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quinta-feira, 28 de julho de 2011

Cartas do P.e Aldo 202

Asunción, 26 de julho de 2011.

Caros amigos,
Tão logo terminaram os encontros com milhares de jovens, Marcos e Cleuza pegaram o avião, à meia-noite do domingo passado, e chegaram a Asunción. Dois dias passados juntos para poder dizer outra vez o nosso “sim” a Cristo. Encontramo-nos apenas para que reconfirmemos este sim. De outra forma, que sentido teria qualquer relação, ou tanta dificuldade num mundo que, para a grande maioria, as relações vividas são virtuais ou formais?
O nosso sim a Cristo não pode passar através do “mundo virtual”, porque Deus se fez companhia para o homem, fez-se carne. E sem a carne não existe nem Cristo nem o homem.
No dia seguinte, nos encontramos na nossa fazenda – toda a nossa Fraternidade. Depois de retomar o que havíamos dito um mês atrás e que Cleuza havia resumido com uma expressão belíssima em forma de pergunta: “somos cristãos ‘coca-cola’ ou homens apaixonados por Cristo?”. O Movimento, para nós, é uma coca-cola ou um dinamismo no qual a razão e o sentimento caminham juntos? Por que esta imagem da coca-cola? Porque quando tiramos a tampinha, faz pssssss e, em seguida, tudo acaba. Podemos usar também a imagem dos fogos de artifício.
Logo depois, começaram as intervenções. Uma pessoa em particular sublinhava seu drama pessoal, um drama que havia levado a sua pessoa à exaustão. “Tudo funcionava bem na minha vida, vivia a minha responsabilidade, jogando-me inteira até ao ponto de ser definida pelo meu trabalho. E fazendo assim eu pensava estar servindo bem a Deus. Mas, com o tempo, cedi... porque essa maneira de trabalhar para Deus me colocou em nocaute”.
Cleuza aproveita a deixa e, depois de ter descrito como também ela, antes de encontrar Carrón e o Movimento, passou anos determinada pela depressão, fruto de seu constante empenho em favor de Deus e dos pobres, disse: “Olha só, eu também vivi uma vida cheia de tormento e de amargura, convencida de estar servindo a Cristo. Tomei antidepressivos por anos, até ao dia em que encontrei o Movimento. Encontrando o Movimento, encontrei o valor da minha vida. Valor que percebi claramente no fato de que Deus não me criou para ser empregada doméstica, Sua empregada, mas por um ato de amor, me fez para Ele. Dentro do Movimento, entendi que eu não sou a serva de Deus, mas o objeto do Seu amor e, nesta perspectiva, os outros se tornam a minha alegria. Porque apenas se eu vibrar do amor de Cristo poderia ajudar os outros. Assim, os outros se tornam um presente para mim. Muitos me perguntam ‘por que vocês ainda vão ao Paraguai?’. Porque preciso escrever o meu sim a Cristo com vocês e vocês me foram dados. As coisas são guiadas por Ele e Ele conhece o número dos meus cabelos. (...) É preciso que tiremos nossas máscaras [e aqui ela conta a história de uma mulher humanamente destruída que ela havia tirado da rua e levado para sua casa, e do longo diálogo que teve com ela], para que Cristo se revele para nossa humanidade do jeito como Ele é. E é isto o que acontece na clínica para os doentes, que despojados de tudo pela doença pedem com urgência o próprio Cristo. Somente se arrancarmos as máscaras é que Cristo se revelará a cada um”.
O diálogo continuou por dois dias, compartilhando tudo. Mas, acredito que só isto já seja suficiente por agora, caros amigos. Seja como for, ou uma amizade tem este horizonte ali onde estamos, ou é uma cumplicidade mesmo se usarmos continuamente a palavra “Cristo”.
“Encontramo-nos para escrever o nosso sim a Cristo”. Que bonito!
Boas férias
Padre Aldo

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Cartas do P.e Aldo 192

Asunción, 1 de maio de 2011.

Caros amigos,
Os apóstolos encheram-se de alegria ao verem Jesus. A alegria, a letícia cristã, portanto, consiste tão somente em ver, em tocar Jesus. Por isso, a nossa falta de alegria nunca se deve à dor, qualquer que seja essa dor, ou às circunstâncias adversas. Também os Evangelhos destes dias nos falaram da falta de letícia dos Apóstolos, uma falta que se devia ao fato de que eles O tinham confundido com um fantasma, com uma imaginação; e o fantasma, a imaginação – que é a negação da realidade – gera apenas medo, angústia, depressão. No fundo, a depressão é a vida sem a realidade e determinada pelos fantasmas, pelas fantasias. Por isto, numa aparição, Jesus disse: “Olhem, sou Eu... um fantasma não tem carne nem osso”, e mostrou suas chagas e comeu com eles. Assim, naquela manhã, no Lago de Tiberíades, Jesus ressuscitado apareceu uma vez mais e os apóstolos se assustaram, pensando que estavam vendo um fantasma. Como é terrível a fantasia, o não ver a realidade. Porém, João, o amigo predileto de Jesus, interveio prontamente e disse: “É o Senhor”. Pedro, como que despertado da sua letargia, ao ouvir “É o Senhor”, se jogou no mar e, nadando, chegou à margem e abraçou Jesus.
Nestes dias, toquei a beleza destes fatos. Vivi momentos duros, nos quais o medo entrou em mim e, com Paolino, nos demos conta de uma necessidade de correr para São Paulo, para encontrar os amigos Marcos, Cleuza, Julián, para que, como João, nos dissessem: “É o Senhor”. Deixamos a paróquia na noite de Páscoa e, como aqueles dois de Emaús, corremos para São Paulo e vimos o Senhor, de forma que, no dia seguinte, voltamos para casa com o coração cheio de letícia.
Os fatos acontecidos tinham sido muito dolorosos: Milagres, uma de nossas filhas da Casinha de Belém, morrera com apenas um ano de idade e me fora entregue nos braços pelo pessoal do hospital público envolta em trapos; a dor de seus irmãozinhos ao verem-na morta (leiam em Tempi o texto no qual relato estes fatos); a morte de um de meus primeiros colegiais, que, há um tempo, era hóspede da nossa clínica e carregava nas costas uma vida de drogas, álcool e rua; a morte de Maria Vitória, com 22 anos de idade, uma garota tão bonita consumida pelo câncer e que tinha uma filha de dois anos; a chegada na nova casa de acolhida para meninas violentadas e grávidas: primeiro (não digo os nomes verídicos) Maria, uma garotinha de 15 anos de idade, que morava numa favela e que parece ter 12 anos, e teve uma filhinha linda, mesmo que, desde os 9 anos de idade, consuma todo tipo de droga, mesmo que, durante a gravidez, tenha consumido tanto crack - a menina é um milagre do Senhor -; Josefina, de 17 anos, uma vida cheia de violência e que deu à luz uma prematura que acabou de completar um mês de vida; Larissa, 15 anos, uma vida de sofrimentos, está grávida de sete meses; Maria, uma menina de 12 anos, está no oitavo mês. Estes são apenas alguns dos acontecimentos. Agora vocês entendem o motivo da urgência de ver os amigos, ou seja, aqueles que nos indicam com clareza que “É o Senhor”. E é esta certeza, neste mar de dor, que torna cheio de letícia o coração, porque, com amigos assim, não existe momento em que não se possa se alegrar ao ver o Senhor ressuscitado.
A alegria é um lugar, não uma emoção ou um sentimento. A alegria é um lugar onde está presente, evidente, o carisma. Não basta que seja um lugar, mas é necessário que esteja presente o carisma. Por isto, tantas companhias não nos dizem nada, porque não vivem aquela pertença ao carisma, não seguem Carrón, não olham para onde ele olha, não se deixam provocar pela experiência que ele vive, pela liberdade que ele nos testemunha. E estas companhias não somente não nos ajudam como também nos causam apenas danos, como é muito frequentemente documentado, mesmo em quem pretende ajudar uma obra.
Sem esta posição que nos define, seremos tristes, vítimas dos nossos fantasmas que, depois, se tornarão pretensões sobre tudo; verdadeiramente, a letícia é um lugar no qual está presente, vibrante, o carisma. E é, de fato, comovente ver que a companhia de Marcos, Cleuza, Julián de La Morena, Bracco é a vitória de Cristo hoje; de forma que mesmo as obras caminham na gratuidade e nos permitem viver sempre mais com clareza aquilo que deriva dEle. Amigos, somente assim é possível estar diante da morte com o coração cheio de letícia, mesmo quando é um filho seu, como Milagres, que lhe é tirado; somente assim é possível permanecer diante destas meninas mães, fruto da violência, com gratuidade, respeito, discrição, amando-as, porque é possível ver nelas a paixão e a ressurreição de Cristo.
Com afeto,
Padre Aldo

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Cartas do P.e Aldo 186

Asunción, 1 de abril de 2011.

Caros amigos,
Vimo-nos na Itália, com Marcos e Cleuza... e eis que, para surpresa de todos, eles chegaram no Paraguai. Por que vieram? Muitos se perguntaram. A resposta foi dada por eles: “Há um tempo sentíamos falta e desejávamos estar junto não apenas do Padre Aldo, que encontramos, no último mês, todas as semanas, mas também dos amigos de Padre Aldo, que são também nossos amigos, porque cada um de nós pertence ao outro”.
Muito bonita esta consciência de pertença que não conhece quilômetros. Dessa vez, vieram também Ivone, Guilherme, Angra e Douglas.
Contar tudo o que aconteceu é impossível para mim... de forma que me vejo obrigado a me lembrar da convivência dos apóstolos com Jesus. Mas, tem uma coisa que me parece fundamental compartilhar com vocês. Cleuza disse: “Viver a liberdade no meio da circunstância significa reconhecer a realidade como provocação e não como preocupação. Por isto, não são as coisas que me fazem feliz, nem mesmo o Lago Maggiore que vimos em nossa viagem à Itália, mas aquilo de que o Lago Maggiore é sinal, ou seja, o Mistério que faz tudo.
Por isto, posso não ter mais nada, viver debaixo de uma ponte, mas não mudaria nada, porque posso sempre viver a realidade como sinal. Estar no Lago Maggiore ou chegar a Asunción, onde havíamos previsto uma visita à fazenda, compartilhando um churrasco, e, pelo contrário, chegar à Paróquia, com todos os amigos, depois de nos levantarmos, e ver o Padre Aldo e a Irmã Sônia ocupados, levando um defunto para o cemitério, de forma que todos os projetos foram desfeitos... isso, era a mesma coisa. Tudo estava programado nos mínimos detalhes, mas o imprevisto (o mendigo que morreu na Clínica), que sempre é um Acontecimento, mudou tudo.
Na hora, fiquei com medo, porque nunca me havia acontecido uma coisa parecida. Eu estava com medo. Mas, quando Irmã Sônia começou a rezar o Rosário, uma alegria grande tomou conta do meu coração, uma alegria que me acompanhou durante todo o dia. A realidade desfaz os planos, os projetos, mas é sempre amiga e a Letícia do meu coração é a evidência. Porém, sem amigos, sem rostos, isto não seria possível”.
Com afeto,
Padre Aldo

quinta-feira, 24 de março de 2011

Cartas do P.e Aldo 182





Asunción, 21 de março de 2011.

