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terça-feira, 20 de setembro de 2011

Cartas do P.e Aldo 205


Asunción, 7 de setembro de 2011.

Caros amigos,
Para aquelas pessoas que me perguntam e para aquelas que ainda não tiveram a oportunidade de conhecer as obras em San Rafael, no Paraguai, proponho a página abaixo.
Ciao,
Padre Aldo

Cartas do P.e Aldo 204


Asunción, 6 de setembro de 2011.

Caros amigos,
Um fato ocorrido nas últimas semanas me colocou diante da contemporaneidade de Cristo e, portanto, se tornaram um grande possibilidade para fixar nos olhos, de maneira intensa, Jesus.
Eu já estava com as passagens aéreas no bolso para ir à Itália, quando, numa tarde, os médicos e o diretor da clínica chegaram no meu escritório e me disseram: “Padre Aldo, seu filho Aldo [meu filho adotivo, portador de gravíssimas deformações físicas] está muito doente e não temos certeza de que conseguirá sobreviver. Gostaríamos que ele permanecesse aqui na clínica e não fosse enviado a um hospital, onde acabaria sendo deixado morrendo, enquanto que nós queremos acompanhá-lo em sua morte”. Vi-me, uma vez mais, diante de uma decisão: estão me esperando no Meeting e, aqui, os médicos me dizem que meu filho está com os dias contados. O que fazer? Fico e atraso em alguns dias a partida, a fim de ver se ele melhora, ou desisto de ir ao Meeting? Uma escolha difícil porque estavam em jogo os últimos dias do meu filho. E um filho, especialmente quando é adotivo, é a sua mesma carne, ainda mais porque é fruto de uma gratuidade total. Alguns me disseram: como é que o senhor pode ir, deixando-o sozinho, ao invés de acompanhá-lo nas suas últimas horas? Eu sentia meu coração em pedaços, sentia em mim um sentimento que me dizia: você deve ficar. Porém, uma vez mais eu me perguntei: o que Cristo pede de mim, neste momento?
E dois juízos me ajudaram a tomar a decisão de ir. O primeiro: aquele filho me foi dado e se Cristo decidiu pedi-lo de volta, quem sou eu para não devolvê-lo? O segundo: a realidade me pede para estar presente no Meeting e em La Thuile, onde acontecerá a assembleia internacional. Ou seja, a realidade me chama a estar onde estão aqueles amigos que mais me lembram que “É o Senhor”, os amigos que mais me mostram o rosto de Jesus. E eu preciso disto porque, do contrário, não consigo enfrentar a vida todos os dias e nem mesmo o dia de meu filho, que, seja como for, não morrerá sozinho, mas na companhia dos meus amigos da clínica. E assim, peguei o avião com a grata surpresa de que me filho se recuperou. É impressionante ver como Deus me educa a ser livre, ou seja, a confiar no seu desígnio que, qualquer que seja, é sempre positivo, mesmo quando, no momento, parece ser injusto e você preferiria se rebelar. Dizer “Tu, meu Cristo” nunca é algo óbvio, mas se dá sempre dentro de um abandono seu, cheio de dor, cujo resultado é uma estranha letícia.
Os filhos não são algo que nos pertence, e só o são quando amamos o desígnio de Deus sobre eles, mesmo quando isso coincide com o fato de eles nos serem tirados. É assim que me acontece todos os dias. Assim como a cada vez a dor é sempre maior, porque quanto mais Cristo o agarra, tanto mais você se descobre vulnerável, tanto mais você sofre. Se antes de encontrar Jesus nem mesmo uma “pedrada na cabeça” movia o meu coração, agora que Cristo me tomou, basta um grão de areia para que eu sinta toda a dor que me circunda.
Amar, ou seja, deixar-se tomar por Cristo é sofrer e sofrer é amar. E quanto mais você é de Cristo, tanto mais você sofre; e tanto mais você sofre, quanto mais você busca Cristo. Ou, para dizer mais claramente, Cristo nos torna mais vulneráveis, mais sensíveis, mais atentos a cada detalhe.
Rezem por mim e por meus filhos.
Com afeto,
Padre Aldo

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Cartas do P.e Aldo 194

Asunción, 27 de maio de 2011.

Caros amigos,
De volta da Itália, agradeço de coração a todas as pessoas que encontrei e, particularmente, os tantos, tantíssimos testemunhos da Ressurreição de Cristo, tanto de doentes como de pessoas em outras condições difíceis. De fato, como nos lembrava Carrón, citando São Paulo, “nenhum dom de Graça nos falta mais”.
A alegria de ver pessoas mudadas, seguindo Carrón, me enche o coração de esperança e de energia. Uma vez mais se confirmou que o problema não é ir para o Paraguai, para o Brasil ou para a África, mas seguir aquela companhia na qual Deus o colocou e na qual é evidente a experiência do carisma, com o mundo do coração.
Não há condição privilegiada, é a realidade nas circunstâncias na qual Deus nos colocou e nos coloca. Eu vim para o Paraguai porque Giussani me mandou, mas não para o mal do Paraguai ou da América Latina como tantos têm.
Uma pessoa que viva aí o carisma, seguindo Carrón, não sente saudade do Paraguai. Vi coisas do outro mundo e frequentemente me perguntei: mas, quantos veem isso? Vi os sinais da vitória de Cristo em todos os lugares por onde passei e uma pessoa estaria ali sempre, olhando para esses sinais, desejando pertencer àqueles lugares. De verdade, me senti em casa, porque se a pessoa olha para onde Carrón olha, identificando-se com a sua experiência, a vida floresce, as obras se tornam a presença dos “vivos” num mundo de mortos.
Obrigado de coração, porque vi um movimento de pessoas vivas que me marcaram. E quem vive assim aí na Itália, vive aqui comigo mesmo se nunca vier me ver. E vice-versa: ninguém escapa daquilo que não existe. Agradeço também àqueles que, com seu sacrifício, continuam ajudando a Providência, para poder terminar o hospital e a escola, particularmente às crianças das escolas que visitei.
Em nome dos meus doentes e de todos, agradeço a vocês de coração. Para mim, mendigar é mendigar Cristo, mendigar o Seu amor, porque o objetivo da vida é ser dada.
Rezamos por todos vocês, caros amigos e benfeitores que nos ajudam. Obrigado.
Padre Aldo

terça-feira, 26 de abril de 2011

Cartas do P.e Aldo 189



Asunción, 17 de abril de 2011.

Caríssimos,
Hoje, o pequeno Victor completou 4 anos. O seu pequeno leito, como podem ver na foto, foi revestido como nas grandes solenidades litúrgicas se reveste o altar da igreja ou de uma catedral. Sim. Porque é o pequeno leito onde, desde o seu nascimento, Victor, consciente ou inconscientemente, oferece a sua vida, a sua dor que o faz gemer, é como o altar onde Jesus Eucarístico se oferece vítima de expiação para os meus, para os nossos pecados. Vejam como as ternas enfermeiras o vestiram bem! Roupa de festa, para um dia sem o cotidiano pijaminha. Na cabeceira colocaram um bilhetinho igual ao que colocam na cama de cada doente. No bilhetinho de Victor está escrita a razão, o motivo do seu sofrimento: pelo Santo Padre.
Ele, Victor, oferece conosco a sua vida pelo Papa, e eu estou certo de que o Papa sente o afeto misterioso da grande dor de Victor, o meu pequeno Jesus que não cessa de gemer, apertando as suas pequenas mãozinhas como que para comunicar a sua dor. Eu o olho com uma ternura que me faz sempre mais desejar o infinito, o Mistério que se fez carne nele, pequena hóstia branca. Eu preciso dele, porque só de olhá-lo se me desperta, de modo potente, a certeza de que se é apenas e exclusivamente relação com o Mistério. Eu o olho e vibro por dentro, com toda a dor que carrego comigo, pela certeza de que “eu sou Tu que me fazes”.
É esta certeza que, mesmo neste momento no qual estou escrevendo, me sustenta, enquanto sei que a minha pequena Milagres, com a Síndrome de Down, está morrendo e, quem sabe, em algumas horas, será mandada de volta para a Casinha de Belém ou para a Clínica para morrer. Nasceu com mil problemas físicos. Quando tem crises respiratórias, fica até roxinha. É pequena como um passarinho, me olha com os seus olhinhos tão belos, leva suas mãozinhas e pezinhos para a boca e, depois, sorri (isto, até anteontem, antes da crise).
Mesmo ela, uma pequena hóstia branca que parte meu coração, também me faz desejar apenas o infinito. Como na sexta-feira à noite, quando voltava para casa com Padre Paolino, às 23h, vindo da Casinha de Belém: olhamos para o céu e estava tão bonito. Um conjunto de nuvens de tamanhos e cores diferentes (brancas, cinzas, pretas) unidas umas as outras através de uma espécie de – poderíamos dizer – cordão umbilical. Entre uma e outra um azul intenso no qual brilhavam as estrelas do céu tropical e a lua cheia no centro de tudo. Paramos com o rosto levantado, olhando aquele espetáculo, sentindo a emoção do Infinito que se tornava presente naquela beleza, a mesma beleza de Victor e de Milagres. Mais do que isso: naquele momento, era ainda mais evidente que o espetáculo que estava sobre nós só era assim belo porque o Victor existe, porque a Milagres existe, porque Tu, ó doce Jesus, existes. 
Amigos, termino aqui, porque me chamaram: na casa de acolhida para o idosos há uma velhinha que está em estado grave. Assim é a minha vida de todos os dias: um imprevisto em cada momento que se torna um Acontecimento. É mesmo bonito estar em cada segundo suspenso, com o olhar fixo no Infinito e os pés pousados sobre a certeza de que Ele está aqui.
Confio-me e confio os meus filhos às orações de vocês.
Padre Aldo

terça-feira, 12 de abril de 2011

Cartas do P.e Aldo 188

Asunción, 11 de abril de 2011.

