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domingo, 1 de abril de 2012

Comentário ao Evangelho do dia - Semana Santa


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Domingo de Ramos da Paixão do Senhor

Evangelho - Procissão - Mc 11,1-10
Quando se aproximaram de Jerusalém, na altura de Betfagé e de Betânia, junto ao monte das Oliveiras, Jesus enviou dois discípulos, dizendo: "Ide até o povoado que está em frente, e logo que ali entrardes, encontrareis amarrado um jumentinho que nunca foi montado. Desamarrai-o e trazei-o aqui! Se alguém disser: 'Por que fazeis isso?', dizei: 'O Senhor precisa dele, mas logo o mandará de volta'." Eles foram e encontraram um jumentinho amarrado junto de uma porta, do lado de fora, na rua, e o desamarraram. Alguns dos que estavam ali disseram: "O que estais fazendo, desamarrando este jumentinho?". Os discípulos responderam como Jesus havia dito, e eles permitiram. Trouxeram então o jumentinho a Jesus, colocaram sobre ele seus mantos, e Jesus montou. Muitos estenderam seus mantos pelo caminho, outros espalharam ramos que haviam apanhado nos campos. Os que iam na frente e os que vinham atrás gritavam: "Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor! Bendito seja o reino que vem, o reino de nosso pai Davi! Hosana no mais alto dos céus!".

1ª Leitura - Is 50,4-7
O Senhor Deus deu-me língua adestrada, para que eu saiba dizer palavras de conforto à pessoa abatida; Ele me desperta cada manhã e me excita o ouvido, para prestar atenção como um discípulo. O Senhor abriu-me os ouvidos;  não lhe resisti nem voltei atrás. Ofereci as costas para me baterem e as faces para me arrancarem a barba; não desviei o rosto de bofetões e cusparadas. Mas o Senhor Deus é meu Auxiliador, por isso não me deixei abater o ânimo, conservei o rosto impassível como pedra, porque sei que não sairei humilhado.

Salmo - Sl 21
R. Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?

Riem de mim todos aqueles que me veem,*
torcem os lábios e sacodem a cabeça:
"Ao Senhor se confiou, Ele o liberte*
e agora o salve, se é verdade que Ele o ama!" R.

Cães numerosos me rodeiam furiosos,*
e por um bando de malvados fui cercado.
Transpassaram minhas mãos e os meus pés
e eu posso contar todos os meus ossos.*
Eis que me olham e, ao ver-me, se deleitam! R.

Eles repartem entre si as minhas vestes*
e sorteiam entre si a minha túnica.
Vós, porém, ó meu Senhor, não fiqueis longe,*
ó minha força, vinde logo em meu socorro! R.

Anunciarei o Vosso nome a meus irmãos*
e no meio da assembléia hei de louvar-Vos!
Vós que temeis ao Senhor Deus, dai-Lhe louvores,
glorificai-O, descendentes de Jacó,*
e respeitai-O toda a raça de Israel! R.


2ª Leitura - Fl 2,6-11
Jesus Cristo, existindo em condição divina, não fez do ser igual a Deus uma usurpação, mas Ele esvaziou-Se a Si mesmo, assumindo a condição de escravo e tornando-Se igual aos homens. Encontrado com aspecto humano, humilhou-Se a Si mesmo, fazendo-Se obediente até a morte, e morte de cruz. Por isso, Deus O exaltou acima de tudo e Lhe deu o Nome que está acima de todo nome. Assim, ao nome de Jesus, todo joelho se dobre no céu, na terra e abaixo da terra, e toda língua proclame: "Jesus Cristo é o Senhor", para a glória de Deus Pai.

Evangelho - Mc 14,1-15,47
Faltavam dois dias para a Páscoa e para a festa dos Ázimos. Os sumos sacerdotes e os mestres da Lei procuravam um meio de prender Jesus à traição, para matá-Lo. Eles diziam: "Não durante a festa, para que não haja um tumulto no meio do povo". Jesus estava em Betânia, na casa de Simão, o leproso. Quando estava à mesa, veio uma mulher com um vaso de alabastro cheio de perfume de nardo puro, muito caro. Ela quebrou o vaso e derramou o perfume na cabeça de Jesus. Alguns que estavam ali ficaram indignados e comentavam: "Por que este desperdício de perfume? Ele poderia ser vendido por mais de trezentas moedas de prata, que seriam dadas aos pobres". E criticavam fortemente a mulher. Mas Jesus lhes disse: "Deixai-a em paz! Por que aborrecê-la? Ela praticou uma boa ação para comigo. Pobres sempre tereis convosco e quando quiserdes podeis fazer-lhes o bem. Quanto a Mim não Me tereis para sempre. Ela fez o que podia: derramou perfume em meu corpo, preparando-o para a sepultura. Em verdade vos digo, em qualquer parte que o Evangelho for pregado, em todo o mundo, será contado o que ela fez, como lembrança do seu gesto". Judas Iscariotes, um dos doze, foi ter com os sumos sacerdotes para entregar-lhes Jesus. Eles ficaram muito contentes quando ouviram isso, e prometeram dar-lhe dinheiro. Então, Judas começou a procurar uma boa oportunidade para entregar Jesus. No primeiro dia dos ázimos, quando se imolava o cordeiro pascal, os discípulos disseram a Jesus: "Onde queres que façamos os preparativos para comeres a Páscoa?". Jesus enviou então dois dos seus discípulos e lhes disse: "Ide à cidade. Um homem carregando um jarro de água virá ao vosso encontro. Segui-o e dizei ao dono da casa em que ele entrar: 'O Mestre manda dizer: onde está a sala em que vou comer a Páscoa com os meus discípulos?'. Então ele vos mostrará, no andar de cima, uma grande sala, arrumada com almofadas. Ali fareis os preparativos para nós!". Os discípulos saíram e foram à cidade. Encontraram tudo como Jesus havia dito, e prepararam a Páscoa. Ao cair da tarde, Jesus foi com os doze. Enquanto estavam à mesa comendo, Jesus disse: "Em verdade vos digo, um de vós, que come comigo, vai me trair". Os discípulos começaram a ficar tristes e perguntaram a Jesus, um após outro: "Acaso serei eu?". Jesus lhes disse: "É um dos doze, que se serve comigo do mesmo prato. O Filho do Homem segue seu caminho, conforme está escrito sobre ele. Ai, porém, daquele que trair o Filho do Homem! Melhor seria que nunca tivesse nascido!". Enquanto comiam, Jesus tomou o pão e, tendo pronunciado a bênção, partiu-o e entregou-lhes, dizendo: "Tomai, isto é o meu corpo". Em seguida, tomou o cálice, deu graças, entregou-lhes e todos beberam dele. Jesus lhes disse: "Isto é o meu sangue, o sangue da aliança, que é derramado em favor de muitos. Em verdade vos digo, não beberei mais do fruto da videira, até o dia em que beberei o vinho novo no Reino de Deus". Depois de terem cantado o hino, foram para o monte das Oliveiras. Então Jesus disse aos discípulos: "Todos vós ficareis desorientados, pois está escrito: 'Ferirei o pastor e as ovelhas se dispersarão'. Mas, depois de ressuscitar, eu vos precederei na Galiléia". Pedro, porém, lhe disse: "Mesmo que todos fiquem desorientados, eu não ficarei". Respondeu-lhe Jesus: "Em verdade te digo, ainda hoje, esta noite, antes que o galo cante duas vezes, três vezes tu me negarás". Mas Pedro repetiu com veemência: "Ainda que tenha de morrer contigo, eu não te negarei". E todos diziam o mesmo. Chegados a um lugar chamado Getsêmani, disse Jesus aos discípulos: "Sentai-vos aqui, enquanto eu vou rezar!". Levou consigo Pedro, Tiago e João, e começou a sentir pavor e angústia. Então Jesus lhes disse: "Minha alma está triste até a morte. Ficai aqui e vigiai". Jesus foi um pouco mais adiante e, prostrando-se por terra, rezava que, se fosse possível, aquela hora se afastasse dele. Dizia: "Abbá! Pai! Tudo Te é possível: Afasta de mim este cálice! Contudo, não seja feito o que eu quero, mas sim o que Tu queres!". Voltando, encontrou os discípulos dormindo. Então disse a Pedro: "Simão, tu estás dormindo? Não pudeste vigiar nem uma hora? Vigiai e orai, para não cairdes em tentação! Pois o espírito está pronto, mas a carne é fraca". Jesus afastou-se de novo e rezou, repetindo as mesmas palavras. Voltou outra vez e os encontrou dormindo, porque seus olhos estavam pesados de sono e eles não sabiam o que responder. Ao voltar pela terceira vez, Jesus lhes disse: "Agora podeis dormir e descansar. Basta! Chegou a hora! Eis que o Filho do Homem é entregue nas mãos dos pecadores. Levantai-vos! Vamos! Aquele que vai me trair já está chegando". E logo, enquanto Jesus ainda falava, chegou Judas, um dos doze, com uma multidão armada de espadas e paus. Vinham da parte dos sumos sacerdotes, dos mestres da Lei e dos anciãos do povo. O traidor tinha combinado com eles um sinal, dizendo: "É aquele a quem eu beijar. Prendei-O e levai-O com segurança!". Judas logo se aproximou de Jesus, dizendo: "Mestre!", e O beijou. Então lançaram as mãos sobre Ele e O prenderam. Mas um dos presentes puxou a espada e feriu o empregado do sumo sacerdote, cortando-lhe a orelha. Jesus tomou a palavra e disse: "Vós saístes com espadas e paus para me prender, como se eu fosse um assaltante. Todos os dias eu estava convosco, no Templo, ensinando, e não me prendestes. Mas isto acontece para que se cumpram as Escrituras". Então todos O abandonaram e fugiram. Um jovem, vestido apenas com um lençol, estava seguindo a Jesus, e eles o prenderam. Mas o jovem largou o lençol e fugiu nu. Então levaram Jesus ao Sumo Sacerdote, e todos os sumos sacerdotes, os anciãos e os mestres da Lei se reuniram. Pedro seguiu Jesus de longe, até o interior do pátio do Sumo Sacerdote. Sentado com os guardas, aquecia-se junto ao fogo. Ora, os sumos sacerdotes e todo o Sinédrio procuravam um testemunho contra Jesus, para condená-Lo à morte, mas não encontravam. Muitos testemunhavam falsamente contra Ele, mas seus testemunhos não concordavam. Alguns se levantaram e testemunharam falsamente contra Ele, dizendo: "Nós o ouvimos dizer: 'Vou destruir este templo feito pelas mãos dos homens, e em três dias construirei um outro, que não será feito por mãos humanas!'". Mas nem assim o testemunho deles concordava. Então, o Sumo Sacerdote levantou-se no meio deles e interrogou a Jesus: "Nada tens a responder ao que estes testemunham contra ti?". Jesus continuou calado, e nada respondeu. O Sumo Sacerdote interrogou-o de novo: "Tu és o Messias, o Filho de Deus Bendito?". Jesus respondeu: "Eu sou. E vereis o Filho do Homem sentado à direita do Todo-Poderoso, vindo com as nuvens do céu". O Sumo Sacerdote rasgou suas vestes e disse: "Que necessidade temos ainda de testemunhas? Vós ouvistes a blasfêmia! O que vos parece?". Então todos o julgaram réu de morte. Alguns começaram a cuspir em Jesus. Cobrindo-lhe o rosto, o esbofeteavam e diziam: "Profetiza!". Os guardas também davam-lhe bofetadas. Pedro estava em baixo, no pátio. Veio uma criada do Sumo Sacerdote, e, quando viu Pedro que se aquecia, olhou bem para ele e disse: "Tu também estavas com Jesus, o Nazareno!". Mas Pedro negou, dizendo: "Não sei e nem compreendo o que estás dizendo!". E foi para fora, para a entrada do pátio. A criada viu Pedro, e de novo começou a dizer aos que estavam perto: "Este é um deles". Mas Pedro negou outra vez. Pouco depois, os que estavam junto diziam novamente a Pedro: "É claro que tu és um deles, pois és da Galiléia". Aí Pedro começou a maldizer e a jurar, dizendo: "Nem conheço esse homem de quem estais falando". E nesse instante um galo cantou pela segunda vez. Lembrou-se Pedro da palavra que Jesus lhe havia dito: "Antes que um galo cante duas vezes, três vezes tu me negarás". Caindo em si, ele começou a chorar. Logo pela manhã, os sumos sacerdotes, com os anciãos, os mestres da Lei e todo o Sinédrio, reuniram-se e tomaram uma decisão. Levaram Jesus amarrado e o entregaram a Pilatos. E Pilatos o interrogou: "Tu és o rei dos judeus?". Jesus respondeu: "Tu o dizes". E os sumos sacerdotes faziam muitas acusações contra Jesus. Pilatos o interrogou novamente: "Nada tens a responder? Vê de quanta coisa Te acusam!". Mas Jesus não respondeu mais nada, de modo que Pilatos ficou admirado. Por ocasião da Páscoa, Pilatos soltava o prisioneiro que eles pedissem. Havia então um preso, chamado Barrabás, entre os bandidos, que, numa revolta, tinha cometido um assassinato. A multidão subiu a Pilatos e começou a pedir que ele fizesse como era costume. Pilatos perguntou: "Vós quereis que eu solte o rei dos judeus?". Ele bem sabia que os sumos sacerdotes haviam entregado Jesus por inveja. Porém, os sumos sacerdotes instigaram a multidão para que Pilatos lhes soltasse Barrabás. Pilatos perguntou de novo: "Que quereis então que eu faça com o rei dos Judeus?". Mas eles tornaram a gritar: "Crucifica-o!". Pilatos perguntou: "Mas, que mal ele fez?". Eles, porém, gritaram com mais força: "Crucifica-o!". Pilatos, querendo satisfazer a multidão, soltou Barrabás, mandou flagelar Jesus e o entregou para ser crucificado. Então os soldados o levaram para dentro do palácio, isto é, o pretório, e convocaram toda a tropa. Vestiram Jesus com um manto vermelho, teceram uma coroa de espinhos e a puseram em Sua cabeça. E começaram a saudá-lo: "Salve, rei dos judeus!". Batiam-Lhe na cabeça com uma vara. Cuspiam nEle e, dobrando os joelhos, prostravam-se diante dEle. Depois de zombarem de Jesus, tiraram-Lhe o manto vermelho, vestiram-nO de novo com Suas próprias roupas e O levaram para fora, a fim de crucificá-Lo. Os soldados obrigaram um certo Simão de Cirene, pai de Alexandre e de Rufo, que voltava do campo, a carregar a cruz. Levaram Jesus para o lugar chamado Gólgota, que quer dizer "Calvário". Deram-Lhe vinho misturado com mirra, mas Ele não o tomou. Então o crucificaram e repartiram as Suas roupas, tirando a sorte, para ver que parte caberia a cada um. Eram nove horas da manhã quando O crucificaram. E ali estava uma inscrição com o motivo de sua condenação: "O Rei dos Judeus". Com Jesus foram crucificados dois ladrões, um à direita e outro à esquerda. Porque eu vos digo: É preciso que se cumpra em mim a Palavra da Escritura: "Ele foi contado entre os malfeitores". Os que por ali passavam O insultavam, balançando a cabeça e dizendo: "Ah! Tu que destróis o Templo e o reconstróis em três dias, salva-Te a Ri mesmo, descendo da cruz!". Do mesmo modo, os sumos sacerdotes, com os mestres da Lei, zombavam entre si, dizendo: "A outros salvou, a Si mesmo não pode salvar! O Messias, o rei de Israel... que desça agora da cruz, para que vejamos e acreditemos!". Os que foram crucificados com Ele também O insultavam. Quando chegou o meio-dia, houve escuridão sobre toda a terra, até as três horas da tarde. Pelas três da tarde, Jesus gritou com voz forte: "Eli, Eli, lamá sabactâni?", que quer dizer: "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?". Alguns dos que estavam ali perto, ouvindo-o, disseram: "Vejam, ele está chamando Elias!". Alguém correu e embebeu uma esponja em vinagre, colocou-a na ponta de uma vara e Lhe deu de beber, dizendo: "Deixai! Vamos ver se Elias vem tirá-lo da cruz". Então Jesus deu um forte grito e expirou. Neste momento a cortina do santuário rasgou-se de alto a baixo, em duas partes. Quando o oficial do exército, que estava bem em frente dEle, viu como Jesus havia expirado, disse: "Na verdade, este homem era Filho de Deus!". Estavam ali também algumas mulheres, que olhavam de longe; entre elas, Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago Menor e de Joset, e Salomé. Elas haviam acompanhado e servido a Jesus quando Ele estava na Galileia. Também muitas outras que tinham ido com Jesus a Jerusalém, estavam ali. Era o dia da preparação, isto é, a véspera do sábado, e já caíra a tarde. Então, José de Arimateia, membro respeitável do Conselho, que também esperava o Reino de Deus, cheio de coragem, veio a Pilatos e pediu o corpo de Jesus. Pilatos ficou admirado, quando soube que Jesus estava morto. Chamou o oficial do exército e perguntou se Jesus tinha morrido há muito tempo. Informado pelo oficial, Pilatos entregou o corpo a José. José comprou um lençol de linho, desceu o corpo da cruz e o envolveu no lençol. Depois colocou-O num túmulo, escavado na rocha, e rolou uma pedra à entrada do sepulcro. Maria Madalena, e Maria, mãe de Joset, observavam onde Jesus foi colocado.

