terça-feira, 5 de abril de 2011

“Nenhum homem é uma ilha”: de John Donne a São Bento, o eu sozinho não basta


Por Laura Cioni

Nenhum homem é uma ilha é o primeiro verso de uma poesia de John Donne, retomada por Hemingway como epígrafe do seu romance Por quem os sinos dobram, e usado por Thomas Merton para o título da sua autobiografia. A Bíblia já o havia dito antes, motivando, inclusive, a decisão de Deus de criar a mulher: Não é bom que o homem esteja só; em outro lugar, o texto sagrado indica o perigo da solidão: Infeliz do homem sozinho, porque se cair não tem quem o levante.
No filme Homens de Deus (originalmente intitulado Des hommes et de dieux - Homens e deuses; ndt) um dos aspectos mais interessantes é o caminho pessoal através do qual cada monge chega à decisão de não abandonar o mosteiro que se tornou perigoso; o silêncio no qual aqueles homens amadurecem a sua escolha se desfaz no momento em que comunicam uns aos outros as razões que os movem a permanecer e a continuar a vida comum ali, aonde a sua vocação os levou. Filhos de uma longa tradição monástica, a cirterciense, que, por sua vez, está ligada ao antigo tronco beneditino, estes homens demonstram numa situação dramática, que os levará à morte, a fecundidade de uma escola secular, centrada sobre a reabilitação do amor.
A ideia mesma da vida comum tem um dos seus fundamentos na desconfiança que os mestres do espírito nutrem por uma busca interior muito afastada, privada de relações com os homens, numa solidão que não corrige a tendência de muitos a se conceberem como mônadas, mas que, pelo contrário, a circunda de uma auréola. Gregório Magno, formado na escola de São Bento, comenta o trecho do Evangelho que relata a primeira missão dos discípulos de Jesus deste modo: O Senhor manda os discípulos de dois em dois para pregar, a fim de nos indicar de forma tácita que não deve, de forma alguma, assumir para si a tarefa de pregar quem não tem a caridade para com os outros. São Bernardo e os outros expoentes da escola cisterciense apenas sublinharam a centralidade do amor como força unificante e dinâmica da vida espiritual, seja pessoal que comunitária, colhendo as instâncias de uma época em que se estudou, por muito tempo, na obra de Cícero, a virtude da amizade.
A fecundidade desta visão educativa chegou, através dos séculos, aos dias de hoje, como documenta um livro de Madre Cristiana Piccardo, Pedagogia viva: Citeaux novecentos anos depois (sem tradução para o português; ndt). É a história de uma comunidade trapista feminina, da sua evolução, das suas fundações em todo o mundo, do caminho de adequação realizado diante da diversidade humana das jovens que, aos poucos, foram se apresentando à porta do mosteiro. A autora afirma que hoje "não basta aquela santa tensão vertical em direção a Deus, sustentada pela grande oração litúrgica e pela generosa fidelidade à austera observância, que caracterizou as gerações que nos precederam". É preciso prestar contas com a queda do modelo estóico, fundado sobre a capacidade de controle das próprias emoções e sobre o domínio da razão sobre o sentimento, com a mudança e o rápido declínio de outros modelos, com um difundida imaturidade afetiva.
Educar para o amor não é uma tarefa fácil e Madre Cristina descreve os passos realizados por sua comunidade que levaram à queda das máscaras do egocentrismo, da aridez e do medo, e levaram também ao favorecimento de uma reciprocidade fiel, de uma integração generosa, de uma confiança que afirma o outro, de uma amizade. Ela expõe tentativas e instrumentos do caminho educativo, assim como evoluiu no curso das várias décadas na sua comunidade, humildemente convencida de que isso pode ser útil também para além do âmbito monástico. E se refere às palavras de um monge trapista espanhol, o bem-aventurado Rafael, morto em 1938 e beatificado por João Paulo II em 1992: “Há em mim muita soberba, muita vaidade, muito amor próprio. E todavia, agora, me acontece algo estranho. Certos dias, depois da oração, mesmo se nela me pareça não sentir nada, descubro em mim um grande desejo de amar todos os membros da minha comunidade, quase uma ânsia de amá-los como Jesus os ama. Assim, ao invés de me escandalizar pela fragilidade de um irmão, como sempre me acontecia, experimento, por ele, uma grande ternura”.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 5 de abril de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

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