Caros amigos,
O sofrimento é a condição para a letícia do coração. E, não é que primeiro vem um e depois a outra, mas, desde aquele dia em que Cristo ressuscitou, eles caminham juntos. Porém, isto não acontece se o meu eu não estiver dominado por aquele “Tu, meu Cristo”, por aquele rosto que é a doce presença daquele “Tu que me fazes” agora.
Vivi esta experiência nestes dias quando, tendo minhas duas filhas voltado e tendo sido feitas as análises médicas, descobrimos que uma delas foi brutalmente violentada. Ela se lembra apenas de ter tomado um coquetel e ter acordado no quarto de um barraco. Dois dias depois de ter retomado a consciência de si e do que aconteceu, ela se agarrou à minha pessoa, contando-me os seus terríveis medos. E, depois, a resposta médica. “Se não fosse Teu, ó Jesus, eu seria uma criatura finita”. Eu estava, naquela noite, sentado com ela, os meus olhos vermelhos... eu não sabia o que dizer. Apenas olhava para aquele Tu. Num certo momento, lhe disse: “rezemos um Pai-Nosso” e ela aceitou. Porém, de repente, me vieram à mente as palavras: “perdoai as nossas ofensas, ASSIM COMO NÓS PERDOAMOS A QUEM NOS TEM OFENDIDO”. Ela, brutalmente violentada, era chamada a decidir, naquele momento, acerca de algo humanamente impensável e, quem sabe, absurda para a capacidade humana. Falei-lhe com o meu coração na mão, com a certeza daquele Tu que morreu por nós, e lhe disse: “Olhando para como Jesus nos ama, você quer dizer comigo aquelas palavras?”. E, chorando, ela disse todo o Pai-Nosso. Que comoção, depois, rezando a Ave-Maria, como gratidão por uma energia humanamente impossível, como é a energia necessária para perdoar a quem, algumas horas antes, a violentou de forma tão brutal.
Não é que a raiva em mim e nela, como estado de ânimo, tivesse desaparecido, mas aquele juízo – e é o juízo que move a vida –, “eu sou Tu que me fazes agora”, no meio de tudo o que havia acontecido, é mais forte do que qualquer violência, e que “Tu, meu Cristo”, que morreste por nós e também por quem violentou minha filha, vence toda resistência emotiva, psicológica, dando espaço a uma grande letícia, na qual a dor permanece apenas como grito, como pedido: “Vem, Senhor Jesus”.
Padre Aldo

sábado, 9 de abril de 2011

Cartas do P.e Aldo 187

Asunción, 8 de abril de 2011.

Caros amigos,
“Deus ama mais a nossa liberdade do que a nossa salvação”, nos dizia Dom Giussani. Nestes dias, não apenas Paolino e eu, mas todos experimentamos o que significa esta provocação que desmascara a nossa possessividade, a nossa pretensão sobre os outros, talvez até com a sutil desculpa de que seja pelo bem deles. Anna Maria é uma garota muito bonita de quinze anos, e tenho sua adoção judicial... no domingo à noite, ela fugiu da “Casinha de Belém” com Marta, de dezessete anos, a mãe da pequena Lúcia, a menina que morreu alguns meses atrás na nossa clínica. Imaginem o que significou para mim e para Paolino em particular. Pensem no que vocês experimentariam se uma filha fugisse de casa. A dor foi grande, porém cheia de uma liberdade desconhecida antes, aquela liberdade que é uma total entrega ao Mistério e que se torna oração. Nós a procuramos, mas nada...
Às três da madrugada, Marta retornou e foi acolhida com alegria pela “mãe adotiva”, mas não tínhamos ainda nenhuma notícia de Anna Maria. No dia seguinte, segunda-feira, avisamos a polícia e o juiz responsável pelo caso, que emitiu uma ordem de captura.
Foram dias, horas sem fim, cheios de preocupação e também de uma certa raiva, devida aos mil porquês e pretensões que trazíamos dentro do coração. É o humano em todas as suas dimensões que, porém, não cessa de ser grito, oração, súplica. A impotência é total. A primeira noite, para mim, foi um pesadelo, mas as confiança na Providência era total. Na total impotência, eu sentia que o meu amor devia prestar contas com a liberdade de Anna Maria. Mas, que desafio! Que dureza! Amar a liberdade dos próprios filhos mais do que sua salvação... se você não for tomado pelo Mistério, isso não é possível; se o seu eu não é um “eu sou Tu que me fazes”, não é nem mesmo hipotetizável uma posição assim. Mas, graças a Nossa Senhora, para mim, esta certeza é dura como uma pedra, de forma que vence sempre. E, hoje, quarta-feira, a bela notícia: Marcelo, seu professor, a viu numa rua. Imediatamente, sai para buscá-la. Quando cheguei, agarrou-se, literalmente, à minha pobre pessoa e eu a levei para casa, para a nossa casa. Eu a olhava e acariciava. Estava muito bonita no seu cansaço. Somente algumas palavras, com as quais eu perguntei se alguém lhe havia feito mal. Depois, dei-lhe um chocolate, como Giussani fez comigo naquele dia, rezamos uma Ave Maria. Chamei Paolino, que a abraçou com uma grande ternura. Em seguida, chamamos Diana, a mãe adotiva, da “Casinha de Belém” número 2, para que a levasse para um banho e para dormir, deixando para o dia seguinte todo o resto. A psicólogo a esperava com as perguntas de sempre, mas Paolino, brigando, disse: “os psicólogos somos nós, por isso, vamos fazer festa e, agora, ela deve dar uma boa dormida”. Quando demos boa noite, perguntamos: “você está feliz de voltar?”. E ela: “sim, Padre”.
Ela andou, caminhou por três dias... mas, quando já estava cansada, resolveu voltar para casa. A liberdade de Deus e a sua liberdade venceram nossos medos, nossas pretensões, nossa posse. Ainda uma vez aquele “eu sou Tu que me fazes”, que aos poucos entra até no fundo dos ossos dos meus filhos, triunfou. Dias muito duros, mas hoje, ver o triunfo da liberdade é, de fato, comovente, porque Anna Maria voltou, está salva. E somente quem ama a liberdade se alegra, porque vê também a salvação dos seus filhos.
Certo, amigos, não é fácil... porque, todos os dias, o Senhor me pede tudo neste oásis de dor... e, às vezes, parece que não darei conta... e, frequentemente, a pessoa pode experimentar aquele sentimento que faz dizer “mas, Senhor, o que queres de mim?”. Mas, no mesmo instante, aquele Tu que domina tudo vence.
Todos os momentos são uma batalha como aquela de Jacó com o Anjo... e é bonito que seja assim, porque é a vida que o exige, porém é necessário que a minha liberdade, no fim, se renda sempre à evidência do Mistério que me quer Seu.
Obrigado, amigos, porque quando rezam por mim e por meus filhos, vocês contribuiram para a volta da nossa Marta e de Anna Maria.
Amigos, desafiem e deixem-se sempre desafiar pela liberdade dos filhos de vocês.
Padre Aldo

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Cartas do P.e Aldo 185



Asunción, 31 de março de 2011.

Caros amigos,
O caminho para a santidade é a letícia. Aquela Letícia que convive mesmo com um câncer, com uma doença terminal e que tem a sua única origem em “Tu, meu Cristo”.
Olhem a beleza de Alma e de Carol, duas garotas de 17 anos internadas na nossa clínica. Doentes de câncer, encontraram Jesus. Deste Encontro a alegria de viver que se torna trabalho.
Amigos, não é possível duvidar da vitória de Cristo quando olhamos para estes rostos, conscientes do câncer que têm. Meu Deus, como é verdade aquilo que Carrón nos diz quando fala da contemporaneidade de Cristo!
Padre Aldo

quarta-feira, 30 de março de 2011

Cartas do P.e Aldo 184



Asunción, 29 de março de 2011.

Caros amigos,
Carrón nos fala sempre da contemporaneidade de Cristo. Mas, o que isso quer dizer? Ver com os próprios olhos, tocar com as próprias mãos a vitória de Cristo ressuscitado como documentam as duas fotos da crisma de Alma e Carol, celebrada domingo passado na clínica.
Ambas gravemente doentes de câncer chegaram à clínica com o desespero no coração, com seus 17 anos de idade; aqui, encontraram, no abraço terno de Jesus, graças a quem vive com a certeza do “eu sou Tu que me fazes”, a alegria de viver. Alma era mórmon e quis se tornar católica e, no domingo, com sua companheira de quarto, recebeu o Espírito Santo, no Sacramento da Crisma. Olhem para o sinal da vitória de Cristo, da Sua contemporaneidade: a letícia que se vê em seus rostos.
Amigos, não existe circunstância – nem mesmo o câncer aos 17 anos – que seja mais forte do que Jesus. Uma confirmação belíssima disso é que o problema é apenas um: quem é Cristo, para mim? Que experiência faço dEle? Estou atento para recolher os sinais contínuos da Sua Presença? Li uma poesia de Rebora, quando estive recentemente em Stresa, que dizia assim: “Vigiar o instante”. Eis o que nos querem dizer os rostos de Alma e Carol, conscientes daquilo que têm aos 17 anos. “Vigiar o instante”, ou seja, “eu sou Tu que me fazes” como consciência do instante que me é dado.
Padre Aldo

domingo, 27 de março de 2011

Cartas do P.e Aldo 183

Asunción, 27 de março de 2011.

