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sábado, 17 de dezembro de 2011

Comentário ao Evangelho do dia - Advento


Últimos dias antes do Natal - Dia 17 de dezembro

1ª Leitura - Gn 49, 2.8-10
Naqueles dias, Jacó chamou seus filhos e disse: "Juntai-vos e ouvi, filhos de Jacó, ouvi Israel, vosso pai! Judá, teus irmãos te louvarão; pesará tua mão sobre a nuca de teus inimigos, se prostrarão diante de ti os filhos de teu pai. Judá, filhote de leão: subiste, meu filho, da pilhagem; ele se agacha e se deita como um leão, e como uma leoa; quem o despertará? O cetro não será tirado de Judá, nem o bastão de comando dentre seus pés, até que venha Aquele a quem pertencem, e a quem obedecerão os povos".

Salmo - Sl 71 (72)
R. Nos seus dias a justiça florirá 
e paz em abundância, para sempre.
Dai ao Rei Vossos poderes, Senhor Deus, *
Vossa justiça ao descendente da realeza!
Com justiça ele governe o Vosso povo, *
com equidade Ele julgue os Vossos pobres. R. 

Das montanhas venha a paz a todo o povo, *
e desça das colinas a justiça!
Este Rei defenderá os que são pobres, *
os filhos dos humildes salvará. R. 

Nos seus dias a justiça florirá *
e grande paz, até que a lua perca o brilho!
De mar a mar estenderá o Seu domínio, *
e desde o rio até os confins de toda a terra! R. 

Seja bendito o Seu nome para sempre! *
E que dure como o sol Sua memória!
Todos os povos serão nEle abençoados, *
todas as gentes cantarão o Seu louvor! R.

Evangelho - Mt 1, 1-17
Livro da origem de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão. Abraão gerou Isaac; Isaac gerou Jacó; Jacó gerou Judá e seus irmãos. Judá gerou Farés e Zara, cuja mãe era Tamar. Farés gerou Esrom; Esrom gerou Aram; Aram gerou Aminadab; Aminadab gerou Naasson; Naasson Gerou Salmon; Salmon gerou Booz, cuja mãe era Raab. Booz gerou Obed, cuja mãe era Rute. Obed gerou Jessé. Jessé gerou o rei Davi. Davi gerou Salomão, daquela que tinha sido a mulher de Urias. Salomão gerou Roboão; Roboão gerou Abias; Abias gerou Asa; Asa gerou Josafá; Josafá gerou Jorão; Jorão gerou Ozias; Ozias gerou Joatão; Joatão gerou Acaz; Acaz gerou Ezequias; Ezequias gerou Manassés; Manassés gerou Amon; Amon gerou Josias. Josias gerou Jeconias e seus irmãos, no tempo do exílio na Babilônia. Depois do exílio na Babilônia, Jeconias gerou Salatiel; Salatiel gerou Zorobabel; Zorobabel gerou Abiud; Abiud gerou Eliaquim; Eliaquim gerou Azor; Azor gerou Sadoc; Sadoc gerou Aquim; Aquim gerou Eliud; Eliud gerou Eleazar; Eleazar gerou Matã; Matã gerou Jacó. Jacó gerou José, o esposo de Maria, da qual nasceu Jesus, que é chamado o Cristo. Assim, as gerações desde Abraão até Davi são quatorze; de Davi até o exílio na Babilônia, quatorze; e do exílio na Babilônia até Cristo, quatorze.

