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quinta-feira, 1 de março de 2012

Lucio Dalla - La casa in riva al mare


La casa in riva al mare
Lucio Dalla (1943-2012)

Dalla sua cella lui vedeva solo il mare,
ed una casa bianca in mezzo al blu
e una donna si affacciava Maria,
è il nome che le dava lui...
Alla mattina lei apriva la finestra
e lui pensava quella è casa mia
tu sarai la mia compagna Maria,
una speranza e una follia...

E sognò la libertà, 
e sognò di andare via, via
e un anello vide già, 
sulla mano di Maria

Lunghi silenzi come sono lunghi gli anni,
parole dolci che si immaginò
questa sera vengo fuori Maria,
ti vengo a fare compagnia
E gli anni stan passando tutti gli anni insieme
ha già i capelli bianchi e non lo sa
dice sempre manca poco, Maria,
vedrai che bella la città...


E sognò la libertà, 
e sognò di andare via, via
e un anello vide già, 
sulla mano di Maria

E gli anni son passati, tutti gli anni insieme
ed i suoi occhi ormai non vedon più
Disse ancora: la mia donna sei tu,
e poi fu solo in mezzo al blu
e poi fu solo in mezzo al blu,
e poi fu solo in mezzo al blu...

domingo, 25 de dezembro de 2011

Um cordel de Natal



O Nascimento de Jesus, Um Cordel sobre o Natal

Texto: Euriano Sales
Ilustrações: Meg Banhos
Locução e Edição: Euriano Sales
Trilha: Sa Grama

sábado, 17 de dezembro de 2011

Elevai para o céu vosso olhar


Vem, ó Rei, mensageiro de paz!
Traz ao mundo o sorriso de Deus!
Nunca um homem olhou o Seu rosto;
o Mistério só Tu nos revelas.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Voemos...


"Nós andamos na vida com dois doidos por dentro, um a nos ditar obsessões, outro a nos propor um vôo. Voemos. Libertemos o doido que nos libertará. (...) Siga a boa loucura quem da má quiser fugir. Liberte o doido, que liberta, que sente atrás de si, em cada passo, o doido que aprisiona e que seduz a alma com o tépido confôrto da mediocridade." 


* Corção, Gustavo (1965). O desconcêrto do mundo. Rio de Janeiro: Livraria Agir Editôra, pp. 116-117.

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Feridos pela beleza, subamos a Deus...


Bento XVI

Audiência Geral

Praça da Liberdade, Castel Gandolfo
Quarta-feira, 31 de agosto de 2011

O homem em oração

Caros irmãos e irmãs,
Neste período, chamei a atenção várias vezes sobre a necessidade de todo cristão encontrar tempo para Deus, para a oração, em meio às tantas ocupações dos nossos dias. O Senhor mesmo nos oferece muitas ocasiões para que nos recordemos dEle. Hoje, gostaria de me dedicar brevemente sobre um destes canais que podem nos conduzir a Deus e que pode também ser de ajuda no encontro com Ele: é o caminho das expressões artísticas, parte daquela “via pulchritudinis” – “caminho da beleza” – de que falei algumas vezes e que o homem de hoje deveria recuperar no seu significado mais profundo.
Talvez já vos tenha acontecido algumas vezes, diante de uma escultura, de um quadro, de alguns versos de uma poesia, ou de um trecho de uma música, experimentar uma emoção íntima, um sentido de alegria, ou seja, perceber claramente que, diante de vós, não havia somente matéria, um pedaço de mármore ou de bronze, uma tela pintada, um conjunto de letras ou um acúmulo de sons, mas algo de maior, algo que “fala”, capaz de tocar o coração, de comunicar uma mensagem, de elevar o espírito. Uma obra de arte é fruto da capacidade criativa do ser humano, que se interroga diante da realidade visível, tenta descobrir o seu sentido profundo e comunicá-lo através da linguagem das formas, das cores, dos sons. A arte é capaz de exprimir e tornar visível a necessidade do homem de ir além daquilo que se vê, manifesta a sede e a busca do infinito. Mais, é como uma porta aberta para o infinito, para uma beleza e uma verdade que vão além do cotidiano. E uma obra de arte pode abrir os olhos da mente e do coração, levando-nos para o alto. 
Mas, há expressões artísticas que são verdadeiras estradas para Deus, a Beleza suprema, ou melhor, são uma ajuda para crescer no relacionamento com Ele, na oração. Trata-se das obras que nascem da fé e que expressam a fé. Um exemplo pode ser visto quando visitamos uma catedral gótica: somos levados pelas linhas verticais que nos amparam rumo ao céu e atraem para o alto o nosso olhar e o nosso espírito, enquanto que, ao mesmo tempo, nos sentimos pequenos, mesmo que desejosos de plenitude... Ou quando entramos numa igreja românica: somos convidados, de modo espontâneo, ao recolhimento e à oração. Percebemos que, nestes esplêndidos edifícios, a fé de gerações está como que incluída. Ou então, quando escutamos um trecho de música sacra que faz vibrar as cordas do nosso coração, o nosso espírito é como que dilatado e ajudado a se dirigir a Deus. Vem-me à mente um concerto de músicas de Johann Sebastian Bach, em Mônaco da Baviera, regido por Leonard Bernstein. Ao final do último trecho, uma das Cantatas, senti, não por raciocínio, mas no profundo do coração, que aquilo que eu havia escutado me havia transmitido verdade, verdade do sumo compositor, e me impulsionava a agradecer a Deus. Ao meu lado estava o bispo luterano de Mônaco e, espontaneamente, lhe disse: “Ouvindo isto se entende: é verdade; é verdadeira a fé assim forte, e a beleza que exprime irresistivelmente a presença da verdade de Deus”. Mas, quantas vezes quadros ou afrescos, frutos da fé do artista, nas suas formas, nas suas cores, na sua luz, nos impulsionam a dirigir o pensamento a Deus e fazem crescer em nós o desejo de chegar à fonte de toda beleza! Continua sendo profundamente verdadeiro aquilo que escreveu um grande artista – Marc Chagall: os pintores, por séculos, mergulharam seus pincéis naquele alfabeto colorido que é a Bíblia. Quantas vezes, então, as expressões artísticas podem ser ocasiões para nos lembrarmos de Deus, para ajudar a nossa oração ou mesmo a conversão do nosso coração! Paul Claudel, famoso poeta, dramaturgo e diplomata francês, na Basílica de Notre Dame de Paris, em 1886, exatamente escutando o canto do Magnificat durante a Missa de Natal, percebeu a presença de Deus. Não havia entrado na igreja por motivos de fé, tinha entrado para procurar argumentos contra os cristãos, e, pelo contrário, a graça de Deus agiu no se coração.
Caros amigos, convido-vos a redescobrir a importância deste caminho também para a nossa oração, para nossa relação viva com Deus. As cidades e os países do mundo inteiro guardam tesouros de arte que expressam a fé e nos remetem ao relacionamento com Deus. A visita aos lugares de arte, então, não seja apenas ocasião de enriquecimento cultural – isto também – mas sobretudo possa se tornar um momento de graça, de estímulo para reforçar o nosso vínculo e o nosso diálogo com o Senhor, para parar e contemplar – na passagem da realidade exterior simples para  a realidade mais profunda que exprime – o raio de beleza que nos toca, que quase nos “fere” no nosso íntimo e nos convida a subir em direção a Deus. Termino com uma oração de um Salmo – o Salmo 27: “Uma só coisa peço ao Senhor e a peço incessantemente: é habitar na casa do Senhor todos os dias de minha vida, para admirar aí a beleza do Senhor e contemplar o seu santuário” (Sl 26, 4). Esperamos que o Senhor nos ajude a contemplar a Sua beleza, seja na natureza, seja nas obras de arte, de forma que sejamos tocados pela luz do Seu rosto, para que também nós sejamos luz para o nosso próximo. Obrigado.

* Extraído do site do Vaticano, do dia 31 de agosto de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

... voltar o olhar para as “coisas do céu”


Bento XVI

Audiência Geral

Pátio do Palácio Apostólico de Castel Gandolfo
Quarta-feira, 10 de agosto de 2011

O homem em oração

Caros irmãos e irmãs!
Em todas as épocas, homens e mulheres que consagraram a vida a Deus na oração – como os monges e as monjas – estabeleceram suas comunidades em lugares particularmente belos, nos campos, em colinas, em vales, às margens de lagos ou à beira-mar, ou mesmo em pequenas ilhas. Estes lugares unem dois elementos muito importantes para a vida contemplativa: a beleza da criação, que remete à beleza do Criador, e o silêncio, garantido pela distância das cidades e das grandes vias de comunicação. O silêncio é a condição ambiental que melhor favorece o recolhimento, a escuta de Deus, a meditação. O fato mesmo de saborear o silêncio, deixar-se, por assim dizer, “encher” pelo silêncio, nos predispõe à oração. O grande profeta Elias, no monte Oreb – ou seja, o Sinai – assistiu a um turbilhão de vento, depois a um terremoto, e finalmente a relâmpagos de fogo, mas não reconheceu nisso a voz de Deus; a reconheceu, pelo contrário, numa brisa leve (cf. 1Re 19, 11-13). Deus fala no silêncio, mas é preciso saber escutá-Lo. Por isto, os mosteiros são oásis nos quais Deus fala à humanidade; e neles se encontra o claustro, lugar simbólico, porque é um espaço fechado, mas aberto para o céu.
Amanhã, caros amigos, faremos memória de Santa Clara de Assis. Por isto, me agrada recordar um destes “oásis” do espírito, particularmente caro à família franciscana e a todos os cristãos: o pequeno convento de São Damião, situado pouco abaixo da cidade de Assis, no meio dos olivais que se inclinam em direção de Santa Maria dos Anjos. Perto da igrejinha, que Francisco restaurou depois de sua conversão, Clara e as primeiras companheiras estabeleceram sua comunidade, vivendo de oração e de pequenos trabalhos. Chamavam-se “Irmãs Pobres”, e sua “forma de vida” era a mesma dos Frades Menores: “Observar o santo Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo” (Regra de Santa Clara, I, 2), conservando a união da caridade mútua” (cf. RSC, X, 7) e observando particularmente a pobreza e a humildade vividas por Jesus e por sua santíssima Mãe (cf. RSC, XII, 13).
O silêncio e a beleza do lugar no qual vive a comunidade monástica – beleza simples e austera – constituem-se numa espécie de reflexo da harmonia espiritual que a comunidade mesma busca realizar. O mundo é constelado destes oásis do espírito, alguns muito antigos, especialmente na Europa, outros recentes, outros restaurados por novas comunidades. Olhando para as coisas sob um ponto de vista espiritual, estes lugares do espírito são uma estrutura que sustenta o mundo! E não é por acaso que muitas pessoas, sobretudo nos períodos de pausa, visitem estes lugares e ali permaneçam por alguns dias: mesmo a alma, graças a Deus, tem as suas exigências!
Recordemos, portanto, Santa Clara. Mas, recordemos também outras figuras de Santos que nos chamam a atenção para a importância de voltar o olhar para as “coisas do céu”, como Santa Edith Stein, Teresa Benedita da Cruz, carmelita, co-padroeira da Europa, celebrada ontem. E hoje, 10 de agosto, não podemos nos esquecer de São Lourenço, diácono e mártir, com uma saudação especial aos romanos, que desde sempre o veneram como um de seus patronos. E, finalmente, voltemos nosso olhar para a Virgem Maria, para que nos ensine a amar o silêncio e a oração.