Caríssimos amigos,
ei-la, olhem para ela, é Mariana, nascida no dia 15 de março daquela minha filha, que ainda é uma criança de 15 anos. Um mês se passou desde que a Providência abriu e inaugurou aquela nova obra de misericórdia, para acolher as meninas, as adolescentes violentadas e grávidas. Mariana é o primeiro fruto desta misericórdia que atua continuamente. Ela, como eu, não é o fruto dos seus antecedentes, mas daquele “Tu que me fazes”. Estou, estamos comovidos por ver como Deus tem piedade da órfã, da viúva, do estrangeiro, como diz a Sagrada Escritura. Olhando para elas, não posso não ficar comovido por ver como tantas mães tão jovens foram salvas pela ternura de Deus que venceu a brutalidade, o cinismo de quem queria que elas abortassem.
Cristo vence sempre e, por isto, vence a vida. O primeiro problema não é a batalha pela vida, mas o anúncio de Cristo, para que você se apaixone por Cristo. Mesmo para vocês, que estavam preocupados justamente com a lei que se discute no parlamento, obedientes às indicações dos bispos, é assim: nunca se esqueçam de que o verdadeiro problema está apenas na nossa paixão por Cristo. Somos chamados, como São Paulo, a anunciar “apertis verbis” Cristo, porque o mundo tem necessidade apenas disso. Eu experimentei isso falando, em Bolonha, para a Confindustria. Também eles voltaram para casa tocados por terem escutado um asno que conhece tão pouco de teologia, mas que foi tomado por Cristo.
Mariana nasceu porque sua mãe encontrou alguém que a olha como Jesus olhou para Zaqueu e para a mulher adúltera ou para a samaritana.
Ver a alegria de Padre Paolino porque Mariana nasceu, quando eu estava na Itália, é mesmo comovente, porque vejo que tenho um amigo capaz de amor, capaz de olhar como Giussani me olhou, como Carrón nos olha, como Marcos, Cleuza e tantos outros nos olham.
Rezem para que Mariana seja feliz.
Com afeto,
Padre Aldo

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Cartas do P.e Aldo 175

Asunción, 06 de janeiro de 2011.

De fato, o homem é apenas relação com o Infinito e, desta certeza, nasce aquele dinamismo incansável da vida que é a gratuidade.
Que graça chegar ao fim de um dia cujo calor úmido dos trópicos parece apagar toda energia e se encontrar com o coração fresco pela paixão por Cristo, que se torna paixão pelo homem.
Nesta noite, estive na Casinha de Belém, como tento fazer todos os dias, e Rose, a menina de três anos que tão logo me ouve corre para entre os meus braços, quis – sim ou sim – mesmo que já tarde, vir comigo para casa. Assim, enquanto escrevo, ela está sentada diante de mim com um sorvetinho e fala olhando para as fotografias dos seus irmãozinhos da Casinha. E pensar que quando chegou nós acreditássemos que ela morreria, visto o tanto que havia sofrido. Hoje, ela é como todas as crianças: alegre e brinca. Vejo nela a evidência daquele Mistério que me faz e, consequentemente, faz também ela. Sempre mais experimento que somente vivendo com a certeza do “eu sou Tu que me fazes” é que é possível salvar tudo e todos. Como explicar de outra forma que estes meus filhos, com todas as violências sofridas e os problemas conseqüentes, sejam felizes?
O homem, tanto a criança violentada quanto o violentador, quanto cada um de nós, tem necessidade de encontrar homens definidos pelo Mistério. Somente assim nasce a gratuidade. Aquela gratuidade que vi em ação, nesses dias, quando a doutora especialista em AIDS, Cristina, me chamou, enquanto cuidava do corpo de um doente de AIDS já apodrecido em várias partes e cheio de vermes. Eu estava assustado, enquanto que ela, com as pinças, arrancava daquele corpo apodrecido, um por um, aquelas misérias. A um certo ponto, perguntei-lhe: como você consegue resistir, Cristina? E ela: “Padre, estou tirando os vermes do corpo de Jesus”.
Um minuto depois, o doente, aquele pobre homem que também tem uma psoríase terrível, conseguiu dizer: “Eu sou Jesus”. Veio-me em mente a pergunta de Jesus a Marta, diante do cadáver mal-cheiroso de Lázaro – como o deste meu filho: “Crês isto?”. “Sim, Senhor, eu creio.” E assim consegui até mesmo jantar, não obstante a minha cabeça estivesse fixa sobre aquilo que eu tinha visto.
Amigos, esta é a contemporaneidade de Jesus de que fala Carrón na sua intervenção natalícia.
Estes dias têm sido muito difíceis. O calor me nocauteia. O meu corpo está sempre úmido. A tensão nervosa que isso me cria é enorme, assim como a irritabilidade; e no entanto não é o Alprazolan que me torna sereno e calmo, mas o repetir contínuo “eu sou TU que me fazes”, “Senhor, te ofereço”, “Tu, meu Cristo”. Amigos, vocês entendem como tudo é possibilidade para dizer “Tu, meu Cristo”? Assim, o lamento deixa lugar para a oferta. Mas, sozinho é impossível. Por isto, no fim do ano, peguei o avião e passei três dias com os amigos Marcos, Cleuza, Bracco e Julián de La Morena. Eu precisava urgentemente ver os amigos, aqueles rostos com os quais a familiaridade com Cristo é mais evidente. Não fizemos nada de especial. Ficamos juntos como Jesus com os seus amigos, retomando aquilo que Carrón nos disse no Natal, e a partir disso julgando a nossa vida. Mandei o resultado desse diálogo para “Tempi”, porque desejo que todos, mesmo quem não conhece a nossa experiência, possam perceber que o cristianismo é uma amizade e entendam o que quer dizer que os cristãos sejam os amigos de Jesus.
Amigos, de verdade, tenho o coração queimando por Cristo, e este fogo me torna criativo, atento, para responder a toda provocação da realidade. Exatamente como, nesse momento em que devo levar Rose para dormir com as outras crianças, mesmo que ela não esteja cansada e esteja mexendo em tudo no meu escritório. Olho para ela que está virando de ponta cabeça tudo, o aparelho de fax e o CD player. É isto que passa, para mim, com Jesus: basta estar com Ele, porque, depois, é Ele quem faz, que leva adiante a obra.
Um abraço no Senhor a todos.
Com afeto
Padre Aldo

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Cartas do P.e Aldo 169

Asunción, 28 de novembro de 2010.