Comentário feito por São Leão Magno (? -c. 461)
papa e doutor da Igreja

A Encarnação do Verbo, a Palavra de Deus, diz respeito ao passado e ao futuro; nenhum tempo, por mais recuado que seja, foi privado do sacramento da salvação dos homens. O que os apóstolos pregaram é o que os profetas tinham anunciado, e não se pode dizer que o que se acreditou desde sempre se tivesse cumprido tardiamente. Adiando a obra da salvação, Deus tornou-nos, na Sua sabedoria e na Sua bondade, mais aptos para responder ao Seu apelo [...], graças a estes anúncios antigos e frequentes. Não é pois verdade que Deus tenha providenciado às questões humanas mudando de intenção e movido por uma misericórdia tardia: desde a criação do mundo, Ele decretou para todos um único e mesmo caminho de salvação. Com efeito, a graça de Deus, pela qual todos os Seus santos sempre foram justificados, não se iniciou com o nascimento de Cristo, antes cresceu com ele. Este mistério de um grande amor, que agora preencheu o mundo inteiro, já era igualmente poderoso em seus avisos; os que acreditaram quando lhes foi prometido não tiveram menos benefícios do que os que o receberam quando lhes foi dado.  Meus caros, foi pois com uma bondade evidente que as riquezas da graça de Deus foram derramadas sobre nós. Chamados à eternidade, não somos apenas sustentados pelo exemplo do passado, mas vimos aparecer a própria verdade sob uma forma visível e corporal. Devemos pois celebrar o dia do nascimento do Senhor com uma alegria fervorosa que não é deste mundo. [...] Graças à luz do Espírito Santo, saibamos reconhecer Aquele que nos recebeu nEle e que nós recebemos em nós: porque, tal como o Senhor Jesus tomou a nossa carne nascendo, também nós tomamos o Seu corpo renascendo. [...] Deus nos propôs o exemplo da Sua generosidade e humildade [...]: sejamos semelhantes ao Senhor na Sua humildade, se queremos ser como Ele na Sua glória. Ele próprio nos ajudará e nos conduzirá à realização do que prometeu.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Comentário ao Evangelho do dia


Imaculada Conceição de Nossa Senhora

1ª Leitura - Gn 3, 9-15.20
Depois que Adão comeu do fruto da árvore, o Senhor Deus o chamou, dizendo: "Onde estás?". E ele respondeu: "Ouvi Tua voz no jardim, e fiquei com medo porque estava nu; e me escondi". Disse-lhe o Senhor Deus: "E quem te disse que estavas nu? Então comeste da árvore, de cujo fruto te proibi comer?". Adão disse: "A mulher que Tu me deste por companheira, foi ela que me deu do fruto da árvore, e eu comi". Disse o Senhor Deus à mulher: "Por que fizeste isso?". E a mulher respondeu: "A serpente enganou-me e eu comi". Então o Senhor Deus disse à serpente: "Porque fizeste isso, serás maldita entre todos os animais domésticos e todos os animais selvagens! Rastejarás sobre o ventre e comerás pó todos os dias da tua vida! Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta te ferirá a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar". E Adão chamou à sua mulher "Eva", porque ela é a mãe de todos os viventes.

Salmo - Sl 97(98)
R. Cantai ao Senhor Deus um canto novo, porque Ele fez prodígios!
Cantai ao Senhor Deus um canto novo, *
porque Ele fez prodígios!
Sua mão e o Seu braço forte e santo *
alcançaram-Lhe a vitória. R.

O Senhor fez conhecer a salvação, *
e às nações, Sua justiça;
recordou o Seu amor sempre fiel *
pela casa de Israel. R.

Os confins do universo contemplaram *
a salvação do nosso Deus. 
Aclamai o Senhor Deus, ó terra inteira, *
alegrai-vos e exultai! R.

2ª Leitura - Ef 1, 3-6.11-12
Bendito seja Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. Ele nos abençoou com toda a bênção do Seu Espírito em virtude de nossa união com Cristo, no céu. Em Cristo, Ele nos escolheu, antes da fundação do mundo, para que sejamos santos e irrepreensíveis sob o Seu olhar, no amor. Ele nos predestinou para sermos Seus filhos adotivos por intermédio de Jesus Cristo, conforme a decisão da Sua vontade, para o louvor da Sua glória e da graça com que Ele nos cumulou no Seu Bem-amado. NEle também nós recebemos a nossa parte. Segundo o projeto dAquele que conduz tudo conforme a decisão de Sua vontade, nós fomos predestinados a sermos, para o louvor de Sua glória, os que de antemão colocaram a sua esperança em Cristo.