* Extraído do site do Vaticano, do dia 10 de agosto de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Cartas do P.e Aldo 200

Asunción, 6 de julho de 2011.

Caros amigos,
É impressionante como a Presença do Mistério se impõe na minha vida, na medida em que olho e vivo a realidade como sinal! Não existe coisa, circunstância, fato que não seja a evidência da desproporção entre o meu nada e o Mistério que a realidade me revela continuamente. Viver suspensos na certeza de sermos queridos agora, agora que posso estar mal ou estar bem, estar emocionalmente no alto ou embaixo, ser simpático ou não. Ser querido por um Outro, assim como sou, e olhar com ironia para os meus limites. Dar-me conta e me surpreender, a cada dia, com o imprevisto que desfaz os meus projetos, as minhas programações, fazendo-me ver como é a realidade de fato e descobrir como a Providência Divina me faz vibrar pelo cêntuplo evidente em cada instante da vida. Um cêntuplo que não apenas é um a mais de vida, de humanidade, mas também é um a mais econômico e também de ação.
Hoje, por exemplo, chegaram-me dois emails: um de Barcelona, e outro de Reggio Emilia.
O primeiro me comunicava a feliz notícia de que Jordi (o arquiteto-chefe da “Sagrada Família” de Barcelona) e  Sotoo – que alguns dias faz, num fim de semana, havia se retirado para rezar, meditar, estudar o projeto, na belíssima Basílica de Nossa Senhora de Montserrat – terminaram tanto os cálculos estruturais, como odesejo do conjunto de imagens esculpidas em pedra e que estarão na fachada da nova clínica. Trata-se de comentar, na pedra, a frase de São Paulo aos Romanos: “A natureza mesma geme as dores de parto, esperando a ressurreição do Filho de Deus”. Assim, a nova clínica terá como base a Capela toda incrustada em madeira revestida com o “pão de ouro” do Santíssimo Sacramento e, no ponto mais alto, a imagem de Cristo saindo da terra, como num parto, traz consigo (“arrastra”: em espanhol é mais profundo) toda a realidade na plenitude da vida, no paraíso que será a realidade na sua perfeição máxima. Por isso, em breve o braço direito de Sotoo, Manolo, virá para dar início à obra.
Hoje, Francisco morreu de AIDS, um jovem abandonado por todos, mas que morreu entre os nossos braços. Tudo isto só é possível porque, quando o eu é agarrado pelo Mistério, gera uma cadeia de relações, como me escreve de modo comovente esta minha amiga de Reggio Emilia:
Caro Padre Aldo,
Quando as suas cartas nos chegam, fico me perguntando como é que chegam exatamente quando precisamos! Obrigada.
Assim, queríamos que você soubesse que, entre as tantas, aquela do “testamento da viúva” (de 27 de março de 2011) nos comoveu tanto que nos sentimos cobrados e organizamos uma venda extraordinária de “cappelletti” (você sabe, somos de Reggio Emilia, e aqui, eles são bem quistos!) feitos em casa. Apresentamos a proposta aos nossos amigos e algumas mulheres nos encontramos (de todas as idades!) para fazê-los. Aquilo que foi arrecado foi enviado para você nesses dias, num depósito de 500 euros.
Não é muito, uma gota no mar de necessidade, mas nasce de uma comoção depois de outro, porque foi assim aquilo que vimos brotar deste nosso pequeno “movimento”, nascido de forma impetuosa, porque ficamos tocados pela simplicidade da pertença daquela mulher que, tendo encontrado “a verdade da sua vida”, quis deixar tudo o que tinha.
Obrigada! Em anexo vão algumas fotos do nosso trabalho e, abraçando-o, pedimos-lhe que se lembre de nós na sua oração, junto de todos aqueles que trabalharam conosco.
Maura Bezzecchi
Maura Caprari
P.S.: Da próxima vez que vier à Itália, será nosso convidado para comer “cappelletti” conosco.
Como podem ver, não se trata de dotes particulares ou de capacidades, mas tão somente de deixar-se tomar pelo Mistério que, numa das leituras da semana passada, na Missa, dizia, através de Moisés, ao povo judeu: “Tu és a minha propriedade”, “eu me apaixonei por ti, por ti que és o menor de todos os povos”.
Amigos, espero que vocês vivam juntos este tempo, comovidos, rezando, como dizia a oração da coleta do último domingo, “Deus, que por meio da humilhação do Teu Filho, levantou a humanidade decaída, concedei-nos a VERDADEIRA ALEGRIA, para que, libertos da escravidão do pecado, possamos atingir a plenitude da felicidade” (em espanhol, “a felicidade sem fim”), como que dizendo de plenitude em plenitude.
Padre Aldo.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Artistas, fazei resplandecer a verdade nas vossas obras

Inauguração da Mostra
“O esplendor da verdade, a beleza da caridade
Homenagem  dos artistas a Bento XVI pelos seus 60 anos de sacerdócio

Discurso do Santo Padre Bento XVI

Átrio da Sala Paulo VI
Segunda-feira, 4 de julho de 2011

Senhores Cardeais,
Venerados Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio,
Caros amigos,
Para mim, é uma grande alegria encontrar-vos e receber a vossa criativa e multiforme homenagem por ocasião do 60º aniversário da minha Ordenação Sacerdotal. Sou sinceramente grato a vós pela vossa proximidade nesta ocasião tão significativa e importante para mim. Na Celebração Eucarística do dia 29 de junho passado, Solenidade dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, agradeci ao Senhor pelo dom da vocação sacerdotal. Hoje, agradeço-vos pela amizade e pela gentileza que me manifestais. Saúdo cordialmente o Cardeal Angelo Sodano, decano do Sacro Collegio, e o Cardeal Gianfranco Ravasi, Presidente do Pontifício Conselho da Cultura, que, junto a seus colaboradores, organizou esta manifestação artística particular, e agradeço também por suas palavras corteses a mim dirigidas. Dirijo também a minha saudação a todos os presentes, de modo particular a vós, caros artistas, que acolhestes o convite para apresentar uma criação vossa nesta Mostra.
O presente encontro, no qual tenho a alegria e a curiosidade de admirar as vossas obras, quer ser uma nova etapa daquele percurso de amizade e de diálogo que empreendemos no dia 21 de novembro de 2009, na Capela Sistina, um evento que ainda trago impresso no espírito. A Igreja e os artistas voltam a se encontrar, a conversar, a sustentar a necessidade de um colóquio que quer e deve se tornar cada vez mais intenso e articulado, também para oferecer à cultura, ou melhor às culturas do nosso tempo, um exemplo eloquente de diálogo fecundo e eficaz, orientado para tornar este nosso mundo mais humano e mais belo. Hoje, vós me apresentais o fruto da vossa criatividade, da vossa reflexão, do vosso talento, expressões dos vários âmbitos artísticos que aqui representais: pintura, escultura, arquitetura, ourivesaria, fotografia, cinema, música, literatura e poesia. Antes de admirá-las convosco, permiti-me dedicar algum momento para refletir convosco acerca do sugestivo título desta Exposição: “O esplendor da verdade, a beleza da caridade”. Na Homilia da Missa pro eligendo pontifice, comentando a bela expressão de São Paulo da Carta aos Efésios “veritatem facientes in caritate” (Ef 4, 15) – eu definia o “fazer a verdade na caridade” como uma fórmula fundamental da existência cristã. E acrescentava: “Em Cristo, verdade e caridade coincidem. Na medida em que nos aproximamos de Cristo, também na nossa vida, verdade e caridade se fundem. A caridade sem verdade seria cega; a verdade sem caridade seria como ‘um címbalo que retine’ (1Cor 13, 1)”. É próprio da união, ou melhor, da sinfonia, da perfeita harmonia de verdade e caridade, que emana a autêntica beleza, capaz de suscitar admiração, maravilhamento e alegria verdadeira no coração dos homens. O mundo no qual vivemos precisa que a verdade resplandeça e não seja ofuscada pela mentira ou pela banalidade; precisa que a caridade inflame e não seja oprimida pelo orgulho e pelo egoísmo. Precisamos que a beleza da verdade e da caridade toque o íntimo do nosso coração e o torne mais humano.
Caros amigos, gostaria de renovar a vós e a todos os artistas um apelo amigável e apaixonado: nunca separai a criatividade artística da verdade e da caridade, nunca buscai a beleza longe da verdade e da caridade, mas com a riqueza da vossa genialidade, do vosso ímpeto criativo, sejais sempre, com coragem, buscadores da verdade e testemunhas da caridade; fazei resplandecer a verdade nas vossas obras e fazei que a sua beleza suscite no olhar e no coração de quem as admira o desejo e a necessidade de tornar bela e verdadeira a existência, cada existência, enriquecendo-a com aquele tesouro que nunca diminui, que faz da vida uma obra de arte e de cada homem um extraordinário artista: a caridade, o amor. O Espírito Santo, artífice de toda beleza que há no mundo, vos ilumine sempre e vos guie em direção à Beleza última e definitiva, aquela que aquece a nossa mente e o nosso coração e que esperamos poder contemplar, um dia, em todo o seu esplendor.
Uma vez mais, obrigado pela vossa amizade, pela vossa presença e porque levais ao mundo um raio desta Beleza, que é Deus. De coração, transmito a todos vós, aos vossos entes queridos e a todo o mundo da arte, a minha Bênção Apostólica.