Comentário feito por Santo Epifânio de Salamina (? - 403)
bispo

"Exulta de alegria, filha de Sião!" (Za 9,9), alegra-te e exulta, Igreja de Deus, pois eis que o teu Rei vem a ti, eis o Esposo que chega, sentado num burro como num trono! Vamos depressa ao Seu encontro para contemplar a Sua glória. Eis a salvação do mundo: Deus avança para a cruz. Também nós, os povos, gritamos hoje com o povo: "Hosana ao Filho de Davi! Bendito seja Aquele que vem em nome do Senhor! Hosana nas alturas!" (Mt 21,9; Sl 118,26) [...]. A Igreja celebra um dia de festa à sombra de Cristo, oliveira carregada de azeitonas na casa de Deus (Sl 52,10); celebra um dia de Festa com Cristo, lírio primaveril do Paraíso em flor. Porque Cristo está no meio da Igreja como verdadeiro lírio florido, raiz de Jessé que não julga o mundo mas o serve (Is 11,1.3). Ele está no meio da Igreja, fonte eterna de onde jorram, não já os rios do paraíso (cf. Gn 2,10), mas Mateus, Marcos, Lucas e João, que regam os jardins da Igreja de Cristo. Hoje, nós, que somos novos e fecundos rebentos (cf Sl 128,3), levando nas mãos os ramos da oliveira, supliquemos a misericórdia de Cristo. "Plantados na casa do Senhor", florescendo na Primavera nos "átrios do nosso Deus", celebremos um dia de festa: "que o Inverno já passou!" (Sl 92,14; Ct 2,11) [...]. Clamo com São Paulo, com voz santa e forte: "O que era antigo passou; eis que surgiram coisas novas" (2Co 5,17). [...] Um profeta, olhando para este rei, grita: "Eis o Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo" (Jo 1,29) [...]; e Davi, olhando para Cristo, saído da sua raça segundo a carne diz: "O Senhor é Deus; Ele nos tem iluminado!" (Sl 118,27). Dia de festa admirável, pela sua novidade, surpreendente e estupenda: as crianças aclamam a Cristo como Deus e os sacerdotes maldizem-nO, as crianças adoram-nO e os doutores da lei desprezam-nO e caluniam-nO. As crianças dizem: "Hosana!" e os Seus inimigos gritam: "Crucifica-O!". Aquelas juntam-se ao redor de Cristo com palmas, estes atiram-se a Ele com espadas; aquelas cortam os ramos, estes preparam uma cruz.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Comentário ao evangelho do dia - Natal


Santos Inocentes

1ª Leitura - 1Jo 1, 5-2,2
Caríssimos, a mensagem, que ouvimos de Jesus Cristo e vos anunciamos, é esta: Deus é luz e nEle não há trevas. Se dissermos que estamos em comunhão com Ele, mas andamos nas trevas, estamos mentindo e não nos guiamos pela verdade. Mas, se andamos na luz, como Ele está na luz, então estamos em comunhão uns com os outros, e o sangue de Seu Filho Jesus nos purifica de todo pecado. Se dissermos que não temos pecado, estamo-nos enganando a nós mesmos, e a verdade não está dentro de nós. Se reconhecermos nossos pecados, então Deus se mostra fiel e justo, para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda culpa. Se dissermos que nunca pecamos, fazemos dEle um mentiroso e Sua palavra não está dentro de nós. Meus filhinhos, escrevo isto para que não pequeis. No entanto, se alguém pecar, temos junto do Pai um Defensor: Jesus Cristo, o Justo. Ele é a vítima de expiação pelos nossos pecados, e não só pelos nossos, mas também pelos pecados do mundo inteiro.

Salmo - Sl 123 (124)
R. Nossa alma como um pássaro escapou
do laço que lhe armara o caçador.
Se o Senhor não estivesse ao nosso lado, *
quando os homens investiram contra nós, 
com certeza nos teriam devorado *
no furor de sua ira contra nós. R.