Evangelho - Lc 1, 26-38
Naquele tempo, o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia, chamada Nazaré, a uma virgem, prometida em casamento a um homem chamado José. Ele era descendente de Davi e o nome da virgem era Maria. O anjo entrou onde ela estava e disse: "Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo!". Maria ficou perturbada com estas palavras e começou a pensar qual seria o significado da saudação. O anjo, então, disse-lhe: "Não tenhas medo, Maria, porque encontraste graça diante de Deus. Eis que conceberás e darás à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus. Ele será grande, será chamado Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de Seu pai Davi. Ele reinará para sempre sobre os descendentes de Jacó, e o seu reino não terá fim". Maria perguntou ao anjo: "Como acontecerá isso, se eu não conheço homem algum?". O anjo respondeu: "O Espírito virá sobre ti, e o poder do Altissimo te cobrirá com Sua sombra. Por isso, o menino que vai nascer será chamado Santo, Filho de Deus. Também Isabel, tua parenta, concebeu um filho na velhice. Este já é o sexto mês daquela que era considerada estéril, porque para Deus nada é impossível". Maria, então, disse: "Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra!". E o anjo retirou-se.

Comentário feito por Eadmero (c. 1060–c. 1128)
monge inglês

Ó Maria, Senhora Nossa, o Senhor fez de ti Sua mãe singular, constituindo-te assim mestra e soberana do universo. Foi para isso que Ele te formou, pelo Seu Espírito operante, desde o primeiro instante da tua concepção no seio de tua mãe. Nossa Senhora, é essa a nossa alegria hoje. E te perguntamos, mui doce Maria, rainha prudente e nobre: é possível colocar-te ao mesmo nível ou até a um nível inferior ao das outras criaturas? O apóstolo da verdade pura afirma com certeza que todos os homens pecaram em Adão (Rm 5, 12). [...] Mas, tomando em consideração a qualidade eminente da graça divina em ti, observo que tens uma posição inestimável; à exceção de teu Filho, estás acima de tudo o que foi criado. E concluo que, na tua concepção, não podes ter ficado ligada à mesma lei da natureza a que estão ligados os outros seres humanos. Pela graça eminente que te foi concedida, tu ficaste completamente fora do alcance de todo o pecado. Graça singular e ação divina impenetrável à inteligência humana! Só o pecado poderia afastar os homens da paz de Deus. Para eliminar esse pecado, para trazer o ser humano de novo à paz de Deus, o Filho de Deus quis fazer-Se homem, mas de um modo tal que nada nEle existisse nem participasse daquilo que separa o homem de Deus. Para tal, convinha que Sua mãe fosse pura de todo o pecado. Se não, como poderia a nossa carne unir-se tão intimamente à pureza suprema e como poderia o homem assumir uma tão grande união com Deus, que tudo o que é de Deus pertencesse ao homem e tudo o que é do homem pertencesse a Deus?

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Comentário ao evangelho do dia


São Mateus

1ª Leitura - Ef 4,1-7.11-13
Irmãos, eu, prisioneiro no Senhor, vos exorto a caminhardes de acordo com a vocação que recebestes: Com toda a humildade e mansidão, suportai-vos uns aos outros com paciência, no amor. Aplicai-vos a guardar a unidade do espírito pelo vínculo da paz. Há um só Corpo e um só Espírito, como também é uma só a esperança à qual fostes chamados. Há um só Senhor, uma só fé, um só batismo, um só Deus e Pai de todos, que reina sobre todos, age por meio de todos e permanece em todos. Cada um de nós recebeu a graça na medida em que Cristo lha deu. E foi ele quem instituiu alguns como apóstolos, outros como profetas, outros ainda como evangelistas, outros, enfim, como pastores e mestres. Assim, ele capacitou os santos para o ministério, para edificar o corpo de Cristo, até que cheguemos todos juntos à unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, ao estado do homem perfeito e à estatura de Cristo em sua plenitude.

