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sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

A Quaresma com os santos

A oração é a luz da alma

Das Homílias do Pseudo-Crisóstomo (Séc. IV) 
(Supp., Hom. 6 de precatione: PG 64,462-466) 

A oração, o diálogo com Deus, é um bem incomparável, porque nos põe em comunhão íntima com Deus. Assim como os olhos do corpo são iluminados quando recebem a luz, a alma que se eleva para Deus é iluminada por sua luz inefável. Falo da oração que não é só uma atitude exterior, mas que provém do coração e não se limita a ocasiões ou horas determinadas, prolongando-se dia e noite, sem interrupção. Com efeito, não devemos orientar o pensamento para Deus apenas quando nos aplicamos à oração; também no meio das mais variadas tarefas - como o cuidado dos pobres, as obras úteis de misericórdia ou quaisquer outros serviços do próximo - é preciso conservar sempre vivos o desejo e a lembrança de Deus. E assim, todas as nossas obras, temperadas com o sal do amor de Deus, se tornarão um alimento dulcíssimo para o Senhor do universo. Podemos, entretanto, gozar continuamente em nossa vida do bem que resulta da oração, se lhe dedicarmos todo o tempo que nos for possível. A oração é a luz da alma, o verdadeiro conhecimento de Deus, a mediadora entre Deus e os homens. Pela oração a alma se eleva até aos céus e une-se ao Senhor num abraço inefável; como uma criança que, chorando, chama sua mãe, a alma deseja o leite divino, exprime seus próprios desejos e recebe dons superiores a tudo que é natural e visível. A oração é venerável mensageira que nos leva à presença de Deus, alegra a alma e tranquiliza o coração. Não penses que essa oração se reduza a palavras. Ela é desejo de Deus, amor inexprimível que não provém dos homens, mas é efeito da graça divina, como diz o Apóstolo: Nós não sabemos o que devemos pedir, nem como pedir; é o próprio Espírito que intercede em nosso favor, com gemidos inefáveis (Rm 8,26). Semelhante oração, quando o Senhor a concede a alguém, é uma riqueza que não lhe pode ser tirada e um alimento celeste que sacia a alma. Quem a experimentou inflama-se do desejo eterno de Deus, como que de um fogo devorador que abrasa o coração. Praticando-a em sua pureza original, adorna tua casa de modéstia e humildade, torna-a resplandecente com a luz da justiça. Enfeita-se com boas obras, quais plaquetas de ouro, ornamenta-se de fé e de magnanimidade em vez de paredes e mosaicos. Como cúpula e coroamento de todo o edifício, coloca a oração. Assim prepararás para o Senhor uma digna morada, assim terás um esplêndido palácio real para O receber, e poderás tê-Lo contigo na tua alma, transformada, pela graça, em imagem e templo da sua presença.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Comentário ao evangelho do dia


São Francisco de Assis

1ª Leitura - Jn 3,1-10
A palavra do Senhor foi dirigida a Jonas, pela segunda vez: "Levanta-te e põe-te a caminho da grande cidade de Nínive e anuncia-lhe a mensagem que eu te vou confiar". Jonas pôs-se a caminho de Nínive, conforme a ordem do Senhor. Ora, Nínive era uma cidade muito grande; eram necessários três dias para ser atravessada. Jonas entrou na cidade, percorrendo o caminho de um dia; pregava ao povo, dizendo: "Ainda quarenta dias, e Nínive será destruída". Os ninivitas acreditaram em Deus; aceitaram fazer jejum, e vestiram sacos, desde o superior ao inferior. A pregação chegara aos ouvidos do rei de Nínive; ele se levantou do trono e pôs de lado o manto real, vestiu-se de saco e sentou-se em cima de cinza. Em seguida, fez proclamar, em Nínive, como decreto do rei e dos príncipes: "Homens e animais bovinos e ovinos não provarão nada! Não comerão e não beberão água. Homens e animais se cobrirão de sacos, e os homens rezarão a Deus com força; cada um deve afastar-se do mau caminho e de suas práticas perversas. Deus talvez volte atrás, para perdoar-nos e aplacar sua ira, e assim não venhamos a perecer". Vendo Deus as suas obras de conversão e que os ninivitas se afastavam do mau caminho, compadeceu-se e suspendeu o mal, que tinha ameaçado fazer-lhes, e não o fez.