* Extraído do site do Vaticano, do dia 4 de julho de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

O que memória e beleza têm que ver com a lógica?


Por Giovanni Maddalena

O que memória e beleza têm que ver com a lógica? É verdade que a lógica expressa apenas verdades necessárias de forma que de certas premissas advêm inevitavelmente certas conclusões? “Inevitavelmente” significa “mecanicamente”?
Comecemos da segunda pergunta, esperando que ela, depois, ilumine as outras duas. Certamente, há tipo de raciocínio que são necessários, o que significa que é impossível que as premissas sejam verdadeiras e a conclusão seja falsa. Os silogismos clássicos estudados noa escola são deste tipo. Se todos os homens são mortais e Sócrates é um homem, inevitavelmente Sócrates será mortal.
Apóiam-se sobre a necessidade também as audaciosas formalizações da lógica do século XIX que se estuda ainda nas universidades. De Frege a Gödel, esta lógica garantiu uma compreensão muito mais precisa da lógica das proposições (“se chove, pego o guarda-chuava”), da predicativa (“alguns professores são sábios”) e da modal (“é necessário que os torcedores do Torino sofram”). Como se sabe, o projeto de uma compreensão de toda a lógica através deste caráter necessarista encontrou nos teoremas da incompletude de Gödel um limite, no sentido que o grande lógico mostrou que a formalização, se coerente, nunca pode ser completa.
Por mais útil qe seja esta lógica necessária (e o é, não obstante os seus detratores), dela escapam alguns processos racionais, que foram classificados normalmente como “ampliativos”, no sentido que alargam o nosso conhecimento mesmo se perdem em termos de necessidade. A indução clássica é o mais notável destes tipos de raciocínio: um certo número de amostras exemplificativas me conduz a identificar uma lei geral. Se as amostras foram escolhidas adequadamente (por acaso etc.) e a hipótese é limitada, a indução tem boas probabilidades de ser útil para a pesquisa.
Todavia, permanecem fora também deste tipo de raciocínio processos lógicos como: certas descobertas científicas particularmente significativas (a anedota da maçã de Newton é uma boa metáfora disso), o diagnóstico médico, o raciocínio indiciário (o caso de Cogne), as certezas morais em situações novas (confio ou não confio?). Aqui, a necessidade parece totalmente perdida. Mas, se perde também o uso da razão?
C. S. Peirce, célebre lógico norte-americano do fim do século XIX, havia elaborado um procsso para todos estes casos. Chama-se abdução ou retrodução e é a passagem do consequente ao antecedente: no caso anterior seria “pego o guarda-chuva, portanto chove”. Na lógica clássica, trata-se de um erro (falácia), mas se sairmos de uma lógica necessária, isso pode ser justificado. Como?
Se nos encontramos diante de um fenômeno surpreendente, que não tivesse sido catalogado pela nossa experiência passada (do contrário, se trataria de uma indução), podemos formular uma condicional (se a explicação fosse X, então o fenômeno surpreendente se explicaria) que o introduza numa explicação nova e convincente, que podemos, depois, verificar dedutivamente (se fosse assim, as consequências seriam...) e indutivamente (com uma verificação a partir das amostras). Mas, como fazemos para encontrar a explicação na qual o caso surpreendente possa ser lido? Aqui, Peirce tinha as ideias pouco claras, mas deixou indicações que podem ser sistematizadas da seguinte forma.
Encontramos uma explicação lendo os sinais que se encontram por trás do limiar simbólico, ou seja, lendo sinais que não são palavras ou símbolos – que recordam o objeto através de uma interpretação –, mas lendo sinais mais elementares, ícones e índices, que recordam o seu objeto por similaridades e conexões (a maçã que cai como sinal de uma ordem – que deveria ser uma força – e a sua conexão com o resto dos fenômenos de “queda”). Desde modo, lemos os sinais segundo a sua beleza e a sua plausibilidade no contexto. Dois modos diversos para compreender estética e ética em sentido gnosiológico: o ideal aspirado pelo raciocínio e a concordância entre o ideal e o raciocínio em curso. Os melhores romances policiais adotam esta estratégia (por exemplo, Os assassinos da Rua Morgue, de Edgar Allan Poe), bem como as grandes descobertas científicas e as certezas morais decisivas.
Mas, como fazemos para conhecer esta beleza? Com qual critério a julgamos? Como fazemos para saber que existe e o que é? Existe em nós um critério, frequentemente vago (que quer dizer “não determinado”), mas muito eficaz: Peirce o chamava “instinto racional”, a Bíblia o chama “coração”. Parece-me que seja o mesmo “instrumento” que Agostinho indicava com o termo “memória” no livro X das Confissões. Uma pessoa quer ser soldado para ser feliz e outra não quer ser soldado para ser feliz. Onde conheceu a felicidade para usá-la como critério? Ela se encontra inscrita no fundo da nossa razão e permanece como critério insuperável, mesmo que frequentemente só indeterminado, mais propenso a não ser satisfeito do que a se contentar, a dizer não mais do que sim (como dizia Sócrates do seu daimon), mas sinal inequívoco de que, no fundo dos nossos raciocínios, a nossa razão é feita para uma beleza sem fim.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 28 de junho de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

domingo, 12 de junho de 2011

Cartas do P.e Aldo 196

Asunción, 10 de junho de 2011.

Caríssimos,
Levando a sério aquilo que Carrón nos diz, fazendo um trabalho permanente, verificando em cada momento a razoabilidade da fé, a dúvida desaparece, deixando lugar para uma certeza de ferro que nem mesmo a pior condição na qual uma pessoa possa se encontrar a fará tremer. Isto não significa – e eu experimento isto todos os dias, há mais de 20 anos – que me seja poupada a experiência da solidão, da dor que Jesus mesmo viveu no Getsêmani ou na cruz.
Quantas vezes eu gritei e grito: “Pai, se é possível, afasta de mim este cálice”. Ou quantas vezes busquei inutilmente uma companhia que “vigiasse” comigo! Porém, dentro deste deserto, desta batalha, a luz da fé sempre venceu e mesmo que em certo momentos o grito de Jesus se tenha feito vivo – “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” –, é como se imediatamente a posição da fé vencesse sempre: “Não a minha, mas a tua vontade seja feita” ou “nas tuas mãos eu me confio”.
Ver todos os dias pessoas morrendo ou tanta dor inocente me permite viver continuamente esta experiência. Digo experiência porque fica sempre mais claro que Deus é tudo, que Deus se ocupa de mim e de cada um de nós com uma ternura infinita.
Ontem, morreu Domenica, uma garota lindíssima doente de AIDS. A sua jovem vida tinha sido destruída pela prostituição a que tinha sido obrigada por seu companheiro, um alemão, que desapareceu depois que ela ficou doente. Ler o seu prontuário médico é assustador, quando se vê aonde pode chegar uma pessoa quando em seu coração não há Deus. Nestes últimos meses, vivia numa casa cujas paredes eram de papelão. Nós a encontramos abandonada no chão de terra, sozinha. Vivia com um homem, na miséria absoluta. Nós a trouxemos para a clínica, mas ela já havia decidido morrer. Não queria mais saber de nada: nem comer, nem tomar remédios. Num momento de crise, teve uma reação muito feia com uma enfermeira que acabou machucando o dedo com uma seringa com a qual lhe havia aplicada uma injeção. Um drama no drama.
A enfermeira, uma bela garota, mãe de quatro filhos, dos quais três são gêmeos, depois de um primeiro momento de medo, colocou-se em contato com o médico responsável pela clínica na qual, um tempo antes, havia acontecido a mesma coisa, e escreveu estas palavras: “tão logo me dei conta do que havia acontecido, tirei minhas luvas, lavei minhas mãos, chamei o médico para ver o que podia ser feito e experimentei uma grande angústia. Mas, imediatamente, entreguei tudo a Deus e me lembrei daquilo que me havia sido dito num encontro de catequese: ‘O demônio favorece estas coisas para que nasça em nós a dúvida: por que Deus permite estas coisas’. Mas, eu tenho a certeza de que mesmo esta provação é uma Graça de Deus que me ama, de forma que deixo tudo em Suas mãos, para que se faça a Sua vontade, e isto me dá tanta paz”.
Domenica, olhando-a com amor, começou a se acalmar, tomou o remédio e quando lhe perguntava se queria um sorvete, ela me respondia: “Sim, padre, quero de baunilha”.
A depressão pareceu se acalmar um pouco e foi bonito quando pediu o Batismo e a Primeira Comunhão. Foi um momento que significou mesmo uma melhora do seu estado de saúde. Recebeu a Eucaristia até a manhã do dia em que morreu. Eu a olhei e ainda era bela. O seu corpo nunca amado e sempre usado tinha reencontrado uma harmonia suprimida por anos de prostituição. Uma vez mais Deus venceu, uma vez mais a evidência de que Deus não abandona os seus filhos, por mais desesperados que sejam, se impõe aos olhos de todos.
Era o reacontecer do fato da adúltera, da Samaritana. Então, como não se render à evidência, à razoabilidade da fé?
E todos os dias é assim, amigos. De fato, somos os vivos, de fatos Cristo já venceu tudo. Amigos, vejo como Deus é atento a quem não tem nada, vejo como Deus ama e recolhe aqueles que o mundo chama de lixo humano. De fato, para Deus, não existe o filho bom ou o mal, existe apenas o filho.
Padre Aldo

segunda-feira, 30 de maio de 2011

E houve grande alegria...