Evangelho - Mt 9,9-13
Naquele tempo, partindo dali, Jesus viu um homem chamado Mateus, sentado na coletoria de impostos, e disse-lhe: "Segue-me!". Ele se levantou e seguiu a Jesus. Enquanto Jesus estava à mesa, em casa de Mateus, vieram muitos cobradores de impostos e pecadores e sentaram-se à mesa com Jesus e seus discípulos. Alguns fariseus viram isso e perguntaram aos discípulos: "Por que vosso mestre come com os cobradores de impostos e pecadores?". Jesus ouviu a pergunta e respondeu: "Aqueles que têm saúde não precisam de médico, mas sim os doentes. Aprendei, pois, o que significa: 'Quero misericórdia e não sacrifício'. De fato, eu não vim para chamar os justos, mas os pecadores".

Comentário feito por Rupert de Deutz (c. 1075-1130)
monge beneditino

Mateus, o publicano, recebeu por alimento "o pão da vida e da inteligência" (Eclo 15, 3); e dessa mesma inteligência, fez em sua casa um grande banquete para o Senhor Jesus, pois tinha recebido uma graça abundante, em conformidade com o seu nome [que quer dizer "dom do Senhor"]. Um presságio desse banquete de graças havia sido preparado por Deus: tendo sido chamado enquanto estava no seu posto de cobrança, seguiu a Cristo e "ofereceu-Lhe, em sua casa, um grande banquete" (Lc 5, 29). Ofereceu-Lhe portanto um banquete, dos grandes – um banquete real, diríamos. Mateus é de fato o evangelista que nos mostra Cristo Rei através da Sua família e dos Seus atos. Logo no início da obra, declara que se trata do livro da "Genealogia de Jesus Cristo, filho de Davi" (Mt 1, 1). Em seguida, comenta como o recém-nascido é adorado pelos magos como rei dos judeus; depois, tecendo o resto da narração com régios feitos e parábolas do reino, termina por fim com as próprias palavras de um Rei que já está coroado pela glória da ressurreição: "Foi-Me dado todo o poder no Céu e na Terra" (28, 18). Se examinarmos bem o conjunto da sua redação, reconheceremos portanto que toda ela respira os mistérios do Reino de Deus. Nada de espantoso há nisto; Mateus tinha sido publicano, lembrava-se de ter sido chamado do serviço público do reino de pecado para a liberdade do Reino de Deus, do Reino de justiça. Como homem verdadeiramente grato para com o grande Rei que o tinha libertado, serviu portanto com fidelidade as leis do Seu Reino.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Cartas do P.e Aldo 203


Asunción, 6 de agosto de 2011.