Evangelho - Lc 10,38-42
Naquele tempo, Jesus entrou num povoado, e certa mulher, de nome Marta, recebeu-o em sua casa. Sua irmã, chamada Maria, sentou-se aos pés do Senhor, e escutava a sua palavra. Marta, porém, estava ocupada com muitos afazeres. Ela aproximou-se e disse: "Senhor, não te importas que minha irmã me deixe sozinha, com todo o serviço? Manda que ela me venha ajudar!". O Senhor, porém, lhe respondeu: "Marta, Marta! Tu te preocupas e andas agitada por muitas coisas. Porém, uma só coisa é necessária. Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada".

Comentário feito por São Thomas More (1478-1535)
estadista inglês, mártir

Depois de recebermos Nosso Senhor na Eucaristia e O termos presente no nosso corpo, não havemos de O deixar só e de nos ocuparmos de outras coisas sem fazer mais caso dEle [...], mas de ter nEle todo o nosso sentido. Dirijamo-nos a Ele com ferventes preces e convivamos com Ele em fervente meditação. Digamos como o profeta: "Escutarei o que diz o Senhor dentro de mim" (Sl 85(84),9). Assim, [...] se Lhe dermos toda a nossa atenção, Ele não deixará de pronunciar, no mais íntimo do nosso ser, esta ou aquela palavra e com ela nos proporcionar grande conforto espiritual e proveito para a nossa alma. Sejamos, ao mesmo tempo, Marta e Maria. Como Marta, façamos de tal sorte que toda a nossa atividade exterior a Ele se restrinja e consista em acolhê-Lo como devemos: primeiro a Ele, e de seguida a cada um dos que O acompanham - a todos aqueles que não são apenas Seus discípulos, mas Ele próprio: "Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes" (Mt 25,40). [...] Esforcemo-nos, pois, por conservar o nosso Hóspede. Digamos-Lhe, como os dois discípulos ao entrar no povoado de Emaús, "Fica conosco, [Senhor]" (Lc 24,29). Então, com toda a certeza, não Se afastará mais de nós, a não ser que O rejeitemos com a nossa própria ingratidão.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Comentário ao evangelho do dia

Evangelho - Mc 8,14-21
Naquele tempo, os discípulos tinham se esquecido de levar pães. Tinham consigo na barca apenas um pão. Então Jesus os advertiu: "Prestai atenção e tomai cuidado com o fermento dos fariseus e com o fermento de Herodes". Os discípulos diziam entre si: "É porque não temos pão". Mas Jesus percebeu e perguntou-lhes: "Por que discutis sobre a falta de pão? Ainda não entendeis e nem compreendeis? Vós tendes o coração endurecido? Tendo olhos, vós não vedes, e tendo ouvidos, não ouvis? Não vos lembrais de quando reparti cinco pães para cinco mil pessoas? Quantos cestos vós recolhestes cheios de pedaços?". Eles responderam: "Doze". Jesus perguntou: "E quando reparti sete pães com quatro mil pessoas, quantos cestos vós recolhestes cheios de pedaços?". Eles responderam: "Sete". Jesus disse: "E vós ainda não compreendeis?".

Comentário feito por São João da Cruz (1542-1591)
carmelita, Doutor da Igreja 

Dizem os teólogos que a fé é um hábito da alma ao mesmo tempo seguro e obscuro. E é obscuro porque nos propõe verdades reveladas sobre o próprio Deus que ultrapassam qualquer luz natural e excedem toda a compreensão humana, seja ela qual for. Daí decorre que a luz excessiva dada pela fé se transforma para a alma em profundas trevas. Como sabemos, qualquer força superior supera e enfraquece uma que lhe seja inferior; desse modo, o sol eclipsa todas as luzes restantes, ao ponto de, quando ele resplandece, todas as outras não parecerem propriamente luzes. Para além do mais, quando está no zênite, o seu brilho ultrapassa por completo a nossa capacidade visual até nos ofuscar em vez de nos fazer ver, devido a tornar-se excessivo e desproporcionado à nossa visão. O mesmo se passa com a luz da fé, que pelo seu prodigioso excesso abate e enfraquece a luz do intelecto. Tomemos outro exemplo: suponhamos uma pessoa cega de nascença que, por isso mesmo, não conhece as cores. Ao esforçarmo-nos por fazer-lhe compreender o branco ou o amarelo, bem podemos dar explicação atrás de explicação que ela não retirará delas qualquer conhecimento direto, porque nunca viu as cores, cujo nome será a única coisa que ela reterá no espírito, através do ouvido. O mesmo se passa com a fé em relação à alma: a fé diz-nos coisas que nunca vimos nem conhecemos e a respeito das quais não possuímos a mais pequena réstia de conhecimento natural, mas retemo-las através do ouvido, crendo no que nos é ensinado e ofuscando em nós a luz natural. Com efeito, como nos diz São Paulo, "a fé surge da pregação" (Rom 10, 17). É como se ele nos dissesse: a fé não é uma ciência que reconhecemos pelos sentidos, mas um consentimento da alma que entra em nós pelo ouvido. Torna-se então evidente que a fé é para a alma uma noite escuríssima, mas é precisamente com a sua escuridão que ela ilumina: quanto mais a mergulha nas trevas, mais lhe faz brilhar a sua luz. Assim sendo, é ofuscando que ela alumia, segundo as palavras de Isaías: "se não acreditardes, não compreendereis" (7, 9). 