De volta ao Paraguai, vindo da Itália e de Portugal, onde estive movido apenas por aquilo que São Paulo disse – “Caritas Cristo urget nos” – e pelo amor aos meus Jesus que sofrem, tive uma surpresa comovida que confirma aquilo que Jesus disse: “As prostitutas vos precederão no reino dos céus”, ou “se não vos tornares como crianças não entrareis no reino dos céus”.
Adolfina, uma mulher de 60 anos, mãe de 7 filhos e que viveu na rua catando latinhas de refrigerante etc., está consciente de que morrerá em breve. Nunca teve um marido. A sua longa internação entre nós foi muito feliz: se alegrava com tudo, comovia-se por poder tomar o café da manhã, o almoço, o lanche, o jantar... Coisas que nunca soube o que eram, já que sempre viveu na rua. Agora, com a serenidade de uma criança nos braços de sua mãe, está se preparando para morrer.
Por isso, quis redigir um testamento dizendo para quem deixava tudo aquilo que possui.
Diz o testamento: “Deixo meu barracão [porém, fique claro que, para nós, é algo de muito pior] ao meu filho mais novo; o dinheirinho conseguido no trabalho de bordado que fiz enquanto estive na clínica [deve ser pouco mais de 60 reais] será dividido: uma parte para o meu filho mais novo, outra para os meus amigos de doença e outra parte quero deixar para o Santíssimo Sacramento, o diretor geral da Clínica. E, finalmente, o único animal doméstico que tenho – um ganso – deixo ao Padre Aldo, porque no dia 25 de março será a Festa da Anunciação e será inaugurada a finalização dos trabalhos estruturais da clínica, de forma que ele possa fazer a festa em honra da Divina Providência com todos os amigos”.
Não apenas fiquei comovido até às lágrimas, mas também pensei em todos os meus milhares de amigos, famílias, crianças, jovens que, com tanta dificuldade, conseguem viver e que permitiram este milagre da nova clínica, e também naqueles que, vítimas do terrível e odioso poder do dinheiro (para quem pedi a colaboração), são insensíveis a Cristo que sofre e morre. Mas, não falo de gente estranha, falo de cristãos, ou seja, de pessoas que, pelo menos nominalmente, pertencem a Cristo, a quem me permiti – somente por Cristo e não por mim, que “nasci nu e morrerei nu” – pedir uma ajuda para que a longa fila que espera para morrer aqui diminuísse.
Por isso, esta pobre mulher que viveu na rua me deixou tudo o que tinha, deixou para Cristo: um ganso. Amigos, que tapa na minha cara, que tapa na cara de cada um! Faz-nos pensar na oferta da viúva. Graças a tantos que, com sua simplicidade e seu afeto, me sustentam junto com Padre Paolino, numa obra que eu, absolutamente, não quis, mas que floresceu como uma flor a partir daquele abraço de Giussani, no dia 25 de março, festa da Anunciação, na Rua Martinengo. Também o presente de Adolfina, o ganso, é fruto daquela ternura.
Com afeto
Padre Aldo

quarta-feira, 2 de março de 2011

Cartas do P.e Aldo 180

Asunción, 25 de fevereiro de 2011.

Caros amigos, este mês foi, para mim, uma sucessão de fatos que me provocaram muito e, ao mesmo tempo, me tornaram mais consciente da minha pertença a Cristo através daqueles rostos nos quais a evidência do Mistério é concreta, precisa e cheia de comoção. Amizade que, em cada momento, me grita “É o Senhor!”, como naquela alvorada, no lago de Tiberíades, quando Pedro acordando na barca e olhando para a margem do lago, não reconhecendo o Senhor que vinha em direção a ele, assustado pensou que era um fantasma, mas de repente o amigo João, que carregava nos olhos e no coração o encontro tido com Jesus naquele dia às margens do Jordão, reconhece quem era aquele “fantasma” e grita aos amigos da barca: “É o Senhor!”.
Foi suficiente que um deles reconhecesse que era Jesus para que Pedro, o homem do medo, frequentemente vítima das suas fantasias, se lançasse na água do lago para alcançar aquele homem, abraçá-lo, deixar-se abraçar e, naquele abraço, sentir toda a Sua ternura, aquela ternura que é a única que pode salvar o homem.
“É o Senhor!”. Não posso viver sem que alguém continuamente me recorde, desperte em mim esta consciência, para que as duras circunstâncias da vida não me sufoquem. Como seria possível, sem esta certeza de que “é o Senhor!”, olhar no rosto a dor das minhas crianças, dos meus doentes e também a minha dor? Porque cada lágrima, cada gemido são também meus.
Neste mês, estive quatro vezes no Brasil. Certamente, para alguns pode parecer exagerado. Mas, eu lembro bem que, quando a depressão me atormentava a vida – nos inícios de 1989 –, em poucos meses, eu havia feito 20 mil quilômetros procurando refúgio nos diversos santuários marianos do norte da Itália e nos pouquíssimos amigos que podiam me fazer companhia. A pessoa se move apenas na medida em que é atraída por uma beleza, e a beleza é sempre dramática, porque a beleza é a vida ou a realidade definida pelo encontro com Cristo. Antes, como agora, o que me move a fazer estas viagens é a minha necessidade de estar próximo de quem, afetiva e efetivamente, me chama a atenção, me remete a “é o Senhor!”.
É nesta óptica que nasce a preferência, aquela preferência que envolveu na mesma experiência também o P.e Paolino e outros amigos que vivem comigo. Uma preferência que se dilata sempre mais e que se reflete no abraço a toda criança, a todo ancião, a todo paciente terminal. É possível carregar consigo a dor dos outros apenas se a sua dor é compartilhada com alguém que lhe quer bem. e não porque isso seja capaz de substitui-lo no enfrentamento da própria dor, mas apenas porque lembra a você que “é o Senhor!”, porque, na medida em que você está próximo daquela dor, você é remetido à doce Presença de Jesus. Certamente não faltam dificuldades, mas na experiência de olhar a Jesus no próprio rosto tudo se torna bem, mesmo o cansaço de estar aqui, no aeroporto de São Paulo, esperando o avião que sempre se atrasa absurdamente, de forma que chegarei em casa apenas às 3 da manhã.
É exatamente graças a esta fadiga que, na certeza de que “é o Senhor!”, posso enviar a vocês estas linhas, a fim de lhes comunicar a alegria de estar junto dos amigos que me recordam constantemente a única coisa que me interessa: “É o Senhor!”.
Deus queira que todos possamos ter esta alegria nos nossos rostos, não importando onde nem como, mas que nos lembrem sempre: “É o Senhor!”. A pessoa se move apenas por isto. O problema não são os quilômetros ou os metros, mas a consciência de que apenas Cristo realiza, educa àquele desejo de vida que todos carregam dentro de si. Não vejo a hora de rever os meus filhos, para lhes dar esta certeza que também é um frescor afetivo cada vez maior.
Com afeto
P.e Aldo

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Cartas do P.e Aldo 177

Asunción, 15 de janeiro de 2011.