Caros amigos,
Que graça e a Escola de Comunidade, para nós e para o mundo!
Nestas semanas pude experimentar na carne como o mundo precisa encontrar o Movimento, ou seja, a Escola de Comunidade. Carrón chama a nossa atenção justamente para a urgência de um trabalho pessoal que veja na Escola de Comunidade o centro deste trabalho. Pessoalmente, sou uma testemunha disto tanto no meu caminho de todo dia, quanto naquilo que acontece ao meu redor. A beleza desta obra que sempre mais suscita em quem a vive, em quem nela trabalha, mas também em quem a visita, faz nascer a pergunta: como é possível tudo isto? E quando respondo “é graças à catequese, ou à Escola de Comunidade que vivemos semanalmente com todas as 200 pessoas que trabalham aqui nos mais diversos âmbitos”, os que me escutam ficam cheios de curiosidade e de interesse. Assim, já há um tempo um grupo de diretores e de operários de uma multinacional, toda quarta-feira, das 8h às 9h da manhã, pontualmente, vêm até aqui para a Escola de Comunidade. Além do mais, aconteceu algo muito significativo no maior centro médico de reabilitação privado do país. O chefe deste centro assinou um contrato conosco para assistir gratuitamente os nossos pacientes e, em troca, pediu para irmos, pelo menos a cada quinze dias, fazer a Escola de Comunidade com seus dependentes e pacientes. O mundo também percebe que a Escola de Comunidade cria uma diferença no modo de viver e trabalhar.
Vale lembrar que aqui, este precioso instrumento que Giussani nos deixou deu origem a um periódico semanal que é publicado junto com o segundo jornal leigo mais vendido no Paraguai, toda quinta-feira. O bem que esse jornalzinho faz é impressionante. Por exemplo, hoje, duas jovens mães, depois de terem feito 40 km de viagem, vieram nos agradecer por aquilo que escrevemos! “Padre, estamos aqui há duas horas esperando pelo senhor para lhe agradecer e para abraçá-lo por causa daquilo que o senhor escreve nos editoriais, como por exemplo aquilo que escreveu sobre a Confissão”. E me trouxeram também um presente. Outro jovem, disse: “Padre, lendo o jornalzinho senti o desejo de ser padre, de verificar a minha vocação”.
A Escola de Comunidade nos ajuda a verificar a razoabilidade da fé no meio das vísceras do mundo, testemunhando assim que o cristianismo é o acontecer do humano. Claro que existem, toda semana, motivos para polêmica e, nesses momentos, me lembro de Giussani que dizia que Cristo polemizou com o mundo inteiro, o mesmo que Carrón continuamente nos lembra quando fala que a cultura dominante anestesia o eu.
Em suma, quero que a Escola de Comunidade não seja uma leitura espiritual ou apenas uma deixa para as nossas reflexões, mas que seja o trabalho que nos permita descobrir a razoabilidade da nossa fé vivida no impacto com o cotidiano, com o mundo.
Boas férias, na privilegiada companhia da Escola de Comunidade.
Padre Aldo

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Comentário ao evangelho do dia

6ª-feira da 5ª Semana Quaresma

1ª Leitura - Jr 20,10-13
Jeremias disse: "Eu ouvi as injúrias de tantos homens e os vi espalhando o medo em redor: 'Denunciai-o, denunciemo-lo'. Todos os amigos observavam minhas falhas: 'Talvez ele cometa um engano e nós poderemos apanhá-lo e desforrar-nos dele'. Mas o Senhor está ao meu lado, como forte guerreiro; por isso, os que me perseguem cairão vencidos. Por não terem tido êxito, eles se cobrirão de vergonha. Eterna infâmia, que nunca se apaga! Ó Senhor dos exércitos, que provas o homem justo e vês os sentimentos do coração, rogo-te me faças ver tua vingança sobre eles; pois eu te declarei a minha causa. Cantai ao Senhor, louvai o Senhor, pois ele salvou a vida de um pobre homem das mãos dos maus".

Evangelho - Jo 10,31-42
Naquele tempo, os judeus pegaram pedras para apedrejar Jesus. E ele lhes disse: "Por ordem do Pai, mostrei-vos muitas obras boas. Por qual delas me quereis apedrejar?". Os judeus responderam: "Não queremos te apedrejar por causa das obras boas, mas por causa de blasfêmia, porque sendo apenas um homem, tu te fazes Deus!". Jesus disse: "Acaso não está escrito na vossa Lei: 'Eu disse: vós sois deuses'? Ora, ninguém pode anular a Escritura: se a Lei chama deuses as pessoas às quais se dirigiu a palavra de Deus, por que então me acusais de blasfêmia, quando eu digo que sou Filho de Deus, eu a quem o Pai consagrou e enviou ao mundo? Se não faço as obras do meu Pai, não acrediteis em mim. Mas, se eu as faço, mesmo que não queirais acreditar em mim, acreditai nas minhas obras, para que saibais e reconheçais que o Pai está em mim e eu no Pai". Outra vez procuravam prender Jesus, mas ele escapou das mãos deles. Jesus passou para o outro lado do Jordão, e foi para o lugar onde, antes, João tinha batizado. E permaneceu ali. Muitos foram ter com ele, e diziam: "João não realizou nenhum sinal, mas tudo o que ele disse a respeito deste homem, é verdade". E muitos, ali, acreditaram nele.

