa. Sua irmã, chamada Maria, sentou-se aos pés do Senhor, e escutava a sua palavra. Marta, porém, estava ocupada com muitos afazeres. Ela aproximou-se e disse: "Senhor, não te importas que minha irmã me deixe sozinha, com todo o serviço? Manda que ela me venha ajudar!" O Senhor, porém, lhe respondeu: "Marta, Marta! Tu te preocupas e andas agitada por muitas coisas. Porém, uma só coisa é necessária. Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada."

Comentário feito por Santa Teresa de Ávila (1515-1582)
Carmelita, Doutora da Igreja 

Santa era santa Marta, e não dizem que fosse contemplativa. Pois, que mais quereis do que chegar a ser como esta bem-aventurada, que mereceu ter a Cristo Nosso Senhor tantas vezes em sua casa e dar-Lhe de comer e servi-Lo e comer com Ele à sua mesa? Se se ficasse como a Madalena, embevecida, não teria havido quem desse de comer a este divino Hóspede. Pois pensai que esta Congregação é a casa de Santa Marta e que há de haver de tudo. As que forem levadas pela vida ativa não murmurem das que se embeberem na contemplação. [...] Tenham-se por ditosas de O servir como Marta. Olhem que a verdadeira humildade consiste, em grande parte, em estar muito pronto em se contentar com o que o Senhor quiser fazer de cada um de nós, achando-nos sempre indignos de nos chamarmos Seus servos. Pois se contemplar e ter oração mental e vocal, e cuidar dos enfermos, e servir nas coisas da casa e trabalhar – mesmo no mais humilde –, se tudo é servir o Hóspede que vem estar, comer e recrear-Se conosco, que mais nos dá que seja nisto ou naquilo? Não digo que falhe pela nossa parte, mas que vos exerciteis em tudo, porque não está isto no vosso escolher, senão no do Senhor; mas se, depois de muitos anos, quiser a cada uma para seu ofício, bonita humildade seria quererdes escolher! Deixai o Senhor da casa fazer o que quiser. 

terça-feira, 13 de julho de 2010

Audiência Geral - São Boaventura (2)