Caros amigos,
Nestas semanas, estou com o pensamento fixo sobre dois fatos que encontramos no Evangelho: o nascimento e a morte de Nosso Senhor Jesus Cristo na cruz e o olhar de Jesus a Zaqueu.
1. O nascimento e a morte de Nosso Senhor: os primeiros que foram encontrá-Lo em Belém eram pastores. Normalmente, quando pensamos nos pastores, temos deles uma imagem bucólica ou romântica. Mas, não acredito que esta imagem corresponda à realidade. Eram beduínos, deslocavam-se continuamente, vivem dias cheios, roubavam, assaltavam... uma vida certamente desordenada, vida de pecadores. Penso neles assim, porque me recordo dos pastores da minha terra, que eram “bandidos”, não tinham moradia fixa e tantas vezes nem tinham uma família. Deslocavam-se da montanha ao mar segundo as estações. Causavam danos em todos os lugares por onde passavam, roubando... concretamente, era uma vida desordenada, e a blasfêmia era a sua linguagem normal. Viviam com suas ovelhas, cavalos, jumentos e cães, se tornando, às vezes, como eles. Não quero pensar no filme dos irmãos Taviani – “Padre padrone” (Pai chefe; ndt) –, mas acredito que eles faziam parte, de alguma maneira, daquela categoria... em suma... eram pecadores. Como aqueles dois que estavam ao lado de Jesus, na cruz. Amigos! Tudo isso é desconcertante! No início, como no fim, Jesus se encontra entre pecadores, assim como durante a sua vida. E isto me enche de comoção, porque ressalta o fato que Jesus veio para nós, pobres filhos de Eva, veio graças à nossa pobre e frágil humanidade. Por isso, é espontâneo para mim me perguntar: aquilo que Carrón nos diz sobre a nossa humanidade como caminho para Cristo é o ponto sobre o qual trabalhamos seriamente? Penso nisso porque, sem uma grande simpatia pela nossa humanidade assim como ela é, o que quererá dizer que Cristo é contemporâneo? Para mim, o encontro com Cristo coincidiu e coincide com uma afeição grande pela minha humanidade: a alegria de ser homem, a liberdade de olhar com ironia os meus pecados, os meus limites. Não é mais o pecado, o limite, a me definirem, mas aquele olhar, assim como, para os pastores, uma vez que O viram, assim como para aquele ladrão, uma vez que, sobre a cruz, virou a cabeça e fixou Aquele Homem. Graças àquele Olhar, roubou dEle o paraíso. Um verdadeiro “ladrão” até ao fim! A simpatia pela nossa humanidade, semelhante àquela dos pastores ou dos dois ladrões na cruz com Jesus, cresceu ou permaneceu escondida num canto do nosso eu? Fico comovido por sentir-me abraçado por aquele menino, da mesma maneira que os pastores, ou aqueles dois bandidos, um dos quais entrou no paraíso no último instante da sua vida, quando reconheceu em Jesus o Filho de Deus. Amigos, será que nos damos conta de que Cristo precisa do nosso limite, do nosso temperamento?
Nestes dias, recebi na clínica, pela terceira vez, um rapaz doente de câncer. Um rapaz que vive na rua, com uma experiência terrível de amizades, tentativas de homicídio, de furtos, droga etc. Tem um câncer que parece uma pedra aguda na cabeça e outro na parte direita do pescoço que parece uma bola. Tantas vezes o recebemos e cuidamos dele, tantas vezes escapou, deixando-me o coração partido. Foi muitas vezes para a cadeia. Agora, voltou porque não dá mais conta, está acabado. Tem 18 anos. Ontem, me pediu a confissão. Foi, de fato, um reacontecer daquilo que aconteceu aos pastores ou aos dois na cruz, ou melhor, àquele que pediu perdão. Eu o olhava nos olhos pretos e lúcidos, enquanto pedia perdão. “Eu te absolvo...” e toda a sua história de miséria se tornou, de uma só vez, uma história de graça.
Amigos, pudéssemos nos deixar abraçar por aquele menino ou por aquele Homem que veio, vive e se faz presente todos os dias para nos dizer “amei-te de amor eterno, tendo piedade do teu nada”! Nestes dias, o calor chegou a 42º e, no entanto, mesmo isso é graça e me permite dizer, mesmo se todo molhado de suor e com a respiração ofegante, “Tu, oh meu Cristo”. E assim, tudo se torna uma graça, uma vibração apaixonada pela ternura de Jesus, que me faz olhar para os meus filhos tão belos com uma ternura única, um pouco como aquela de Jesus. Olhando-os, acho-os de uma beleza indescritível, sorridentes, vivos, certos daquele “eu sou Tu que me fazes”, ainda que tendo vivido violências terríveis, como as crianças que Herodes assassinou tentando eliminar também a Jesus.
2. O olhar de Zaqueu: impressiona-me e me conforta ver como Carrón nos provoca continuamente com este fato... e quanto mais assimilo aquele olhar, tanto mais sinto vibrar dentro de mim aquilo que Zaqueu experimentou no momento em que Jesus o chamou pelo nome. Aquele instante ficou pregado na minha mente, aquele átimo no qual se encontraram o olhar de Zaqueu e do Mestre. Tentem pensar, em meio aos problemas de todos os dias, no significado do sentir-se olhados, fixados daquele modo! Tudo se desfaz, se ilumina. Não desaparecem os problemas, os estados de ânimo, as doenças, a depressão, mas tudo se torna outra coisa, porque aquele olhar muda tudo, abraça tudo, domina tudo.
Florêncio é um rapaz de 20 anos, sozinho no mundo, foi recolhido por uma mulher com problemas psiquiátricos. Um drama dentro de outro drama. Miséria, fome, abandono. E, finalmente, um câncer “comeu” o rosto do rapaz, que, hoje, está terrivelmente desfigurado. A “mãe”, internada diversas vezes no manicômio. Conseguimos tirá-la deste lager e levá-la para junto do filho. Dia e noite, ela o assiste com uma amabilidade tão grande que nós, “sãos”, se não vibrássemos como Zaqueu por Jesus, não conseguiríamos entender, ou melhor, não seríamos nem mesmo capazes de nos dar conta. Olhando para aquele rapaz moribundo que, de vez em quando, retoma a consciência por um pouco, lhe pergunto “como está, Florêncio?”, e ele, levantando levemente o polegar da mão, me faz entender: “bem”. Outro dia, pensávamos que estivesse para morrer e a mãe me disse: “Padre, prefiro levá-lo para casa comigo vivo, porque se ele morrer aqui, eu não terei dinheiro para levá-lo até à casa, porque o traslado é muito caro (são 300 km daqui)”. Olho-a com ternura e lhe digo: “Estela, não se preocupe... a Providência cuidará de tudo”. E se tranquilizou. Algumas horas depois, passei perto dela e vi, com surpresa, que Florêncio estava sentado na cama e com uma canetinha estava desenhando uma figura feminina. Olho para o desenho e olho para ele comovido... da sua boca saía uma líquido podre... mas que ternura! Ele é literalmente consumido pelo câncer, todo inchado, com a carne já em decomposição, e no entanto com o olhar que me diz que a vida é bela! Eu o entendo, o invejo, porque ele é assim porque encontrou, alguns meses atrás, quando chegou aqui em condições desesperadas, o mesmo olhar que Zaqueu experimentou diante do olhar do Senhor. Não se pode explicar de outra forma como um rapaz naquelas condições, nos poucos momentos de lucidez e de consciência, diante da minha pergunta sobre como está, me responda OK levantando o polegar e me fixando com o seu olhar. O que posso fazer, além de beijá-lo e, ajoelhando-me diante dele, deixar-me olhar como Zaqueu por Jesus, presente em Florêncio, consciente de estar diante da morte. Porque ele sente o cheiro da sua pobre carne que só espera a ressurreição para se recompor, gloriosa e bela!
Amigos, quando Carrón nos lembra, em seu artigo de Natal, que Cristo está presente hoje, para mim, para vocês, instnate depois de instante, não posso não pensar no hino “Iesus dulcis memoria”. De verdade, é mesmo bonito viver com quem nos chama a atenção e nos remente em cada momento à doçura de Jesus.
Padre Aldo
P.S.: aos tão numerosos emails que vocês me enviam, responderei nos próximos dias, quando estarei, por alguns dias, no Brasil com meus amigos. Estar com eles é, para mim, repousar, na doce memória de Jesus.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Cartas do P.e Aldo 176

Asunción, 06 de janeiro de 2011.

Há nove anos, na paróquia São Rafael, seguindo a liturgia natalícia, celebramos a família de modo solene, no dia da Sagrada Família. Uma tradição que quisemos colocar como alternativa àquelas iniciativas maçônicas e laicistas que festejam o dia das mães no mês de maio e o dia – quase não observado – dos pais em junho.
Não existe “maternidade” ou “paternidade” sem família, sem aquele lugar original, criado pelo mesmo Deus, como é contado no Gêneses, quando o Onipotente afirma “façamos o homem à nossa imagem e semelhança... homem e mulher. (...) O homem abandonará seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher e os dois serão uma só carne”. E foi assim. O matrimônio monogâmico e heterossexual foi uma iniciativa divina que nem mesmo o pecado original conseguiu destruir.
Todavia, as consequências do pecado original se tornaram evidentes imediatamente: nem o homem nem a mulher sozinhos conseguiram viver mais naquela comunhão original. Por esse motivo, foi necessária a Encarnação de Jesus que instituiu o Sacramento do Matrimônio, ou seja, a possibilidade tanto para o homem como para a mulher de voltar a viver aquela experiência única e original – a de ser uma só carne – que Deus mesmo havia dado de presente a eles, os criando.
O matrimônio está na origem da família como único lugar onde acontece o milagre da paternidade e da maternidade. Por esse motivo, na cultura niilista de hoje, como sua dupla visada de relativismo e de hedonismo, eliminou-se a festa da família, substituindo-a com o dia das mães e o dia dos pais. Pai não é quem fecunda uma mulher, nem mãe é aquela que expele uma criatura do seu ventre. Também os animais fazem essas coisas. Pai e mãe é um dom do Alto, fruto de uma vocação divina que chama o homem e a mulher a formarem um lar no qual se louve o nome do Senhor e se permite a Deus, através dos filhos, levar adiante o seu plano de salvação.
Num mundo que festeja até o dia do agente funerário, somente a Igreja festeja a família, recordando a Sagrada Família de Nazaré. No Paraguai não há categoria de pessoas que não tenham um dia dedicado à sua profissão... e pobre da pessoa que não cumprimenta o festejado!
Por isso, todos os anos, no primeiro domingo depois do Natal, na nossa paróquia, celebramos este dia benzendo e entregando às crianças a vassoura.
Por que a vassoura? Porque é o símbolo da limpeza, da ordem na casa, porque é o instrumento doméstico mais antigo e comum. Porque São Martinho de Porres chegou à santidade usando a vassoura com amor, oferecendo a Cristo o seu trabalho. Para as crianças, como lhes expliquei, lembrando de minha infância, é o primeiro contato com o trabalho físico da casa, é a modalidade para que compreendam a ordem, a limpeza, a beleza.
Por isso, foi bonito, no domingo dia 26 de dezembro, quando pedi às crianças para subirem ao altar para me mostrarem se sabiam usar uma vassoura. Muitos sim, outros não. Então, peguei a vassoura e, diante de todos, expliquei a eles como se pega e como se usa. Há 20 anos sou fiel a este gesto.
Aprenderam rápido o uso e o significado do gesto. Depois, rindo, expliquei a eles como os meus pais usavam a vassoura na minha bunda, quando eu fazia alguma má-criação, para que eu pudesse entender como viver.
Foi, de fato, bonito esse gesto, porque me agrada pensar ainda em Jesus que, desde pequeno, aprendeu a amar e a usar a vassoura ajudando os seus pais, antes de usar a serra e o martelo etc.
Creio que a vassoura seja um dos instrumentos mais antigos e familiares do mundo. Por isso, disse às crianças que merece muito respeito, explicando também como recolocá-la no seu lugar, com a ponta do cabo para baixo e “os cabelos” para cima.
O novo Paraguai, aquele que nasce do encontro com Cristo, não passa em primeiro lugar pela política nem pela economia, mas pela vassoura. Ou seja, pela família que educa os seus filhos.
Padre Aldo.