Caros amigos,
gostaria de comunicar a vocês alguns fatos que aconteceram e que testemunham com Cristo está presente na minha vida e, por isso, tudo é positivo, mesmo a dor que, de uma desgraça, se torna graça, como nos lembra a Escola de Comunidade.
1. Ontem (sexta-feira), tivemos a surpresa da visita de Marcos e Cleuza. Uma visita relâmpago, que foi, para eles, uma aventura única: 7 horas de viagem de avião para chegar aqui e 4 horas para voltar. Nunca aconteceu algo assim. Somente uma grande amizade, fruto da familiaridade com Cristo, permite este olhar entre nós. Marcos, ontem, tinha uma reunião importante na Assembléia Legislativa, mesmo porque lhe estão fazendo propostas interessantes. Mas, preferiu vir para festejar o aniversário de Padre Paolinio e encontrar os amigos da fundação, responsáveis pelas obras. O encontro foi muito bonito, as experiências contadas foram como um vibrar do eu diante de Cristo. A genialidade de Cleuza nos lembrou o que Carrón nos dizia comentando o Monologo di Giuda (Monólogo de Judas, canção de Claudio Chieffo; ndt) em La Thuile: “Judas era um apóstolo, eu não sou um apóstolo; Judas fazia parte dos grupinho de amigos de Jesus, e eu também faço parte dos amigos de Jesus, como Judas, como Pedro. Porém, Judas participava daquela amizade, mas diferentemente de Pedro e de mim, não pertencia àquela amizade. Uma coisa é participar, outra coisa é pertencer. Judas traiu Jesus, mas também Pedro, assim como também eu. Porém, uma coisa foi a traição de Judas, outra a de Pedro e a minha. Judas, diante do seu pecado, sendo apenas participante daquela amizade, e não pertencente, se suicidou. Pedro, porém, que pertencia àquela amizade, reconheceu o seu pecado e se deixou abraçar por aquele olhar. Assim é para mim e para Marcos. Nós não viemos porque participamos do que acontece aqui, desta obra, mas porque pertencemos a esta obra. Uma pessoa pode até fazer milagres, mas se a sua natureza não for a do Pai, tudo morrerá. O filho pródigo voltou não porque quisesse participar do banquete, ou porque estava cansado da miséria, mas porque, no meio de toda as misérias, ele pertencia ao Pai, era da sua mesma natureza. O nosso problema é apenas um: participamos ou pertencemos? Seguimos Carrón ou olhamos para onde Carrón olha? Uma coisa é participar do movimento, participar daquilo que Carrón nos diz, outra coisa é pertencer ao movimento, pertencer ao olhar com o qual Carrón nos guia e olha para a realidade. Eu venho aqui, do Brasil, porque decidi pertencer àquilo que vi, como Pedro. Eu venho do Brasil porque pertenço a vocês. Assim, vocês trabalham aqui porque pertencem a esta obra. E o sinal desta pertença é a alegria com a qual vocês trabalham e é o que marca a diferença com quem não pertence”
2. Tão logo chegaram, celebramos a missa para eles na clínica. Alguns doentes terminais, incapazes de se moverem, participaram também. Grande foi a surpresa quando um doente de câncer, com a parte direita do rosto toda vendada, porque literalmente estava “comida” pelo câncer, e o outro lado todo inchado, tomou o violão e, com uma alegria nos olhos que nos comover a todos, acompanhou os cantos. Cleuza, a um certo momento, disse: “como pode um doente naquelas condições, nas vésperas da morte, tocar com tanto ímpeto o violão? A resposta é apenas uma: porque, nele, é clara, é evidente a pertença ao Mistério... e era visível como ele estava identificado com Cristo eucarístico. Ele tocava assim e naquelas condições, porque olhava para Cristo, pertencia a Cristo. Desafio a qualquer prêmio Nobel de oncologia a dar a este doente aquilo que somente Cristo pode dar. Nenhum prêmio Nobel pode dar um doente terminal a força, naquelas condições, de tocar o violão. Quem lhe dá a força é apenas Cristo, que passa através de vocês, que estão próximos e veem nele Cristo. Eu venho de São Paulo porque preciso ver como também a vida que está morrendo refloresce na pertença. Não venho aqui para ver as pessoas morrendo e nem mesmo para ver o hospital, porque tudo isto posso ver também em São Paulo, mas para ver os milagres da pertença a Cristo, porque não é uma coisa deste mundo ver um moribundo tocando violão. Venho aqui para que a certeza que hoje me acompanha seja a certeza que me acompanhe também amanhã. Não me basta o passaporte para hoje, eu o quero também para amanhã. E sem vocês não tenho esta garantia. O passaporte para o amanhã eu não tenho, mas esta pertença o tem. Então, o problema é não ter uma reserva na pertença, reserva que é o caruncho que destrói tudo. Quanto mais pertenço, tanto mais cai a reserva. A outra face da reserva é a pretensão. Por que prevalece a pretensão? Porque nos esquecemos do destino do outro. Por este motivo, não estamos juntos para fazer obras, mas para que floresça o nosso eu e as pessoas conheçam a Cristo, encontrem a Cristo. E se o ponto não está claro, a obra já está morta. Quando alguém tem este olhar é livre. Não é definido pelos resultados, pelos êxitos. Pensem, por exemplo, nos pais: que respiro começam a viver quanto aos filhos, sobre os quais temos tantas pretensões. Eu posso abraçar, sustentá-los, mas não me posso substituir a eles, ao drama deles. O violeiro que escutamos é uma evidência. Eu não posso tirar-lhe o câncer, não me posso substituir a ele, o drama é todo seu, não posso fazer com que a proximidade da morte se afaste. Posso sim abraçá-lo, amá-lo, mas o drama é entre ele e Cristo, e se vê bem como a sua liberdade, que se deixa abraçar por Cristo, lhe permite até mesmo de ‘tirar sarro’ do câncer, aproveitando plenamente daquilo que está tocando”
Amigos, vocês entendem por que somos amigos e por que não conhecemos distância, e como mesmo os “problemas” provocados pelas companhias aéreas não nos distraem?
Para terminar e assim começar bem o Advento, um último fato que mostra como nada impede que a realidade, a doença, seja um dom. Outro dia, a doutora Cristina, infectologista, me descreveu as condições de um paciente de AIDS, encontrado num lixão. Ele é uma ferida só. Os vermes saem de uma orelha apodrecida e também dos genitais. Chamou-me para perto dele para que eu me desse conta de onde pode chegar a miséria humana e também do que seria do homem se não fosse de Cristo. Vi como ela, com tanto amor, com uma pequena pinça, tirava os vermes um a um – e isso todos os dias – e fiquei abalado e comovido. Perguntei-lhe: “Mas, Cristina... como consegue?”. E ela: “Mas, padre, é Jesus... este homem cheio de feridas é Jesus; e, por isso, faço este trabalho com alegria”. Fiquei sem palavras, maravilhado, comovido, enquanto ela, com as pinças, acompanhada por outra jovem médica e uma enfermeira, continuavam, com o sorriso nos lábios, a tirar aqueles vermes de cabeça preta e corpo branco.
Vocês entendem o que quer dizer “contemporaneidade de Cristo”? Se Cristo fosse um “ontem”, uma pessoa não seria capaz de estar diante de um homem que traz no corpo os sinais do apodrecimento.
Rezem por mim e por meus amigos sãos e doentes.
Padre Aldo

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Cleuza, os meus alunos e aquele folheto


O encontro entre a comunidade de Bogotá e alguns amigos brasileiros. A carta de um professor fala de um fim de semana “para conhecê-los. Mas tinha muito mais...”

Marcos, Cleuza e Padre Julián de la Morena vieram encontrar a comunidade de Bogotá. Vieram para nos acompanhar durante o fim de semana, junto com Carras. No primeiro dia, nos encontramos com a diaconia, para um diálogo sobre o que nos interessava conhecer: eles. Mas, não era só isso! Também eu estava ali para conhecê-los. Mas tinha muito mais.
Vieram para a Colômbia por causa da amizade com Padre Marco e Juan Carlos, Patrizia, Iano e outros de nós, conhecidos em La Thuile e, depois, no Brasil, por ocasião da ARAL (Assembleia de Responsáveis da América Latina; ndt). Uma amizade que, depois de três dias juntos, já se alargou para tantos outros rostos.
A primeira coisa que me chamou atenção foi um gesto de Cleuza, durante o jantar, aparentemente banal. Marcos estava falando e, enquanto falava, mantinha na mão o convite que tínhamos preparado para o encontro público do dia seguinte, no Museu Nacional de Bogotá. Sem se dar conta, estava amassando o convite, e o dobrava quase sem se dar conta. Cleuza o pegou de sua mão, mas gentilmente, e o colocou diante de si na mesa e, com as mãos, começou a desdobrá-lo e desmassá-lo. Fiquei comovida: lembrei-me da intervenção de Dom Giussani, via vídeo, anos atrás, num dos Exercícios da Fraternidade, no qual, ao final, recolheu todas as folhas e os livros usados e foi embora. O mesmo gesto e a mesma gentileza, o mesmo cuidado.
E o fim de semana foi este: o drama da minha liberdade em ato, diante de todos eles. Constamente em luta entre o permanecer presa ao sentimento de mim negativo, ou olhar e pedir a caridade de poder estar, ficar ali, assim, ainda que fosse com este sentimento de mim, sem ter que eliminá-lo
E não podia agir de forma diferente: eles vivem uma memória contínua, ou seja, para eles, Cristo é o tesouro da vida. Perguntamos a Marcos: “Como você faz para ser fiel, para reconhecer Cristo em tudo aquilo que acontece?”. Ele nos disse: “Não me preocupo com isto, o que me interessa mais é ver como Ele me alcança, como Ele me procura continuamente e nunca se dá por vencido”. É, em suma, a vida real, não um discurso ou uma tensão à perfeição, a ser eu, mas que Tu sejas.
Na quinta-feira, pela manhã, vieram à escola “A. Volta”, onde eu dou aulas, e encontraram os jovens do ensino fundamental e do ensino médio. Os professores não havíamos contado muito, ou dito alguma coisa, mas os meus alunos – que estão sempre distraídos, no seu mundinho – olharam para estes três amigos que falavam com uma atenção e com um silência incrível, e fizeram perguntas inteligentes, ou seja, verdadeiras.
Cleuza começou falando para os jovens: “Quando eu tinha 15 anos, vivia num lugar muito pobre da minha cidade, éramos muito pobres e tínhamos que trabalhar para que a família pudesse comer, não pudemos estudar. Eu era muito ligada à paróquia, porque queria fazer algo, fazer o possível para que os homens fossem felizes. Desejava isso, desde sempre eu desejei isso. Quando se tem 15 anos, se tem grandes ideais, como vocês, certamente...”. E tudo aquilo que fizeram foi marcado pelo desejo profundo do coração, até chegar a ver que é Cristo que chega ali, na raiz do desejo.
Eles dizem coisas que não são palavras, são aquilo que veem e vivem. Sempre. É possível esta memória contínua? Parece o Paraíso, ou a Sua presença sempre, desvelada definitivamente.
Chiara
Bogotá

* Texto extraído de Tracce.it, do dia 17 de novembro de 2010. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Cartas do P.e Aldo 165

Asunción, 5 de outubro de 2010.