Papa Bento XVI

Quarta-feira, 10 de março de 2010

São Boaventura de Bagnoregio

Caros irmãos e irmãs
Na semana passada falei da vida e da personalidade de São Boaventura de Bagnoregio. Esta manhã gostaria de continuar a apresentação, refletindo sobre uma parte da sua obra literária e da sua doutrina.
Como já disse São Boaventura, entre os vários méritos, teve o de interpretar autêntica e fielmente a figura de São Francisco de Assis, por ele venerado e estudado com grande amor. Em particular, na época de São Boaventura uma corrente de Frades Menores, chamados "espirituais", afirmava que com São Francisco fora inaugurada uma fase totalmente nova da história, aparecera o "Evangelho eterno" de que fala o Apocalipse, que substituía o Novo Testamento. Este grupo afirmava que a Igreja já tinha esgotado o seu papel histórico e seria substituída por uma comunidade carismática de homens livres guiados interiormente pelo Espírio, isto é pelos "Franciscanos espirituais". Na base das ideias de tal grupo havia os escritos de um abade cisterciense, Joaquim de Fiore, falecido em 1202. Nas suas obras, ele afirmava um ritmo trinitário da história. Considerava o Antigo Testamento como era do Pai, seguido pelo tempo do Filho, o tempo da Igreja. Haveria que esperar ainda a terceira era, a do Espírito Santo. Assim, toda a história devia ser interpretada como uma história de progresso: da severidade do Antigo Testamento à relativa liberdade do tempo do Filho, na Igreja, até à plena liberdade dos Filhos de Deus, no período do Espírito Santo, que enfim seria inclusive o período da paz entre os homens, da reconciliação dos povos e das religiões. Joaquim de Fiore suscitou a esperança de que o início do novo tempo viria de um novo monaquismo. Assim, é compreensível que um grupo de Franciscanos julgasse reconhecer em São Francisco de Assis o iniciador do novo tempo e, na sua Ordem, a comunidade da nova época a comunidade do tempo do Espírito Santo, que deixava atrás de si a Igreja hierárquica, para começar a nova Igreja do Espírito, desligada das velhas estruturas.
Portanto, havia o risco de um gravíssimo mal-entendido da mensagem de São Francisco, da sua fidelidade humilde ao Evangelho e à Igreja, e tal equívoco incluía uma visão errônea do Cristianismo no seu conjunto.
São Boaventura, que em 1257 se tornou Ministro-Geral da Ordem Franciscana, encontrou-se diante de uma grave tensão no interior da sua própria Ordem precisamente por causa de quem defendia a mencionada corrente dos "Franciscanos espirituais", que se inspirava em Joaquim de Fiore. Exatamente para responder a este grupo e dar nova unidade à Ordem, São Boaventura estudou com atenção os escritos autênticos de Joaquim de Fiore e os que lhe eram atribuídos e, tendo em consideração a necessidade de apresentar corretamente a figura e a mensagem do seu amado São Francisco, quis expor uma justa visão da teologia da história. São Boaventura enfrentou o problema na sua última obra, uma coletânea de conferências aos monges do estúdio parisiense, que ficou incompleta e chegou até nós através das transcrições dos auditores, intitulada Hexaëmeron, isto é uma explicação alegórica dos seis dias da criação. Os Padres da Igreja consideravam os seis ou sete dias da narração sobre a criação como profecia da história do mundo, da humanidade. Os sete dias representavam para eles sete períodos da história, mais tarde interpretados também como sete milênios. Com Cristo teríamos entrado no último, ou seja no sexto período da história, ao qual depois se seguiria o grande sábado de Deus. São Boaventura supõe esta interpretação histórica do relatório dos dias da criação, mas de um modo muito livre e inovativo. Para ele, dois fenômenos do seu tempo tornam necessária uma nova interpretação do curso da história.
O primeiro: a figura de São Francisco, homem totalmente unido a Cristo até à comunhão dos estigmas, quase um alter Christus, e com São Francisco a nova comunidade por ele criada, diferente do monaquismo até agora conhecido. Este fenómeno exigia uma nova interpretação, como novidade de Deus que surgiu nesse momento.
O segundo: a posição de Joaquim de Fiore, que anunciava um novo monaquismo e um período totalmente novo da história, indo além da revelação do Novo Testamento exigia uma resposta.