Comentário feito por São Thomas More (1478-1535)
estadista inglês, mártir 

Meditemos profundamente sobre o amor de Cristo, nosso Salvador, que "amou os Seus até ao fim" (Jo 13, 1), a ponto de, para seu bem, ter voluntariamente sofrido uma morte dolorosa, manifestando assim o maior amor possível. Porque Ele próprio tinha dito: "Não há maior amor do que dar a vida pelos amigos" (Jo 15, 13). Sim, é sem dúvida esse o maior amor que alguém jamais manifestou; e contudo, o nosso Salvador deu prova de um amor ainda maior, porque o fez tanto pelos amigos como pelos inimigos. Que diferença entre este amor fiel e as outras formas de amor, falso e inconstante, que encontramos no nosso pobre mundo! [...] Quem terá a certeza de, na adversidade, continuar a ter muitos amigos, quando o próprio Salvador, quando foi preso, ficou só, abandonado pelos Seus? Quando vós fordes embora, quem quererá ir convosco? Se fôsseis rei, o vosso reino não vos deixaria partir só, esquecendo-vos sem demora? A vossa própria família não vos deixaria partir, qual pobre alma abandonada que não sabe para onde vai? Aprendamos, pois, a amar em todo o tempo como temos o dever de amar: a Deus acima de todas as coisas, e a todas as coisas por causa Dele. Porque todo o amor que não se orienta para este fim – ou seja, para a vontade de Deus – é um amor completamente vão e estéril. Qualquer amor que devotemos a um ser criado que enfraqueça o nosso amor a Deus é um amor detestável e um obstáculo ao nosso caminho para o céu. [...] Assim pois, uma vez que Nosso Senhor nos amou tanto pela nossa salvação, imploremos-Lhe assiduamente a Sua graça, não vá acontecer que, em comparação com o Seu grande amor, nos encontremos cheios de ingratidão.

domingo, 3 de abril de 2011

E nós, qual é a postura que assumimos diante de Jesus?

Bento XVI

Angelus

Praça São Pedro
Domingo, 3 de abril de 2011.

Caros irmãos e irmãs!
O itinerário quaresmal que estamos vivendo é um tempo particular de graça, durante o qual podemos experimentar o dom da benevolência do Senhor em relação a nós. A liturgia este domingo, denominado “Laetare”, nos convida à alegria, assim como proclama a antífona do início da celebração eucarística: “Alegra-te, Jerusalém, e vós todos que a amai, reuni-vos. Exultai e alegrai-vos, vós que ereis tristes: saciai-vos na abundância da vossa consolação” (cf. Is 66, 10-11). Qual é a razão profunda desta alegria? Ela nos é revelada pelo Evangelho de hoje, no qual Jesus cura um homem cego de nascença. A pergunta que o Senhor Jesus dirige àquele que era cego constitui o ponto alto do relato: “Acreditas no Filho do homem?” (Jo 9, 35). Aquele homem reconhece o sinal operado por Jesus e passa da luz dos olhos à luz da fé: “Creio, Senhor!” (Jo 9, 38). Deve-se evidenciar como uma pessoa simples e sincera, de modo gradual, realiza um caminho de fé: num primeiro momento encontra Jesus como um “homem” entre os outros, depois o considera um “profeta”, finalmente os seus olhos se abrem e ele o proclama “Senhor”. Em oposição à fé do cego curado há o endurecimento do coração dos fariseus que não querem aceitar o milagre, porque se recusam a acolher Jesus como o Messias. A multidão, pelo contrário, para para discutir o acontecido e fica distante e indiferente. Mesmo os pais do cego são vencidos pelo medo do juízo dos outros.
E nós, qual é a postura que assumimos diante de Jesus? Também nós, por causa do pecado de Adão, nascemos “cegos”, mas na fonte batismal fomos iluminados pela graça de Cristo. O pecado tinha ferido a humanidade, destinando-a à escuridão da morte, mas em Cristo resplende a novidade da vida e a meta para a qual fomos chamados. NEle, revigorados pelo Espírito Santo, recebemos a força para vencer o mal e operar o bem. De fato, a vida cristã é uma contínua conformação a Cristo, imagem do homem novo, para chegar à plena comunhão com Deus. O Senhor Jesus é “a luz do mundo” (Jo 8, 12)., porque nEle “resplandece o conhecimento da glória de Deus” (2 Cor 4, 6) que continua a revelar, na complexa trama da história, qual é o sentido da existência humana. No rito do Batismo, a entrega da vela, acesa no grande círio pascal, símbolo de Cristo Ressuscitado, é um sinal que ajuda a acolher aquilo que acontece no Sacramento. Quando a nossa vida se deixa iluminar pelo mistério de Cristo, experimenta a alegria de ser liberada de tudo aquilo que ameaça sua plena realização. Nestes dias que nos preparam para a Páscoa, reavivemos em nós o dom recebido no Batismo, aquela chama que, às vezes, arrisca ser sufocada. Alimentando-a com a oração e a caridade para com o próximo.
À Virgem Maria, Mãe da Igreja, confiamos o caminho quaresmal, para que todos possam encontrar Cristo, Salvador do mundo.