Caros amigos,
estou voltando para casa no último dos 3 voos que ligam São Paulo a Asunción, com o meu inseparável companheiro de aventura. Já passa da meia-noite e estamos a 10 mil metro de altura, sobrevoando o Mato Grosso. Tenho o coração comovido por aquilo que vivi nas últimas 24 horas.
Chegamos em São Paulo no domingo à noite. Os amigos Marcos e Cleuza estavam nos esperando no aeroporto e tinham acabado de saber da vitória de Marcos nas eleições. No domingo, em todo o Brasil, houve votação para eleger o novo presidente, os governadores, deputados e senadores. Pergunto-me: quem, entre os políticos do mundo, no momento que, na TV, estão dando os resultados das eleições, deixam o seu posto de comando para ir pegar e receber amigos que chegam, no aeroporto, e, além do mais, dois pobres padres? Não acontece nem mesmo nas congregações religiosas. Lembro-me de que, há alguns anos atrás, um amigo missionário me contava que tinha recebido uma carta de um dos seus superiores da congregação, carta enviada a todos os membros espalhados pelo mundo, dizendo que, chegando a Fiumicino (o aeroporto de Roma), pegassem um táxi para ir para a sede, visto que não havia religiosos disponíveis para um gesto de boa educação. A caridade é muito mais do que isso...
Terrível, quando falta o humano! O que vocês querem, amigos, o humano ou está presente ou não está! E em Marcos e Cleuza, o humano simplesmente está presente. Por isso, são livres até mesmo do êxito nas eleições, de um resultado político eleitoral, que provocaria tanto afã nos candidatos, na espera dos resultados. Imaginem o abraço que recebe em pleno aeroporto. Isto é o humano, e é aquilo que levou Marcos à vitória, quando, nesses meses, junto com Cleuza e os seus colaboradores, passaram de casa em casa cumprimentando os potenciais eleitores, com o mesmo abraço que recebemos no aeroporto. Com a mesma efusão e intensidade.
Experimentamos a mesma coisa quando chegamos à Associação dos Trabalhadores Sem-Terra. O grupo de coordenadores (uns cinquenta) da campanha eleitoral, que estavam em torno da TV, acompanhando o resultado, quando se deu conta da nossa presença, saltou em pé para nos cumprimentar. Em seguida, Cleuza preparou a mesa e jantamos: tortellini e um grelhado. Uma festa onde os protagonistas eram aqueles que formavam aquele grupo de pecadores, gente pobre, muitos dos quais não terminou nem mesmo o ensino fundamental. O lugar era um galpão. Nada parecido com uma sede ou um hotel, como alguns pensariam. Mas, a Presença de Cristo podia ser tocada com as mãos!
No dia seguinte, ou seja, ontem, segunda-feira, dia 4, festa de São Francisco – de quem os Zerbini são muito devotos –, fomos todos para o Santuário de Aparecida. Éramos cerca de quarenta pessoas, num velho ônibus. Depois de duas horas, chegamos neste enorme Santuário que acolhe a pequena imagem de Nossa Senhora (com uns 30 cm de altura) que foi recolhida por pescadores, alguns séculos atrás, num rio. Este Santuário foi decorado com a genialidade do nosso amigo Cláudio Pastro (vocês se lembram dos seus quadros? Aqueles, nos quais os personagens aparecem sempre vestidos de modo vivo e têm aqueles olhões grandes, grandes?).
Celebramos a missa... porque foi dali que se deu partida, em julho, para a campanha eleitoral, depois de três dias de caminhada... e voltamos ao mesmo lugar para agradecer o sucesso. Durante todo o dia, chegavam cumprimentos para Marcos. Ao meio-dia, almoçamos numa churrascaria e foi uma festa. Às 17h, começamos a reunião da fraternidade. O tema foi a introdução de Carrón ao livro de D. Gius – “L’io rinasce da un incontro”. Como sempre, foi uma novidade. Cada intervenção foi um pedaço de vida, foi a manifestação de um eu comovido diante da realidade e não aprisionado por ela. A cada vez aparece, com mais clareza, entre nós, a certeza de que o cristianismo é apenas uma amizade carregada de humanidade e definida pelo Mistério. Demo-nos conta de que o individualismo é uma tentação contínua. Não é possível pertencer a Cristo sem pertencer à Sua carne, hoje, sem um relacionamento arrebatador entre nós que julga tudo. Não ficamos analisando a votação de ontem, falamos de como o eu foi protagonista do que aconteceu. Marcos não falava de estratégias futuras, de alianças etc.; simplesmente saboreava conosco a ocasião que vivemos para anunciar a Cristo.
Um dia longo, mas tão curto e bonito como são todos os dias quando a consciência de “amei-te como amor eterno, tendo piedade do teu nada” constitui cada instante.
Com afeto
Padre Aldo e Padre Paolino

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Cartas do P.e Aldo 164


Asunción, 3 de outubro de 2010.

Caros amigos,
antes de mais nada, peço perdão aos muitos que me escrevem sobre seus sofrimentos, muitas vezes no limite do desespero, para quem, sim ou sim, responderei nos próximos dias, quando, com meu companheiro de aventura, Padre Paolino, estarei no Brasil para festejar a vitória de Marcos, Cleuza e amigos nas eleições gerais do Brasil. Segunda-feira faremos uma peregrinação ao Santuário de Aparecida, onde, em julho passado, nos encontramos no início da campanha eleitoral para pedir a Nossa Senhora que esta circunstância importante se tornasse, para todos nós, amigos, uma grande ocasião para anunciar a Cristo, como de fato foi. E, nisso, já está a vitória, mesmo se hoje, sábado, estejamos ainda na véspera das eleições e, portanto, sabendo que o resultado só será conhecido amanhã à noite, por volta das 23h. “Esta é a vitória que vence o mundo, a nossa fé”, de forma que já vencemos. 
Hoje, é a festa dos Anjos da Guarda e, enquanto escrevo, estou com dois bebês – que começaram a andar há poucos dias – no meu escritório, e eles o estão virando de cabeça para baixo. Porém, antes de chegar aqui, fiz minha meia hora de “corridinha” que sempre faço por causa da diabetes, e a fiz com as crianças que correm comigo. Depois, quando cheguei na gruta de Nossa Senhora, me ajoelhei e eles, ao verem o meu gesto, se ajoelharam também como podiam e se colocaram, como eu, com as mãos postas.
A educação é apenas uma pertença. Porém, ou se pertence a um sujeito cujo eu é totalmente relação com o mistério “eu sou Tu que me fazes” ou nos tornamos apenas capazes de violência, mesmo quando beijamos nossos filhos.
Nesses dias, experimentei, mesmo tendo passado por um pouco da insônia que me caracteriza, a beleza daquilo que Carrón nos disse, falando da conversão: “Amei-te de amor eterno, tendo piedade do teu nada”.
Noite passada, estava com Nayeli nos braços, a bebê que foi encontrada num saco de lixo colocado perto de uma tumba por um homem simples que, no alvorecer, passava por ali e viu – a Providência! – uma mãozinha que aparecia do lado de fora do saco. Aproximou-se e se surpreendeu com a menina. Agora, já tem 5 meses é tão linda, loura, de olhos azuis. Eu a olho comovido: “Amei-te de amor eterno, tendo piedade do teu nada”.
Meu Deus, pensem: abandonada num saco de lixo, suja de sangue... já na beira da morte, porém o Mistério teve piedade do seu, do meu nada. Olhem-na na foto, olhem-na bem: o Mistério a arrancou da tumba, através de um instrumento qualquer, um homem simples que passava por ali, com uma carroça, e a fez Sua, porque já era Sua. Como não chorar de comoção diante da piedade do Ser?
Na clínica, nesses dias, tive a graça de acompanhar para Deus alguns filhos de Deus Sem-Nome. Diante dos homens sem identidade, “não sabemos quem eram, não sabemos quem é, mas se fazia chamar pelo nome Jesus” [adaptação de um trecho da canção “Noi non sappiamo chi era”; ndt]. Eu também os olhava comovido porque “amei-te de amor eterno, tendo piedade do teu nada”. Dei a todos o batismo “sub conditione” antes de morrerem. Não podia pensar que morreriam sem identidade, e a identidade do homem acontece no batismo. Vocês entendem o que quer dizer “morrer cristão”? Não é um adjetivo que se acrescenta, é uma criatura nova que nasce e que, passando pela morte física, chega a ver o Mistério face a face. Todos os dias me ajoelho diante desses Jesus que, para o mundo, são Sem-Nome. Enquanto que, para nós, cada um é, física e ontologicamente, Jesus.
Na clínica, foram internadas duas crianças: Liz, de 5 anos, em coma, com um tumor na cabeça, e Gabrielle, com metástase. Vejo-as sofrendo e sofrendo muito... e, no entanto, mesmo para elas é verdade aquilo que é verdade para mim: “Amei-te de amor eterno, tendo piedade do teu nada”. A dor nos lembra de que somos nada, e a morte lembra isso ainda mais potentemente, no entanto “amei-te de um amor eterno...”.
Amigos, mesmo na maior dor que me circunda, esta certeza me enche de paz, uma paz que se torna pergunta mesmo quando me canso do Senhor... mas, depois, revejo o Getsêmani e, então, me levanto e o dia se enche de luz: “eu sou Tu que me fazes”, mesmo se me pareço com um cretino que caminha.
Finalmente, animo a todos aqueles amigos a quem a Providência reservou a graça de sofrerem estas coisas, e não apenas, mas coisas muito piores. Carrón nos diz que mesmo estas coisas são um instrumento pedagógico que o Mistério usa para fazer-nos Seus. A pedagogia de Deus, como vocês podem ver, não tem nada que ver com aquela que se ensina nas universidades ou é proposta pelo Ministério da Educação.
Ciao... e rezem por mim, e rezem muito.
Padre Aldo

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Cartas do P.e Aldo 161


Asunción, 18 de setembro de 2010

Caros amigos,
voltei de São Paulo, onde tive a graça de participar dos exercícios espirituais dos padres e do grupo adulto puxados por Carrón. Já o Encontro Internacional de La Thuile tinha sido uma graça excepcional, mas a semana que passei no Brasil foi um oceano de graça. O ponto de partida foi o Encontro Internacional, mas o trabalho pessoal de Carrón e um pouco também o nosso permitiu a Julián ir ainda mais fundo naquilo que se viveu no Vale d’Aosta. Assim também foi fantástico o encontro com os 1500 jovens de Marcos e Cleuza sobre o tema da vocação.
Tão logo cheguei em casa, a alegria dos meus filhos não tinha limite. Estavam ansiosos para me mostrar o boletim de notas do segundo semestre. A média geral era 4 (aqui, o máximo é 5). Não falo para vocês da minha surpresa. No ano passado, tinham passado de 0 a 1, de ninguém a alguém. Agora que são “alguém” acontecem estes milagres. Fizemos festa, lemos os boletins e, como pai, eu os assinei. Depois, uma vez colocados na cama, disse aos meus amigos: “vocês entendem o que quer dizer viver cada momento com a certeza de que ‘eu sou Tu que me fazes’? A maioria absoluta dessas crianças são vítimas das piores violências sexuais, abusados pelo pai ou pelo padrinho. Chegaram com os rostinhos transformados, carregados de violência. Muitas meninas violentadas, para se aproximarem de mim, um homem, precisaram de tempo e de paciência. Mas, aquele ‘eu sou Tu que me fazes’ que, por osmose se transmite a eles, muda, faz renascer o eu. E a alegria que os caracteriza é a evidência desse milagre”.
Pensem que o melhor de todos foi Gabriel, o menino sem nome e sobrenome que tirou 5 em todas as matérias e 1 em comportamento. Quando chegou, ele era única e exclusivamente violência. Fazia mesmo o impossível para nos provocar, para ver a nossa reação, e era suficiente um chamado de atenção para que ele se tornasse furioso. Olhava para todos com cinismo e com o rosto de quem quer desafiar. Não tinha regra: ele decidia tudo. Tem dez anos. Quantas vezes, diante da impotência, da raiva, do choro, da possível decisão de mandá-lo embora, com todas as perguntas dentro de mim, eu repeti “eu sou Tu que me fazes” certo (mesmo quando tudo parecia que iria desabar e tive a tentação de pensar que, para Gabriel, talvez não houvesse esperança) de que disso ele renasceria. E assim aconteceu. “Eu sou Tu que me fazes”. Dessa certeza, nasceram todas as tentativas, a escolha para chegar ao seu coração. E, sobretudo, olhar para ele como Deus me olha, como Giussani me olha na experiência que Carrón nos faz fazer. Não psicólogos etc. (mesmo que, conosco, haja uma psicopedagoga), não terapias, apenas o olhar. E desse estar diante dele, da sua violência, com esse olhar nasceram também as famílias para a acolhida, que a cada fim de semana levam para casa a maioria das crianças. E é bonito ver como as crianças ficam felizes e orgulhosas de estar com uma família. Toda a nossa pedagogia – desde o revisar todas as noites o armário para ver se está em ordem ou não, até a forma como tratamos cada detalhe – nasce apenas desse “eu sou Tu que me fazes”. E é estupendo, comovente, porque se “eu sou Tu que me fazes”, me faz agora, de forma que tudo é ordenado, harmônico, belo. Por isso, a Casinha de Belém é bonita, ordenada, cheia de flores. Todos lavam, limpam... Quem trabalha na cozinha ou lava os pratos (a partir dos cinco anos) tem o seu avental, o seu bonezinho correspondente etc.
Enfim algo bonito, fruto também dessa comoção – “eu sou Tu que me fazes”: um garoto, para mostrar seu despeito, jogou um bocado de pedras na piscina da Casinha. O que fazer? Puni-lo? Claro que sim! Mas como? E aqui a genialidade da resposta: “Giorgio, de hoje em diante você será o responsável da limpeza da piscina”. Bem, desde então as pedras estão no seu lugar e a piscina está bem limpinha e cuidada... e se vocês vissem com que responsabilidade ele vive a sua tarefa.
Com afeto
Padre Aldo