Como Ministro-Geral da Ordem dos Franciscanos, São Boaventura viu logo que com a concepção espiritualista inspirada por Joaquim de Fiore, a Ordem não era governável, mas caminhava logicamente rumo à anarquia. Para ele, havia duas consequências:
A primeira: a necessária prática de estruturas e de inserção na realidade da Igreja hierárquica, da Igreja real, tinha necessidade de um fundamento teológico, também porque os outros, aqueles que seguiam a concepção espiritualista, mostravam um aparente fundamento teológico.
A segunda: mesmo tendo em consideração o realismo necessário, não se podia perder a novidade da figura de São Francisco.
Como respondeu São Boaventura à exigência prática e teórica? Da sua resposta posso dar aqui só um resumo muito esquemático e incompleto, em alguns pontos:
1. São Boaventura rejeita a ideia do ritmo trinitário da história. Deus é um para toda a história e não se divide em três divindades. Portanto, a história é uma só, embora seja um caminho e – segundo São Boaventura – um caminho de progresso.
2. Jesus Cristo é a última palavra de Deus – nele Deus disse tudo, doando-se e proclamando-se a si mesmo. Mais do que Ele mesmo, Deus não pode dizer, nem doar. O Espírito Santo é Espírito do Pai e do Filho. O próprio Cristo diz do Espírito Santo: "...ensinar-vos-á tudo o que vos tenho dito" (Jo 14, 26), "receberá do que é meu para vo-lo anunciar" (Jo 16, 15). Portanto, não existe outro Evangelho mais excelso, não há outra Igreja a esperar. Por isso, até a Ordem de São Francisco deve inserir-se nesta Igreja, na sua fé, no seu ordenamento hierárquico.
3. Isto não significa que a Igreja é imóvel, fixa no passado, e que nela não possa haver novidade. "Opera Christi non deficiunt, sed proficiunt", as obras de Cristo não regridem, não vêm a faltar, mas progridem, diz o Santo na Carta De tribus quaestionibus. Assim, São Boaventura formula explicitamente a ideia de progresso, e esta é uma novidade em relação aos Padres da Igreja e a uma grande parte dos seus contemporâneos. Para São Boaventura, Cristo não é mais, como era para os Padres da Igreja, o fim, mas o centro da história; com Cristo, a história não termina, mas começa um novo período. Outra consequência é a seguinte: até àquele momento predominava a ideia de que os Padres da Igreja fossem o ápice absoluto da teologia, e que todas as gerações seguintes só pudessem ser suas discípulas. Até São Boaventura reconhece os Padres como mestres para sempre, mas o fenômeno de São Francisco dá-lhe a certeza de que a riqueza da palavra de Cristo é inesgotável e que até nas novas gerações podem despontar novas luzes. A unicidade de Cristo garante também novidade e renovação em todos os períodos da história.
Sem dúvida, a Ordem franciscana – assim sublinha – pertence à Igreja de Jesus Cristo, à Igreja Apostólica, e não pode construir-se num espiritualismo utópico. Mas ao mesmo tempo é válida a novidade de tal Ordem em relação ao monaquismo clássico, e São Boaventura – como eu disse na catequese precedente – defendeu esta novidade contra os ataques do Clero secular de Paris: os Franciscanos não têm um mosteiro fixo e podem estar presentes em toda a parte para anunciar o Evangelho. Precisamente a ruptura com a estabilidade, característica do monaquismo, a favor de uma nova flexibilidade, restituiu à Igreja o dinamismo missionário.
Nesta altura, talvez seja útil dizer que até hoje existem visões segundo as quais toda a história da Igreja no segundo milênio teria sido um declínio permanente; alguns veem o declínio já imediatamente após o Novo Testamento. Na realidade, "Opera Christi non deficiunt, sed proficiunt", as obras de Cristo não regridem mas progridem. O que seria a Igreja, sem a nova espiritualidade dos Cistercienses, dos Franciscanos e Dominicanos, da espiritualidade de Santa Teresa de Ávila e de São João da Cruz, e assim por diante? Até hoje é válida esta afirmação: "Opera Christi non deficiunt, sed proficiunt", progridem. São Boaventura ensina-nos o conjunto do discernimento necessário, mesmo severo, do realismo sóbrio e da abertura a novos carismas doados por Cristo no Espírito Santo, à sua Igreja. E enquanto se repete esta ideia do declínio, há também outra ideia, o "utopismo espiritualista" que se repete. Com efeito, sabemos que depois do Concílio Vaticano II alguns estavam convictos de que tudo era novo, como se houvesse outra Igreja, que a Igreja pré-conciliar tivesse terminado e teríamos tido outra, totalmente "outra". Um utopismo anárquico! E graças a Deus os timoneiros sábios da barca de Pedro, Papa Paulo VI e Papa João Paulo II, por um lado defenderam a novidade do Concílio e por outro, ao mesmo tempo, defenderam a unicidade e a continuidade da Igreja, que é sempre Igreja de pecadores e sempre lugar de Graça.