Bento XVI

Regina Coeli

Praça São Pedro
Domingo, 29 de maio de 2011.

Caros irmãos e irmãs!
O livro dos Atos dos Apóstolos diz que, depois de uma primeira perseguição violenta, a comunidade cristã de Jerusalém, excetuados os apóstolos, se dispersou nas regiões vizinhas e Felipe, um dos diáconos, chegou a uma cidade da Samaria. Ali, pregou Cristo ressuscitado, e o seu anúncio foi acompanhado de numerosas curas, de forma que a conclusão do episódio é muito significativa: “E houve grande alegria naquela cidade” (At 8, 8). A cada vez, ficamos tocados por esta expressão que, na sua essencialidade, nos comunica um senso de esperança; como se dissesse: é possível! É possível que a humanidade conheça a verdadeira alegria, porque aonde chega o Evangelho floresce a vida; como um terreno árido que, irrigado pela chuva, de repete se torna verde outra vez. Felipe e os outros discípulos, com a força do Espírito Santo, fizeram nos vilarejos da Palestina aquilo que Jesus havia feito: pregaram a Boa Nova e operaram sinais prodigiosos. Era o Senhor que agia por meio deles. Como Jesus anunciava a vinda do Reino de Deus, assim os discípulos anunciaram Jesus ressuscitado, professando que Ele é o Cristo, o Filho de Deus, batizando no seu nome e expulsando toda doença do corpo e do espírito.
“E houve grande alegria naquela cidade.” Lendo este trecho, é espontâneo que se pense na força curadora do Evangelho, que no curso dos séculos “irrigou”, como rio benéfico, tantas populações. Alguns grandes santos e santas levaram esperança e paz a cidades inteiras – pensemos em São Carlos Borromeu em Milão, no tempo da peste; na beata Madre Teresa em Calcutá; e em tantos missionários, cujos nomes são conhecidos por Deus, que deram a vida para levar o anúncio de Cristo e fazer florescer entre os homens a alegria profunda. Enquanto que os poderosos deste mundo buscavam conquistar novos territórios por interesses políticos e econômicos, os mensageiros de Cristo iam a todos os lugares com o objetivo de levar Cristo aos homens e os homens a Cristo, sabendo que somente Ele pode dar a verdadeira liberdade e a vida eterna. Ainda hoje a vocação da Igreja é a evangelização: seja das populações que não foram ainda “irrigadas” pela água viva do Evangelho, seja daquelas que, mesmo tendo antigas raízes cristãs, têm necessidade de nova seiva para fazer brotar novos frutos, e redescobrir a beleza e a alegria da fé.
Caros amigos, o Beato João Paulo II foi um grande missionário, como está documentado pela mostra que, durante esses dias, está montada em Roma. Ele lançou a missão ad gentes outra vez e, ao mesmo tempo, promoveu a nova evangelização. Confiemos uma e outra à intercessão de Maria Santíssima. A Mãe de Cristo acompanhe sempre e em todos os lugares o anúncio do Evangelho, para que se multipliquem e se alarguem no mundo os espaços nos quais os homens reencontrem a alegria de viver como filhos de Deus.

* Extraído do site do Vaticano, do dia 29 de maio de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Uma aventura fascinante


Colóquio do Santo Padre Bento XVI com os astronautas
da Estação Espacial Internacional

Sala dos Foconi
Sábado, 21 de maio de 2011

Introdução
Caros astronautas,
Fico muito feliz de ter esta extraordinária possibilidade de uma conversa convosco durante a vossa missão. Sou particularmente grato de poder me dirigir a tantos de vós, dada a presença, ao mesmo tempo, neste momento, de duas tripulações na Estação Espacial.
A humanidade vive um período de rapidíssimo progresso dos conhecimentos científicos e das aplicações técnicas. Neste sentido, sois os nossos representantes – a ponta de lança – da humanidade que explora novos espaços e novas possibilidades para o nosso futuro, indo além dos limites das nossas experiências cotidianas.
Todos admiram a vossa coragem, a disciplina e o empenho com o qual vos preparastes para esta missão. Estamos convencidos de que sois animados por ideais nobres e que quereis colocar os frutos de vossas pesquisas e de vossos empreendimentos à disposição de toda a humanidade e para o bem comum.
Esta conversa, portanto, me permite expressar também a minha admiração e apreciação por vós e por todos aqueles que colaboram para tornar possível o vosso empreendimento, além de encorajar-vos a levá-la a bom termo com segurança e sucesso.
Mas, esta deve ser uma conversa, por isso não devo ser eu apenas a falar. Pelo contrário, estou muito interessado em ouvir as vossas experiências e reflexões. Permiti-me, portanto, dirigir-vos algumas perguntas:

Perguntas
Primeira pergunta
Da Estação Espacial, podeis ver a nossa Terra de uma perspectiva muito diferente. Sobrevoais continentes e povos diversos, muitas vezes ao dia. Creio que, para vós, seja evidente que vivamos todos juntos numa única Terra e que é absurdo que combatamos e nos matemos uns aos outros. Sei que a mulher de Mark Kelly foi vítima de um grave atentado e espero que a sua saúde continue a melhorar. Contemplando do alto a Terra, quais as considerações que vós fazeis sobre o modo com o qual as nações e os povos vivem juntos aqui embaixo, ou sobre como a ciência pode contribuir para a causa da paz?
Resposta de Mark Kelly (EUA)
Obrigado, Santidade, pelas suas palavras gentis e obrigado por ter recordado minha mulher Gabby. Sua pergunta é interessante. De fato, voamos sobre o mundo e não vemos limites, mas ao mesmo tempo nos damos conta do fato que os povos se enfrentam, que há tanta violência neste mundo e isto é, verdadeiramente, uma desgraça. Geralmente, os povos se enfrentam por razões diversas. É visível, hoje em dia, no Oriente Médio: em parte é uma questão de democracia, mas normalmente os povos lutam pelos recursos. É interessante aquilo que acontece no espaço: na Terra, de fato, frequentemente, se luta por energia; no espaço, utilizamos a energia solar e, na Estação Espacial, temos reservas energéticas. Veja, a ciência e a tecnologia aplicadas à Estação Espacial para desenvolver o potencial de energia solar nos mantém, na realidade, quase que com uma quantidade ilimitada de energia. Eis então, se estas tecnologias fossem mais usadas na Terra, provavelmente a violência poderia ser reduzida.

Segunda pergunta
Um dos temas sobre os quais retorno mais frequentemente nos meus discursos é o da responsabilidade que todos temos pelo futuro do nosso planeta. Recordo que há sérios riscos para o ambiente e para a sobrevivência das futuras gerações. Os cientistas nos convidam à prudência e, do ponto de vista ético, devemos fazer com que cresçam nossas consciências. Do vosso ponto de vista extraordinário, como vedes a situação da Terra? Vedes sinais ou fenômenos para os quais devemos estar mais atentos?
Resposta de Ron Garan (EUA)
Santidade, é uma grande honra falar com o senhor. Tem razão: aquilo que temos daqui é um ponto de vista verdadeiramente extraordinário. De um lado, vemos o quão indescritivelmente belo é o planeta que nos foi dado; de outro, podemos ver o quão frágil é, na realidade. Peguemos, por exemplo, a atmosfera: vista do espaço, é fina como uma folha de papel, e pensar que este extrato fino como uma folha seja tudo aquilo que separa qualquer ser vivo do vazio do espaço, e que seja tudo aquilo que nos proteja, é um pensamento que faz refletir. Veja, a nós parece incrível ver a Terra pendurada no vazio do espaço e pensar que nos encontramos ali, todos juntos, na corrida desse frágil oásis através do universo... É isso, nos enche de grande esperança pensar que nos encontramos todos juntos a bordo desta incrível Estação Espacial que orbita a Terra, construída por tantos países numa colaboração internacional, para que se pudesse realizar este grandioso empreendimento... Veja, isto demonstra que, trabalhando juntos, colaborando, podemos superar muitos dos problemas que o planeta vem enfrentando, podemos resolver muitos dos desafios colocados aos habitantes do nosso planeta, que é verdadeiramente um lugar belíssimo para se viver e trabalhar, e este lugar no qual nos encontramos é incrível para admirar a nossa bela Terra!

Terceira pergunta
A experiência que estais fazendo agora é extraordinária e muito importante, mas depois voltareis para esta Terra como todos nós. Quando voltardes, sereis olhados com admiração, sereis tratados como heróis e falareis com grande autoridade. Convidar-vos-ão a falar das vossas experiências. Quais seriam as mensagens mais importantes que gostaríeis de dirigir sobretudo aos jovens, que viverão num mundo profundamente marcado pelas vossas experiências e descobertas?
Resposta de Mike Finchke (EUA)
Santidade, como disseram os meus colegas, podemos olhar para baixo e admirar este esplêndido planeta que Deus fez, que é o mais belo planeta de todo o Sistema Solar. Porém, se levantarmos o olhar, veremos o resto do Universo, e o Universo está ali para ser explorado por nós. E a Estação Espacial Internacional é apenas um símbolo, um exemplo daquilo que os seres humanos podem fazer quando trabalham juntos de forma construtiva. Portanto, a nossa mensagem – uma das nossas mensagens, mas acredito que a mais importante – é que devemos fazer os filhos e os jovens deste planeta saber que em torno de nós há todo um Universo a ser explorado. E que, se o fizermos juntos, não há nada que não possamos obter!