Cartas do P.e Aldo 175

Asunción, 06 de janeiro de 2011.

De fato, o homem é apenas relação com o Infinito e, desta certeza, nasce aquele dinamismo incansável da vida que é a gratuidade.
Que graça chegar ao fim de um dia cujo calor úmido dos trópicos parece apagar toda energia e se encontrar com o coração fresco pela paixão por Cristo, que se torna paixão pelo homem.
Nesta noite, estive na Casinha de Belém, como tento fazer todos os dias, e Rose, a menina de três anos que tão logo me ouve corre para entre os meus braços, quis – sim ou sim – mesmo que já tarde, vir comigo para casa. Assim, enquanto escrevo, ela está sentada diante de mim com um sorvetinho e fala olhando para as fotografias dos seus irmãozinhos da Casinha. E pensar que quando chegou nós acreditássemos que ela morreria, visto o tanto que havia sofrido. Hoje, ela é como todas as crianças: alegre e brinca. Vejo nela a evidência daquele Mistério que me faz e, consequentemente, faz também ela. Sempre mais experimento que somente vivendo com a certeza do “eu sou Tu que me fazes” é que é possível salvar tudo e todos. Como explicar de outra forma que estes meus filhos, com todas as violências sofridas e os problemas conseqüentes, sejam felizes?
O homem, tanto a criança violentada quanto o violentador, quanto cada um de nós, tem necessidade de encontrar homens definidos pelo Mistério. Somente assim nasce a gratuidade. Aquela gratuidade que vi em ação, nesses dias, quando a doutora especialista em AIDS, Cristina, me chamou, enquanto cuidava do corpo de um doente de AIDS já apodrecido em várias partes e cheio de vermes. Eu estava assustado, enquanto que ela, com as pinças, arrancava daquele corpo apodrecido, um por um, aquelas misérias. A um certo ponto, perguntei-lhe: como você consegue resistir, Cristina? E ela: “Padre, estou tirando os vermes do corpo de Jesus”.
Um minuto depois, o doente, aquele pobre homem que também tem uma psoríase terrível, conseguiu dizer: “Eu sou Jesus”. Veio-me em mente a pergunta de Jesus a Marta, diante do cadáver mal-cheiroso de Lázaro – como o deste meu filho: “Crês isto?”. “Sim, Senhor, eu creio.” E assim consegui até mesmo jantar, não obstante a minha cabeça estivesse fixa sobre aquilo que eu tinha visto.
Amigos, esta é a contemporaneidade de Jesus de que fala Carrón na sua intervenção natalícia.
Estes dias têm sido muito difíceis. O calor me nocauteia. O meu corpo está sempre úmido. A tensão nervosa que isso me cria é enorme, assim como a irritabilidade; e no entanto não é o Alprazolan que me torna sereno e calmo, mas o repetir contínuo “eu sou TU que me fazes”, “Senhor, te ofereço”, “Tu, meu Cristo”. Amigos, vocês entendem como tudo é possibilidade para dizer “Tu, meu Cristo”? Assim, o lamento deixa lugar para a oferta. Mas, sozinho é impossível. Por isto, no fim do ano, peguei o avião e passei três dias com os amigos Marcos, Cleuza, Bracco e Julián de La Morena. Eu precisava urgentemente ver os amigos, aqueles rostos com os quais a familiaridade com Cristo é mais evidente. Não fizemos nada de especial. Ficamos juntos como Jesus com os seus amigos, retomando aquilo que Carrón nos disse no Natal, e a partir disso julgando a nossa vida. Mandei o resultado desse diálogo para “Tempi”, porque desejo que todos, mesmo quem não conhece a nossa experiência, possam perceber que o cristianismo é uma amizade e entendam o que quer dizer que os cristãos sejam os amigos de Jesus.
Amigos, de verdade, tenho o coração queimando por Cristo, e este fogo me torna criativo, atento, para responder a toda provocação da realidade. Exatamente como, nesse momento em que devo levar Rose para dormir com as outras crianças, mesmo que ela não esteja cansada e esteja mexendo em tudo no meu escritório. Olho para ela que está virando de ponta cabeça tudo, o aparelho de fax e o CD player. É isto que passa, para mim, com Jesus: basta estar com Ele, porque, depois, é Ele quem faz, que leva adiante a obra.
Um abraço no Senhor a todos.
Com afeto
Padre Aldo

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Cartas do P.e Aldo 174

Asunción, 30 de dezembro de 2010.

“Cantarei eternamente a Tua misericórdia, ó Senhor”
Olhando para este ano que me foi dado, como todos os outros 64 anos que já pertencem à minha história, uma história cheia de misérias, de fragilidade e de graça, estas palavras do salmista saem, quase como um soluço de alegria, de dentro do meu coração.
Quando me ordenaram sacerdote, olhando para a minha fragilidade, para a minha desobediência, para a minha incapacidade intelectual, coloquei no santinho, me lembro, a frase de São Francisco de Assis: “Aceita-me como sou e faz-me como queres”.
Quando fiz 25 anos de sacerdote, há quase 15 anos atrás, deixei para os amigos como recordação a frase: “Cantarei eternamente a Tua misericórdia, Senhor”.
O que pode haver de mais comovente, de mais humano, no fim de cada ano, assim como de cada dia, do que reconhecer que a misericórdia do Senhor não apenas é eterna, como também é a razão mesma do meu ser, do meu existir! O que pode haver de mais belo, no fim deste ano, cheio de fragilidade, de miséria, do que poder reconhecer como São Paulo que “onde abundou o pecado, superabundou a graça!”. Que graça, meu Deus, reconhecer que sou pecador, reconhecer que Te fizestes homem, meu Deus, graças aos meus pecados; reconhecer que se eu fosse um ser coerente, perfeito, honesto, bom, cheio de valores, Tu, meu Deus, não te terias feito carne para mim e para os meus irmãos pecadores!
Que maravilha, Senhor, ver-Te descer do céu e tomar a minha carne, o meu sangue, os meus pecados, para mostrar-me como sou pecador aos Teus olhos, quão grande é a Tua estima por mim, porque eu sou Teu, como nos lembra o profeta Isaías! Que dor, ó Jesus, me provocam aqueles homens que, para eliminar-Te da própria história, se afanam para construir sistemas perfeitos para anular a Tua presença no mundo dos pecadores!
Que angústia, ó Jesus, experimento, dia após dia, quando os meus irmãos, mesmo os sacerdotes como eu, preocupados em propor uma moral, uma ética, um compromisso social, convencidos de que isto seja o cristianismo, esquecem-se de que o cristianismo é Tu, ó Jesus, presente hoje entre e conosco!
Por que, ó Jesus, temos vergonha de Ti, a Igreja tem vergonha de Ti? Por que, ó Jesus, não levamos a sério as reiteradas palavras do Santo Padre que convidam à conversão, conversão que significa dizer “Tu, ó meu Cristo”?
Por que, como escutamos, nos últimos dias, da boca de quem “governa” este país, não reconhecemos que não estamos mais no Antigo Testamento, esperando o Messias, o mundo novo, mas que o mundo novo é um fato, um Presente? Por que não reconhecer a Tua Presença que age hoje na Igreja, casta meretrice, nos traços de milhares e milhares de pessoas que são o sinal vivo da Tua Presença?
A cristandade não é algo que começa agora, como afirma ideologicamente uma certa teologia da libertação no nosso país, porque finalmente chegou ao poder, ma é um Fato Presente há 2000 anos.
O menino não deve nascer, nasceu, nasce em cada momento na santidade de quem Te reconhece, ó Cristo, como a razão última da vida, o fim último da existência.
Por este motivo, neste fim de ano, o meu coração e o de muitos amigos, os amigos de Jesus, como o Papa define os cristãos, queremos agradecer-Te, porque, graças aos nossos pecados, Tu te fizeste carne por mim e por todos os homens.
Ó Jesus, peço-Te que acabe em mim e em todos o escândalo pelas nossas misérias, acabe em nós a mania pelos valores, o orgulho de sermos os primeiros da sala e o orgulho de sermos os protagonistas, sem Tu, da utopia de um mundo melhor.
Ó Jesus, peço-te que a Tua graça me ilumine, nos ilumine, para que tomemos consciência de que o ideal pelo qual viver não é a coerência mas a pertença a Ti, como uma criança pertence aos seus pais e, deste modo, cresce feliz.
Este ano foi grande porque grande foi a experiência da Tu infinita misericórdia que, na confissão semanal, ou mais de uma vez por semana, se tornou palpável, visível, enchendo-me de alegria.
Senhor, “eu não sou digno de que Tu entres em minha morada, mas basta uma palavra Tua e a minha alma será curada”.
Por este motivo, as palavras que mais me comoveram durante este ano foram aquelas do sacerdote que, frequentemente, traçando sobre mim o sinal da cruz, me dizia: “Eu te absolvo dos teus pecados, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém”.
"Te Deum laudamus: te Dominum confitemur... In te, Domine, speravi: non confundar in aeternum".
Padre Aldo

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Cartas do P.e Aldo 171





Asunción, 19 de dezembro de 2010.