P.S.: A foto dos três bebês mostra aquelas crianças que foram encontradas - um num saco de lixo, outro no meio de folhas e outro numa praça, dentro de um saco também. Olhem o que o amor fez em 2, 4 e 7 meses!

sábado, 14 de agosto de 2010

Cartas do P.e Aldo 157

Asunción, 14 de agosto de 2010.

Caros amigos,
Estas semanas foram bonitas porque particularmente difíceis, de forma que Paolino me disse: “Vamos a São Paulo para encontrar Marcos e Cleuza”. “Era exatamente isso que eu estava pensando”, lhe respondi. É muito bonito que também ele sinta essa exigência, que é apenas de quem é verdadeira com a própria humanidade. E assim pegamos o avião. Praticamente, nesses dois últimos meses, nos vimos quase toda semana. Quando chegamos, Cleuza nos disse: “Se vocês não tivessem vindo, mesmo Marcos e eu empenhados com a campanha eleitoral, teríamos ido até vocês”.
Por quê? Quando se vive intensamente a realidade, quando não se brinca com a própria humanidade, quando não se tira férias do próprio eu, a pessoa começa a sentir a urgência de estar com quem está empenhado na mesma aventura. O mundo de dor no qual eu vivo (somente no último sábado, morreram cinco pacientes), crianças vítimas de violência, que chegam continuamente, ou o empenho intenso de Marcos e Cleuza nesse momento no qual estão enfrentando a campanha eleitoral, sustentados apenas por amigos, porque não têm o poder econômico dos outros, com todas as dificuldades que estão em jogo, sim ou sim, faz com que a pessoa sinta a urgência de ver o rosto de quem mais recorda Cristo, ou melhor de quem é a Presença de Cristo.
Por isso, foi comovente o tempo que passamos juntos. Poderia sintetizar assim o que aconteceu, porque, para nós, o vermo-nos é sempre e somente um acontecimento.
1. Essa companhia é cheia de serenidade, porque somos unidos, somos parte de uma grande amizade. O empenho político de Marcos é um instrumento privilegiado para anunciar a Cristo, fazer conhecer o Movimento e um meio para ajudar a Associação da qual são responsáveis. É bonito ver no jornalzinho (são 2 milhões de cópias) o programa de Marcos e a nosso foto – seus amigos. Quem, na Itália, faria algo assim? Além do mais, em plena campanha eleitoral, entre um comício e outro, veio nos pegar e depois nos levou ao aeroporto. E, mais ainda, não existe empenho político que o impeça de ir à Escola de Comunidade ou aos encontros da Fraternidade, toda segunda-feira. Cleuza dizia: “Cristo se mostra através de uma Presença. Não me manda sinais, mas amigos, ou seja, uma Presença”. A maior dor de Cristo não foi física, mas moral: a solidão, o abandono, a traição. A presença de Cristo é uma amizade.
2. Não temos necessidade dessa companhia; de outra forma, como conseguiríamos enfrentar o oceano de dor que nos circunda, como por exemplo, as milhares de crianças violentadas e os seus violentadores? Que, por sua vez, são vítimas de abusos sofridos quando crianças?
3. “Eu não posso amar a Cristo se, antes, não experimento o amor que Ele tem por mim. E é uma alegria experimentar essa Presença dentro da luta (mesmo política) de todos os dias”.
4. “A peregrinação a Aparecida indicou o limite das nossas capacidades e, por isso, mendicamos caminhando até o Santuário. Agora, a campanha política é a continuidade daquela peregrinação. Não importa se Marcos vai vencer ou não, o que importa é que tudo isso é para a glória de Cristo. O resultado não importa como não importam as traições ou o abandono de alguns amigos. Aconteceu também a Jesus”.
Amigos, bom feriado [no dia 15 de agosto, na Itália, se comemora um feriado chamado Ferragosto, que coincide com o meio do verão, data na qual se celebra a Assunção da Virgem Maria; ndt], com esses pensamentos dos meus amigos. Estar com eles é, de verdade, uma “conversatio in coelis”. Por isso, recorremos uns aos outros muito frequentemente, porque é muito grande a sede que temos de Cristo.
Padre Aldo

sábado, 7 de agosto de 2010

Cartas do P.e Aldo 156



Asunción, 06 de agosto de 2010.

Caros amigos,
Este é o primeiro dos cinco bebês que chegam nos próximos dias. Chama-se Giorgio e tem seis meses. A mãe vive na rua e tem outros 2 filhos que também me serão confiados hoje: um tem dois anos e a outra cinco. Faz muito frio nesses dias e a polícia os encontrou nus no barracão onde moravam, e sozinhos. Daqui a alguns dias Deus me confiará dois outros bebês que estão na encubadora, porque nasceram prematuras e foram abandonadas pela mãe. São gêmeas. Assim, hoje, tenho 40 filhos, dos quais 12 são bebês.
Amigos, como me dói ver tanto sofrimento no inocente Giorgio, o bebê de seis meses era alimentado pela mãe com cachaça por causa do frio. Que conforto eu encontro, no versículo das laudes dessa manhã, para esse drama: "se meu pai e minha mãe me abandonam o Senhor me acolherá". Que bonito esse verbo "me acolherá".
Amigos, como é possível duvidar dEle? Como é possível não vibrar diante da certeza daquele "TU" que domina, diante do "eu sou Tu que me fazes"? Para mim, a vida muito dura é cheia dessa segurança, de forma que sempre respondo "sim" à realidade, sustentado por Nossa Senhora. Hoje, é a festa da realidade como sinal: a Transfiguração.
Que os nossos olhos sejam como os do meu Giorgio: cheios de maravilhamento, porque os Senhor faz grandes coisas por nós e conosco. Que sentido teriam as férias de vocês sem essa comoção? Não se esqueçam daquilo que Cleuza dizia: "Quem fez esse mar é o mesmo que fez Victor", o meu filho sem crânio, que está em coma há dois anos. Somente assim é possível saborear o gosto da água do mar ou das montanhas.
Estamos suspensos sobre um ponto firmíssimo... e é algo do outro mundo. Mesmo a depressão é submetida a este juízo e assim não pode nos vencer. É mesmo belo.
Ciao
Padre Aldo

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Cartas do P.e Aldo 151

Asunción, 06 de julho de 2010

Caríssimos,
aproveito a espera antes de pegar o avião São Paulo-Asunción, para contar a vocês o que Cleuza disse durante o encontro da nossa fraternidade, do qual participou também o Padre Paolino.
“Se eu não tenho necessidade nenhuma, não tenho necessidade nem mesmo de Cristo. Por isso, todos os dias eu me educo a pedir, para poder pedir Cristo. Um exemplo: todas as noites, antes de dormir, peço ao meu marido um copo de água. Se não faço a experiência da necessidade humana, nunca farei a experiência de Cristo. Como pode alguém obedecer a Cristo se não obedecer à realidade? Eu preciso de vocês e, por isso, preciso de Cristo. Se uma pessoa está doente e se descuida, não tomando os remédios porque diz amar a Cristo e os pobres precisam dela, na realidade não ama a Cristo. Reconhecer, antes de tudo, a própria necessidade e pedir: esta é a humildade. Podemos fazer tudo por Cristo prescindindo de Cristo. Quem descuida da própria humanidade, descuida de Cristo. Não esqueçamos daquilo que Giussani diz: o verdadeiro protagonista da história é o mendicante”.
Amigos, foi um encontro belíssimo. Chegamos a São Paulo às 14h30 e voltamos para Asunción às 21h30. Voltaremos nas próximas semanas para a peregrinação a Aparecida: 48 horas, correndo, entre ida e volta. Estarão presentes Padre Paolino (que guia as obras de Asunción) com 37 rapazes e 9 amigos da nossa fraternidade. Será uma ocasião – enquanto os jovens farão outras coisas – para que os meus 9 amigos, com os colaboradores dos Zerbini, façam uma meia jornada de trabalho, verificando assim os passos feitos nestes últimos meses, desde quando vieram ao Paraguai.
É, de verdade, comovente ver como levar a sério Cárron, ser seus filhos, permita uma amizade operativa que se torna sinal para todos. Ficamos juntos por 5 horas, mas ninguém conseguiria se mover daquele lugar onde estávamos reunidos: duas horas de diálogo, a Santa Missa e um jantar à la Cleuza... que pecado ter diabete!
Boas férias!
Padre Aldo

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Cartas do P.e Aldo 149

Asunción, 16 de junho de 2010.