4. Neste sentido São Boaventura, como Ministro-Geral dos Franciscanos, assumiu uma linha de governo em que era bem claro que a nova Ordem não podia, como comunidade, viver à mesma "altura escatológica" de São Francisco, em quem ele vê antecipado o mundo futuro, mas – guiado ao mesmo tempo por um realismo sadio e pela coragem espiritual – tinha que se aproximar o mais possível da máxima realização do Sermão da Montanha, que para São Francisco foi a regra, mesmo tendo em consideração os limites do homem, marcado pelo pecado original.
Vemos assim que, para São Boaventura, governar não era simplesmente agir, mas era sobretudo pensar e rezar. Na base do seu governo encontramos sempre a oração e o pensamento; todas as suas decisões derivam da reflexão, do pensamento iluminado pela oração. O seu contato íntimo com Cristo acompanhou sempre o seu trabalho de Ministro-Geral e por isso ele compôs uma série de escritos teológico-místicos, que expressam a alma do seu governo e manifestam a intenção de orientar interiormente a Ordem, isto é de governar não só mediante mandatos e estruturas, mas guiando e iluminando as almas, orientando para Cristo.
Destes seus escritos, que são a alma do seu governo e mostram o caminho a percorrer, tanto ao indivíduo como à comunidade, gostaria de mencionar um só, sua obra-prima, o Itinerarium mentis in Deum, que é um "manual" de contemplação mística. Este livro foi concebido num lugar de profunda espiritualidade: o monte La Verna, onde São Francisco tinha recebido os estigmas. Na introdução, o autor explica as circunstâncias que deram origem a este seu escrito: "Enquanto eu meditava sobre as possibilidades da alma se elevar a Deus, apresentou-se-me entre outros aquele acontecimento admirável ocorrido naquele lugar com o bem-aventurado Francisco, ou seja a visão do Serafim alado em forma de Crucifixo. E meditando sobre isto, dei-me conta imediatamente de que tal visão me oferecia o êxtase contemplativo do próprio pai Francisco e ao mesmo tempo o caminho que a ele conduz" (Itinerário da mente em Deus, Prólogo, 2 em Obras de São Boaventura. Opúsculos Teológicos/1, Roma 1993, pág. 499).
Assim, as seis asas do Serafim tornam-se o símbolo de seis etapas que conduzem progressivamente o homem ao conhecimento de Deus através da observação do mundo e das criaturas e através da exploração da própria alma com as suas faculdades, até à união total com a Trindade por meio de Cristo, à imitação de São Francisco de Assis. As últimas palavras do Itinerarium de São Boaventura, que respondem à pergunta sobre o modo como se pode alcançar esta comunhão mística com Deus, deviam fazer alcançar o fundo do coração: "Se agora desejas saber como acontece isto (a comunhão mística com Deus), interroga a graça, não a doutrina; o desejo, não o intelecto; o gemido da oração, não o estudo da letra; o esposo, não o mestre; Deus, não o homem; as trevas, não a clareza; não a luz, mas o fogo que tudo inflama e transporta em Deus, com as fortes unções e os afetos ardentíssimos... Portanto, entremos nas trevas, silenciemos os anseios, as paixões e os fantasmas; passemos com Cristo Crucificado deste mundo para o Pai para, depois de o ter visto, dizermos com Filipe: basta-me isto" (Ibid., VII, 6).
Queridos amigos, aceitemos o convite que nos é dirigido por São Boaventura, o Doutor Seráfico, e coloquemo-nos na escola do Mestre divino: ouçamos a sua Palavra de vida e de verdade, que ressoa no íntimo da nossa alma. Purifiquemos os nossos pensamentos e as nossas acções, a fim de que Ele possa habitar em nós, e nós possamos ouvir a sua Voz divina, que nos atrai para a verdadeira felicidade.