* Exraído do site do Vaticano, do dia 3 de abril de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Cartas do P.e Aldo 174

Asunción, 30 de dezembro de 2010.

“Cantarei eternamente a Tua misericórdia, ó Senhor”
Olhando para este ano que me foi dado, como todos os outros 64 anos que já pertencem à minha história, uma história cheia de misérias, de fragilidade e de graça, estas palavras do salmista saem, quase como um soluço de alegria, de dentro do meu coração.
Quando me ordenaram sacerdote, olhando para a minha fragilidade, para a minha desobediência, para a minha incapacidade intelectual, coloquei no santinho, me lembro, a frase de São Francisco de Assis: “Aceita-me como sou e faz-me como queres”.
Quando fiz 25 anos de sacerdote, há quase 15 anos atrás, deixei para os amigos como recordação a frase: “Cantarei eternamente a Tua misericórdia, Senhor”.
O que pode haver de mais comovente, de mais humano, no fim de cada ano, assim como de cada dia, do que reconhecer que a misericórdia do Senhor não apenas é eterna, como também é a razão mesma do meu ser, do meu existir! O que pode haver de mais belo, no fim deste ano, cheio de fragilidade, de miséria, do que poder reconhecer como São Paulo que “onde abundou o pecado, superabundou a graça!”. Que graça, meu Deus, reconhecer que sou pecador, reconhecer que Te fizestes homem, meu Deus, graças aos meus pecados; reconhecer que se eu fosse um ser coerente, perfeito, honesto, bom, cheio de valores, Tu, meu Deus, não te terias feito carne para mim e para os meus irmãos pecadores!
Que maravilha, Senhor, ver-Te descer do céu e tomar a minha carne, o meu sangue, os meus pecados, para mostrar-me como sou pecador aos Teus olhos, quão grande é a Tua estima por mim, porque eu sou Teu, como nos lembra o profeta Isaías! Que dor, ó Jesus, me provocam aqueles homens que, para eliminar-Te da própria história, se afanam para construir sistemas perfeitos para anular a Tua presença no mundo dos pecadores!
Que angústia, ó Jesus, experimento, dia após dia, quando os meus irmãos, mesmo os sacerdotes como eu, preocupados em propor uma moral, uma ética, um compromisso social, convencidos de que isto seja o cristianismo, esquecem-se de que o cristianismo é Tu, ó Jesus, presente hoje entre e conosco!
Por que, ó Jesus, temos vergonha de Ti, a Igreja tem vergonha de Ti? Por que, ó Jesus, não levamos a sério as reiteradas palavras do Santo Padre que convidam à conversão, conversão que significa dizer “Tu, ó meu Cristo”?
Por que, como escutamos, nos últimos dias, da boca de quem “governa” este país, não reconhecemos que não estamos mais no Antigo Testamento, esperando o Messias, o mundo novo, mas que o mundo novo é um fato, um Presente? Por que não reconhecer a Tua Presença que age hoje na Igreja, casta meretrice, nos traços de milhares e milhares de pessoas que são o sinal vivo da Tua Presença?
A cristandade não é algo que começa agora, como afirma ideologicamente uma certa teologia da libertação no nosso país, porque finalmente chegou ao poder, ma é um Fato Presente há 2000 anos.