Caros amigos,
Bom Natal! Particularmente aos muitíssimos amigos que, com seus emails, me confiaram suas dores, dificuldades, seus sofrimentos e, frequentemente, sua falta de vontade de viver. Para mim, foi uma graça, porque seja quem for que estiver sofrendo eu o sinto comigo e com o mar de dor que me circunda, da dor de Cristo, daquilo que falta à paixão de Cristo pelo seu corpo que é a Igreja. Agradeço a vocês de coração, porque as feridas que carregam não apenas me impedem de ser um burguês, ou seja, um homem sem pergunta, sem dramaticidade, como também me ajudam a viver dentro das circunstâncias da vida com os olhos fixos no Mistério. É como se o dor de vocês, a nossa dor, me tornasse sempre mais consciente do significado de estar suspenso sobre um cheio, sobre uma certeza.
Confesso a vocês que todas as noites, quando já tarde, vou dormir, depois de ter visitado as várias obras da paróquia onde vejo e sinto somente a dor dos meus filhos, dos recém-nascidos abandonados, das meninas vítimas da violência, dos doentes terminais e dos velhos recolhidos das ruas, reconheço como o Mistério domina a minha vida, enchendo-a de paz. Que bonito é ser tomado, dominado por aquele “Tu” a cujos olhos sou precioso e digno de estima, porque sou Seu, como nos recorda o profeta Isaías. Como eu gostaria que as muitas pessoas deprimidas, cansadas de viver, vítimas das mil fantasias, que conheço muito bem, reconhecessem, mesmo quando a angústia parece sufocá-los, que, seja como for, o Mistério é um Fato presente, é um abraço que nunca permite que nos percamos. O problema não é a dor, a depressão, a doença, mas é a liberdade de reconhecer naquele “Tu que me fazes” a própria consistência. Há momentos em que não vejo nada, mas o juízo é claro e eu repito para mim mesmo continuamente: “Tu, ó meu Cristo!”, e sempre reencontro a energia para caminhar.
Peço a vocês, enquanto peço por mim mesmo, de não colocar os “se”, os “mas”, os “porém” entre Cristo e nós, porque isto seria a única grande fraude e perderíamos a festa da vida. O Mistério ama quem se arrisca, que não tem medo da realidade, e em geral se diverte permitindo-nos chegar até à borda do abismo, mas depois, de repente, quando tudo parece perdido, nos salva, pegando-nos pelos cabelos. Há vinte anos experimento este fato mesmo em nível econômico. Pensem nas centenas de milhares de euros de que precisam estas obras! E, no entanto, chega o último dia do mês e a Providência chega. No início, quem trabalhava comigo se assustava, a administração entrava em crise, enquanto que, para mim, era tudo simples e ainda o é: “Senhora (disse à administradora), estão faltando dois dias para pagar o salário dos 180 dependentes do Mistério, único chefe destas obras; por isso, por que você se preocupa?”. E no dia seguinte, a Providência chegava com o dinheiro necessário – e nada a mais ou a menos. Mesmo com respeito a isso o Mistério me mantém sempre suspenso e, portanto, sempre mendicando. Não sei como pagarei o salário de janeiro às 180 pessoas, ou melhor, famílias, mas, por isto, não perco o sono, porque tenho a certeza absoluta de que o Senhor, aquele “Tu que me fazes”, no momento certo, estará ali para pagar. Que liberdade eu sinto quando estou diante, diante daquele Tu que me domina, me abraçando.
Ontem, Ele me deu dois novos filhinhos. Olhem para eles nas fotos. São gêmeos, foram abandonados por sua mãe e, por causa dos maltratos que sofreram da “mãe”, ambos possuem uma paralisia cerebral, de forma que isso era motivo suficiente para recebê-los. Têm 1 ano e oito meses e pesam, cada um, 6 quilos. A história deles é de um sofrimento terrível. No entanto, o Mistério ocupou-se deles e os deu a mim. Na primeira noite, choraram durante toda a noite, mas nesta última noite, já estavam mais tranquilos entre os meus braços.
No fundo, se o nosso abraço é o fruto da experiência do “Tu que me fazes”, ele se transmite como que por osmose mesmo a eles, cuja inocência foi lacerada pelas violências de todos nós, quando nos esquecemos de ser relação com o Mistério.
Olhando-os, penso naquela pobre mulher que, certamente, mesmo ela, terá sido vítima de outra violência. Confio-os às orações de vocês, assim como confio a terceira Casinha de Belém e a nova casa para as meninas violentadas e grávidas, que iremos inaugurar na vigília de Natal.
Como vocês podem ver, Jesus me enche de presentes, presentes que também são para vocês. É mesmo bonito ser queimados pelo amor por Cristo, porque, assim, o coração queima de amor pelo homem.
Bom Natal.
Padre Aldo

P.S.: Amigos, desculpem o italiano, mas, não sabendo usar o computador, confio-me ao excelente secretário que faz o impossível para me traduzir. Olhem para a essência, para o coração.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Cartas do P.e Aldo 169

Asunción, 28 de novembro de 2010.

Caros amigos,
gostaria de comunicar a vocês alguns fatos que aconteceram e que testemunham com Cristo está presente na minha vida e, por isso, tudo é positivo, mesmo a dor que, de uma desgraça, se torna graça, como nos lembra a Escola de Comunidade.
1. Ontem (sexta-feira), tivemos a surpresa da visita de Marcos e Cleuza. Uma visita relâmpago, que foi, para eles, uma aventura única: 7 horas de viagem de avião para chegar aqui e 4 horas para voltar. Nunca aconteceu algo assim. Somente uma grande amizade, fruto da familiaridade com Cristo, permite este olhar entre nós. Marcos, ontem, tinha uma reunião importante na Assembléia Legislativa, mesmo porque lhe estão fazendo propostas interessantes. Mas, preferiu vir para festejar o aniversário de Padre Paolinio e encontrar os amigos da fundação, responsáveis pelas obras. O encontro foi muito bonito, as experiências contadas foram como um vibrar do eu diante de Cristo. A genialidade de Cleuza nos lembrou o que Carrón nos dizia comentando o Monologo di Giuda (Monólogo de Judas, canção de Claudio Chieffo; ndt) em La Thuile: “Judas era um apóstolo, eu não sou um apóstolo; Judas fazia parte dos grupinho de amigos de Jesus, e eu também faço parte dos amigos de Jesus, como Judas, como Pedro. Porém, Judas participava daquela amizade, mas diferentemente de Pedro e de mim, não pertencia àquela amizade. Uma coisa é participar, outra coisa é pertencer. Judas traiu Jesus, mas também Pedro, assim como também eu. Porém, uma coisa foi a traição de Judas, outra a de Pedro e a minha. Judas, diante do seu pecado, sendo apenas participante daquela amizade, e não pertencente, se suicidou. Pedro, porém, que pertencia àquela amizade, reconheceu o seu pecado e se deixou abraçar por aquele olhar. Assim é para mim e para Marcos. Nós não viemos porque participamos do que acontece aqui, desta obra, mas porque pertencemos a esta obra. Uma pessoa pode até fazer milagres, mas se a sua natureza não for a do Pai, tudo morrerá. O filho pródigo voltou não porque quisesse participar do banquete, ou porque estava cansado da miséria, mas porque, no meio de toda as misérias, ele pertencia ao Pai, era da sua mesma natureza. O nosso problema é apenas um: participamos ou pertencemos? Seguimos Carrón ou olhamos para onde Carrón olha? Uma coisa é participar do movimento, participar daquilo que Carrón nos diz, outra coisa é pertencer ao movimento, pertencer ao olhar com o qual Carrón nos guia e olha para a realidade. Eu venho aqui, do Brasil, porque decidi pertencer àquilo que vi, como Pedro. Eu venho do Brasil porque pertenço a vocês. Assim, vocês trabalham aqui porque pertencem a esta obra. E o sinal desta pertença é a alegria com a qual vocês trabalham e é o que marca a diferença com quem não pertence”
2. Tão logo chegaram, celebramos a missa para eles na clínica. Alguns doentes terminais, incapazes de se moverem, participaram também. Grande foi a surpresa quando um doente de câncer, com a parte direita do rosto toda vendada, porque literalmente estava “comida” pelo câncer, e o outro lado todo inchado, tomou o violão e, com uma alegria nos olhos que nos comover a todos, acompanhou os cantos. Cleuza, a um certo momento, disse: “como pode um doente naquelas condições, nas vésperas da morte, tocar com tanto ímpeto o violão? A resposta é apenas uma: porque, nele, é clara, é evidente a pertença ao Mistério... e era visível como ele estava identificado com Cristo eucarístico. Ele tocava assim e naquelas condições, porque olhava para Cristo, pertencia a Cristo. Desafio a qualquer prêmio Nobel de oncologia a dar a este doente aquilo que somente Cristo pode dar. Nenhum prêmio Nobel pode dar um doente terminal a força, naquelas condições, de tocar o violão. Quem lhe dá a força é apenas Cristo, que passa através de vocês, que estão próximos e veem nele Cristo. Eu venho de São Paulo porque preciso ver como também a vida que está morrendo refloresce na pertença. Não venho aqui para ver as pessoas morrendo e nem mesmo para ver o hospital, porque tudo isto posso ver também em São Paulo, mas para ver os milagres da pertença a Cristo, porque não é uma coisa deste mundo ver um moribundo tocando violão. Venho aqui para que a certeza que hoje me acompanha seja a certeza que me acompanhe também amanhã. Não me basta o passaporte para hoje, eu o quero também para amanhã. E sem vocês não tenho esta garantia. O passaporte para o amanhã eu não tenho, mas esta pertença o tem. Então, o problema é não ter uma reserva na pertença, reserva que é o caruncho que destrói tudo. Quanto mais pertenço, tanto mais cai a reserva. A outra face da reserva é a pretensão. Por que prevalece a pretensão? Porque nos esquecemos do destino do outro. Por este motivo, não estamos juntos para fazer obras, mas para que floresça o nosso eu e as pessoas conheçam a Cristo, encontrem a Cristo. E se o ponto não está claro, a obra já está morta. Quando alguém tem este olhar é livre. Não é definido pelos resultados, pelos êxitos. Pensem, por exemplo, nos pais: que respiro começam a viver quanto aos filhos, sobre os quais temos tantas pretensões. Eu posso abraçar, sustentá-los, mas não me posso substituir a eles, ao drama deles. O violeiro que escutamos é uma evidência. Eu não posso tirar-lhe o câncer, não me posso substituir a ele, o drama é todo seu, não posso fazer com que a proximidade da morte se afaste. Posso sim abraçá-lo, amá-lo, mas o drama é entre ele e Cristo, e se vê bem como a sua liberdade, que se deixa abraçar por Cristo, lhe permite até mesmo de ‘tirar sarro’ do câncer, aproveitando plenamente daquilo que está tocando”
Amigos, vocês entendem por que somos amigos e por que não conhecemos distância, e como mesmo os “problemas” provocados pelas companhias aéreas não nos distraem?
Para terminar e assim começar bem o Advento, um último fato que mostra como nada impede que a realidade, a doença, seja um dom. Outro dia, a doutora Cristina, infectologista, me descreveu as condições de um paciente de AIDS, encontrado num lixão. Ele é uma ferida só. Os vermes saem de uma orelha apodrecida e também dos genitais. Chamou-me para perto dele para que eu me desse conta de onde pode chegar a miséria humana e também do que seria do homem se não fosse de Cristo. Vi como ela, com tanto amor, com uma pequena pinça, tirava os vermes um a um – e isso todos os dias – e fiquei abalado e comovido. Perguntei-lhe: “Mas, Cristina... como consegue?”. E ela: “Mas, padre, é Jesus... este homem cheio de feridas é Jesus; e, por isso, faço este trabalho com alegria”. Fiquei sem palavras, maravilhado, comovido, enquanto ela, com as pinças, acompanhada por outra jovem médica e uma enfermeira, continuavam, com o sorriso nos lábios, a tirar aqueles vermes de cabeça preta e corpo branco.
Vocês entendem o que quer dizer “contemporaneidade de Cristo”? Se Cristo fosse um “ontem”, uma pessoa não seria capaz de estar diante de um homem que traz no corpo os sinais do apodrecimento.
Rezem por mim e por meus amigos sãos e doentes.
Padre Aldo