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Dualidades


Por Bruno Tolentino

Não é Deus o problema.
A humana confusão
nasce da velha teima
da alma com o coração
(ou vice-versa) e o tema
não tem solução
enquanto for dilema.

Um corpo e um espírito
que se debatem em vão
um contra o outro, não
separam o infinito
e o instante senão
segundo o velho mito
da humana divisão.

Nossa dualidade
axiomática, o pão
da falsa refeição
em que tudo é metade,
é uma irrealidade.
Somos um todo. A mão
que busca a eternidade

e o eterno que se inclina
para encontrá-la, são
um só, um não termina
onde começa o vão
esforço da cortina
para alçar-se do chão:
a comédia é divina

por ser a encenatura
de um drama em que a paixão,
a dor da criatura
e sua redenção,
atravessam a obscura
ponte-separação,
fazem do mal a cura...

Quando nos debatemos
numa irresolução
entre polos extremos,
resta que a inclinação
insistente de remos
opostos, um na mão,
um no ar, como gêmeos

dissemelhantes, mas
unidos em razão
de uma paixão que faz
do esforço a solução,
resta que essa voraz,
grave equivocação,
deifica o fugaz

e retarda a ascensão
rumo à única meta.
Somos irmãos da seta,
buscamos a amplidão.
E, se a alma é concreta,
tudo é evaporação
insistente, secreta

e enfim irreprimível!
Vamos aonde vão
todos na multidão
à procura do nível,
a predestinação
de tudo é o invisível.
Movemo-nos na mão

de um ritmo contínuo:
recapitulação
do humano no divino,
somos a dispersão
dos gemidos do sino
escalando a amplidão,
o som sempre mais fino,

mais sutil, mais repleto
daquela oscilação
do voo, que é direto
em si, mas que em função
deste mundo inquieto
é cheio de ilusão.
Como o branco no preto,

a reverberação
entre a ausência de cor
e a excessiva união
de todas, faz supor
uma dissolução
contraditória, o alvor
do amor na negação.

Mas ao fim da lição
nem Deus era o problema
nem era a solução:
não havia o dilema!
Era ilusãoa teima
do ser, sua prisão
uma má-criação...

Que se a dor era o estrume,
o humano coração
é mortal como o grão,
não como o vaga-lume,
e sua vocação
é preparar o lume,
a espiga, a erupção

triunfal de um futuro.
Sofri num corpo impuro
sem frutificação,
mas fiz uma canção,
uns desenhos no escuro,
como as heras no muro
vão subindo do chão.

Entendo que não são
duas coisas idênticas,
mas são gêmeas: canção
e hera são concêntricas,
uma e outra a explosão
da terra, o coração
do eterno: uma o adentra

enquanto a outra o concentra,
mas enfim tudo canta!
É tudo um eco, um vão
aberto entre a garganta
e uma sublimação,
uma ânsia de planta
que se alcança: a canção

é o grão que se levanta.

* TOLENTINO, Bruno. As horas de Katharina - com a peça A andorinha, ou: A cilada de Deus. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 2010, pp. 234-237.

terça-feira, 31 de outubro de 2006

A alma e o baú

Tu que tão sentida e repetida e voluptuosamente te entristeces e adoeces de ti,
é preciso rasgar essas vestes de dó,
as penas é preciso raspar com um caco, uma
por uma: são
crostas...
E sobre a carne viva
nenhuma ternura sopre.
Que ninguém acorra.
Ninguém, biblicamente, com os seus bálsamos e olores...
Ah, tu com as tuas cousas e lousas, teus badulaques, teus ais ornamentais, tuas rimas,
esses guizos de louco...
A tua alma (tua?) olha-te, simplesmente.
Alheia e fiel como um espelho.
Por supremo pudor, despe-te, despe-te, quanto mais nu mais tu,
despoja-te mais e mais.
Até a invisibilidade.
Até que fiquem só espelho contra espelho
num puro amor isento de qualquer imagem
- Mestre, dize-me... e isso tudo valerá acaso a perda de meu baú?

De Mario Quintana, em Apontamentos de história sobrenatural.