Quarta pergunta
A exploração do espaço é uma aventura científica fascinante. De fato, sei que, nestes dias, estais instalando novos instrumentos para a pesquisa científica e o estudo das radiações que chegam do espaço mais distante. Mas, acredito que seja também uma aventura do espírito humano, um estímulo poderoso para fazer refletir sobre a origem e o destino do universo e da humanidade. Os crentes olham frequentemente para os espaços sem fim, meditando sobre o Criador de tudo isto, e ficam tocados pelo mistério da sua grandeza. Por isso, a medalha que confiei a Roberto Vittori, como sinal da minha participação na vossa missão, representa a criação do homem, pintada por Michelangelo na abôbada da Capela Sistina. No vosso compromisso intenso de trabalho e de pesquisa, acontece de parardes para fazer semelhantes reflexões – ou mesmo de dirigirdes uma oração ao Criador? Ou é mais fácil para vós refletir sobre estas coisas quando estais de retorno à Terra?
Resposta de Roberto Vittori (Itália)
Santidade, viver a bordo da Estação Espacial Internacional, trabalhar como astronauta na nave Soyuz da Estação é uma experiência extremamente intensa. Mas, quando cai a noite, todos podemos olhar para baixo, para a Terra: o nosso planeta, o planeta azul, é belíssimo. Azul é a cor do nosso planeta, azul é a cor do céu, azul é também a cor da Aeronáutica militar italiana, a organização que me deu a oportunidade de entrar na Agência Espacial Europeia. Quando temos um momento de tempo para a beleza aí de baixo, que é o efeito tridimensional da beleza do nosso planeta, quem captura tudo é o nosso coração, quem captura tudo é o meu coração. E, então, eu rezo: rezo por mim, rezo pelas nossas famílias, pelo nosso futuro. Trouxe a medalha comigo, e a faço flutuar diante de mim, para demonstrar a falta de gravidade. Desejo agradecer ao senhor muitíssimo por esta oportunidade; quero que esta medalha flutue em direção ao meu amigo e colega Paolo: ele, de fato, voltará para a Terra no Soyuz. Eu a trouxe comigo para o espaço e ele a levará de volta para a Terra, a fim de restitui-la ao senhor.

Quinta pergunta
A minha última pergunta é para Paolo. Caro Paolo, sei que, nos últimos dias, tua mãe te deixou e quando, daqui a alguns dias, voltares à casa, não a encontrarás mais te esperando. Todos ficamos próximos de ti, e eu também rezei por ela... Como viveste este tempo de dor? Na vossa Estação, estais distantes e isolados, e sofreis de um sentido de separação, ou vos sentis ainda mais unidos entre vós e inseridos numa comunidade que vos acompanha com atenção e afeto?
Resposta de Paolo Nespoli (Itália)
Santo Padre, senti suas orações, as vossas orações chegarem até aqui em cima: é verdade, estamos fora deste mundo, orbitamos ao redor da Terra e temos um ponto de vantagem para olhar a Terra e para sentir tudo aquilo que está em torno dela. Os meus colegas aqui, a bordo da Estação – Dimitri, Kelly, Ron, Alexander e Andrei – ficaram muito próximos de mim neste momento importante para mim, muito intenso, assim como os meus irmãos, as minhas irmãs, as minhas tias, os meus primos, os meus parentes também estiveram próximos de minha mãe nos últimos momentos. Sou grato por tudo isto. Senti-me distante, mas também muito próximo, e seguramente pensar que todos vós estáveis perto de mim, unidos neste momento, foi de extremo alívio. Agradeço também à Agência Espacial Europeia e à Agência Espacial Americana, que colocaram à disposição os recursos para que eu tenha podido falar com ela nos últimos momentos.

Palavras conclusivas do Papa
Caros astronautas,
Agradeço-vos cordialmente por esta belíssima ocasião de encontro e de diálogo convosco. Vós me haveis ajudado e a tantas outras pessoas a refletirem juntos sobre temas importantes para o futuro da humanidade. Faço os melhores votos pelo vosso trabalho e pelo sucesso da vossa grande missão a serviço da ciência, da colaboração internacional, do progresso autêntico e da paz no mundo. Continuarei a vos seguir com o meu pensamento e a minha oração e, de muito bom grado, vos transmito a minha Bênção Apostólica.

* Extraído do site do Vaticano, do dia 21 de maio de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Cartas do P.e Aldo 189



Asunción, 17 de abril de 2011.

Caríssimos,
Hoje, o pequeno Victor completou 4 anos. O seu pequeno leito, como podem ver na foto, foi revestido como nas grandes solenidades litúrgicas se reveste o altar da igreja ou de uma catedral. Sim. Porque é o pequeno leito onde, desde o seu nascimento, Victor, consciente ou inconscientemente, oferece a sua vida, a sua dor que o faz gemer, é como o altar onde Jesus Eucarístico se oferece vítima de expiação para os meus, para os nossos pecados. Vejam como as ternas enfermeiras o vestiram bem! Roupa de festa, para um dia sem o cotidiano pijaminha. Na cabeceira colocaram um bilhetinho igual ao que colocam na cama de cada doente. No bilhetinho de Victor está escrita a razão, o motivo do seu sofrimento: pelo Santo Padre.
Ele, Victor, oferece conosco a sua vida pelo Papa, e eu estou certo de que o Papa sente o afeto misterioso da grande dor de Victor, o meu pequeno Jesus que não cessa de gemer, apertando as suas pequenas mãozinhas como que para comunicar a sua dor. Eu o olho com uma ternura que me faz sempre mais desejar o infinito, o Mistério que se fez carne nele, pequena hóstia branca. Eu preciso dele, porque só de olhá-lo se me desperta, de modo potente, a certeza de que se é apenas e exclusivamente relação com o Mistério. Eu o olho e vibro por dentro, com toda a dor que carrego comigo, pela certeza de que “eu sou Tu que me fazes”.
É esta certeza que, mesmo neste momento no qual estou escrevendo, me sustenta, enquanto sei que a minha pequena Milagres, com a Síndrome de Down, está morrendo e, quem sabe, em algumas horas, será mandada de volta para a Casinha de Belém ou para a Clínica para morrer. Nasceu com mil problemas físicos. Quando tem crises respiratórias, fica até roxinha. É pequena como um passarinho, me olha com os seus olhinhos tão belos, leva suas mãozinhas e pezinhos para a boca e, depois, sorri (isto, até anteontem, antes da crise).
Mesmo ela, uma pequena hóstia branca que parte meu coração, também me faz desejar apenas o infinito. Como na sexta-feira à noite, quando voltava para casa com Padre Paolino, às 23h, vindo da Casinha de Belém: olhamos para o céu e estava tão bonito. Um conjunto de nuvens de tamanhos e cores diferentes (brancas, cinzas, pretas) unidas umas as outras através de uma espécie de – poderíamos dizer – cordão umbilical. Entre uma e outra um azul intenso no qual brilhavam as estrelas do céu tropical e a lua cheia no centro de tudo. Paramos com o rosto levantado, olhando aquele espetáculo, sentindo a emoção do Infinito que se tornava presente naquela beleza, a mesma beleza de Victor e de Milagres. Mais do que isso: naquele momento, era ainda mais evidente que o espetáculo que estava sobre nós só era assim belo porque o Victor existe, porque a Milagres existe, porque Tu, ó doce Jesus, existes. 
Amigos, termino aqui, porque me chamaram: na casa de acolhida para o idosos há uma velhinha que está em estado grave. Assim é a minha vida de todos os dias: um imprevisto em cada momento que se torna um Acontecimento. É mesmo bonito estar em cada segundo suspenso, com o olhar fixo no Infinito e os pés pousados sobre a certeza de que Ele está aqui.
Confio-me e confio os meus filhos às orações de vocês.
Padre Aldo

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Uma aula sobre o coração e a justiça dada por Tomás de Aquino e Giussani