Caros amigos,
Esta noite, enquanto eu passava com o Santíssimo Sacramento diante de cada doente, chegando ao leito de Ermínia (uma jovem bela mulher, mãe de duas crianças, gravemente doente de AIDS, câncer e vítima de uma terrível depressão), depois de tê-la abençoado com Jesus, acariciando-a com ternura, lhe disse: “Ânimo! Jesus ama você, quer que você sorria”. Uma frase simples, mas dita com a consciência daquele “Tu” que domina tudo, de que fala Carrón nos exercícios (refere-se aos Exercícios Espirituais da Fraternidade de Comunhão e Libertação; ndt), mudou o rosto desta minha filha. Ela me respondeu com uma ternura tipicamente feminina, olhando-me nos olhos: “Obrigada”. Quis contar isso para vocês porque aquele “obrigada”, dito devagarzinho, continha toda a ternura de Cristo.
Joana é uma jovem que viveu na rua e, de relacionamentos ocasionais, teve dois filhos. Tem 26 anos, é doente de AIDS. Chegou “desfeita”: queria morrer, recusou comida etc. Dias imprevisíveis. A única coisa que eu podia fazer foi fazer aquilo que a pecadora fez com Jesus, quando entrou na casa de Simão. Eu a acariciei, beijei com ternura, alisei seus cabelos pretos, disse a ela que a amo. Vi nela a ternura do Mistério. Depois, aconteceu o milagre: à proposta de confessar-se, me respondeu “sim”. Daquele momento em diante tudo mudou. Fez a comunhão, voltou a comer e a sorrir. Ela também é dependente de droga, mas a caridade, a ternura fez o milagre. Uma vez mais aquele “Tu, meu Cristo”, que fez uma coisa só do meu eu com Ele, me mostrou que o problema é apenas a fé. Desejo a todos, meus amigos, que nunca duvidem da Sua ternura, mesmo se acontecesse o pior terremoto.
Um rapazinho da Casinha de Belém é insuportável. O pensamento de mandá-lo embora foi se aninhando na minha mente. A diretora da escola me disse: “Padre, mas este menino é Jesus e, então, olhemos para ele na sua totalidade”. Como dizer: não vê o caminho que ele fez durante estes dois anos? Bastou aquele “o menino é Jesus” para que a minha mente revesse a possível decisão e mantê-lo comigo ainda mais. Um sinal claro do que é uma amizade entre educadores.
O grande escultor da “Sagrada Família” de Barcelona veio me encontrar para ver como finalizar a nova clínica. Que comoção! “Esta obra é maior do que a Sagrada Família porque, aqui, eu vi Cristo que morre e ressuscita. Padre, não faz o teto dos quartos de branco. Os doentes, em particular os moribundos, olham para o teto, olham para o alto e, por isso, o teto de cada quarto deve ser da cor do céu, com sutis nuvens brancas, assim como é belo o céu do Paraguai. O doente tem necessidade de ver sempre o céu com algumas nuvezinhas brancas e, quem sabe até, com o sol que nasce. Padre, eu o ajudarei a pensar o teto de cada quarto, olhando para este belíssimo céu paraguaio”.
Depois, ele me explicou como deseja terminar a clínica, explicando uma frase de que eu gosto muito, de São Paulo: “A natureza geme as dores do parto, esperando a ressurreição dos filhos de Deus”. De repente, se mostrou a genialidade deste homem. De fato: meu Jesus, quem sou eu para que Sotoo tenha vindo, de propósito, visitar-me, encontrar-me? Nós nos havíamos conhecido junto com Marcos, Cleuza e Julián de la Morena, no ano passado, em Barcelona. Foi suficiente um olhar cheio de ternura de Cristo para nos tornarmos amigos por toda a eternidade. Assim como é cada dia com os meus doentes, velhos e crianças, vítimas das violências.
Há uma última graça recebida hoje que não posso omitir. Acompanhando Marcos e Cleuza ao aeroporto (em quinze dias, nós nos vimos três vezes – duas no Brasil e uma aqui... potência do afeto por Carrón, da paixão por viver aquilo que ele nos testemunha e do grito humano que trazemos no coração), eles me dizem: “Esta não é mais a clínica do padre Aldo... esta é a nossa clínica. Estas não são mais as obras do padra Aldo e de Paolino, são as nossas obras”. Que comoção, para mim, e que resposta para quem se preocupa com o que acontecerá quando eu morrer!
Amigos, destes dias que passei com eles terei a oportunidade de falar depois... porque o segredo do milagre que vivemos é fruto apenas da nossa liberdade que vive uma estreita filiação com Carrón. Sem esta posição, o carisma de Dom Giussani se tornaria velho, morreria e não seria capaz de gerar um povo, filhos novos como está acontecendo por aqui. Nós nos encontramos apenas para aprender a olhar para o Carrón, como ele vive o carisma que Giussani lhe confiou. Garanto a vocês que cada instante é a experiência do homem novo.
Um abraço a todos,
Padre Aldo

Cartas do P.e Aldo 148

Asunción, 16 de junho de 2010.

Caros amigos,
Nestes meses, o artigo de Carrón – “Feridos, voltamos a Cristo” – foi o coração com o qual viver tudo. Um trabalho duro, mas muito bonito que não apenas incidiu em todos nós mas também nas minhas filhas, vítimas dos pais pedófilos. Uma vez mais, toquei com a mão o fato que, trabalhando seriamente sobre aquilo que Julián nos propõe (pensem na profundidade e na beleza do artigo, que foi publicado n’O Observatório Romano, sobre nós, padres: quem jamais nos falou assim, a não ser o Gius ou, agora, Julián?), o homem velho cheio de preconceitos, de esquemas, de moralismo etc. deixa o lugar para o homem novo. O homem novo gera homens novos que olham para a realidade com os olhos de Cristo.
Outro dia, uma filha minha de 9 anos, violentada e vítima de outras perversões por parte do pai (eu o chamo  de “pai” porque sempre tive presente as palavas de Deus quando diz: “Antes de conceber-te no ventre de tua mãe, Eu pronunciei o teu nome”. De forma que, mesmo este pobre coitado foi o meio através do qual Deus se serviu para que esta menina viesse ao mundo), se aproxima e me diz: “Sabe, padre Aldo? Olhando Jesus, eu perdoo todo o mal que meu pai me fez, mas fique comigo sempre aqui. Peço também que me confesse, porque no meu comportamento sou violenta e digo todos os palavrões que aprendi antes de vir para cá, junto com o senhor. Eu não quero estas coisas, mas não consigo evitar. Ajude-me”. Amigos, vocês têm ideia do juízo que estas palavras – “perdoo meu pai que abusou de mim” – carregam sobre cada um de nós? Mas, isso não é fruto do acaso, mas do fato de nós, educadores, termos o coração cheio daquelas palavras de Carrón. Palavras que me fazem abraçar vítimas e abusadores, sem tirar nada da responsabilidade de quem é o abusador... Mas, a “misericórdia divina tem braços grandes que acolhem todos que se dirigem a ela”.
Amigos, neste momento, temos necessidade apenas de reconhecer que somos pobres coitados, porém comovidos pela ternura de Deus. Como é possível não chorar de alegria fazendo Escola de Comunidade e ouvindo com que paixão Julián nos faz vibrar? Se não fosse assim, a minha vida com toda a carga de sofrimento que me circunda, seriauma coisa absurda. Enquanto que, vivendo circundado por amigos como Marcos, Cleuza, Julián de la Morena e muitos outros que estão aqui comigo, este lugar de dor, de acolhimento de vítimas de violência de todo tipo e da morte, esse lugar se torna a evidência de que Cristo ressuscitou. É bonito ver que a obra não nasce de um projeto, mas é um parto da realidade, a quem a liberdade é chamada a responder.
De verdade, a nossa não é uma companhia das obras, mas uma companhia de rostos tendidos ao Mistério que se torna obra; tanto é verdade que, mesmo os problemas mais duros – como o educar estas crianças vítimas da violência – se tornam simples e acabam acontecendo aqueles milagres comoventes, como crianças que, mesmo que profundamente marcadas, perdoam aqueles que abusaram delas.
Um abraço,
Padre Aldo.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Cartas do P.e Aldo 147

Asunción, 9 de junho de 2010.

Caros amigos,
Que bonito o artigo de Carrón que foi publicado no Observatório Romano de hoje (leia a íntegra do artigo, em português, clicando aqui; ndt).
Enquanto o “devorava”, pensava no diálogo que tive, ontem à noite, com minha filhinha Verônica, de oito anos, que me havia pedido para conversar. Ela ficou órfã porque os pais morreram de AIDS na minha clínica e, antes de a mãe morrer, me confiaram Verônica como minha filha.
Verônica está diante de mim, sentada. Olha-me com os olhos úmidos e me diz: “Estou com saudade da mamãe, sinto sua falta. Estou triste e não sei por quê”. Peço-lhe que tente responder o “porquê”. Depois de alguns minutos, chorando, me disse: “porque sinto que me falta alguém e não sei quem é”.
Imaginem vocês a minha surpresa e comoção. Somente o gênio, somente a criança provada por tanta dor é capaz desta intuição. Que soco no estômago para nós burgueses, anestesiados pela carreira, pelo sucesso, pelo trabalho! E no meio disso, Carrón nos reconduz, em cada momento, a Verônica... inclusive a nós padres, que pensamos em educar à força de uma psicologia ou da psicanálise, ou insistindo sobre as consequências éticas ao invés de nos mantermos diantes do Mistério, tal como fomos provocados pelo caso Eluana, pela questão dos crucifixo, pelo artigo de Natal e o belíssimo juízo “Feridos, voltamos a Cristo”.
Sem este juízo estaríamos terrivelmente sozinhos, vítimas das regras (mesmo que importantes) e cheios de medo, especialmente nós que vivemos 24 horas por dia com crianças. Porém, Verônica, com seus oito anos, me fez reviver o percurso deste último ano, fazendo-me entender que ou retornamos à originalidade do nosso coração, ou nos descobriremos tristes e perdidos.
Partilhei, no Brasil, alguns dias com Marcos e Cleuza e os responsáveis últimos da América Latina. Uma festa cujo centro foi o drama de Verônica, com suas perguntas... mas também a pergunta sobre o que significa seguir Carrón. Cleuza dizia: “só se, em nós, existir uma célula de Giussani, poderemos entender o que significa o movimento, e então viver como filhos de Carrón”.
Se for o contrário disso, o Movimento será sempre algo eficaz agora que, porém, tornará a vida triste, metendo-nos no grupo dos ex-combatentes, dos aposentados... Talvez até com muitas medalhas, porém tristes e nostálgicos.
É mesmo belo o desafio.
Ciao
Padre Aldo.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Cartas do P.e Aldo 145



Asunción, 31 de maio de 2010.