* Extraído do Site do Vaticano.

domingo, 12 de abril de 2009

Homilia de Sua Santidade Bento XVI - Vigília de Páscoa

Posto, tal e qual foi publicada no site do Vaticano, a homilia do Papa Bento XVI, na Vigília de Páscoa - 11 de abril de 2009 -, na Basílica de São Pedro, em Roma.

Basílica de São Pedro
Sábado Santo, 11 de Abril de 2009

Amados irmãos e irmãs!
Narra São Marcos no seu Evangelho que os discípulos, ao descer do monte da Transfiguração, discutiam entre si o que queria dizer "ressuscitar dos mortos" (cf. Mc 9, 10). Antes, o Senhor tinha-lhes anunciado a sua paixão e a ressurreição três dias depois. Pedro tinha protestado contra o anúncio da morte. Mas agora interrogavam-se acerca do que se poderia entender pelo termo "ressurreição". Porventura não acontece o mesmo também a nós? O Natal, o nascimento do Deus Menino de certo modo é-nos imediatamente compreensível. Podemos amar o Menino, podemos imaginar a noite de Belém, a alegria de Maria, a alegria de São José e dos pastores e o júbilo dos Anjos. Mas, a ressurreição: o que é? Não entra no âmbito das nossas experiências, e assim a mensagem frequentemente acaba, em qualquer medida, incompreendida, algo do passado. A Igreja procura levar-nos à sua compreensão, traduzindo este acontecimento misterioso na linguagem dos símbolos pelos quais nos seja possível de algum modo contemplar este facto impressionante. Na Vigília Pascal, indica-nos o significado deste dia sobretudo através de três símbolos: a luz, a água e o cântico novo do aleluia.
Temos, em primeiro lugar, a luz. A criação por obra de Deus – acabámos de ouvir a sua narração bíblica – começa com as palavras: "Haja luz!" (Gen 1, 3). Onde há luz, nasce a vida, o caos pode transformar-se em cosmos. Na mensagem bíblica, a luz é a imagem mais imediata de Deus: Ele é todo Resplendor, Vida, Verdade, Luz. Na Vigília Pascal, a Igreja lê a narração da criação como profecia. Na ressurreição, verifica-se de modo mais sublime aquilo que este texto descreve como o início de todas as coisas. Deus diz de novo: "Haja luz". A ressurreição de Jesus é uma irrupção de luz. A morte fica superada, o sepulcro escancarado. O próprio Ressuscitado é Luz, a Luz do mundo. Com a ressurreição, o dia de Deus entra nas noites da história. A partir da ressurreição, a luz de Deus difunde-se pelo mundo e pela história. Faz-se dia. Somente esta Luz – Jesus Cristo – é a luz verdadeira, mais verdadeira que o fenómeno físico da luz. Ele é a Luz pura: é o próprio Deus, que faz nascer uma nova criação no meio da antiga, transforma o caos em cosmos.
Procuremos compreender isto um pouco melhor ainda. Porque é que Cristo é Luz? No Antigo Testamento, a Torah era considerada como a luz vinda de Deus para o mundo e para os homens. Aquela separa, na criação, a luz das trevas, isto é, o bem do mal. Aponta ao homem o caminho justo para viver de modo autêntico. Indica-lhe o bem, mostra-lhe a verdade e conduz-lo para o amor, que é o seu conteúdo mais profundo. Aquela é "lâmpada" para os passos, e "luz" no caminho (cf. Sal 119/118, 105). Ora, os cristãos sabiam que, em Cristo está presente a Torah: a Palavra de Deus está presente nEle como Pessoa. A Palavra de Deus é a verdadeira Luz de que o homem necessita. Esta Palavra está presente nEle, no Filho. O Salmo 19 comparara a Torah ao sol, que, nascendo, manifesta a glória de Deus visivelmente em todo o mundo. Os cristãos compreendem: sim, na ressurreição, o Filho de Deus surgiu como Luz sobre o mundo. Cristo é a grande Luz, da qual provém toda a vida. Ele faz-nos reconhecer a glória de Deus de um extremo ao outro da terra. Indica-nos a estrada. Ele é o dia de Deus que agora, crescendo, se difunde por toda a terra. Agora, vivendo com Ele e por Ele, podemos viver na luz.