Então as águas nos teriam submergido, *
a correnteza nos teria arrastado,
e então, por sobre nós teriam passado *
essas águas sempre mais impetuosas. R.

O laço arrebentou-se de repente, *
e assim nós conseguimos libertar-nos.
O nosso auxílio está no nome do Senhor, *
do Senhor que fez o céu e fez a terra! R.

Evangelho - Mt 2, 13-18
Depois que os magos partiram, o Anjo do Senhor apareceu em sonho a José e lhe disse: "Levanta-te, pega o menino e sua mãe e foge para o Egito! Fica lá até que eu te avise! Porque Herodes vai procurar o menino para matá-lo". José levantou-se de noite, pegou o menino e sua mãe, e partiu para o Egito. Ali ficou até à morte de Herodes, para se cumprir o que o Senhor havia dito pelo profeta: "Do Egito chamei o meu Filho". Quando Herodes percebeu que os magos o haviam enganado, ficou muito furioso. Mandou matar todos os meninos de Belém e de todo o território vizinho, de dois anos para baixo, exatamente conforme o tempo indicado pelos magos. Então se cumpriu o que foi dito pelo profeta Jeremias: "Ouviu-se um grito em Ramá, choro e grande lamento: é Raquel que chora seus filhos, e não quer ser consolada, porque eles não existem mais".

Comentário feito por São Pedro Crisólogo (c. 406-450)
bispo de Ravena, doutor da Igreja

Aonde leva a inveja? [...] O crime hoje cometido no-lo mostra: o medo de que exista um rival para o seu reino enche de angústia a Herodes; maquina então suprimir o "Rei que acaba de nascer" (Mt 2,2), o Rei eterno; luta contra o seu Criador e decide matar inocentes [...]. Que erros tinham aquelas crianças cometido? Nada haviam dito suas línguas mudas, nada seus olhos haviam visto, seus ouvidos escutado, suas mãos feito. Foi-lhes dada a morte, não tendo elas conhecido a vida. [...] Cristo lê o futuro e conhece os segredos dos corações, julga os pensamentos e escrutina as intenções (Sl 138): por que as abandonou? [...] Por que negligenciou o Rei do céu recém-nascido estes companheiros de inocência, por que esqueceu as sentinelas de serviço em redor do Seu berço, levando a que o inimigo, com a intenção de atingir o Rei, devastasse por completo o exército? Irmãos, Cristo não abandonou os Seus soldados, antes os encheu de glória ao permitir-lhes triunfar antes de viver, e ganhar a vitória sem que tivessem de combater. [...] Ele quis que possuíssem o céu, de preferência à terra [...], enviou-os à Sua frente como arautos. Não os abandonou: salvou a Sua guarda avançada, não a esqueceu [...]. Bem-aventurados os que trocaram os trabalhos pelo repouso, as dores pelo alívio, o sofrimento pela alegria. Estão vivos, vivos, vivem realmente, os que sofreram a morte por Cristo. [...] Felizes as lágrimas que as mães verteram por seus filhos: valeram-lhes a graça do batismo. [...] Que Aquele que Se dignou repousar no nosso estábulo queira também conduzir-nos aos prados do céu.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Comentário ao Evangelho do dia - Advento


3ª Semana do Advento - Sexta-feira
     
1ª Leitura - Is 56, 1-3a.6-8
Isto diz o Senhor: "Cumpri o dever e praticai a justiça, minha salvação está prestes a chegar e minha justiça não tardará a manifestar-se". Feliz do homem que assim proceder e que nisso perseverar, observando o sábado, sem o profanar, preservando suas mãos de fazer o mal. Não diga o estrangeiro que aderiu ao Senhor: "Por certo o Senhor me excluirá de seu povo". Aos estrangeiros que aderem ao Senhor, prestando-Lhe culto, honrando o nome do Senhor, servindo-O como servos Seus, a todos os que observam o sábado e não o profanam, "e aos que mantêm aliança comigo, a esses conduzirei ao meu santo monte e os alegrarei em minha casa de oração; aceitarei com agrado em meu altar seus holocaustos e vítimas, pois minha casa será chamada casa de oração para todos os povos". Diz o Senhor Deus, que reúne os dispersos de Israel: "Ainda reunirei com eles outros, além dos que já estão reunidos".

Salmo - Sl 66 (67)
R. Que as nações Vos glorifiquem, ó Senhor,
que todas as nações Vos glorifiquem.
Que Deus nos dê a Sua graça e Sua bênção, *
e Sua face resplandeça sobre nós!
Que na terra se conheça o Seu caminho *
e a Sua salvação por entre os povos. R. 

Exulte de alegria a terra inteira, *
pois julgais o universo com justiça;
os povos governais com retidão, *
e guiais, em toda a terra, as nações. R. 

A terra produziu sua colheita: *
o Senhor e nosso Deus nos abençoa.
Que o Senhor e nosso Deus nos abençoe, *
e O respeitem os confins de toda a terra! R.

Evangelho - Jo 5, 33-36
Naquele tempo, Jesus disse aos judeus: "Vós mandastes mensageiros a João, e ele deu testemunho da verdade. Eu, porém, não dependo do testemunho de um ser humano. Mas falo assim para a vossa salvação. João era uma lâmpada que estava acesa e a brilhar, e vós com prazer vos alegrastes por um tempo com a sua luz. Mas eu tenho um testemunho maior que o de João; as obras que o Pai me concedeu realizar. As obras que eu faço dão testemunho de mim, mostrando que o Pai me enviou".

Comentário feito por São Máximo de Turim (? – c. 420)
bispo

Na altura em que todo o universo se encontrava subjugado pelas trevas do diabo e o negrume do pecado reinava sobre o mundo, um novo sol, Cristo, Nosso Senhor, quis, nos últimos tempos e na escuridão da noite, espalhar a claridade de um novo dia. Antes de surgir esta luz, isto é, antes de que se manifestasse "o sol de justiça" (Ml 3, 20), Deus anunciara já, pelos profetas: "Eu vos enviei todos os Meus profetas antes da luz" (Jr 7, 25 [Vulgata]). Mais tarde, o próprio Cristo enviou os Seus raios, ou seja, os Apóstolos, a fazer brilhar a Sua luz e encher de Verdade a terra inteira, a fim de que ninguém se perdesse nas trevas. [...] Nós, os homens, servimo-nos de lâmpadas para levar a cabo as nossas tarefas antes de o sol deste mundo nascer; ora, também o sol de Cristo teve uma lâmpada a preceder a Sua vinda, como diz o salmista: "Preparei uma lâmpada para o Meu Cristo" (Sl 132, 17 [Vulgata]). O Senhor indica-nos quem é esta lâmpada, ao dizer, a respeito de João Batista: "era uma lâmpada ardente e luminosa" (Jo 5, 35). E o mesmo João diz de si mesmo, como se fora o fraco clarão de uma lanterna que se leva à nossa frente: "Mas vai chegar alguém mais forte do que eu, a quem não dou digno de desatar a correia das sandálias. Ele há de vos batizar no Espírito Santo e no fogo" (Lc 3, 16); ao mesmo tempo, percebendo que a sua luz devia desvanecer-se perante os raios desse sol, diz: "Ele é que deve crescer, e eu diminuir" (Jo 3, 30). Com efeito, assim como o clarão de uma lanterna desaparece com a luz do sol, do mesmo modo o batismo de arrependimento de João perde o valor com a chegada da graça de Cristo.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Comentário ao Evangelho do dia - Advento


3ª Semana do Advento - Quinta-feira

1ª Leitura - Is 54, 1-10
Alegra-te, ó estéril, que nunca foste mãe, exulta e regozija-te, tu que nunca deste à luz; os filhos da mulher abandonada são mais numerosos do que os filhos da bem-casada, diz o Senhor. Alarga o espaço de tua tenda e distende bastante as peles das tuas barracas; usa cordas bem longas e finca as estacas com segurança. Farás expansão para um lado e para outro e tua posteridade receberá em herança as nações que povoarão cidades abandonadas. Não tenhas medo, pois não sofrerás afronta alguma; nem te perturbes, pois não tens de que te envergonhar; esquecerás a vergonha sofrida na juventude e não te recordarás mais da humilhação da viuvez. Teu esposo é aquele que te criou, seu nome é Senhor dos exércitos; teu redentor, o Santo de Israel, chama-se Deus de toda a terra. O Senhor te chamou, como a mulher abandonada e de alma aflita; como a esposa repudiada na mocidade, falou o teu Deus. Por um breve instante eu te abandonei, mas com imensa compaixão volto a acolher-te. Num momento de indignação, por um pouco ocultei de ti minha face, mas com misericórdia eterna compadeci-me de ti, diz teu salvador, o Senhor. Como fiz nos dias de Noé, a quem jurei nunca mais inundar a terra, assim juro que não me irritarei contra ti nem te farei ameaças. Podem os montes recuar e as colinas abalar-se, mas minha misericórdia não se apartará de ti, nada fará mudar a aliança de minha paz, diz o teu misericordioso Senhor.

Salmo - Sl 29 (30)
R. Eu vos exalto, ó Senhor, porque vós me livrastes!
Eu vos exalto, ó Senhor, pois me livrastes,*
e não deixastes rir de mim meus inimigos!
Vós tirastes minha alma dos abismos*
e me salvastes, quando estava já morrendo! R. 

Cantai salmos ao Senhor, povo fiel,*
dai-Lhe graças e invocai Seu santo nome!
Pois Sua ira dura apenas um momento,*
mas Sua bondade permanece a vida inteira;
se à tarde vem o pranto visitar-nos,*
de manhã vem saudar-nos a alegria. R. 

Escutai-me, Senhor Deus, tende piedade!*
Sede, Senhor, o meu abrigo protetor!
Transformastes o meu pranto em uma festa,*
Senhor meu Deus, eternamente hei de louvar-vos! R.

Evangelho - Lc 7, 24-30
Depois que os mensageiros de João partiram, Jesus começou a falar sobre João às multidões: "O que fostes ver no deserto? Um caniço agitado pelo vento? O que fostes ver? Um homem vestido com roupas finas? Ora, os que se vestem com roupas preciosas e vivem no luxo estão nos palácios dos reis. Então, o que fostes ver? Um profeta? Eu vos afirmo que sim, e alguém que é mais do que um profeta. É de João que está escrito: 'Eis que eu envio o meu mensageiro à tua frente; ele vai preparar o meu caminho diante de ti'. Eu vos digo: entre os nascidos de mulher, ninguém é maior do que João. No entanto, o menor no Reino de Deus é maior do que ele. Todo o povo ouviu e até mesmo os cobradores de impostos reconheceram a justiça de Deus, e receberam o batismo de João. Mas os fariseus e os mestres da Lei, rejeitando o batismo de João, tornaram inútil para si mesmos o projeto de Deus".