Por Francesco Ventorino

“Existe um bem que ficaríamos contentes com possuir porque nos é caro por si mesmo e não pelas vantagens que dele possam advir?”. A questão emerge de um dos diálogos de Platão, A República. Glauco reflete sobre o bem e sobre o mal, interrogando seu mestre Sócrates. “Tenho uma grande vontade de ouvir – acrescentou – o que é justo e injusto e qual o poder que têm, por si, sobre a alma do homem”. Porque parece que os homens fazem as leis dando “nome de legítimo e justo àquilo que é estabelecido pela lei”. Seria, portanto, esta “a origem da justiça e a sua essência”?
Eis como é colocada desde as origens do pensamento ocidental a pergunta sobre o fundamento da lei humana e sobre sua justiça. Pergunta, esta, muito atual. Pietro Barcellona, que se dedicou muito a este tema e com o qual compartilhei as reflexões que deram origem ao livro La lotta tra diritto e giustizia (A luta entre o direito e a justiça – em tradução livre –, cujo original foi publicado pela Marietti, em 2008, sem tradução para o português; ndt), já tinha, há um tempo, colocado o dedo sobre esta ferida. “Nunca, como na atual fase, se ouviu tanto a prepotente necessidade de afirmar que existem direitos do homem que os Estados e os poderes constituídos não podem violar nem sacrificar, e todavia nada permite mais que se atribua forma e realidade a estes direitos. [...] A falta de todo fundamento metafísico e de toda legitimidade transcendente torna a ordem jurídica contingente e artificial, privada de qualquer referência a uma ordem natural que, de alguma forma, reconduza à harmonia do cosmo. Toda ordem é, por sua natureza, arbitrária, sem justificação nem medida. Definitivamente consumida a ideia de contar com algumas verdades eternas e imutáveis, com alguma razão universal, não sobra outra coisa senão se confiar à frágil contingência dos acordos contratuais e dos pactos sociais, com os quais os indivíduos decidem fixar um limite aos seus ilimitados desejos” (Il declino dello Stato. Riflessioni di fine secolo sulla crisi del progetto moderno – O declínio do Estado: reflexões de fim de século sobre a crise do projeto moderno – publicado pela Dedalo, em  1998).
Tal postura mental gera todo tipo de mentira, visto que o pensamento não adere mais à verdade da realidade e as palavras são distorcidas, sustentam um projeto sobre a sociedade que não tem outro ponto de referência diferente do poder mesmo.
“Uma questão fundamental que se coloca para o sistema democrático – escreveu Bento XVI quando era ainda o cardeal Ratzinger – é se a vontade de uma maioria verdadeira e legitimamente pode tudo. É possível que ela torne legítima todas as coisas, vinculando todos, ou a razão se encontra acima da maioria, de forma que nunca seria possível se tornar realmente um direito aquilo que fosse contra a razão?” (Chiesa, ecumenismo e politica – Igreja, ecumenismo e política – publicado pela Paoline, em 1987).
No famoso diálogo que teve, em Mônaco, em 2004, com Jürgen Habermas, o mesmo Ratzinger evidenciou a urgência de uma nova fundação da ética e do direito na sociedade contemporânea: “A tarefa de colocar o poder sob o controle do direito remete, consequentemente, à questão de como nasce o direito e de como deve ser o direito para que seja instrumento da justiça e não do privilégio daqueles que detêm o poder de legislar” (Ragione e Fede in dialogo – Razão e Fé em diálogo – publicado pela Marsilio, em 2005).
Como nasce, portanto, o direito? Entre as respostas a esta pergunta, aquela dada por Tomás de Aquino não deve ser desvalorizada. Na sua Suma Teológica, ele colocou na razão do homem a medida e o critério da bondade do seu agir: “O bem humano consiste no ser conforme à razão, e o mal no ser contrário à razão” (I-II, q. 18, a. 5, c.).
É possível que se tenha a impressão de que uma assertiva do gênero prefigure aquela autonomia da razão que está na base da doutrina moral kantiana, mas se trata, na realidade, de toda uma outra perspectiva. Kant tem razão quando afirma que o princípio da moralidade reside na razão. Mas, para o Aquinate, a razão não é entendida como emancipada de todo vínculo e, portanto, como instância absoluta e independente, mas como faculdade dada ao homem para conhecer aquilo que é, e, nessa medida, participe da luz intelectual de Deus. É, portanto, num sentido bastante particular que a razão humana funda, em Tomás, a moralidade do agir do homem: funda-a na medida em que colhe, com os próprios recursos naturais, aquela lei eterna que é a ordem e a medida que a razão divina dá a todas as coisas: “Ora, é em virtude da lei eterna, que é a razão divina, que a razão humana é a regra da vontade humana, pela qual se lhe mede a bondade. E por isso, diz a Escritura (Sl 4, 6 e 7): ‘Muitos dizem: quem nos patenteará os bens? Gravado está, Senhor, sobre nós o lume do teu rosto’, quase dizendo: a luz da razão, existente em nós, pode nos mostrar o bem e regular a vontade, na medida em que é a luz do teu rosto” (I-II, q. 19, a. 4, c.).
Tudo isso pressupõe uma confiança na razão humana, como imagem da razão divina. A razão é a exigência profunda e a capacidade de verdade e de felicidade que há no coração do homem e o critério com o qual medir os mios necessários para a sua realização.
As leis humanas podem se dizer justas, portanto, “na medida em que se uniformizam à reta razão” (I-II, q. 93, a. 3, c.). Quando elas se desviam da razão, então não têm mais a natureza de lei, mas muito mais de violência.
Agostinho, no IV livro do De civitate Dei, já havia colocada uma pergunta inquietante: “Uma vez que se tenha renunciado à justiça, o que serão os Estados senão uma grande confusão de criminosos?” (Remota itaque iustitia, quid sunt regna nisi magna latrocinia?). Não é verdadeiro, no fim das contas, que os criminosos mesmos formam pequenos Estados?  Homens comandados por um chefe e mantidos juntos por um pacto comum, partilham um roubo segundo uma lei tácita. Se este mal se alarga a um número maior de celerados, se se espalha por toda uma região, conquista cidades e subjuga povos, então assumirá mais abertamente o nome de reino: não tanto pela renúncia à maldade, mas pela tranqüila impunidade. Esta foi a resposta franca que um pirata deu a Alexandre o Grande. Parecer-lhe-ia justo, perguntou o Macedônio, infestar os mares? Por que ele continuava a causar danos? E o pirata, com temerária ousadia, respondeu: “Pelo mesmo motivo pelo qual tu infestas a terra; mas, visto que eu o faço com um barco insignificante, chamam-me malfeitor, e visto que tu o fazes com uma frota potente, chamam-te imperador”.
A lei humana é, por isso, opus rationis: merece ser reconhecida e observada na medida em que expressa uma aproximação progressiva da razão do legislador àquela ordem natural que tem seu fundamento último na razão divina. É este caminho de aproximação que explica a diversidade de opiniões entre os homens acerca de tudo aquilo que não é “justo” – ou seja, iuxta rationem – com evidência imediata.
Padre Luigi Giussani teve a inteligência para dizer isso com palavras existencialmente mais compreensíveis e eficazes. N’O senso religioso (publicado em italiano sob o título I senso religioso, pela editora Rizzoli, em 1997; ndt) conduz o leitor através de uma apaixonante análise introspectiva, que ele chama “experiência original” ou “experiência elementar”, para descobrir o que é o “coração”. Ele é como que “um complexo de exigências e de evidências com o qual o homem é lançado no confronto com tudo o que existe”. Estas exigências que emergem como evidentes para a consciência do homem, quando ele começa a enfrentar a realidade e, consequentemente, a refletir sobre si mesmo, reconduzem à ratio tomista. De fato, a razão para Tomás de Aquino – como vimos – é a exigência e a capacidade de verdade e de bem que há dentro do coração de cada homem.
A modernidade da abordagem de Giussani, que confia tudo a uma evidência interior, enquanto busca encontrar crédito no seu interlocutor, não lhe impede de sublinhar que para a nossa experiência elementar é também evidente que este “critério original”, mesmo sendo “imanente a nós”, não somos nós que no-lo damos, mas nos é “dado” junto com a nossa natureza: uma mãe esquimó, uma mãe da Terra do Fogo, uma mãe japonesa, dão à luz seres humanos que são reconhecíveis como tais, tanto por conotações exteriores como pela “marca interior”. Este critério original se revela, portanto, requintadamente pessoal e, ao mesmo tempo, universal.
A negação sistemática deste fundamento universal da verdade e da justiça expõe o homem ao totalitarismo nas suas várias formas jurídicas ou políticas. Hannah Arendt escreveu: “o chamado ideal do regime totalitário não é o nazista convicto ou o comunista convicto, mas o indivíduo para o qual a distinção entre realidade e ficção, entre verdadeiro e falso não existe mais” (Le origini del totalitarismo – As origens do totalitarismo – publicando na Itália pela Einaudi, em 2004; ndt). Mas a aceitação de um fundamento metajurídico do direito positivo está ligada àquela capacidade própria da razão humana de encontrar o verdadeiro e o bom nas coisas. Poucos, hoje, parecem dispostos a subscrever isso. Uma vez mais devemos dizer: é tarefa dos cristãos recordar ao homem a sua grandeza.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 14 de abril de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Cristo atrai-me todo, tão belo é...

"E o Verbo se fez carne (Jo 1, 14), é de uma beleza sublime [...]. Mas, por que também na cruz tinha beleza? Porque a loucura de Deus é mais sábia que os homens; e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens (ICor 1, 23-25). [...] Belo é Deus, Verbo junto de Deus; belo no seio da Virgem, onde não perdeu a divindade e assumiu a humanidade; belo o Verbo nascido como uma criancinha, porque enquanto ainda era criança, enquanto sugava o leite, enquanto era levado nos braços, os céus falaram, os anjos cantaram seus louvores, a estrela dirigiu o caminho dos Magos, foi adorado no presépio, comida para os mansos. É belo, portanto, no céu, belo na terra; belo no seio, belo no braço dos pais; belo nos milagres, belo nos suplícios; belo no convite à vida, belo no não se preocupar com a morte, belo no abandonar a vida e belo no retomá-la; belo sobre a cruz, belo no sepulcro, belo no céu. Escutai o cântico com inteligência, e que a fraqueza da carne não arranque os vossos olhos do esplendor da sua beleza. Suprema e verdadeira beleza é a justiça; não o vereis belo, se o considerardes injusto; se for justo em tudo, será belo em tudo. Venha a nós para ser contemplado pelos olhos do espírito" (Agostinho, Enarrationes in Ps. 44, 3, 5, XXV).

terça-feira, 5 de abril de 2011

“Nenhum homem é uma ilha”: de John Donne a São Bento, o eu sozinho não basta


Por Laura Cioni

Nenhum homem é uma ilha é o primeiro verso de uma poesia de John Donne, retomada por Hemingway como epígrafe do seu romance Por quem os sinos dobram, e usado por Thomas Merton para o título da sua autobiografia. A Bíblia já o havia dito antes, motivando, inclusive, a decisão de Deus de criar a mulher: Não é bom que o homem esteja só; em outro lugar, o texto sagrado indica o perigo da solidão: Infeliz do homem sozinho, porque se cair não tem quem o levante.
No filme Homens de Deus (originalmente intitulado Des hommes et de dieux - Homens e deuses; ndt) um dos aspectos mais interessantes é o caminho pessoal através do qual cada monge chega à decisão de não abandonar o mosteiro que se tornou perigoso; o silêncio no qual aqueles homens amadurecem a sua escolha se desfaz no momento em que comunicam uns aos outros as razões que os movem a permanecer e a continuar a vida comum ali, aonde a sua vocação os levou. Filhos de uma longa tradição monástica, a cirterciense, que, por sua vez, está ligada ao antigo tronco beneditino, estes homens demonstram numa situação dramática, que os levará à morte, a fecundidade de uma escola secular, centrada sobre a reabilitação do amor.
A ideia mesma da vida comum tem um dos seus fundamentos na desconfiança que os mestres do espírito nutrem por uma busca interior muito afastada, privada de relações com os homens, numa solidão que não corrige a tendência de muitos a se conceberem como mônadas, mas que, pelo contrário, a circunda de uma auréola. Gregório Magno, formado na escola de São Bento, comenta o trecho do Evangelho que relata a primeira missão dos discípulos de Jesus deste modo: O Senhor manda os discípulos de dois em dois para pregar, a fim de nos indicar de forma tácita que não deve, de forma alguma, assumir para si a tarefa de pregar quem não tem a caridade para com os outros. São Bernardo e os outros expoentes da escola cisterciense apenas sublinharam a centralidade do amor como força unificante e dinâmica da vida espiritual, seja pessoal que comunitária, colhendo as instâncias de uma época em que se estudou, por muito tempo, na obra de Cícero, a virtude da amizade.
A fecundidade desta visão educativa chegou, através dos séculos, aos dias de hoje, como documenta um livro de Madre Cristiana Piccardo, Pedagogia viva: Citeaux novecentos anos depois (sem tradução para o português; ndt). É a história de uma comunidade trapista feminina, da sua evolução, das suas fundações em todo o mundo, do caminho de adequação realizado diante da diversidade humana das jovens que, aos poucos, foram se apresentando à porta do mosteiro. A autora afirma que hoje "não basta aquela santa tensão vertical em direção a Deus, sustentada pela grande oração litúrgica e pela generosa fidelidade à austera observância, que caracterizou as gerações que nos precederam". É preciso prestar contas com a queda do modelo estóico, fundado sobre a capacidade de controle das próprias emoções e sobre o domínio da razão sobre o sentimento, com a mudança e o rápido declínio de outros modelos, com um difundida imaturidade afetiva.
Educar para o amor não é uma tarefa fácil e Madre Cristina descreve os passos realizados por sua comunidade que levaram à queda das máscaras do egocentrismo, da aridez e do medo, e levaram também ao favorecimento de uma reciprocidade fiel, de uma integração generosa, de uma confiança que afirma o outro, de uma amizade. Ela expõe tentativas e instrumentos do caminho educativo, assim como evoluiu no curso das várias décadas na sua comunidade, humildemente convencida de que isso pode ser útil também para além do âmbito monástico. E se refere às palavras de um monge trapista espanhol, o bem-aventurado Rafael, morto em 1938 e beatificado por João Paulo II em 1992: “Há em mim muita soberba, muita vaidade, muito amor próprio. E todavia, agora, me acontece algo estranho. Certos dias, depois da oração, mesmo se nela me pareça não sentir nada, descubro em mim um grande desejo de amar todos os membros da minha comunidade, quase uma ânsia de amá-los como Jesus os ama. Assim, ao invés de me escandalizar pela fragilidade de um irmão, como sempre me acontecia, experimento, por ele, uma grande ternura”.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 5 de abril de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