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Cartas do P.e Aldo 168





Asunción, 17 de novembro de 2010.

Caros amigos,
olhem para as minhas crianças no dia da sua Primeira Comunhão, no domingo dia 7 de novembro. São belas, muito belas, agora que, finalmente, Jesus entrou em seus corações, se tornando uma única realidade com Jesus.
A semente da graça batismal está se tornando uma árvore.
A história delas é conhecida de vocês. A violência marcou a sua concepção, o seu nascimento... os abusos sexuais. Traumas terríveis, suficientes para destruir uma vida. No entanto, o encontro conosco, o encontro com rostos definidos pelo “eu sou Tu que me fazes”, pela certeza de “amei-te com amor eterno, tendo piedade do teu nada”, não apenas lhe deu a vida outra vez, a alegria de viver, como também lhes deu a liberdade de perdoar aqueles que os colocaram no mundo e abusaram deles.
“Padre, não queremos ver e nem mesmo voltar para casa onde sofremos tanto; perdoamos nossa ‘mãe’ e o concubino que nos fez tanto mal”. Amigos, no dia em que me disseram esta frase, senti toda a potência daquilo que Carrón continuamente nos repete: “O homem não é e nunca será fruto do seus antecedente, por mais feios que sejam, porque ele é relação com o Mistério”. Porém, esta certeza, na qual consiste toda a proposta educativa de Giussani, pode chegar até a nós, aos meus filhos, somente na medida em que é a consistituição consciente do meu eu, somente na medida em que a minha familiaridade com Cristo é vibrante em mim, somente na medida em que acolho, a cada instante, aquilo que Giussani chama o “monstro” do sacrifício como condição para que a minha liberdade coincida com o “Tu, meu Cristo”. Como vocês podem ver, não se trata de medicar as feridas, por mais horríveis que sejam, mas se trata de permitir que Cristo tome posse do próprio eu. A batalha é dura, como diz a Escola de Comunidade sobre o sacrifício, mas o êxito é uma plenitude de vida, aquela plenitude que vocês podem ver no rosto das minhas crianças.
Amigos, tudo é importante e bom. Mas, sem Cristo, tudo é inútil, todo esforço é destinado a falhar!
Somente “eu sou Tu que me fazes” como consciência comovida de si sara a totalidade do humano. Deus e Nossa Senhora nos deem a alegria de vibrar ao pronunciar esta certeza, pelo menos da mesma forma como vibramos por causa de um amor repentino que esperamos chegar, da mesma forma que São Paulo, quando diz: “para mim, viver é Cristo”.
Ciao,
Padre Aldo

domingo, 17 de outubro de 2010

Cartas do P.e Aldo 166

Asunción, 16 de outubro de 2010.

Caros amigos,
“Padre, sou feliz de estar aqui, neste hospital. Desde que cheguei e vi tanta beleza – flores, jardins, plantas, ordem, limpeza – e, particularmente, tanto amor, me senti como se estivesse no paraíso. Mesmo o câncer assumiu um rosto diferente”. Foi o que Josefina me disse antes de morrer, esta noite.
A clínica está sempre cheia. Moribundos sozinhos, da rua, que chegam para receber um gesto de amor puro que encontra nos sacramentos o coração e, depois, partem para o Paraíso. Frequentemente, damos o batismo sub conditio, porque não sabemos nada sobre eles, apenas algo muito bonito que Carrón nos repete sempre: “amei-te de um amor eterno, tendo piedade do teu nada...” ou, como disse Giussani na Escola de Comunidade, “comovo-me porque tu me odeias”.
Olho para aquele meu filho, de quem sou também o padrinho, batizado no domingo passado, sempre sub conditio (significa que pode ser dado mesmo a quem já foi batizado), mongoloide, encontrado na rua, doente de AIDS porque foi abusado sexualmente, e não posso não me comover pensando, hoje, em como rezamos nas laudes (como eu gostaria que vocês, meus amigos, rezassem o livro das horas todos os dias, como quando estavam em GS [Gioventù Studentesca, equivalente, na Itália, aos Colegiais de Comunhão e Libertação; ndt], para descobrirem aquilo que, há 17 anos, intuíamos mas não se tinha feito carne ainda): “Pode uma mãe abandonar seu filho? Não se comover pelo filho do seu ventre? Bem, mesmo se se esquecesse, Eu não te esquecerei nunca”. Amigos, pobres de nós se introduzíssemos uma suspeita que fosse de que, na nossa vida, não seja assim, quaisquer que sejam as circunstâncias! Imaginem que desespero seria a nossa vida se esta certeza não fosse granítica como conteúdo do eu, quando um dia adoecéssemos de câncer ou quando a depressão nos pegasse!! Amigos, o pecado mais grave é a suspeita, a dúvida, quase como se Deus fosse capaz de nos enganar quando nos diz “amei-te de um amor eterno, tendo piedade do teu nada”.
Quantos momentos dramáticos aconteceram nestas semanas... cheguei mesmo a ficar com raiva (porém, há muito tempo, a minha raiva com Deus é cheia de ternura) dEle, mas não há nada que possa fazer nascer a suspeita de que tudo o que me aconteceu não seja uma ternura de Deus. Se eu não sofresse, não viveria aquela familiaridade com Ele que torna a vida tão bela e que me permite transmitir aos meus filhos a alegria do perdão.
Uma noite dessas, as minhas filhas da Casinha de Belém, as adolescentes, vieram até ao meu escritório para conversar comigo, confiando-me seus problemas (é um fato normal, mas sempre novo). Entre as tantas coisas que disseram, algumas me tocaram e foi quando elas, abusadas sexualmente pelo companheiro da “mãe” e com o consenso da mesma, me disseram: “papai, não queremos mais viver com a mamãe por causa daquilo que ela nos fez, porém nós a perdoamos”. E uma me disse: “eu queria vê-la, mas sei que ela não quer saber nada de mim”. “Por isso, precisamos que o senhor e Diana, a mamãe de fato, fiquem conosco quando temos tempo livre na escola, porque somos uma família”.
Numa outra noite, tentei ensinar para Noelia (de 5 anos) como se dobram as roupas. Eu a olhava e ela, muito empenhada, de vez em quando me olhava para ver se eu estava ou não de acordo. Que ternura! Porém, se Jesus não estivesse vivo, aqui, eu não seria capaz disso, eu ficaria impaciente. É a contemporaneidade de Cristo que permite às crianças que perdoem, e permite a mim ensinar como se dobram as roupas. Esta contemporaneidade é aquilo que deu a liberdade cheia de amor a César e Lorena que, tão logo se casaram, alguns meses atrás, decidiram vir viver com os homens na primeira Casinha de Belém. Já na primeira noite de casados, se viram com o quarto dos 11 meninos assustados, que se tornaram seus filhos, ao lado do seu quarto. Agora, Lorena está grávida e a felicidade para todos é ainda maior. Os filhos que eram de uma violência sem precedentes – eles estariam todos na rua, semeando violência –, hoje estão mudados e são muito bonitos. Mesmo Gabriel, para quem demos e se deu o meu sobrenome, que viveu apenas violência (fugia de todas as casas por onde passou, jogava pedras em vidros de carros, era respondão e tinha um cinismo terrível), agora é o melhor da sua sala.
Amigos, é o milagre da gratuidade, assim como nos descreve Giussani na Escola de Comunidade. Os meus educadores são todos pessoas que têm apenas a quinta série e, alguns, terminaram o ensino médio, e todos são os protagonistas deste milagre... mas, por quê? Porque, a cada dia, nos lembramos da nossa origem, que é a mesma das crianças: “eu sou Tu que me fazes”, ou “quem és Tu, ó Cristo, que me amaste de um amor eterno, tendo piedade do meu nada?”.
Amigos, a vida é uma grande aventura.
Com afeto
Padre Aldo