Comentário feito por Santo Efraim (c. 306-373)
diácono na Síria, doutor da Igreja

"De entre os homens, nenhum é maior do que João." Se todos os santos, esses homens justos, fortes e sábios, pudessem reunir-se e habitar num só homem, não chegariam a igualar João Batista [...], e por isso se diz que em muito ele ultrapassa os homens e que pertence à categoria dos anjos (Mc 1, 2). "Mas o mais pequeno do Reino de Deus é maior do que ele." Com o que disse acerca da grandeza de João, Nosso Senhor quis anunciar-nos a abundante misericórdia de Deus e a Sua generosidade para com os Seus eleitos. Por mais célebre e grandioso que seja João, sê-lo-á menos do que o mais pequeno do Reino, como diz o apóstolo Paulo: "Pois o nosso conhecimento é imperfeito [...] mas, quando vier o que é perfeito, o que é imperfeito desaparecerá" (1Co 13, 9-10). João é grande, e disse por intuição: "Eis o Cordeiro de Deus" (Jo 1, 29); mas essa grandiosidade, comparada com a glória que será revelada àqueles que dela forem considerados dignos, é como um mero antegosto. Por outras palavras, todas as coisas grandes e admiráveis da terra, comparadas com as beatitudes do alto, surgem-nos na sua pequenez e na sua vacuidade [...]. João foi considerado digno dos grandes dons deste mundo: a profecia, o sacerdócio (cf. Lc 1, 5) e a justiça [...]. João é maior do que Moisés e os profetas, mas a antiga Lei precisa do Novo Testamento, pois aquele que é maior do que os profetas disse ao Senhor: "Eu é que tenho necessidade de ser batizado por Ti" (Mt 3, 14). João é igualmente grande porque a sua concepção foi anunciada por um anjo, porque o seu nascimento esteve envolto em milagres, porque anunciou Aquele que dá a vida, porque batizou para a remissão dos pecados. [...] Moisés conduziu o povo até ao Jordão e a Lei conduziu o gênero humano até ao batismo de João. Mas "se de entre os homens, nenhum é maior do que João", o precursor do Senhor, quão maiores serão aqueles a quem nosso Senhor lavou os pés e em quem insuflou o Seu Espírito (Jo 13, 4; Jo 20, 22)!

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Comentário ao Evangelho do dia - Advento


3ª Semana do Advento - Quarta-feira
São João da Cruz

1ª Leitura - Is 45, 6b-8.18.21b-25
"Eu sou o Senhor, não há outro, eu formei a luz e criei as trevas, crio o bem-estar e as condições de mal-estar: sou o Senhor que faço todas estas coisas. Céus, deixai cair orvalho das alturas, e que as nuvens façam chover justiça; abra-se a terra e germine a salvação; brote igualmente a justiça: eu, o Senhor, a criei." Isto diz o Senhor que criou os céus, o próprio Deus que fez a terra, a conformou e consolidou; não a criou para ficar vazia, formou-a para ser habitada: "Sou eu o Senhor, e não há outro. Quem vos fez ouvir os fatos passados e soube predizê-los desde então? Acaso não sou eu o Senhor? E não há deus além de mim. Não há um Deus justo, e que salve, a não ser eu. Povos de todos os confins da terra, voltai-vos para mim e sereis salvos, eu sou Deus e não há outro. Juro por mim mesmo: de minha boca sai o que é justo, a palavra que não volta atrás; todo joelho há de dobrar-se para mim, por mim há de jurar toda língua, dizendo: Somente no Senhor residem justiça e força". Comparecerão perante Ele, envergonhados, todos os que Lhe resistem; no Senhor será justificada e glorificada toda a descendência de Israel.

Salmo - Sl 84 (85) 
R. Que os céus lá do alto derramem o orvalho,
que chova das nuvens o Justo esperado! (Is 45,8)
Quero ouvir o que o Senhor irá falar:*
é a paz que Ele vai anunciar;
a paz para o Seu povo e Seus amigos,*
para os que voltam ao Senhor seu coração.
Está perto a salvação dos que O temem,*
e a glória habitará em nossa terra. R. 

A verdade e o amor se encontrarão,*
a justiça e a paz se abraçarão;
da terra brotará a fidelidade,*
e a justiça olhará dos altos céus. R. 

O Senhor nos dará tudo o que é bom,*
e a nossa terra nos dará suas colheitas;
a justiça andará na sua frente*
e a salvação há de seguir os passos seus. R.

Evangelho - Lc 7, 19-23
Naquele tempo, João convocou dois de seus discípulos, e mandou-os perguntar ao Senhor: "És Tu aquele que há de vir, ou devemos esperar outro?". Eles foram ter com Jesus, e disseram: "João Batista nos mandou a Ti para perguntar: 'És Tu aquele que há de vir, ou devemos esperar outro?'". Nessa mesma hora, Jesus curou de doenças, enfermidades e espíritos malignos a muitas pessoas, e fez muitos cegos recuperarem a vista. Então, Jesus lhes respondeu: "Ide contar a João o que vistes e ouvistes: os cegos recuperam a vista, os paralíticos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam, e a Boa Nova é anunciada aos pobres. E feliz é aquele que não se escandaliza por causa de mim!".

Comentário feito por Beato João Paulo II (1920-2005)
papa

Diante dos Seus conterrâneos, em Nazaré, Cristo expõe as palavras do profeta Isaías: "O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para anunciar a Boa-Nova aos pobres; enviou-me a proclamar a libertação aos cativos e, aos cegos, a recuperação da vista; a mandar em liberdade os oprimidos, a proclamar um ano favorável da parte do Senhor" (Lc 4, 18-19). [...] Mediante tais fatos e palavras, Cristo torna o Pai presente no meio dos homens. É muito significativo que estes homens sejam sobretudo os pobres, carecidos dos meios de subsistência, os que estão privados da liberdade, os cegos que não veem a beleza da criação, os que vivem com a amargura no coração, ou então os que sofrem por causa da injustiça social e, por fim, os pecadores. Em relação a estes últimos, de modo especial, o Messias torna-Se sinal particularmente visível de Deus que é amor, torna-Se sinal do Pai. [...] É igualmente significativo que, quando os mensageiros enviados por João Batista foram ter com Jesus e Lhe perguntaram: "Tu és Aquele que está para vir, ou temos de esperar outro?", Ele, referindo-Se ao mesmo testemunho com que havia inaugurado o Seu ensino em Nazaré, lhes tenha respondido: "Ide contar a João o que vistes e ouvistes: os cegos veem, os coxos andam, os leprosos ficam limpos, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam, aos pobres é anunciada a Boa-Nova"; e é ainda significativo que tenha depois concluído: "Bem-aventurado aquele que não se escandalizar a Meu respeito". Jesus revelou, sobretudo pelo Seu estilo de vida e as Suas ações, como o Amor está presente no mundo em que vivemos, Amor operante, Amor que se dirige ao homem e abraça tudo quanto constitui a sua humanidade. Tal amor transparece especialmente no contato com o sofrimento, a injustiça e a pobreza, no contato com toda a "condição humana" histórica que, de vários modos, manifesta as limitações e a fragilidade, tanto físicas como morais, do homem. Precisamente o modo e o âmbito em que Se manifesta o Amor são chamados, na linguagem bíblica, "misericórdia". Cristo, portanto, revela Deus que é Pai, que é "Amor", como referiria João na sua primeira epístola (IJo 4, 16); revela Deus "rico em misericórdia" (Ef 2, 4).

domingo, 11 de dezembro de 2011

Comentário ao Evangelho do dia - Advento


3º Domingo do Advento

1ª Leitura - Is 61, 1-2a.10-11
O Espírito do Senhor Deus está sobre mim, porque o Senhor me ungiu; enviou-me para dar a boa-nova aos humildes, curar as feridas da alma, pregar a redenção para os cativos e a liberdade para os que estão presos; para proclamar o tempo da graça do Senhor. Exulto de alegria no Senhor e minh'alma regozija-se em meu Deus; Ele me vestiu com as vestes da salvação, envolveu-me com o manto da justiça e adornou-me como um noivo com sua coroa, ou uma noiva com suas jóias. Assim como a terra faz brotar a planta e o jardim faz germinar a semente, assim o Senhor Deus fará germinar a justiça e a sua glória diante de todas as nações.

Salmo - Lc 1, 46-48.49-50.53-54
R. A minh'alma se alegra no meu Deus (Is 61, 10b).
A minha alma engrandece o Senhor,*
e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador,
porque olhou para a humildade de Sua serva.* 
Doravante as gerações me chamarão bem-aventurada. R.

porque o Todo-poderoso fez grandes coisas 
em meu favor.* O Seu nome é santo,
e Sua misericórdia se estende, de geração em geração,*
a todos os que O respeitam. R.

Encheu de bens os famintos,*
e despediu os ricos de mãos vazias.
Socorreu Israel, Seu servo,*
lembrando-se de Sua misericórdia. R.

2ª Leitura - 1Ts 5, 16-24
Irmãos, estai sempre alegres! Rezai sem cessar. Dai graças em todas as circunstâncias, porque esta é a vosso respeito a vontade de Deus em Jesus Cristo. Não apagueis o espírito! Não desprezeis as profecias, mas examinai tudo e guardai o que for bom. Afastai-vos de toda espécie de maldade! Que o próprio Deus da paz vos santifique totalmente, e que tudo aquilo que sois - espírito, alma, corpo - seja conservado sem mancha alguma para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo! Aquele que vos chamou é fiel; Ele mesmo realizará isso.

Evangelho - Jo 1, 6-8.19-28
Surgiu um homem enviado por Deus; seu nome era João. Ele veio como testemunha, para dar testemunho da luz, para que todos chegassem à fé por meio dele. Ele não era a luz, mas veio para dar testemunho da luz: Este foi o testemunho de João, quando os judeus enviaram de Jerusalém sacerdotes e levitas para perguntar: "Quem és tu?". João confessou e não negou. Confessou: "Eu não sou o Messias". Eles perguntaram: "Quem és, então? És tu Elias?". João respondeu: "Não sou". Eles perguntaram: "És o Profeta?". Ele respondeu: "Não". Perguntaram então: "Quem és, afinal? Temos que levar uma resposta para aqueles que nos enviaram. O que dizes de ti mesmo?". João declarou: "Eu sou a voz que grita no deserto: 'Aplainai o caminho do Senhor' - conforme disse o profeta Isaías". Ora, os que tinham sido enviados pertenciam aos fariseus e perguntaram: "Por que então andas batizando, se não és o Messias, nem Elias, nem o Profeta?". João respondeu: "Eu batizo com água; mas no meio de vós está Aquele que vós não conheceis, e que vem depois de mim. Eu não mereço desamarrar a correia de Suas sandálias". Isso aconteceu em Betânia além do Jordão, onde João estava batizando.