O que quer dizer transmitir aos nossos alunos a poesia dos “grandes”?


Por Mauro Grimoldi

Caro editor,
Todos os dias, as crianças, do meio do tumulto dos bancos da escola, oferecem suas vozes para os grandes e o pequenos poetas. Porque assim há de ser: a poesia é obra acabada e não-acabada, ao mesmo tempo. Ela precisa, para voltar a nascer e crescer e se dar, de alguém que lhe dê voz, e que seja em voz alta.
Falando da obra-prima dantesca, Mario Luzi observa que “a Comédia dantesca é, entre as obras de arte, a mais ‘lida’ e, ao mesmo tempo, uma obra ainda por fazer, quero dizer, continuamente proposta à capacidade de reconstrução do homem e da sua inexaurível perfectibilidade”.
O simples ato de oferecer a própria voz, de participar nas palavras recebidas é, me parece, o primeiro, mas realizado, ato desta contínua reconstrução. Ato cognoscitivo e não acessório, visto ser realizado pela presença de quem já disse, o poeta, e de que, obedecendo, aprende a dizer.
Deste ato, nascem as palavras que permanecem na memória e, assim, simplesmente permanecendo, se ligam à experiência de quem as encontra e se deixam interrogar.
Pode acontecer, e acontece de fato, que este trabalho seja acompanhado da explosão inesperada e potente da comoção, ou da emoção, como que por uma imprevista erupção do ânimo.
Todavia, é a fidelidade, a duração, a capacidade que marca o progredir rumo à maturidade.
O homem cresce no difícil exercício da rotina, como quem vive num terreno áspero e fértil: “permanecer, perseverar na nua, hostil, cinza realidade, até ao momento em que ela revele, ao fiel e ao paciente, seu rosto íntimo. Isto é árduo. Hic labor, escreve Hans Urs Von Balthasar.
A paciência do pardal de Pascoli ganha o mundo, porque conhece a alegria do renascimento, enquanto que a andorinha cigana repete os cantos exóticos que aprendeu, mas não sabe a alegria “da neve, o dia em que degela” (o autor se refere à poesia Myricae, de Giovanni Pascoli: “Scilp: i passeri neri su lo spalto / corrono, molleggiando. Il terren sollo / rade la rondine e vanisce in alto: / vitt. . . videvitt. Per gli uni il casolare, / l’aia, il pagliaio con l'aereo stollo; / ma per l’altra il suo cielo ed il suo mare. / Questa, se gli olmi ingiallano la frasca, / cerca i palmizi di Gerusalemme: / quelli, allor che la foglia ultima casca, / restano ad aspettar le prime gemme. / Dib dib bilp bilp: e per le nebbie rare, / quando alla prima languida dolciura / l’olmo già sogna di rigermogliare, / lasciano a branchi la città sonora / e vanno, come per la mietitura, / alla campagna, dove si lavora. / Dopo sementa, presso l’abituro / il casereccio passero rimane; / e dal pagliaio, dentro il cielo oscuro / saluta le migranti oche lontane. / Fischia un grecale gelido, che rade: / copre un tendone i monti solitari: / a notte il vento rugge, urla: poi cade. / E tutto è bianco e tacito al mattino: / nuovo: e dai bianchi e muti casolari / il fumo sbalza, qua e là turchino. / La neve! (Videvitt: la neve? il gelo? / ei di voi, rondini, ride: / bianco in terra, nero in cielo / v’è di voi chi vide . . . vide... videvitt?) / La neve! Allora, poi che il cibo manca, / alla città dai mille campanili / scendono, alla città fumida e bianca; / a mendicare. Dalla lor grondaia / spiano nelle chiostre e nei cortili / la granata o il grembiul della massaia. / Tornano quindi ai campi, a seminare / veccia e saggina coi villani scalzi, / e - videvitt - venuta d’oltremare / trovano te che scivoli, che sbalzi, / rondine, e canti; ma non sai la gioia / - scilp - della neve, il giorno che dimoia.”; ndt).
Tantae molis erat Romanam condere gentem (Eneide, I, 33, “custava muito fundar o povo romano”), Tantae molis erat se ipsam cognoscere mentem (“custava muito à mente conhecer a si mesma”), parafraseava Hegel.
Agora, mais do que nunca, aqui, nas costas áridas do mundo, onde a única ginestra que resplandece e perfuma não é mais acolhida como sinal, mas pequeno oásis de sentimento num inferno sem significado, é preciso, como foi para São Bento, que o heroico se torne cotidiano e que o cotidiano se torne heroico.
Interpreto assim a minha tarefa de adulto e professor.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 2 de abril de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Cartas do P.e Aldo 185



Asunción, 31 de março de 2011.

Caros amigos,
O caminho para a santidade é a letícia. Aquela Letícia que convive mesmo com um câncer, com uma doença terminal e que tem a sua única origem em “Tu, meu Cristo”.
Olhem a beleza de Alma e de Carol, duas garotas de 17 anos internadas na nossa clínica. Doentes de câncer, encontraram Jesus. Deste Encontro a alegria de viver que se torna trabalho.
Amigos, não é possível duvidar da vitória de Cristo quando olhamos para estes rostos, conscientes do câncer que têm. Meu Deus, como é verdade aquilo que Carrón nos diz quando fala da contemporaneidade de Cristo!
Padre Aldo