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Cartas do P.e Aldo 162



Asunción, 19 de setembro de 2010.

Caros amigos,
os santos e os mártires estão entre nós. Olhem as fotos desse jovem casal. Ele tem 25 anos. Ela, 21. Casados na igreja há dois anos atrás. Ficou grávida quase imediatamente. Estava felicíssima. Chama-se Diana. Um controle médico, uma resposta terrível: “Temos que operar de um câncer que, se tivesse sido descoberto mais cedo, seria curável, mas nesse ponto teremos que arrancar também a criança que você está carregando”. “Ou você, ou a criança”. Deixo a cada um de vocês imaginar o drama. Mas, junto com seu jovem esposo, cheios de fé, não tiveram dúvida: “Salvem a criança e, uma vez nascido, pensem em mim”.
A criança nasceu prematuramente. Era bonito ver como eles o olhavam crescer na incubadora. Mas, um dia, chegou a notícia mais dramática: “morreu por causa de uma infecção hospitalar”. O cúmulo dos cúmulos. Mas, para os médicos (que, ou são santos, ou são como Hitler: pedras, assassinos), as coisas foram normais. Para Diana e o marido, foi um desespero que apenas aquele “Tu, meu Cristo”, ou aquele “Quem és Tu, ó Cristo?”, consegue transformar lentamente num abandono. Pouco a pouco, o filho deles foi se tornando o anjo deles. Diana finalmente voltou à serenidade... até quando os médicos lhe disseram: “Mas, não há nada a fazer também com você”. 
Diana chegou à clínica para morrer. Ela sabe que tipo de hospital é o nosso (nessas semanas, 12 mortos), mas ela sabe que existem os milagres e que nem tudo depende do médico (quanta raiva me provoca ou me suscita a apatia, a frieza da maior parte dos médicos!... mesmo os católicos, mesmo os do movimento... sabemos que, se o coração não vibra por Cristo, ele se torna de pedra), que eles não têm a última palavra. Assim, acolhida por todos (médicos, enfermeiras etc.), como Jesus que acolhe a cada um de nós, ele está vivendo com serenidade e com uma paz profunda o seu destino. Eu a olho com seus 21 anos, e me comovo. Demos a ela a vida de Santa Beretta para ler. Com 21 anos ela já é uma santa e uma mártir! Pode haver um comentário mais preciso para a Escola de Comunidade sobre a caridade?
Olhem as fotos: sentada, no nosso hospital, com um olhar cheio de ternura e com o coração cheio de dor, como o de Nossa Senhora, de quem celebramos a festa no último dia 15 de setembro [trata-se da festa de Nossa Senhora das Dores; ndt].
Peçamos a Giussani o milagre.
Diana tem apenas 21 anos e se casou há apenas dois anos.
Amigos, o céu semeia esta terra com os sinais que nos tornam Jesus contemporâneo.
Um abraço
Padre Aldo.

Cartas do P.e Aldo 161


Asunción, 18 de setembro de 2010

Caros amigos,
voltei de São Paulo, onde tive a graça de participar dos exercícios espirituais dos padres e do grupo adulto puxados por Carrón. Já o Encontro Internacional de La Thuile tinha sido uma graça excepcional, mas a semana que passei no Brasil foi um oceano de graça. O ponto de partida foi o Encontro Internacional, mas o trabalho pessoal de Carrón e um pouco também o nosso permitiu a Julián ir ainda mais fundo naquilo que se viveu no Vale d’Aosta. Assim também foi fantástico o encontro com os 1500 jovens de Marcos e Cleuza sobre o tema da vocação.
Tão logo cheguei em casa, a alegria dos meus filhos não tinha limite. Estavam ansiosos para me mostrar o boletim de notas do segundo semestre. A média geral era 4 (aqui, o máximo é 5). Não falo para vocês da minha surpresa. No ano passado, tinham passado de 0 a 1, de ninguém a alguém. Agora que são “alguém” acontecem estes milagres. Fizemos festa, lemos os boletins e, como pai, eu os assinei. Depois, uma vez colocados na cama, disse aos meus amigos: “vocês entendem o que quer dizer viver cada momento com a certeza de que ‘eu sou Tu que me fazes’? A maioria absoluta dessas crianças são vítimas das piores violências sexuais, abusados pelo pai ou pelo padrinho. Chegaram com os rostinhos transformados, carregados de violência. Muitas meninas violentadas, para se aproximarem de mim, um homem, precisaram de tempo e de paciência. Mas, aquele ‘eu sou Tu que me fazes’ que, por osmose se transmite a eles, muda, faz renascer o eu. E a alegria que os caracteriza é a evidência desse milagre”.
Pensem que o melhor de todos foi Gabriel, o menino sem nome e sobrenome que tirou 5 em todas as matérias e 1 em comportamento. Quando chegou, ele era única e exclusivamente violência. Fazia mesmo o impossível para nos provocar, para ver a nossa reação, e era suficiente um chamado de atenção para que ele se tornasse furioso. Olhava para todos com cinismo e com o rosto de quem quer desafiar. Não tinha regra: ele decidia tudo. Tem dez anos. Quantas vezes, diante da impotência, da raiva, do choro, da possível decisão de mandá-lo embora, com todas as perguntas dentro de mim, eu repeti “eu sou Tu que me fazes” certo (mesmo quando tudo parecia que iria desabar e tive a tentação de pensar que, para Gabriel, talvez não houvesse esperança) de que disso ele renasceria. E assim aconteceu. “Eu sou Tu que me fazes”. Dessa certeza, nasceram todas as tentativas, a escolha para chegar ao seu coração. E, sobretudo, olhar para ele como Deus me olha, como Giussani me olha na experiência que Carrón nos faz fazer. Não psicólogos etc. (mesmo que, conosco, haja uma psicopedagoga), não terapias, apenas o olhar. E desse estar diante dele, da sua violência, com esse olhar nasceram também as famílias para a acolhida, que a cada fim de semana levam para casa a maioria das crianças. E é bonito ver como as crianças ficam felizes e orgulhosas de estar com uma família. Toda a nossa pedagogia – desde o revisar todas as noites o armário para ver se está em ordem ou não, até a forma como tratamos cada detalhe – nasce apenas desse “eu sou Tu que me fazes”. E é estupendo, comovente, porque se “eu sou Tu que me fazes”, me faz agora, de forma que tudo é ordenado, harmônico, belo. Por isso, a Casinha de Belém é bonita, ordenada, cheia de flores. Todos lavam, limpam... Quem trabalha na cozinha ou lava os pratos (a partir dos cinco anos) tem o seu avental, o seu bonezinho correspondente etc.
Enfim algo bonito, fruto também dessa comoção – “eu sou Tu que me fazes”: um garoto, para mostrar seu despeito, jogou um bocado de pedras na piscina da Casinha. O que fazer? Puni-lo? Claro que sim! Mas como? E aqui a genialidade da resposta: “Giorgio, de hoje em diante você será o responsável da limpeza da piscina”. Bem, desde então as pedras estão no seu lugar e a piscina está bem limpinha e cuidada... e se vocês vissem com que responsabilidade ele vive a sua tarefa.
Com afeto
Padre Aldo


P.S.: A foto dos três bebês mostra aquelas crianças que foram encontradas - um num saco de lixo, outro no meio de folhas e outro numa praça, dentro de um saco também. Olhem o que o amor fez em 2, 4 e 7 meses!