Comentário feito por São Gregório Magno (c. 540-604)
papa e doutor da Igreja

"Eu batizo com água, mas no meio de vós está Quem vós não conheceis." Não é no espírito, mas em água que João batiza. Incapaz de perdoar os pecados, ele lava pela água o corpo dos batizados, mas não lava o espírito pelo perdão. Então por que é que ele batiza, se não perdoa os pecados pelo seu batismo? Por que, a não ser para permanecer no seu papel de precursor? Tal como, nascendo, precedeu o Senhor que ia nascer, assim também, batizando, precede o Senhor que ia batizar. Precursor de Cristo pela sua pregação, ele o foi também dando um batismo que era uma imagem do sacramento que estava para vir. João anunciou um mistério quando declarou que Cristo estava no meio dos homens e que eles não O conheciam, pois o Senhor, quando Se revelou na carne, era ao mesmo tempo visível no Seu corpo e invisível na Sua majestade. E João acrescenta: "O que vem depois de mim passou à minha frente" (Jo 1, 15) [...]; e explica as causas da superioridade de Cristo quando precisa: "Porque existia antes de mim", como que para dizer claramente: "Se é superior a mim, tendo nascido depois de mim, é porque o tempo do Seu nascimento não o restringe dentro dos seus limites. Nascido de uma mãe no tempo, foi gerado pelo Pai fora do tempo". João manifesta o humilde respeito que Lhe deve, prosseguindo: "Não sou digno de desatar as correias das Suas sandálias". Era costume entre os antigos que, se alguém se recusasse a desposar uma jovem que lhe estava prometida, desatasse a sandália do que viesse a ser seu marido. Ora Cristo manifestou-Se como Esposo da santa Igreja. [...] Mas porque os homens pensavam que João era o Cristo – coisa que o próprio João negou –, ele declara-se indigno de desatar a correia da Sua sandália. É como se dissesse claramente [...]: "Eu não adoto incorretamente o nome de esposo" (cf Jo 3, 29).

sábado, 10 de dezembro de 2011

Comentário ao Evangelho do dia - Advento


2ª Semana do Advento - Sábado

1ª Leitura - Eclo 48, 1-4.9-11
Naqueles dias, o profeta Elias surgiu como um fogo, e sua palavra queimava como uma tocha. Fez vir a fome sobre eles e, no seu zelo, reduziu-os a pouca gente. Pela palavra do Senhor fechou o céu e de lá fez cair fogo por três vezes. Ó Elias, como te tornaste glorioso por teus prodígios! Quem poderia gloriar-se de ser semelhante a ti? Tu foste arrebatado num turbilhão de fogo, num carro de cavalos também de fogo, tu, nas ameaças para os tempos futuros, foste designado para acalmar a ira do Senhor antes do furor, para reconduzir o coração do pai ao filho, e restabelecer as tribos de Jacó. Felizes os que te viram, e os que adormeceram na tua amizade!

Salmo - Sl 79 (80)
R. Convertei-nos, ó Senhor,
resplandecei a vossa face e nós seremos salvos!
Ó Pastor de Israel, prestai ouvidos.*
Vós que sobre os querubins vos assentais.
Despertai vosso poder, ó nosso Deus*
e vinde logo nos trazer a salvação! R. 

Voltai-vos para nós, Deus do universo!+
Olhai dos altos céus e observai.*
Visitai a vossa vinha e protegei-a!
Foi a vossa mão direita que a plantou;*
protegei-a, e ao rebento que firmastes! R. 

Pousai a mão por sobre o vosso Protegido,*
o filho do homem que escolhestes para vós!
E nunca mais vos deixaremos, Senhor Deus!*
Dai-nos vida, e louvaremos vosso nome! R.

Evangelho - Mt 17, 10-13
Ao descerem do monte, os discípulos perguntaram a Jesus: "Por que os mestres da Lei dizem que Elias deve vir primeiro?". Jesus respondeu: "Elias vem e colocará tudo em ordem. Ora, eu vos digo: Elias já veio, mas eles não o reconheceram. Ao contrário, fizeram com ele tudo o que quiseram. Assim também o Filho do Homem será maltratado por eles". Então os discípulos compreenderam que Jesus lhes falava de João Batista.

Comentário feito por Afraates (?-c. 345)
monge e bispo perto de Mossul, santo das Igrejas ortodoxas 

Nosso Senhor diz que João é o maior dos profetas, mas ele recebeu o espírito de maneira moderada, uma vez que obteve um espírito semelhante ao que Elias recebera. Tal como Elias permanecera na solidão, o Espírito de Deus enviou João para o deserto, para as montanhas e as grutas. Um corvo havia voado em auxílio de Elias para o alimentar; João comia gafanhotos. Elias usava um cinto de pele; João vestia uma faixa de pele em torno dos rins. Elias foi perseguido por Jezabel; Herodíades perseguiu João. Elias repreendera Acab; João censurou Herodes. Elias dividira as águas do Jordão; João inaugurou o batismo. O duplo do espírito de Elias pousou sobre Eliseu; João impôs as mãos ao nosso Salvador, que recebeu o Espírito sem medida (Jo 3,34). Elias abriu o céu e subiu, João viu os céus se abrirem e o Espírito de Deus descer a pousar sobre o nosso Salvador.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Porta fidei


Carta Apostólica
sob forma de Motu Proprio
Porta fidei
Do Sumo Pontífice
Bento XVI
com a qual se proclama o Ano da Fé.

