quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Cartas do P.e Aldo 165

Asunción, 5 de outubro de 2010.

Caros amigos,
estou voltando para casa no último dos 3 voos que ligam São Paulo a Asunción, com o meu inseparável companheiro de aventura. Já passa da meia-noite e estamos a 10 mil metro de altura, sobrevoando o Mato Grosso. Tenho o coração comovido por aquilo que vivi nas últimas 24 horas.
Chegamos em São Paulo no domingo à noite. Os amigos Marcos e Cleuza estavam nos esperando no aeroporto e tinham acabado de saber da vitória de Marcos nas eleições. No domingo, em todo o Brasil, houve votação para eleger o novo presidente, os governadores, deputados e senadores. Pergunto-me: quem, entre os políticos do mundo, no momento que, na TV, estão dando os resultados das eleições, deixam o seu posto de comando para ir pegar e receber amigos que chegam, no aeroporto, e, além do mais, dois pobres padres? Não acontece nem mesmo nas congregações religiosas. Lembro-me de que, há alguns anos atrás, um amigo missionário me contava que tinha recebido uma carta de um dos seus superiores da congregação, carta enviada a todos os membros espalhados pelo mundo, dizendo que, chegando a Fiumicino (o aeroporto de Roma), pegassem um táxi para ir para a sede, visto que não havia religiosos disponíveis para um gesto de boa educação. A caridade é muito mais do que isso...
Terrível, quando falta o humano! O que vocês querem, amigos, o humano ou está presente ou não está! E em Marcos e Cleuza, o humano simplesmente está presente. Por isso, são livres até mesmo do êxito nas eleições, de um resultado político eleitoral, que provocaria tanto afã nos candidatos, na espera dos resultados. Imaginem o abraço que recebe em pleno aeroporto. Isto é o humano, e é aquilo que levou Marcos à vitória, quando, nesses meses, junto com Cleuza e os seus colaboradores, passaram de casa em casa cumprimentando os potenciais eleitores, com o mesmo abraço que recebemos no aeroporto. Com a mesma efusão e intensidade.
Experimentamos a mesma coisa quando chegamos à Associação dos Trabalhadores Sem-Terra. O grupo de coordenadores (uns cinquenta) da campanha eleitoral, que estavam em torno da TV, acompanhando o resultado, quando se deu conta da nossa presença, saltou em pé para nos cumprimentar. Em seguida, Cleuza preparou a mesa e jantamos: tortellini e um grelhado. Uma festa onde os protagonistas eram aqueles que formavam aquele grupo de pecadores, gente pobre, muitos dos quais não terminou nem mesmo o ensino fundamental. O lugar era um galpão. Nada parecido com uma sede ou um hotel, como alguns pensariam. Mas, a Presença de Cristo podia ser tocada com as mãos!
No dia seguinte, ou seja, ontem, segunda-feira, dia 4, festa de São Francisco – de quem os Zerbini são muito devotos –, fomos todos para o Santuário de Aparecida. Éramos cerca de quarenta pessoas, num velho ônibus. Depois de duas horas, chegamos neste enorme Santuário que acolhe a pequena imagem de Nossa Senhora (com uns 30 cm de altura) que foi recolhida por pescadores, alguns séculos atrás, num rio. Este Santuário foi decorado com a genialidade do nosso amigo Cláudio Pastro (vocês se lembram dos seus quadros? Aqueles, nos quais os personagens aparecem sempre vestidos de modo vivo e têm aqueles olhões grandes, grandes?).
Celebramos a missa... porque foi dali que se deu partida, em julho, para a campanha eleitoral, depois de três dias de caminhada... e voltamos ao mesmo lugar para agradecer o sucesso. Durante todo o dia, chegavam cumprimentos para Marcos. Ao meio-dia, almoçamos numa churrascaria e foi uma festa. Às 17h, começamos a reunião da fraternidade. O tema foi a introdução de Carrón ao livro de D. Gius – “L’io rinasce da un incontro”. Como sempre, foi uma novidade. Cada intervenção foi um pedaço de vida, foi a manifestação de um eu comovido diante da realidade e não aprisionado por ela. A cada vez aparece, com mais clareza, entre nós, a certeza de que o cristianismo é apenas uma amizade carregada de humanidade e definida pelo Mistério. Demo-nos conta de que o individualismo é uma tentação contínua. Não é possível pertencer a Cristo sem pertencer à Sua carne, hoje, sem um relacionamento arrebatador entre nós que julga tudo. Não ficamos analisando a votação de ontem, falamos de como o eu foi protagonista do que aconteceu. Marcos não falava de estratégias futuras, de alianças etc.; simplesmente saboreava conosco a ocasião que vivemos para anunciar a Cristo.
Um dia longo, mas tão curto e bonito como são todos os dias quando a consciência de “amei-te como amor eterno, tendo piedade do teu nada” constitui cada instante.
Com afeto
Padre Aldo e Padre Paolino

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