Caros amigos,
O que significa, para mim, aquele “Tu” que domina, de que fala Carrón no fim da primeira meditação dos Exercícios [refere-se aos Exercícios espirituais anuais da Fraternidade de Comunhão e Libertação que, no Brasil, aconteceram no último fim de semana; ndt], o que significa nesse momento? Tenho o coração lacerado. Tinha acabado de chegar da Itália e, como sempre, o primeiro gesto, depois de ter saudado Jesus Eucarístico e Nossa Senhora, foi encontrar os meus Jesus que sofrem, beijando-os um a um. Apenas uma grande comoção e alegria. Porém, depois de algumas horas, chega, afobada, no meu escritório a garota da recepção da clínica: “Padre, corre! A sua filhinha, Cristinita, de 3 anos, está morrendo”. Achei que eu iria desmaiar. Corri até o seu quarto: estava agonizante. Ela que, desde que nasceu, está conosco; ela que, tão logo nasceu, já foi maltratada pelos “pais” alcoolizados, de onde deriva, inclusive, toda a sua doença que a deixou surda, cega, marcada pela meningite e com hidrocefalia. Três anos no leito... a minha pequena. De vez em quando, agonizando, dava uma aspiradas fortes... Deixam-me a sós com ela, choro como uma criança enquanto a vejo respirar com muita dificuldade. “Senhor, por quê? Por que a tiras de mim?”. Perguntas, perguntas, porém o coração em pedaços diz “Tu, meu Cristo” continuamente. As horas passam, não me interessa o dinheiro, quero que alguém venha de um centro especializado para tirar um chapa. Uma gravíssima pneumonia. É urgente que a internem em outro hospital. Fizemos isso. Terapia intensiva. Não posso vê-la. Avisam-me: “ela também está com uma hemorragia interna”. Não me dão nenhuma esperança. Enquanto que, para mim, se aproximava a hora de pegar o avião para ir ao Brasil, para os Exercícios Espirituais com os amigos Marcos e Cleuza. O que faço? O sentimento é terrível: por que deixá-la e não acompanhar sua morte? É uma briga dentro de mim. É como se uma voz repetisse: “mas, esta filha não é tua, é de Jesus”. Momentos difíceis. “Tu, meu Cristo”, “olhar Cristo no rosto”: são as palavras que enchem o meu eu. Confio-a a Jesus e a Nossa Senhora... pouco depois, disse à responsável do meu hospital: “Se minha filha morrer antes que eu volte, não a enterrem, porque eu quero levá-la ao cemitério onde todos os meus filhos repousam”. Peguei o avião porque o amor da minha Cristinita é Cristo e ninguém, neste momento, me recorda mais aquele “Tu” que fez Cristina e a mim, unindo-nos para sempre, do que Carrón com a sua palavra dita nos Exercícios, do que os meus amigos Marcos, Cleuza e Julián, Bracco etc.
Estou, aqui, em São Paulo... gostaria de ligar o celular para saber... Mas não consigo... o silêncio cheio dEle me garante tudo. A minha natureza de homem gostaria de saber, fazer, exigir... pobre ilusão que pensa poder substituir-se a Ele. Choro no silêncio do meu coração, imerjo nas palavras de Carrón, certo de que aquele “Tu” de que sou feito responde à sede de justiça, de amor, sabe porque a minha Cristinita está morrendo, se não já estiver morta.
Amigos, ser pai, ser pai de um filho dado é dramático... mais dramático do que ser pai de um filho desejado... exatamente porque é dado, não procurado. Mesmo o rasgo, no seu imenso sofrimento, torna maior aquele “Tu que colocou juntos Cristinita e eu. Ela que, com a morte, se torna, de fato, minha... como nunca foi nesta vida.
Estou nos Exercícios da Fraternidade, em São Paulo. Estou preparando, com Marcos, Cleuza, Julián e outros amigos, a assembleia da noite... e me chegou, então a notícia: Cristinita morreu. O coração sofre, mas está feliz. Agora, é, de fato, minha para sempre. Pedi ao Padre Paolino que a velem bem e, quando eu estiver de volta – amanhã –, a levarei aonde repousam os meus outros tantos filhos, pequenos e grandes. Uma vez mais, sinto a beleza de ser pai de um filho dado, agora, finalmente, meu. Porém, a cada dia, é necessário sofrer para que esta verdade não se cristalize em doutrina. “É preciso morder a pedra”, como dizia o abade a Miguel Mañara [refere-se ao texto homônimo de Milosz; ndt].
Padre Aldo.

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Cartas do P.e Aldo 142

Asunción, 30 de abril de 2010.

Caros amigos,
vários me têm perguntado por que eu não escrevo mais como antes. A resposta é muito simples: é sempre mais necessário que nos eduquemos a seguir e a levar a sério o que Carrón nos ensina com o seu modo de viver o carisma de Giussani, enriquecido com o seu dom pessoal de entrar no coração da realidade, fazendo-nos colher toda a espetacular positividade que contém. É como se, olhando para ele, para a sua liberdade, para o seu modo de estar diante de Cristo, se percebesse sempre mais que, também para mim, é o mesmo.
“Olhar Cristo no rosto”: eis que nesta afirmação está contido todo o meu viver, estar diante dEle da manhã à noite. Estar diante dEle quando me levanto com mau humor e imediatamente preciso me colocar de joelhos para olhar no rosto a alvorada que desponta com um sorriso. Estar diante dEle para sair, fazer minha corridinha de meia hora para permitir que minha diabetes não brinque comigo... estar diante dEle rezando, possivelmente, os quatro mistérios do rosário para poder, mesmo que distraidamente, gozar da Sua vida tão bem sintetizada no rosário. Estar diante dEle tomando o café e, depois, correr, às 7h da manhã, para pegar as minhas crianças e levá-las para a escola, depois de ter dado um beijo em cada um delas - que tanto esperam - e depois de ter rezado com elas as orações diante de Nossa Senhora. Estar diante dEle quando, deixadas as crianças na escola, corro para a clínica onde, às 7h15, todos os dependentes da Divina Providência, a Chefe do hospital, esperam pela meia hora de adoração, dividida entre a procissão e a comunhão aos doentes, as leituras do evangelho e um pensamento que desperte em cada um a mesma posição do coração que há já mais de uma hora e meia enche o meu. Estar diante dEle quando me ajoelho diante de cada doente, dando-lhe um beijo no rosto e fazendo-lhe um carinho. É o momento mais bonito do dia: com a Eucaristia nas mãos, de joelhos diante de cada paciente. É reviver, em cada momento, o Mistério da paixão, morte e ressurreição. Este Mistério tão concreto do meu cotidiano, um cotidiano que começa cedo e termina tarde, quando, depois de ter dado um beijinho de boa noite nas minhas crianças (nem sempre consigo ir à Casinha de Belém, porque sempre tem um imprevisto), retorno para a clínica, para saudar as minhas pequenas hóstias brancas (Vítor, Cristina, Celeste, Aldo, Mário), frequentemente ainda acordados. Beijo-os, me ajoelho diante de cada um e, depois, tocando o rosto de um por um, faço o sinal da cruz. São o meu Jesus, o que mais sofre e que mais me conforta. Só depois de ter saudado este Crucifixo que são os meus pequenos doentes, é que saúdo Jesus Eucarístico e vou para a cama, tentar dormir... porém, olhando para Ele.
Vocês sabem quantas vezes eu retomo esse trecho da Escola de Comunidade no qual Giussani fala de olhar Cristo no rosto, e quantas vezes leio, releio as coisas que Carrón nos diz.
A surpresa mais bonita (vocês podem ler isso em Tempi) foi a visita de Marcos, Cleuza e Bracco (responsáveis do Brasil) na semana passada. Eu tinha voltado de uma longa viagem e todos sentíamos um grande desejo de nos vermos. Assim, eles pegaram o primeiro avião e vieram para cá. Eu estava muito cansado e precisava vê-los, estar com eles, porque, como diz Cleuza, “frequentemente, na vida, podemos nos encontrar no fundo de um poço. Então, você tem duas possibilidades: ou olhar em volta e se sentir sufocando, ou levantar os olhos e ver aquele metro quadrado de céu azul que lhe faz pedir, gritar por ajuda”. E, de fato, aconteceu assim: eles foram, para mim, aquele pedaço de céu azul. Mas, não porque tivéssemos feito um dia de retiro espiritual, mas pelo simples fato de que nos fizemos companhia, ajudando-nos com o texto de Carrón, publicado no jornal Repubblica, na Páscoa: “Feridos, voltamos a Cristo”. Todos somos feridos e, por isso, somos necessitados de voltar àquele Tu, àquele estar diante dEle.
Foi muito bonito, porque, vivendo com eles o que eu vivo todos os dias, foi como entrar ainda mais no coração da questão: a paixão pela glória de Cristo. E além do mais foi bonito porque mesmo os meus confrades vibram sempre mais com esta beleza. Porém, em Tempi, vocês vão encontrar todos os detalhes daqueles dias.
No dia primeiro de maio, a clínica faz 6 anos. Acompanhei mais de 700 pacientes para a morte entre os braços de Jesus. Em seis anos, a morte se tornou minha amiga e não tem mais o rosto feio como sempre eu a vi. Pensem: é o momento no qual você está para encontrar Jesus, aquele Jesus pelo qual eu acabei aqui, aquele Jesus pelo qual, graças a tantas misérias vividas, aprendi a tocar com a mão o significado do Horto do Getsemani, aquele Jesus que se serviu e se serve de um pobrezinho como eu, com um temperamento único e, frequentemente, com uma emotividade tão variada, mas que está bem ancorada na certeza de que nenhum problema é maior do que a resposta. Que nenhum problema é maior do que Jesus.
Uma enfermeira me dizia ontem: “O que move a minha vida é o milagre: tudo é, para mim, um milagre... do modo com o qual tiro uma fralda dos idosos ao modo como os limpo etc. A fé não é dizer ‘ou conta só até aqui’, mas a certeza de que Deus cumpre e, por isso, pede ajuda para você. Se eu estou aqui é porque o Senhor me quer aqui. A fé é a esperança que se cumpre. Por exemplo, quando chegam os mendigos, alguém poderia dizer: ‘Mas, estes não mudarão nunca, é inútil querer educá-los’. Porém, para mim, não é assim, porque tenho a certeza que nasce da fé de que, com o meu afeto, a esperança que algo lhes aconteça se tornará verdadeira. De fato, depois de meses, aprenderam a usar o banheiro, a aceitar os remédios, a ficar juntos na mesa usando mesmo o guardanapo. O milagre é o fruto da insistência da fé que é a esperança. Depende de mim que isso aconteça, porque se a minha liberdade não deixa uma fissura aberta para a graça, nem mesmo Deus pode fazer alguma coisa”.
E é belo ver como estas 150 pessoas que trabalham aqui, dependentes diretos do Pai Eterno, aprendam a viver assim o trabalho, aprendam a estar diante de Cristo e vejam, cada dia, os sinais da Sua Vitória. Chegam cheios de confusões e, no tempo, educados a estar diante dEle, mudam, se tornam humanos.
O mês de maio está às portas, e eu peço a vocês que rezem a Nossa Senhora para mim e para os meus doentes e para todos este povo que vive e sofre aqui.
Uma nota final: ontem, como a cada 15 dias, encontramos os doentes de AIDS para ficar com eles, porque o homem é uma companhia. Este é um índio, transexual com cabelos (tingidos) louros. É meu afilhado de crisma. É um daqueles que, graças ao afeto e aos remédios, de moribundo que era recomeçou a viver. Pois bem, veio de longe, tão pobre que disse: “Para vir ficar com vocês, em companhia, peguei emprestado um par de sapatos, porque, há meses, que ando descalço, porque não tenho nada, muitas vezes nada nem para comer”. Que comoção! É verdade: quando se há uma pergunto grande na vida, se busca uma companhia adequada e, não havendo sapatos para alcançá-la, pede-se emprestado a quem tem. Pergunta pequena, homens anãos. Pergunta grande, encontram-se gigantes.
“Feridos, buscamos Cristo”... levemos isso a sério... se não se está ferido... não se pede sapatos emprestado...
Com afeto,
Padre Aldo