1. A PORTA DA FÉ (cf. At 14, 27), que introduz na vida de comunhão com Deus e permite a entrada na Sua Igreja, está sempre aberta para nós. É possível cruzar este limiar, quando a Palavra de Deus é anunciada e o coração se deixa plasmar pela graça que transforma. Atravessar esta porta implica embrenhar-se em um caminho que dura a vida inteira. Este caminho tem início no Batismo (cf. Rm 6, 4), pelo qual podemos nos dirigir a Deus com o nome de Pai, e se conclui com a passagem através da morte para a vida eterna, fruto da ressurreição do Senhor Jesus, que, com o dom do Espírito Santo, quis fazer participantes da Sua própria glória aqueles que creem nEle (cf. Jo 17, 22). Professar a fé na Trindade – Pai, Filho e Espírito Santo – equivale a crer num só Deus que é Amor (cf. 1Jo 4, 8): o Pai, que na plenitude dos tempos enviou seu Filho para a nossa salvação; Jesus Cristo, que redimiu o mundo no mistério da Sua morte e ressurreição; o Espírito Santo, que guia a Igreja através dos séculos enquanto aguarda o regresso glorioso do Senhor.
2. Desde o princípio do meu ministério como Sucessor de Pedro, lembrei a necessidade de redescobrir o caminho da fé para fazer brilhar, com evidência sempre maior, a alegria e o renovado entusiasmo do encontro com Cristo. Durante a homilia da Santa Missa no início do pontificado, disse: “A Igreja no seu conjunto, e os Pastores nela, como Cristo devem pôr-se a caminho para conduzir os homens para fora do deserto, para lugares de vida, de amizade com o Filho de Deus, para Aquele que dá a vida, a vida em plenitude” [1]. Acontece não poucas vezes que os cristãos sintam maior preocupação com as consequências sociais, culturais e políticas da fé do que com a própria fé, considerando esta como um pressuposto óbvio da sua vida diária. Ora, tal pressuposto não só deixou de existir, mas frequentemente acaba até negado [2]. Enquanto, no passado, era possível reconhecer um tecido cultural unitário, amplamente compartilhado no seu apelo aos conteúdos da fé e aos valores por ela inspirados, hoje parece que já não é assim em grandes setores da sociedade devido a uma profunda crise de fé que atingiu muitas pessoas.
3. Não podemos aceitar que o sal se torne insípido e a luz fique escondida (cf. Mt 5, 13-16). O homem contemporâneo também pode sentir de novo a necessidade de ir como a samaritana ao poço, para ouvir Jesus que convida a crer nEle e a beber na Sua fonte, de onde jorra água viva (cf. Jo 4, 14). Devemos readquirir o gosto de nos alimentar da Palavra de Deus, transmitida fielmente pela Igreja, e do Pão da vida, oferecidos como sustento daqueles que são Seus discípulos (cf. Jo 6, 51). De fato, em nossos dias ressoa ainda, com a mesma força, este ensinamento de Jesus: “Trabalhai, não pelo alimento que desaparece, mas pelo alimento que perdura e dá a vida eterna” (Jo 6, 27). E a questão, então posta por aqueles que O escutavam, é a mesma que colocamos nós também hoje: “Que havemos nós de fazer para realizar as obras de Deus?” (Jo 6, 28). Conhecemos a resposta de Jesus: “A obra de Deus é esta: crer nAquele que Ele enviou” (Jo 6, 29). Por isso, crer em Jesus Cristo é o caminho para se poder chegar definitivamente à salvação.
4. À luz de tudo isto, decidi proclamar um Ano da Fé. Este terá início a 11 de outubro de 2012, no cinquentenário da abertura do Concílio Vaticano II, e terminará na Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do Universo, a 24 de novembro de 2013. Na referida data de 11 de outubro de 2012, completar-se-ão também vinte anos da publicação do Catecismo da Igreja Católica, texto promulgado pelo meu Predecessor, o Beato Papa João Paulo II [3], com o objetivo de ilustrar a todos os fiéis a força e a beleza da fé. Esta obra, verdadeiro fruto do Concílio Vaticano II, foi desejada pelo Sínodo Extraordinário dos Bispos de 1985 como instrumento ao serviço da catequese [4] e foi realizado com a colaboração de todo o episcopado da Igreja Católica. E uma Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos foi convocada por mim, precisamente para o mês de outubro de 2012, tendo por tema A nova evangelização para a transmissão da fé cristã. Será uma ocasião propícia para introduzir o complexo eclesial inteiro num tempo de particular reflexão e redescoberta da fé. Não é a primeira vez que a Igreja é chamada a celebrar um Ano da Fé. O meu venerado Predecessor, o Servo de Deus Paulo VI, proclamou um ano semelhante, em 1967, para comemorar o martírio dos apóstolos Pedro e Paulo no décimo nono centenário do seu supremo testemunho. Idealizou-o como um momento solene, para que houvesse, em toda a Igreja, “uma autêntica e sincera profissão da mesma fé”; quis ainda que esta fosse confirmada de maneira “individual e coletiva, livre e consciente, interior e exterior, humilde e franca” [5]. Pensava que a Igreja poderia assim retomar “exata consciência da sua fé para a reavivar, purificar, confirmar, confessar” [6]. As grandes convulsões, que se verificaram naquele Ano, tornaram ainda mais evidente a necessidade de uma celebração como tal. Esta terminou com a Profissão de Fé do Povo de Deus [7], para atestar como os conteúdos essenciais, que há séculos constituem o patrimônio de todos os crentes, necessitam de ser confirmados, compreendidos e aprofundados de maneira sempre nova para se dar testemunho coerente deles em condições históricas diversas das do passado.
5. Sob alguns aspectos, o meu venerado Predecessor viu este Ano como uma “consequência e exigência pós-conciliar” [8], bem ciente das graves dificuldades daquele tempo sobretudo no que se referia à profissão da verdadeira fé e da sua reta interpretação. Pareceu-me que fazer coincidir o início do Ano da Fé com o cinquentenário da abertura do Concílio Vaticano II poderia ser uma ocasião propícia para compreender que os textos deixados em herança pelos Padres Conciliares, segundo as palavras do Beato João Paulo II, “não perdem o seu valor nem a sua beleza. É necessário fazê-los ler de forma tal que possam ser conhecidos e assimilados como textos qualificados e normativos do Magistério, no âmbito da Tradição da Igreja. Sinto hoje ainda mais intensamente o dever de indicar o Concílio como a grande graça de que se beneficiou a Igreja no século XX: nele se encontra uma bússola segura para nos orientar no caminho do século que começa” [9]. Quero aqui repetir com veemência as palavras que disse a propósito do Concílio poucos meses depois da minha eleição para Sucessor de Pedro: “Se o lermos e recebermos guiados por uma justa hermenêutica, o Concílio pode ser e tornar-se cada vez mais uma grande força para a renovação sempre necessária da Igreja” [10].
6. A renovação da Igreja realiza-se também através do testemunho prestado pela vida dos crentes: de fato, os cristãos são chamados a fazer brilhar, com a sua própria vida no mundo, a Palavra de verdade que o Senhor Jesus nos deixou. O próprio Concílio, na Constituição dogmática Lumen gentium, afirma: “Enquanto Cristo ‘santo, inocente, imaculado’ (Hb 7, 26), não conheceu o pecado (cf. 2Cor 5, 21), mas veio apenas expiar os pecados do povo (cf. Hb 2, 17), a Igreja, contendo pecadores no seu próprio seio, simultaneamente santa e sempre necessitada de purificação, exercita continuamente a penitência e a renovação. A Igreja ‘prossegue a sua peregrinação no meio das perseguições do mundo e das consolações de Deus’, anunciando a cruz e a morte do Senhor até que Ele venha (cf. 1Cor 11, 26). Mas é robustecida pela força do Senhor ressuscitado, de modo a vencer, pela paciência e pela caridade, as suas aflições e dificuldades tanto internas como externas, e a revelar, velada mas fielmente, o seu mistério, até que por fim se manifeste em plena luz” [11].
Nesta perspectiva, o Ano da Fé é convite para uma autêntica e renovada conversão ao Senhor, único Salvador do mundo. No mistério da Sua morte e ressurreição, Deus revelou plenamente o Amor que salva e chama os homens à conversão de vida por meio da remissão dos pecados (cf. At 5, 31). Para o apóstolo Paulo, este amor introduz o homem em uma vida nova: “Pelo Batismo fomos sepultados com Ele na morte, para que, tal como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, também nós caminhemos em uma vida nova” (Rm 6, 4). Em virtude da fé, esta vida nova plasma toda a existência humana segundo a novidade radical da ressurreição. Na medida da sua livre disponibilidade, os pensamentos e os afetos, a mentalidade e o comportamento do homem vão sendo pouco a pouco purificados e transformados, ao longo de um itinerário jamais completamente terminado nesta vida. A “fé, que atua pelo amor” (Gl 5, 6), torna-se um novo critério de entendimento e de ação, que muda toda a vida do homem (cf. Rm 12, 2; Cl 3, 9-10; Ef 4, 20-29; 2Cor 5, 17).
7. “Caritas Christi urget nos – o amor de Cristo nos impele” (2Cor 5, 14): é o amor de Cristo que enche os nossos corações e nos impele a evangelizar. Hoje, como outrora, Ele envia-nos pelas estradas do mundo para proclamar o Seu Evangelho a todos os povos da terra (cf. Mt 28, 19). Com o Seu amor, Jesus Cristo atrai a Si os homens de cada geração: em todo o tempo, Ele convoca a Igreja confiando-lhe o anúncio do Evangelho, com um mandato que é sempre novo. Por isso, também hoje é necessário um empenho eclesial mais convicto a favor de uma nova evangelização, para descobrir de novo a alegria de crer e reencontrar o entusiasmo de comunicar a fé. Na descoberta diária do Seu amor, ganha força e vigor o compromisso missionário dos crentes, que jamais pode faltar. Com efeito, a fé cresce quando é vivida como experiência de um amor recebido e é comunicada como experiência de graça e de alegria. A fé torna-nos fecundos, porque alarga o coração com a esperança e permite oferecer um testemunho que é capaz de gerar: de fato, abre o coração e a mente dos ouvintes para acolherem o convite do Senhor a aderir à Sua Palavra a fim de se tornarem Seus discípulos. Os crentes – atesta Santo Agostinho – “fortificam-se acreditando” [12]. O Santo Bispo de Hipona tinha boas razões para falar assim. Como sabemos, a sua vida foi uma busca contínua da beleza da fé enquanto o seu coração não encontrou descanso em Deus [13]. Os seus numerosos escritos, onde se explica a importância de crer e a verdade da fé, permaneceram até aos nossos dias como um patrimônio de riqueza incomparável e consentem ainda que tantas pessoas à procura de Deus encontrem o justo percurso para chegar à “porta da fé”.
Por conseguinte, só acreditando é que a fé cresce e se revigora; não há outra possibilidade de adquirir certeza sobre a própria vida, senão abandonar-se progressivamente nas mãos de um amor que se experimenta cada vez maior porque tem a sua origem em Deus.
8. Nesta feliz ocorrência, pretendo convidar os Irmãos Bispos de todo o mundo para que se unam ao Sucessor de Pedro, no tempo de graça espiritual que o Senhor nos oferece, a fim de comemorar o dom precioso da fé. Queremos celebrar este Ano de forma digna e fecunda. Deverá intensificar-se a reflexão sobre a fé, para ajudar todos os crentes em Cristo a se tornarem mais conscientes e a revigorarem a sua adesão ao Evangelho, sobretudo em um momento de profunda mudança como este que a humanidade está vivendo. Teremos oportunidade de confessar a fé no Senhor Ressuscitado nas nossas catedrais e nas igrejas do mundo inteiro, nas nossas casas e no meio das nossas famílias, para que cada um sinta fortemente a exigência de conhecer melhor e de transmitir às gerações futuras a fé de sempre. Neste Ano, tanto as comunidades religiosas como as comunidades paroquiais e todas as realidades eclesiais, antigas e novas, encontrarão forma de fazer publicamente profissão do Credo.
9. Desejamos que este Ano suscite, em cada crente, o anseio de confessar a fé plenamente e com renovada convicção, com confiança e esperança. Será uma ocasião propícia também para intensificar a celebração da fé na liturgia, particularmente na Eucaristia, que é “a meta para a qual se encaminha a ação da Igreja e a fonte de onde promana toda a sua força” [14]. Simultaneamente esperamos que o testemunho de vida dos crentes cresça na sua credibilidade. Descobrir novamente os conteúdos da fé professada, celebrada, vivida e rezada [15] e refletir sobre o próprio ato com que se crê, é um compromisso que cada crente deve assumir, sobretudo neste Ano.
Não foi sem razão que, nos primeiros séculos, os cristãos eram obrigados a aprender de memória o Credo. É que este lhes servia de oração diária, para não esquecerem o compromisso assumido com o Batismo. Recorda-o, com palavras densas de significado, Santo Agostinho quando afirma numa homilia sobre a redditio symboli (a entrega do Credo): “O símbolo do santo mistério, que recebestes todos juntos e que hoje proferistes um a um, reúne as palavras sobre as quais está edificada com solidez a fé da Igreja, nossa Mãe, apoiada no alicerce seguro que é Cristo Senhor. E vós o recebestes e proferistes, mas deveis tê-lo sempre presente na mente e no coração, deveis repeti-lo nos vossos leitos, pensar nele nas praças e não o esquecer durante as refeições; e, mesmo quando o corpo dorme, o vosso coração continue de vigília por ele” [16].
10. Queria agora delinear um percurso que ajude a compreender de maneira mais profunda os conteúdos da fé e, juntamente com eles, também o ato pelo qual decidimos, com plena liberdade, entregar-nos totalmente a Deus. Com efeito, existe uma unidade profunda entre o ato com que se crê e os conteúdos a que damos o nosso assentimento. O apóstolo Paulo permite entrar nesta realidade quando escreve: “Acredita-se com o coração e, com a boca, faz-se a profissão de fé” (Rm 10, 10). O coração indica que o primeiro ato, pelo qual se chega à fé, é dom de Deus e ação da graça que age e transforma a pessoa até ao mais íntimo dela mesma.
A este respeito é muito eloquente o exemplo de Lídia. Narra São Lucas que o apóstolo Paulo, encontrando-se em Filipos, num sábado foi anunciar o Evangelho a algumas mulheres; entre elas, estava Lídia. “O Senhor abriu-lhe o coração para aderir ao que Paulo dizia” (At 16, 14). O sentido contido na expressão é importante. São Lucas ensina que o conhecimento dos conteúdos que se deve acreditar não é suficiente, se depois o coração – autêntico sacrário da pessoa – não for aberto pela graça, que consente ter olhos para ver em profundidade e compreender que o que foi anunciado é a Palavra de Deus.
