terça-feira, 16 de novembro de 2010

Leopardi: alma inquieta prisioneira de um desejo impossível


Entrevista com Pietro Citati

Pietro Citati fala com IlSussidiario sobre o seu livro Leopardi (A obra Leopardi, de Pietro Citati, foi lançada recentemente pela editora Mondadori, pelo preço de € 22,00; ndt). No silêncio da sua casa, em Roma, sentado no seu escritório, o crítico responde pacientemente a algumas das tantas possíveis perguntas que a sua última obra é capaz de suscitar. Acontece, assim, a possibilidade de redescobrir, sob nova luz, aquilo que se acreditava já saber sobre um dos maiores poetas que já houve, que Citati, seguindo Nietzsche, coloca ao lado de Pindaro e Hölderlin. O universo leopardiano é difícil de decifrar: “cheio de centros, porque, em Leopardi, não há um único centro”. É assim que Citati nos restitui um Leopardi visto através de sua vida: como se o único modo para adentrar o seu mundo fosse repercorrendo sua complicada, fascinante e controversa existência.

O senhor afirma, citando Pietro Giordani, que Leopardi dá “medo”. Por quê?
Dá medo por causa de sua grandeza. Nietzsche dizia que, na história do mundo, existem três grandes poetas líricos: Pindaro, Hölderlin e Leopardi. Dá medo por causa de sua multiplicidade: nunca se sabe qual é o seu eu. Há tantos. Para se aproximar de Leopardi, é preciso compreender esta pluralidade de “eus” em relação uns com os outros. E dá medo por causa da sua beleza: para mim, não chegamos ainda a compreender plenamente qual é a beleza de muitas líricas dos Canti (Cantos; ndt) e de muitas das Operette morali (Operetas Morais; ndt).

Por que a lua, como o senhor observa no seu livro, não responde a Leopardi?
Não sabemos o motivo, podemos apenas dizer que a lua não responde. A lua é a encarnação das ilusões, tema essencial da poesia de Leopardi. É a figura que ele mais ama. O pastor se pergunta – ou pergunta em nome de Leopardi – qual é a verdade sobre as coisas, mas a resposta não é dada. Isto significa que nem mesmo Leopardi dá uma resposta às nossas perguntas.

O senhor define Leopardi como “um materialista que odei a matéria”. Pode explicar melhor este juízo?
A partir de 1823, todo o Zibaldone reconduz cada aspecto da realidade, da vida e da psicologia humana, à matéria. O materialismo do século XVIII é uma exaltação da matéria. Também ele remete tudo à matéria, mas a odeia. Tudo o que é, ele diz num certo ponto, de modo eloqüente, é mal. As coisas boas são apenas as coisas que não são. Se todo o universo é matéria, contra a matéria Leopardi exalta a irrealidade: as quimeras, as hipóteses.

Se Leopardi “detesta a realidade”, como o senhor disse também numa entrevista sobre seu último trabalho dada ao jornal La Repubblica, quer dizer que nele prevalece mais o niilismo ou a ênfase no desejo humano insatisfeito e necessitado de infinito?
Não há niilismo em Leopardi. Há muito desejo de infinito, mas este desejo é reconhecido como impossível: o homem não pode alcançar o infinito. Já na poesia O Infinito há uma derrota, porque Leopardi cria na mente espaços intermináveis, mas depois nasce o medo, e dele o retorno ao mundo real, ao sopro do vento, e assim por diante. Aquilo que há de mais sólido em Leopardi, de mais positivo, não é o infinito, mas o indefinido.