Na Vigília Pascal, a Igreja representa o mistério da luz de Cristo no sinal do círio pascal, cuja chama é simultaneamente luz e calor. O simbolismo da luz está ligado com o do fogo: resplendor e calor, resplendor e energia de transformação contida no fogo. Verdade e amor andam juntos. O círio pascal arde e deste modo se consuma: cruz e ressurreição são inseparáveis. Da cruz, da autodoacção do Filho nasce a luz, provém o verdadeiro resplendor sobre o mundo. No círio pascal, todos acendemos as nossas velas, sobretudo as dos neo-batizados, aos quais, neste sacramento, a luz de Cristo é colocada no fundo do coração. A Igreja Antiga designou o Batismo como fotismos, como sacramento da iluminação, como uma comunicação de luz e ligou-o inseparavelmente com a ressurreição de Cristo. No Batismo, Deus diz ao batizando: "Haja luz". O batizando é introduzido dentro da luz de Cristo. Cristo divide agora a luz das trevas. NEle reconhecemos o que é verdadeiro e o que é falso, o que é o resplendor e o que é a escuridão. Com Ele, surge em nós a luz da verdade e começamos a compreender. Uma vez quando Cristo viu a gente que se congregara para O escutar e esperava dEle uma orientação, sentiu compaixão por ela, porque eram como ovelhas sem pastor (cf. Mc 6, 34). No meio das correntes contrastantes do seu tempo, não sabiam a quem dirigir-se. Quanta compaixão deve Ele sentir também do nosso tempo, por causa de todos os grandes discursos por trás dos quais, na realidade, se esconde uma grande desorientação! Para onde devemos ir? Quais são os valores, segundo os quais podemos regular-nos? Os valores segundo os quais podemos educar os jovens, sem lhes dar normas que talvez não subsistam nem exigir coisas que talvez não lhes devam ser impostas? Ele é a Luz. A vela baptismal é o símbolo da iluminação que nos é concedida no Batismo. Assim, nesta hora, também São Paulo nos fala de modo muito imediato. Na Carta aos Filipenses, diz que, no meio de uma geração má e perversa, os cristãos deveriam brilhar como astros no mundo (cf. Fil 2, 15). Peçamos ao Senhor que a pequena chama da vela, que Ele acendeu em nós, a luz delicada da sua palavra e do seu amor no meio das confusões deste tempo não se apague em nós, mas torne-se cada vez mais forte e mais resplendorosa. Para que sejamos com Ele pessoas do dia, astros para o nosso tempo.
O segundo símbolo da Vigília Pascal – a noite do Batismo – é a água. Esta aparece, na Sagrada Escritura e consequentemente também na estrutura íntima do sacramento do Batismo, com dois significados opostos. De um lado, temos o mar que se apresenta como o poder antagonista da vida sobre a terra, como a sua contínua ameaça, à qual, porém, Deus colocou um limite. Por isso o Apocalipse, ao falar do mundo novo de Deus, diz que lá o mar já não existirá (cf. 21, 1). É o elemento da morte. E assim torna-se a representação simbólica da morte de Jesus na cruz: Cristo desceu aos abismos do mar, às águas da morte, como Israel penetrou no Mar Vermelho. Ressuscitado da morte, Ele dá-nos a vida. Isto significa que o Batismo não é apenas um banho, mas um novo nascimento: com Cristo, como que descemos ao mar da morte para dele subirmos como criaturas novas.
O outro significado com que encontramos a água é como nascente fresca, que dá a vida, ou também como o grande rio donde provém a vida. Segundo o ordenamento primitivo da Igreja, o Batismo devia ser administrado com água fresca de nascente. Sem água, não há vida. Impressiona a grande importância que têm na Sagrada Escritura os poços. São lugares donde brota a vida. Junto do poço de Jacó, Cristo anuncia à Samaritana o poço novo, a água da vida verdadeira. Manifesta-Se a ela como o novo e definitivo Jacó, que abre à humanidade o poço que esta aguarda: aquela água que dá a vida que jamais se esgota (cf. Jo 4, 5-15). São João narra-nos que um soldado feriu com uma lança o lado de Jesus e que, do lado aberto – do seu coração trespassado –, saiu sangue e água (cf. Jo 19, 34). Nisto, a Igreja Antiga viu um símbolo do Batismo e da Eucaristia, que brotam do coração trespassado de Jesus. Na morte, Jesus mesmo Se tornou a nascente. Numa visão, o profeta Ezequiel tinha visto o Templo novo, do qual jorra uma nascente que se torna um grande rio que dá a vida (cf. Ez 47, 1-12); para uma Terra que sempre sofria com a seca e a falta de água, esta era uma grande visão de esperança. A cristandade dos primórdios compreendeu: em Cristo, realizou-se esta visão. Ele é o Templo verdadeiro, o Templo vivo de Deus. E é também a nascente de água viva. DEle brota o grande rio que, no Batismo, faz frutificar e renova o mundo; o grande rio de água viva é o seu Evangelho que torna fecunda a terra. Mas, num discurso durante a Festa das Tendas, Jesus profetizou uma coisa ainda maior: "Do seio daquele que acreditar em Mim, correrão rios de água viva" (Jo 7, 38). No Batismo, o Senhor faz de nós não só pessoas de luz, mas também nascentes das quais brota água viva. Todos nós conhecemos tais pessoas que nos deixam de algum modo restaurados e renovados; pessoas que são como