Por sua vez, o professar com a boca indica que a fé implica um testemunho e um compromisso públicos. O cristão não pode jamais pensar que o crer seja um fato privado. A fé é decidir estar com o Senhor, para viver com Ele. E este “estar com Ele” introduz na compreensão das razões pelas quais se acredita. A fé, precisamente porque é um ato da liberdade, exige também assumir a responsabilidade social daquilo que se acredita. No dia de Pentecostes, a Igreja manifesta, com toda a clareza, esta dimensão pública do crer e do anunciar sem temor a própria fé a toda as pessoas. É o dom do Espírito Santo que prepara para a missão e fortalece o nosso testemunho, tornando-o franco e corajoso.
A própria profissão da fé é um ato simultaneamente pessoal e comunitário. De fato, o primeiro sujeito da fé é a Igreja. É na fé da comunidade cristã que cada um recebe o Batismo, sinal eficaz da entrada no povo dos crentes para obter a salvação. Como atesta o Catecismo da Igreja Católica, “‘Eu creio’: é a fé da Igreja, professada pessoalmente por cada crente, principalmente por ocasião do Batismo. ‘Nós cremos’: é a fé da Igreja, confessada pelos bispos reunidos em Concílio ou, de modo mais geral, pela assembleia litúrgica dos crentes. ‘Eu creio’: é também a Igreja, nossa Mãe, que responde a Deus pela sua fé e nos ensina a dizer: ‘Eu creio’, ‘Nós cremos’” [17].
Como se pode notar, o conhecimento dos conteúdos de fé é essencial para se dar o próprio assentimento, isto é, para aderir plenamente com a inteligência e a vontade ao que é proposto pela Igreja. O conhecimento da fé introduz na totalidade do mistério salvífico revelado por Deus. Por isso, o assentimento prestado implica que, quando se acredita, se aceita livremente todo o mistério da fé, porque a garantia da sua verdade é o próprio Deus, que Se revela e permite conhecer o Seu mistério de amor [18].
Por outro lado, não podemos esquecer que, no nosso contexto cultural, há muitas pessoas que, embora não reconhecendo em si mesmas o dom da fé, todavia vivem uma busca sincera do sentido último e da verdade definitiva acerca da sua existência e do mundo. Esta busca é um verdadeiro “preâmbulo” da fé, porque move as pessoas pela estrada que conduz ao mistério de Deus. Com efeito, a própria razão do homem traz inscrita em si mesma a exigência “daquilo que vale e permanece sempre” [19]. Esta exigência constitui um convite permanente, inscrito indelevelmente no coração humano, para caminhar ao encontro dAquele que não teríamos procurado se Ele mesmo não tivesse já vindo ao nosso encontro [20]. É precisamente a este encontro que nos convida e abre plenamente a fé.
11. Para chegar a um conhecimento sistemático da fé, todos podem encontrar um subsídio precioso e indispensável no Catecismo da Igreja Católica. Este constitui um dos frutos mais importantes do Concílio Vaticano II. Na Constituição apostólica Fidei depositum – não sem razão assinada na passagem do trigésimo aniversário da abertura do Concílio Vaticano II – o Beato João Paulo II escrevia: “Este catecismo dará um contributo muito importante à obra de renovação de toda a vida eclesial (...). Declaro-o norma segura para o ensino da fé e, por isso, instrumento válido e legítimo ao serviço da comunhão eclesial” [21].
É precisamente nesta linha que o Ano da Fé deverá exprimir um esforço generalizado em prol da redescoberta e do estudo dos conteúdos fundamentais da fé, que têm no Catecismo da Igreja Católica a sua síntese sistemática e orgânica. Nele, de fato, sobressai a riqueza de doutrina que a Igreja acolheu, guardou e ofereceu durante os seus dois mil anos de história. Desde a Sagrada Escritura aos Padres da Igreja, desde os Mestres de teologia aos Santos que atravessaram os séculos, o Catecismo oferece uma memória permanente dos inúmeros modos em que a Igreja meditou sobre a fé e progrediu na doutrina para dar certeza aos crentes na sua vida de fé.
Na sua própria estrutura, o Catecismo da Igreja Católica apresenta o desenvolvimento da fé até chegar aos grandes temas da vida diária. Repassando as páginas, descobre-se que o que ali se apresenta não é uma teoria, mas o encontro com uma Pessoa que vive na Igreja. Na verdade, em seguida à profissão de fé, vem a explicação da vida sacramental, na qual Cristo está presente e operante, continuando a construir a Sua Igreja. Sem a liturgia e os sacramentos, a profissão de fé não seria eficaz, porque faltaria a graça que sustenta o testemunho dos cristãos. Na mesma linha, a doutrina do Catecismo sobre a vida moral adquire todo o seu significado, se for colocada em relação com a fé, a liturgia e a oração.
12. Assim, no Ano em questão, o Catecismo da Igreja Católica poderá ser um verdadeiro instrumento de apoio da fé, sobretudo para os que se comprometem com a formação dos cristãos, tão determinante no nosso contexto cultural. Com tal finalidade, convidei a Congregação para a Doutrina da Fé a redigir, de comum acordo com os competentes Organismos da Santa Sé, uma Nota, através da qual se ofereçam à Igreja e aos crentes algumas indicações para viver, nos moldes mais eficazes e apropriados, este Ano da Fé ao serviço do crer e do evangelizar.
De fato, em nossos dias mais do que no passado, a fé vê-se sujeita a uma série de interrogações, que provêm de uma mentalidade diversa que, hoje de uma forma particular, reduz o âmbito das certezas racionais ao das conquistas científicas e tecnológicas. Mas, a Igreja nunca teve medo de mostrar que não é possível haver qualquer conflito entre fé e ciência autêntica, porque ambas, embora por caminhos diferentes, tendem para a verdade [22].
13. Será decisivo repassar, durante este Ano, a história da nossa fé, que faz ver o mistério insondável da santidade entrelaçada com o pecado. Enquanto a primeira põe em evidência a grande contribuição que homens e mulheres prestaram para o crescimento e o progresso da comunidade com o testemunho da sua vida, o segundo deve provocar em todos uma sincera e contínua obra de conversão para experimentar a misericórdia do Pai, que vem ao encontro de todos.
Ao longo deste tempo, manteremos o olhar fixo sobre Jesus Cristo, “autor e consumador da fé” (Hb 12, 2): nEle encontra plena realização toda a ânsia e aspiração do coração humano. A alegria do amor, a resposta ao drama da tribulação e do sofrimento, a força do perdão face à ofensa recebida e a vitória da vida sobre o vazio da morte, tudo isto encontra plena realização no mistério da Sua Encarnação, do Seu fazer-Se homem, do partilhar conosco a fragilidade humana para a transformar com a força da Sua ressurreição. NEle, morto e ressuscitado para a nossa salvação, encontram plena luz os exemplos de fé que marcaram estes dois mil anos da nossa história de salvação.
Pela fé, Maria acolheu a palavra do Anjo e acreditou no anúncio de que seria Mãe de Deus na obediência da sua dedicação (cf. Lc 1, 38). Ao visitar Isabel, elevou o seu cântico de louvor ao Altíssimo pelas maravilhas que realizava naqueles que a Ele se confiavam (cf. Lc 1, 46-55). Com alegria e tremor, deu à luz o seu Filho unigênito, mantendo intacta a sua virgindade (cf. Lc 2, 6-7). Confiando em José, seu Esposo, levou Jesus para o Egito a fim de salvá-Lo da perseguição de Herodes (cf. Mt 2, 13-15). Com a mesma fé, seguiu o Senhor na Sua pregação e permaneceu ao Seu lado mesmo no Gólgota (cf. Jo 19, 25-27). Com fé, Maria saboreou os frutos da ressurreição de Jesus e, conservando no coração a memória de tudo (cf. Lc 2, 19.51), transmitiu-a aos Doze reunidos com Ela no Cenáculo para receberem o Espírito Santo (cf. At 1, 14; At 2, 1-4).
Pela fé, os Apóstolos deixaram tudo para seguir o Mestre (cf. Mc 10, 28). Acreditaram nas palavras com que Ele anunciava o Reino de Deus presente e realizado na Sua Pessoa (cf. Lc 11, 20). Viveram em comunhão de vida com Jesus, que os instruía com a Sua doutrina, deixando-lhes uma nova regra de vida pela qual haveriam de ser reconhecidos como Seus discípulos depois da morte dEle (cf. Jo 13, 34-35). Pela fé, foram pelo mundo inteiro, obedecendo ao mandato de levar o Evangelho a toda a criatura (cf. Mc 16, 15) e, sem temor algum, anunciaram a todos a alegria da ressurreição, de que foram fiéis testemunhas.
Pela fé, os discípulos formaram a primeira comunidade reunida em torno do ensinamento dos Apóstolos, na oração, na celebração da Eucaristia, pondo em comum aquilo que possuíam para acudir às necessidades dos irmãos (cf. At 2, 42-47).
Pela fé, os mártires deram a sua vida para testemunhar a verdade do Evangelho que os transformara, tornando-os capazes de chegar até ao dom maior do amor com o perdão dos seus próprios perseguidores.
Pela fé, homens e mulheres consagraram a sua vida a Cristo, deixando tudo para viver em simplicidade evangélica a obediência, a pobreza e a castidade, sinais concretos de quem aguarda o Senhor, que não tarda a vir. Pela fé, muitos cristãos se fizeram promotores de uma ação em prol da justiça, para tornar palpável a palavra do Senhor, que veio anunciar a libertação da opressão e um ano de graça para todos (cf. Lc 4, 18-19).
Pela fé, no correr dos séculos, homens e mulheres de todas as idades, cujos nomes estão escritos no Livro da vida (cf. Ap 7, 9; Ap 13, 8), confessaram a beleza de seguir o Senhor Jesus nos lugares onde eram chamados a dar testemunho do seu ser cristão: na família, na profissão, na vida pública, no exercício dos carismas e ministérios a que foram chamados.
Pela fé, vivemos também nós, reconhecendo o Senhor Jesus vivo e presente na nossa vida e na história.
14. O Ano da Fé será uma ocasião propícia também para intensificar o testemunho da caridade. Recorda São Paulo: “Agora permanecem estas três coisas: a fé, a esperança e a caridade; mas a maior de todas é a caridade” (1Cor 13, 13). Com palavras ainda mais incisivas – que não cessam de empenhar os cristãos –, afirmava o apóstolo Tiago: “De que aproveita, irmãos, que alguém diga que tem fé, se não tiver obras de fé? Acaso essa fé poderá salvá-lo? Se um irmão ou uma irmã estiverem nus e precisarem de alimento cotidiano, e um de vós lhes disser: ‘Ide em paz, tratai de vos aquecer e de matar a fome’, mas não lhes dais o que é necessário ao corpo, de que lhes aproveitará? Assim também a fé: se ela não tiver obras, está completamente morta. Mais ainda! Poderá alguém alegar sensatamente: ‘Tu tens a fé, e eu tenho as obras; mostra-me então a tua fé sem obras, que eu, pelas minhas obras, te mostrarei a minha fé’” (Tg 2, 14-18). 
A fé sem a caridade não dá fruto, e a caridade sem a fé seria um sentimento constantemente à mercê da dúvida. Fé e caridade reclamam-se mutuamente, de tal modo que uma consente à outra realizar o seu caminho. De fato, não poucos cristãos dedicam amorosamente a sua vida a quem vive sozinho, marginalizado ou excluído, considerando-o como o primeiro a quem atender e o mais importante a socorrer, porque é precisamente nele que se espelha o próprio rosto de Cristo. Em virtude da fé, podemos reconhecer naqueles que pedem o nosso amor o rosto do Senhor ressuscitado. “Sempre que fizestes isto a um dos meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes” (Mt 25, 40): estas palavras de Jesus são uma advertência que não se deve esquecer e um convite perene a devolvermos aquele amor com que Ele cuida de nós. É a fé que permite reconhecer Cristo, e é o Seu próprio amor que impele a socorrê-Lo sempre que Se faz nosso próximo no caminho da vida. Sustentados pela fé, olhamos com esperança o nosso serviço no mundo, aguardando “novos céus e uma nova terra, onde habite a justiça” (2Pd 3, 13; cf. Ap 21, 1).
15. Já no termo da sua vida, o apóstolo Paulo pediu ao discípulo Timóteo que “procure a fé” (cf. 2Tm 2, 22) com a mesma constância de quando era novo (cf. 2Tm 3, 15). Sintamos este convite dirigido a cada um de nós, para que ninguém se torne indolente na fé. Esta é companheira de vida, que permite perceber, com um olhar sempre novo, as maravilhas que Deus realiza por nós. Solícita a identificar os sinais dos tempos no hoje da história, a fé obriga cada um de nós a tornar-se sinal vivo da presença do Ressuscitado no mundo. Aquilo de que o mundo tem hoje particular necessidade é o testemunho credível de quantos, iluminados na mente e no coração pela Palavra do Senhor, são capazes de abrir o coração e a mente de muitos outros ao desejo de Deus e da vida verdadeira, aquela que não tem fim.
Que “a Palavra do Senhor avance e seja glorificada” (2Ts 3, 1)! Possa este Ano da Fé tornar cada vez mais firme a relação com Cristo Senhor, dado que só nEle temos a certeza para olhar o futuro e a garantia de um amor autêntico e duradouro. As seguintes palavras do apóstolo Pedro lançam um último jorro de luz sobre a fé: “É por isso que exultais de alegria, se bem que, por algum tempo, tenhais de andar aflitos por diversas provações; deste modo, a qualidade genuína da vossa fé – muito mais preciosa do que o ouro perecível, por certo também provado pelo fogo – será achada digna de louvor, de glória e de honra, na altura da manifestação de Jesus Cristo. Sem O terdes visto, vós O amais; sem O ver ainda, credes nEle e vos alegrais com uma alegria indescritível e irradiante, alcançando assim a meta da vossa fé: a salvação das almas” (1Pd 1, 6-9). A vida dos cristãos conhece a experiência da alegria e a do sofrimento. Quantos Santos viveram na solidão! Quantos crentes, mesmo em nossos dias, provados pelo silêncio de Deus, cuja voz consoladora queriam ouvir! As provas da vida, ao mesmo tempo que permitem compreender o mistério da Cruz e participar nos sofrimentos de Cristo (cf. Cl 1, 24) , são prelúdio da alegria e da esperança a que a fé conduz: “Quando sou fraco, então é que sou forte” (2Cor 12, 10). Com firme certeza, acreditamos que o Senhor Jesus derrotou o mal e a morte. Com esta confiança segura, confiamo-nos a Ele: Ele, presente no meio de nós, vence o poder do maligno (cf. Lc 11, 20); e a Igreja, comunidade visível da sua misericórdia, permanece nEle como sinal da reconciliação definitiva com o Pai.
À Mãe de Deus, proclamada “feliz porque acreditou” (cf. Lc 1, 45), confiamos este tempo de graça.
Dado em Roma, em São Pedro, no dia 11 de outubro do ano 2011, sétimo de Pontificado.