Entre os autores que mais influenciaram Leopardi o senhor enumera Epícteto e Rousseau. Em que medida?
Epícteto explica não todo Leopardi, mas um momento preciso de seu pensamento: o da renúncia, da discrição, da abolição total da mente do pensamento sobre o infinito. Quanto a Rousseau, é muito mais complicado, porque nunca saberemos exatamente o que Leopardi leu dele. Mas, tanto Giacomo quanto o seu irmão Carlo citam um trecho da Nouvelle Héloïse, que exalta as quimeras contra as coisas que existem. Portanto, o quimérico em Leopardi tem um fundamento em Rousseau, mas há uma diferença profunda, porque em Rousseau o infinito é uma dilatação em direção ao externo, em direção ao céu, enquanto que em Leopardi ele nasce quando algo impede o olhar. Para criar o infinito, na única poesia em que ele o cria, Leopardi precisa fechar-se, limitar-se, valer-se da “sebe que de tanta parte / Do último horizonte, o olhar exclui”. Somente através da limitação é que se chega ao ilimitado.

O dileto é um topos em Leopardi. É muito diferente da forma como nós o entendemos?
Não diria. Para Leopardi, o dileto é o prazer, mesmo que seja um prazer cotidiano e limitado. A alegria que nos dá a poesia, em primeiro lugar: uma alegria limitada e, ao mesmo tempo, suprema. 

Na escola, se estuda que não houve sintonia entre Leopardi e Manzoni, mas o senhor pensa diferente. Por quê?
Há alguns trechos nas cartas de Leopardi que falam de Manzoni. Primeiro, alguém lhe diz que Os Noivos é um texto feio, e ele registra esse parecer como se fosse seu. Depois, no Gabinete Viesseux (Gabinetto Scientifico Letterario G. P. Viesseux, foi fundado por Giovan Pietro Viesseux e era um ponto de encontro importante, na Itália, onde se reuniam representantes da cultura italiana e europeia; ndt), encontra Manzoni. Então, Leopardi não havia lido ainda Os Noivos, mas mostra grande simpatia por Manzoni. Numa carta, alguns meses mais tarde, escreve que Os Noivos é uma obra muito bonita, mas que contém “defeitos”. Não sabemos quais eram os defeitos daquela obras, segundo Leopardi.

Giulio Augusto Levi coloca “Alla sua donna” no centro da produção leopardiana. O que o senhor pensa sobre isso?
É uma poesia extraordinária, mas eu não diria que seja o centro, mesmo porque a poesia de Leopardi não tem um, mas muitos centros. Um é O Infinito, outro é Alla sua donna, outro é O ressurgimento, outro é A Sílvia, outro As recordações, outro O pensamento dominante, outro ainda Il tramonto della luna. A sua visão do mundo muda de “centro” continuamente.

Há 150 anos a Itália foi unificada. Há um sentimento italiano em Leopardi?
Nele, não há sentimento político de unidade da Itália, mas há um grandíssimo amor pela cultura, pela literatura, pela língua italiana, que ele adora como algo absolutamente superior. Múltipla, móvel, flexível é, para ele, a língua ideal. As duas línguas que ele amava mais eram o grego e o italiano, mas, no fundo, ele amava mais o italiano que o grego.

E ele tinha razão ao identificar no italiano o fator de maior ligação e individualidade do nosso povo?
Acredito que sim, mesmo que isso não tenha muita importância. A língua italiana é maravilhosa, é uma língua que vive, morre, renasce e nós ainda hoje não a entendemos até ao fundo. Na realidade, o único autor de nossa literatura que conseguiu compreender de verdade a nossa língua foi o próprio Leopardi. E a sua interpretação da nossa língua nos está escapando. Estamos esquecendo essa interpretação.

Num artigo seu em La Repubblica, falando de outro assunto, o senhor cita Leopardi. Como é possível manter vivo, na decadência de hoje, “o primeiro homem” de Leopardi, a nossa “alma infantil”, capaz de maravilhamento?
É a mesma coisa que Göethe chama de “natureza original”. Ela pode ser mantida viva apenas com a força da nossa inteligência e das nossas sensações... É, seja como for, um trabalho muito difícil. Felizmente, a beleza pode ajudar nessa busca contínua.

* Texto extraído do IlSussidiario.net, do dia 16 de novembro de 2010. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

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