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Cartas do P.e Aldo 128




Asunción, 11 de janeiro de 2010.

Caros amigos,
Voltei para casa, depois de uma semana de férias com 900 pessoas, entre adultos e crianças do Brasil, da Argentina, do Paraguai e duas (Padre Alberto e Stefania) vindas do Equador. Foi a primeira vez, desde que existe o Movimento na América Latina, que tanta gente de países diferentes se reúne em torno de um fato: a amizade de alguns amigos que, com afeto e simplicidade e decisão, levaram a sério o que significa seguir a Carrón, fazendo um trabalho na Escola de Comunidade. A proposta que, por um ano, foi o trabalho fascinante de um grupinho, em companhia de Julián de la Morena, se tornou uma proposta para todos. Uma proposta tão bonita que foi o suficiente o boca-a-boca para que a liberdade de 900 pessoas dissesse “sim”. As férias foram a possibilidade concreta de refazer a cada dia o percurso. Partindo do humano imerso na realidade, guiados por este grupinho de amigos, cada um pôde tocar com a mão o que quer dizer “Tu, ó meu Cristo”. Gestos simples, adequados a todos, em um clima tropical que bastava se mover para suar, tendo presente as exigências de todos, ajudaram a viver olhando Jesus no rosto. Os chamados de atenção essenciais, precisos de Julian de la Morena, a companhia de Marcos e Cleuza, nos permitiram não dar nada por óbvio, mas fazer um trabalho. Aquele trabalho ao qual não estávamos habituados e educados e para o qual Carrón é um guia no modo de fazer Escola de Comunidade. O coração das férias foi o conteúdo da mensagem de Natal de Carrón. Não houve testemunhos, mas o ir a fundo, o buscar as razões, assimilá-las, as razões daquilo que as testemunhas presentes entre nós nos faziam vibrar em nós. Não conseguíamos acreditar em nossos olhos que viam concretamente, vivo na Foz do Iguaçú – que “se tornou Belém”, como nos disse Padre Alberto – “a Presença de Jesus”. Voltamos para casa como os pastores, os magos, com o coração transbordando de letícia, porque, de fato, é possível assim. É possível olhar o humano que existe em nós, como caminho para Jesus, como condição para deixar-se olhar por Ele. Desde sempre se fala de unidade Latino-americana, mas somente nestes dias aconteceu um fato novo, imprevisto, não imaginado: a unidade concreta de povos diversos (pensem no abismo com a Argentina...!) floresceu em torno de um Acontecimento, o “sim” de um pequeníssimo grupo de amigos que, há um ano, se encontram juntos em São Paulo, a cada 15 dias para trabalhar a Escola de Comunidade. Todo é tão simples, como era para os primeiros que O seguiam. O ponto é levá-Lo a sério, segui-Lo na modalidade na qual se apresenta.
Amigos, que belo é partir da própria humanidade e poder dizer “Tu, ó meu Cristo”.
De volta a casa, com o coração cheio daquela Beleza, depois de dez minutos, duas pessoas morreram na clínica. Ainda uma vez aquela beleza – “Tu, ó meu Cristo” – vence o cansaço e me permite estar em companhia dos meus enfermeiros, brindar com todo o afeto que vem de Cristo a assistência necessária para que tudo manifeste a Sua Glória. Frequentemente me perguntam: “você não se cansa nunca?”. E eu respondo: o cansaço caminha com a razão que – sim ou sim – nos compromete com a realidade, de forma que acontece de dormirmos uma hora a mais e, logo em seguida, estarmos acordados como um grilo. Pelo contrário, quando não é a razão que nos guia, quando não é o coração encarnado na realidade, é a fantasia, a imaginação, os nossos esquemas a se meterem a chefes e a consequência é o estresse, que mesmo se formos a Punta del Este ou para a Sardenha seremos derrotados. Quanto mais o coração trabalha, tanto mais repousa, quanto menos trabalha, tanto mais nos estressamos. Assim, foi para cama contente e, no dia seguinte, na clínica, foi uma festa, porque um doente terminal celebrou o seu matrimônio. Que alegria que se disseram a coisa mais bonita que pode dizer o coração: “Prometo amar-te e ser-te fiel para sempre”. Aquele “para sempre” dito pelos meus doentes terminais nos diz a verdade mais bela de uma relação: o amor é ou não é, e se é não tem data de validade. Divorcia-se quem nunca se casou (diria Chesterton), quem nunca amou. Mesmo aqui o problema é a vida e o seu significado, mesmo aqui trata-se de fazer um caminho como para mim, para os meus doentes, para os 900 amigos das férias. Fazer uma experiência que nos permita dizer Tu ao Mistério. E, como para mim, para os meus doentes, para os imprevistos às vezes desagradáveis que caracterizaram as férias de 900 pessoas, tudo faz parte daquela trabalho que nos pede Carrón, para podermos chegar a dizer “Tu” a Cristo.
É um caminho como o caminho de Santiago e de Lourdes (vejam as fotos) que, graças ao câncer, sentiram a urgência de uma definitividade no seu amor, conscientes dos meses que lhes restam, que aquilo que os une com o sacramento é eterno; assim como o coração de um garoto que se apaixona diz a sua namorada: “Amo-te para sempre”, “Sou teu para sempre”. Sejamos sinceros: não há nada mais belo do que aquele “sempre”, porque o coração é feito para o “sempre”, para a “eternidade”.
Padre Aldo

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Cartas do P.e Aldo 119


Asunción, 22 de novembro de 2009.

Caros amigos,
Como podem ver pelas fotos, também Arrigo Sacchi veio nos encontrar... não para ver se existem bons garotos para o futebol, mas para ver a vida, para ver como tudo (saúde, doença, morte) faz parte de uma grande partida, cujo destino, certo e bom, é o protagonista; de forma que, cada um, nas condições em que se encontra, joga bem na sua posição.
Padre Paolino o recebeu com todas as honras que um juventino, como ele, consegue exprimir. De qualquer maneira, Sacchi ficou comovido, diria um amigo torcedor do Milan, da forma como um milanista vitorioso é capaz. Ele viu, tocou com a mão a vitória de Cristo, sem a qual muito (mesmo o Milan ou a Juventus) seria nada.
Que um homem reconheça isto é a evidência daquilo que o Carrón nos disse: “Somente na experiência é possível, não apenas dar-se conta disto, mas permanecer maravilhado e grato pelo dom da fé”. É o que Marcos, Cleuza, Julián de la Morena e eu vivemos nestes dias no México, onde, depois de mais de 80 anos de perseguição contra os cristãos e de hostilidade dura e aberta contra a Igreja, um pequeno grupo de jovens de CL, cheios de humanidade e certos da experiência que vivem, conseguiu obter do poder laicista e massônico (que tomou conta da universidade mais laicista do mundo) [a frase, na carta original, parece estar incompleta e dá a entender que Marcos e Cleuza estiveram na universidade para dar uma palestra; ndt]. Para que pudessem falar disso, Marcos e Cleuza parte da sua experiência, ou melhor, do fato que o nome do desenvolvimento humano é Jesus Cristo... além do mais, tudo isso se deu na Aula Magna da faculdade mais ideologicamente aguerrida: a de sociologia e ciência política. Mas, não há muro de Berlim, ou aquele entre Israel e Palestina, ou entre o México e os EUA, que impeça de melhorar, no tempo, a experiência de vencer qualquer muro ideológica que construamos dentro de nós.
Padre Aldo Trento.

P.S.: Olhem o juventino Paolino... com essa cara um pouco carnavalesca. Porém, Sacchi fez festa para ele... já se conheciam... mas não por causa do futebol.