BENEDICTUS PP. XVI

Notas
[1] Homilia no início do ministério petrino do Bispo de Roma (24 de Abril de 2005): AAS 97 (2005), 710.
[2] Cf. Bento XVI, Homilia da Santa Missa no Terreiro do Paço (Lisboa – 11 de Maio de 2010): L’Osservatore Romano (ed. port. de 15/V/2010), 3.
[3] Cf. João Paulo II, Const. ap. Fidei depositum (11 de Outubro de 1992): AAS 86 (1994), 113-118.
[4] Cf. Relação final do Sínodo Extraordinário dos Bispos (7 de Dezembro de 1985), II, B, a, 4: L’Osservatore Romano (ed. port. de 22/XII/1985), 650.
[5] Paulo VI, Exort. ap. Petrum et Paulum Apostolos, no XIX centenário do martírio dos Apóstolos São Pedro e São Paulo (22 de Fevereiro de 1967): AAS 59 (1967), 196.
[6] Ibid.: o.c., 198.
[8] Paulo VI, Audiência Geral (14 de Junho de 1967): Insegnamenti, V (1967), 801.
[9] João Paulo II, Carta ap. Novo millennio ineunte (6 de Janeiro de 2001), 57: AAS 93 (2001), 308.
[10] Discurso à Cúria Romana (22 de Dezembro de 2005): AAS 98 (2006), 52.
[11] Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 8.
[12] De utilitate credendi, 1, 2.
[13] Cf. Confissões, 1, 1.
[14] Conc. Ecum. Vat. II, Const. sobre a Sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium, 10.
[15] Cf. João Paulo II, Const. ap. Fidei depositum (11 de Outubro de 1992): AAS 86 (1994), 116.
[16] Santo Agostinho, Sermo 215, 1.
[18] Cf. Conc. Ecum. Vat. I, Const. dogm. sobre a fé católica Dei Filius, cap. III: DS 3008-3009; Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Revelação divina Dei Verbum, 5.
[19] Bento XVI, Discurso no “Collège des Bernardins” (Paris, 12 de Setembro de 2008): AAS 100 (2008), 722.
[20] Cf. Santo Agostinho, Confissões, 13, 1.
[21] Const. ap. Fidei depositum (11 de Outubro de 1992): AAS 86 (1994), 115 e 117.
[22] Cf. João Paulo II, Carta enc. Fides et ratio (14 de Setembro de 1998), 34.106: AAS 91 (1999), 31-32.86-87.

* Extraído do site do Vaticano, do dia 11 de outubro de 2011. Revisado e adaptado por Paulo R. A. Pacheco.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

O que resta do Pai?



Por Jonah Lynch

Impressiona pela profundidade das intuições o último trabalho do psicanalista Massimo Recalcati, Cosa resta del padre? (O que resta do pai?, em tradução livre; ndt), na livrarias pela editora de Raffaello Cortina. 
Vai muito além das minhas competências avaliar a interpretação de Lacan que nutre e sustenta o pensamento do autor. O que gostaria de considerar é apenas uma pequena parte do livro, que porém é uma janela útil para se chegar ao conjunto da proposta de Recalcati. Trata-se de um dos exemplos literários tomados como “testemunhos” ao final do livro: a figura do pai em A estrada, de Cormac McCarthy. Recalcati sintetiza assim a lição que aquele pai nos dá, através do seu testemunho da esperança, do seu “levar o fogo”: “A vida não é abuso, não é luta para o triunfo do mais forte, não é violência cega. A vida é dedicação, cuidado, presença. A dedicação de um pai a um filho. O amor não é amor da vida, não é amor pelo mundo. O amor é amor do nome, é amor por um nome próprio, pelo mais particular, é amor de um pai por um filho. Nunca é amor pelo universal” (p. 162). Na página seguinte, o autor afirma nas entrelinhas uma novidade desta posição quanto ao que diz respeito à tradição cristã: “O verbo existe apenas através de uma criança. Não é mais aquilo que redime e justifica a vida, não é mais aquilo que pode salvar o mundo, mas é aquilo que pode continuar a existir somente através da singularidade de uma vida” (p. 163). O autor conclui a sua interpretação de McCarthy com um decálogo minimalista: “... algo que resiste, que não cede diante do próprio desejo, a algo, uma sobra de pai que, mesmo no esfacelamento e na decomposição niilista de todos os valores, insiste em transmitir com o fogo a vida como possível. Não matar, não comer, não violentar o outro homem. O que sobra do pai é o ser portador do fogo na noite escura de um mundo sem Deus” (p. 168).
Foi exatamente isto que me comoveu em A estrada. O mundo é mais feio quando vivido sem doação. O egoísmo não nos realiza. Com Recalcati, estou convicto de que seja melhor, mais conveniente para si e para os outros, viver a gratuidade, mesmo que seja na ausência de alguma justificativa transcendente.
Mas, me pergunta se a beleza sedutora de afirmar o outro não obstante tudo, “na noite escura de um mundo sem Deus”, não possa também esconder uma falsidade sutil. Este altruísmo parece ter necessidade da cenografia de um mundo desesperado e brutal. De outra forma, o seu esforço nobre e trágico não ressaltaria. Mas quem me garante que o sacrifício e o meu fazer as vezes do Pai-eterno ausente não seja, na realidade, a minha necessidade de me sentir um herói?
A resposta a esta pergunta está na experiência do sacrifício por amor, tema pouco valorizado no livro de Recalcati. Ele chega à soleira do problema, nas últimas páginas, dedicadas ao filme de Clint Eastwood, Gran Torino, mas não o enfrenta.
Não insisto sobre este ponto apenas por um senso de conservadorismo militante, mas porque é estranho como Recalcati recusa o Deus cristão e, ao mesmo tempo, acaba fazendo um retrato Seu em muitos aspectos preciso, comovente e desejável.
Parece que o axioma tantas vezes repetido do “céu vazio” seja simplesmente uma opinião do autor que tem pouco que ver com o conteúdo da sua proposta. Estamos de acordo praticamente em tudo: graças a Deus que o céu não contém a terrível presença do deus de Sartre ou de um pai-tirano como Zeus. Tem razão, é muito sugestivo descrever o pai, com Lacan, como aquele que une desejo e Lei. É fundamental a experiência do limite e da falha, assim como é fundamental experimentar a vida como mistério superabundante, e viver tanto a errância quanto a pertença, trazidas à tona pelo autor com uma referência ao filho pródigo.
Mas quem foi que disse que não há um vínculo forte e real entre a doação de um pobre pai perdido nas cinzas pós-apocalípticas e a suma gratuidade do Pai criador? Por que não afirmar também esta possibilidade? Ela exalta, não elimina, a beleza da “singularidade de uma vida”.
Fico tocado que aquilo que Recalcati propõe e deseja seja justamente aquilo que Jesus fez. Ele não resolveu os problemas. O Onipotente não dominou com seu poder, mas se humilhou e se comunicou a poucas vidas singulares, aos apóstolos.
Não iluminou a noite com uma mágica solução deus ex machina. Mais do que isso: ele transmitiu o fogo da caridade, que rende a vida possível e belíssima, mesmo quando é inteiramente vivida no vale escuro do mundo hiper-moderno. Tu estás comigo: não temerei mal algum. Sobretudo, não temerei que amanhã seja inevitavelmente pior do que hoje. Aquele fogo que Tu me acendeste poderá passar não apenas a um filho, mas a dois, talvez três. Será preciso o tempo, mas assim nascerá um povo luminoso.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 12 de outubro de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.