que uma fonte de água fresca borbotante. Não devemos necessariamente pensar a pessoas grandes como Agostinho, Francisco de Assis, Teresa de Ávila, Madre Teresa de Calcutá e assim por diante, pessoas através das quais verdadeiramente rios de água viva penetraram na história. Graças a Deus, encontramo-las continuamente mesmo no nosso dia a dia: pessoas que são uma nascente. Com certeza, conhecemos também o contrário: pessoas das quais emana um odor parecido com o dum charco com água estagnada ou mesmo envenenada. Peçamos ao Senhor, que nos concedeu a graça do Batismo, para podermos ser sempre nascentes de água pura, fresca, saltitante da fonte da sua verdade e do seu amor.
O terceiro grande símbolo da Vigília Pascal é de natureza muito particular; envolve o próprio homem. É a entoação do cântico novo: o aleluia. Quando uma pessoa experimenta uma grande alegria, não pode guardá-la para si. Deve manifestá-la, transmiti-la. Mas que sucede quando a pessoa é tocada pela luz da ressurreição, entrando assim em contacto com a própria Vida, com a Verdade e com o Amor? Disto, não pode limitar-se simplesmente a falar; o falar já não basta. Ela tem de cantar. Na Bíblia, a primeira menção do acto de cantar encontra-se depois da travessia do Mar Vermelho. Israel libertou-se da escravidão. Subiu das profundezas ameaçadoras do mar. É como se tivesse renascido. Vive e é livre. A Bíblia descreve a reacção do povo a este grande acontecimento da salvação com a frase: "O povo acreditou no Senhor e em Moisés, seu servo" (Ex 14, 31). Segue-se depois a segunda reacção que nasce, por uma espécie de necessidade interior, da primeira: "Então Moisés e os filhos de Israel cantaram este cântico ao Senhor…". Na Vigília Pascal, ano após ano, nós, cristãos, depois da terceira leitura entoamos este cântico, cantamo-lo como o nosso cântico, porque também nós, pelo poder de Deus, fomos tirados para fora da água e libertos para a vida verdadeira.
Para a história do cântico de Moisés depois da libertação de Israel do Egito e depois da subida do Mar Vermelho, há um paralelismo surpreendente no Apocalipse de São João. Antes de iniciarem os últimos sete flagelos impostos à terra, aparece ao vidente "uma espécie de mar de cristal misturado com fogo. Sobre o mar de cristal, estavam de pé os vencedores do Monstro, da sua imagem e do número do seu nome. Tinham na mão harpas divinas e cantavam o cântico de Moisés, o servo de Deus, e o cântico do Cordeiro…" (Ap 15, 2s). Com esta imagem, é descrita a situação dos discípulos de Jesus em todos os tempos, a situação da Igreja na história deste mundo. Considerada humanamente, tal situação é contraditória em si mesma. Por um lado, a comunidade encontra-se no Êxodo, no meio do Mar Vermelho. Num mar que, paradoxalmente, é ao mesmo tempo gelo e fogo. E não deve porventura a Igreja caminhar sempre sobre o mar através do fogo e do frio? Humanamente falando, deveria afundar. Mas não, e enquanto caminha ainda no meio deste Mar Vermelho, ela canta – entoa o cântico de louvor dos justos: o cântico de Moisés e do Cordeiro, no qual concordam a Antiga e a Nova Aliança. Enquanto, na realidade deveria afundar, a Igreja entoa o cântico de agradecimento dos redimidos. Está sobre as águas de morte da história e todavia já está ressuscitada. Cantando, ela agarra-se à mão do Senhor, que a sustenta por cima das águas. E sabe que deste modo é guindada fora da força de gravidade da morte e do mal – uma força da qual, sem tal intervenção, não haveria caminho algum de fuga – guindada e atraída para dentro da nova força de gravidade de Deus, da verdade e do amor. De momento, ela encontra-se ainda entre os dois campos gravitacionais. Mas desde que Jesus ressuscitou, a gravitação do amor é mais forte que a do ódio; a força de gravidade da vida é mais forte que a da morte. Porventura não é esta a situação da Igreja de todos os tempos? Sempre dá a impressão que ela deva afundar, e todavia já está salva. São Paulo ilustrou esta situação com as palavras: "Somos considerados (…) como agonizantes, embora estejamos com vida" (2 Cor 6, 9). A mão salvadora do Senhor nos sustenta e assim podemos cantar já agora o cântico dos redimidos, o cântico novo dos ressuscitados: Aleluia! Amen.

terça-feira, 8 de abril de 2008

Nada te turbe


Nada te turbe
Nada te espante
Dios no muda
Todo se pasa
La paciencia
Todo lo alcanza
Quien a Dios tiene
Nada le falta
Solo Dios basta