segunda-feira, 7 de março de 2011

Zabé da Loca



Reportagem do Globo Rural do dia 10 de outubro de 2010

O Globo Rural apresenta uma dessas personagens incríveis que a gente encontra pelo Brasil afora. Uma mulher que toca a flauta típica do nordeste: o pífano. Ela é conhecida como Zabé da Loca.
Loca é uma gruta pequena. Na reportagem de Helen Martins e Francisco Maffezoli Junior você vai entender porque a Isabel, ou Zabé, é da loca.
Na dureza das pedras crescem cactos. Na aridez do cenário, surgem personagens que só o sertão parece fazer brotar. É assim na região do Cariri Paraibano, no município de Monteiro. Seguimos para a zona rural para encontrar uma moradora ilustre. Ela é conhecida como Zabé da Loca.
A idade não tirou seu senso de humor. Dona Zabé tem 86 anos e passa boa parte dos dias na varanda de sua casa azul, observando o movimento, que não é muito, e lembrando a sua história, que não é pouca. “Eu já trabalhei muito. Trabalhei tanto que fiquei velha no tempo. Pai gritava, nós éramos quatro, era um em casa mais a mãe e os outros no roçado mais ele. Me criei trabalhando, minha filha”, conta Isabel Marques da Silva.
Zabé é nascida em Buíque, Pernambuco. Ainda adolescente foi para o município de Monteiro, na Paraíba, e há sete anos vive no assentamento Santa Catarina, em uma casa que ganhou do Incra no processo de reforma agrária. Ela diz que não gosta de lá e que prefere a serra. “Eu gosto da minha serra. Eu não vou, porque a subida pra mim é ruim demais”.
Ela prefere mostrar o lugar da antiga casa sem sair da atual e aponta para um grupo de pedras. Uma delas costumava ser sua morada. É daí que vem o apelido “Zabé da Loca”. Loca quer dizer gruta, caverna. “Eu morei 25 anos debaixo dela. Era eu e os filhos. Tinha um marido, mas o marido morreu. Daí ficou eu e os dois filhos. Fui feliz, graças a Deus”.
Dona Zabé tem bronquite crônica. “Eu fumo, mas é pouquinho”. A audição também é bem prejudicada.
Fôlego e ouvido são essenciais para a arte que deu fama a ela: o pífano. Zabé é conhecida como a rainha do pífano. Ela conta que aprendeu a tocar o instrumento com o irmão, aos 10 anos. “Tô com vontade de parar com isso, porque isso acaba com o fôlego, acaba com os pulmões. O cigarro eu fumo só um pouquinho”, acredita.
Além do pífano, a vida passada na antiga loca define a figura de Zabé. O apelido acabou por virar seu nome artístico.
Tentamos convencê-la a visitar a loca mais uma vez. “Sei lá, minha filha. Se for muito cedinho...“. Com a promessa de sair cedo, deixamos a casa de dona Zabé.
No dia seguinte, bem cedinho, estamos de volta. Ela já está acordada, tomando um cafezinho. “Eu acho que não vou, não. Sei não. Eu vou resolver”, diz ela.
Dona Zabé teve três filhos. Uma filha foi criada por outra família, um filho é doente e o outro morreu. Quem cuida dela hoje é Josivane Caiano.
A senhora troca de roupa e concorda em nos acompanhar. Para chegar até a antiga casa de dona Zabé é preciso subir uns 200 metros. O caminho é feito bem devagarzinho e traz muitas lembranças.
Josivane ajuda na subida e na conversa. “Naquele tempo eu tinha mais força”, diz dona Zabé. Logo depois, ela chama a atenção do grupo “vocês estão subindo mais devagar do que eu!”.
Entramos na loca e nos acomodamos no jirau. Dona Zabé se emociona. “Eu ainda to acostumada aqui. Eu me lembro de tudo daqui. Tenho a maior vontade de voltar para o meu canto, mas eu não tenho mais meu filho, não tenho uma filha, não tenho mais marido”, lamenta.
Nas lágrimas, a saudade do tempo dentro da gruta. Quase um terço de sua vida.
Há muitos anos dona Zabé vivia em uma casa de taipa. Com o passar do tempo e as chuvas, a casa foi deteriorando, até que a casa caiu. Sem marido e com dois filhos para criar, ela precisava encontrar um abrigo. Numa região cheia de pedras, não foi difícil encontrar.
O pequeno espaço formado por uma pedra inclinada e outra que serve de apoio foi bem aproveitado com a construção de duas paredes de taipa, uma nos fundos e outra na frente, com porta e janela. Hoje, a prefeitura de Monteiro ajuda na manutenção da loca.
Dona Zabé se levanta para mostrar onde costumava cozinhar. “Era assim, riscava o fósforo e fazia o fogo. Botava as panelas no fogo, botava feijão, botava carne, se quisesse. Aí pronto. Era só comer, pronto. A gente fazia de comer, comia, aí quando dava meio dia eu corria pra cama, ficava lá, dormia”, conta.
Na loca não havia medo e dona Zabé diz que foi feliz. Passou necessidade, mas nunca fome. Do lado de fora, ela se lembra do trabalho na roça para sustentar os filhos. “Eu plantava milho, plantava feijão por isso tudo. É que eu não posso mais trabalhar agora, não, mas se eu pudesse trabalhar, eu estava era aqui. Aqui é meu. Aqui eu comprei, lá foi o Incra que deu”.
Não demora para dona Zabé sentir falta de Josivane. “Essa mossa aqui, quando eu morrer, com uns oito dias, um mês, eu venho aqui buscar ela”, brinca.
“Nem pense, nem pense. Eu não vou não”, diz Josivane.
A ligação entre Josivane e dona Zabé é quase de mãe e filha. As duas estão juntas há muitos anos. “Desde pequena eu convivo com Zabé. Minha mãe ia pra cidade e a gente ficava com Zabé, eu e mais quatro irmãos. Hoje a gente não tem mais como se afastar. Ela adoece quando eu saio de perto dela. Acho que sente mais segurança”, acredita a jovem.
Ao lado da Loca, Zabé ensaia as notas do hino nacional. A música, ao som do pífano de dona Zabé e sua banda foi parar em CD. Zabé ainda morava na gruta quando foi descoberta, aos 79 anos, pelo pessoal do projeto Dom Helder Câmara, do Ministério do Desenvolvimento Agrário.
Saída da loca, Zabé foi ganhando reconhecimento. Aos 85 anos, quem diria, recebeu o prêmio Revelação da Música Popular Brasileira em 2009. Ela coleciona diplomas importantes e muitas viagens de trabalho. As viagens e shows pelo Brasil mudaram a vida de Zabé e de muita gente ao redor.
“A dificuldade quando a gente começou a viajar, sete anos atrás, era de chegar no hotel e não saber preencher a fichinha. Eu ficava morrendo de vergonha, meu Deus do céu. Eu ficava empurrando para os outros fazerem. Aí me perguntavam ‘por que você não faz?’ e eu ficava com vergonha de dizer que não sabia ler. Quando eu comecei a preencher aquela fichinha eu disse ‘agora eu já sei, agora não tenho mais vergonha, não’. Antes de alguém pegar, eu já pegava. Falava ‘me dá a minha fichinha porque eu vou preencher a minha e as dos outros’”, revela Josivane.
Antônio Soares da Silva, seu Pitó, tem história parecida. Ele também faz parte da banda. “Da primeira vez que fui pra Brasília com ela, fiquei na rodoviária atado, sem saber onde estava o sanitário, porque não sabia o nome do sanitário, onde era. Estava vendo, mas não sabia. Daí apareceu esse Brasil Alfabetizado, eu fui, comecei e hoje eu leio até o jornal”, conta.
Com a fama de Zabé, a já letrada Josivane fez um projeto e venceu o prêmio do Ministério da Cultura. Com a verba que recebeu, 10 mil reais, criou uma escola de músicos. Seu Pitó dá aula de percussão e mostra que tem muito jeito com a criançada.
Dona Zabé ensina o pífano a Daniele, de 11 anos. Ela deve aprender logo, assim como Ranielson, que é neto de pifeiro, mas só foi aprender a tocar com o projeto de Zabé.
A banda dos meninos, formada há dois anos, já participa de festivais no estado da Paraíba. “Meu sonho é poder ampliar este projeto para outras áreas que não tenham Zabé como estímulo. Que não tem músicos, mas que tenham pessoas ali que carreguem uma cultura, que tenham uma raiz forte na música, na cultura, na arte”, afirma Josivane.
Cultivar a raiz, a raiz cultural do nosso povo, e fazer brotar desejos antes nem sonhados. Josivane que se tornar assistente social, seu Pitó que escrever suas próprias canções e os meninos da banda querem se tornar profissionais da música.
E o sonho de dona Zabé? “Meu sonho é trazer tudo de casa e vou me mudar para aqui”, diz.
A Zabé quer voltar pra loca, mas bem que ela gosta da vida de celebridade. Adora viajar e diz que vai de carro, de avião, do que aparecer. É bem festeira, diz que tendo festa, ela já está lá.

* Extraído do site do Globo Rural.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

É o conhecimento – e não o saber-fazer – que está no coração do risco educativo


Por Francesco Valenti

No debate sobre os resultados do aprendizado dos estudantes italianos e sobre a definição do sistema escolar do futuro, um elemento muitas vezes esquecido é o papel que o conhecimento deve assumir na organização geral da escola, inclusive para retomar com mais decisão um caminho virtuoso e favorecer melhores resultados. No atual ambiente cultural, porém, afirma-se a necessidade de se instruir com um pouco de noções tradicionais, mas construindo a escola em torno de critérios que, substancialmente, desvalorizem o momento cognoscitivo.
Estabeleceu-se, de fato, a convicção segundo a qual é preciso ensinar apenas saberes (lembre-se, no plural), habilidades e competências úteis para exercer um papel no mundo. E assim, como afirma Giorgio Chiosso, “ao mestre regulador de sabedoria – [...] ou seja, de saber que dá gosto e sentido para as coisas – se substitui o professor que fornece as competências necessárias para completar um ciclo de estudos, ou para assumir para si uma técnica útil no plano profissional ou, ainda, que é um simples companheiro de viagem que intervém quando o estudante, responsável por formar-se a si mesmo, solicita, por exemplo, através das intermináveis navegações na web”.
Fique dito, porém, que o enfoque de uma escola será muito diferente se ela for fundada sobre uma técnica funcional ao saber-fazer ou se for fundada sobre o conhecimento. Para se ter um exemplo: o papel de um professor é diferente se ele auxilia nos momentos de auto-aprendizagem, ou se ele propõe dados e métodos das disciplinas; diferente também é ter notícias acerca de muitas coisas ou conhecer, pensar e estabelecer nexos; diferente é uma escola organizada por âmbitos ou por classes; diferente é a relevância dada às disciplinas escolares, ao enfoque dos espaços de uma escola ou do momento de aula, e assim por diante.
O conhecimento conta na medida em que é levado a sério, na medida em que nós mesmos – como escreveu Rémi Brague – “somos o nosso conhecimento” e buscamos aquela verdade que “significa mais do que saber: o conhecimento da verdade tem como objetivo o conhecimento do bem. Este também é o sentido do interrogar-se socrático: qual é aquele bem que nos torna verdadeiros?” (da Alocução de Bento XVI que deveria ter sido pronunciada na Universidade La Sapienza, em Roma).
O conhecimento pode assumir particular relevância na escola, porque ali se desenrola um momento indispensável e particular da aventura cognoscitiva, segundo a dinâmica de introdução à realidade total que lhe é própria. O conhecimento nasce da evidência das coisas, do se dar conta da realidade, como centelha e possibilidade de que a razão se coloque à prova, indagando o mundo. Às infinitas perguntas que surgem, o conhecimento pede respostas, busca o por quê na aparência e na substância das coisas, abre-se aos inteligíveis.
O conhecimento nunca é um processo completamente separado da relação com a realidade e com a história cultural de um povo. É disto que se encarrega um professor durante a aula, quando convoca os alunos ao ser e ao existir das coisas, junto à sua cognoscibilidade racional. Ele faz conhecer as coisas e revela na consciência de todos os estudantes o surpreendente acontecer delas, carregado de um significado inteligível.
Acontece assim que à crise do conhecimento – nos termos que acenamos acima, como fator não secundário da conclamada crise escolar e educativa – responde, já há tempos, a presença de professores e de escolas que não esperam, para existirem e agirem bem, nem reconhecimentos, nem favores, nem reorganizações e reformas próximas ou futuras. Acerca desses temas é que se dedicará o Congresso “O conhecimento na escola”, que a Associação Cultural Educar é um risco e a Fundação para a Subsidiariedade estão organizando e acontecerá no próximo sábado, dia 19 de fevereiro, na Universidade Católica de Milão.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 18 de fevereiro de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.