O menino não deve nascer, nasceu, nasce em cada momento na santidade de quem Te reconhece, ó Cristo, como a razão última da vida, o fim último da existência.
Por este motivo, neste fim de ano, o meu coração e o de muitos amigos, os amigos de Jesus, como o Papa define os cristãos, queremos agradecer-Te, porque, graças aos nossos pecados, Tu te fizeste carne por mim e por todos os homens.
Ó Jesus, peço-Te que acabe em mim e em todos o escândalo pelas nossas misérias, acabe em nós a mania pelos valores, o orgulho de sermos os primeiros da sala e o orgulho de sermos os protagonistas, sem Tu, da utopia de um mundo melhor.
Ó Jesus, peço-te que a Tua graça me ilumine, nos ilumine, para que tomemos consciência de que o ideal pelo qual viver não é a coerência mas a pertença a Ti, como uma criança pertence aos seus pais e, deste modo, cresce feliz.
Este ano foi grande porque grande foi a experiência da Tu infinita misericórdia que, na confissão semanal, ou mais de uma vez por semana, se tornou palpável, visível, enchendo-me de alegria.
Senhor, “eu não sou digno de que Tu entres em minha morada, mas basta uma palavra Tua e a minha alma será curada”.
Por este motivo, as palavras que mais me comoveram durante este ano foram aquelas do sacerdote que, frequentemente, traçando sobre mim o sinal da cruz, me dizia: “Eu te absolvo dos teus pecados, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém”.
"Te Deum laudamus: te Dominum confitemur... In te, Domine, speravi: non confundar in aeternum".
Padre Aldo

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Comentário ao evangelho do dia

Evangelho - Lc 19,11-28
Naquele tempo, Jesus acrescentou uma parábola, porque estava perto de Jerusalém e eles pensavam que o Reino de Deus ia chegar logo. Então Jesus disse: "Um homem nobre partiu para um país distante, a fim de ser coroado rei e depois voltar. Chamou então dez dos seus empregados, entregou cem moedas de prata a cada um, e disse: 'Procurai negociar até que eu volte'. Seus concidadãos, porém, o odiavam, e enviaram uma embaixada atrás dele, dizendo: 'Nós não queremos que esse homem reine sobre nós'. Mas o homem foi coroado rei e voltou. Mandou chamar os empregados, aos quais havia dado o dinheiro, a fim de saber quanto cada um havia lucrado. O primeiro chegou e disse: 'Senhor, as cem moedas renderam dez vezes mais'. O homem disse: 'Muito bem, servo bom. Como foste fiel em coisas pequenas, recebe o governo de dez cidades'. O segundo chegou e disse: 'Senhor, as cem moedas renderam cinco vezes mais'. O homem disse também a este: 'Recebe tu também o governo de cinco cidades'. Chegou o outro empregado e disse: 'Senhor, aqui estão as tuas cem moedas que guardei num lenço, pois eu tinha medo de ti, porque és um homem severo. Recebes o que não deste e colhes o que não semeaste'. O homem disse: 'Servo mau, eu te julgo pela tua própria boca. Tu sabias que eu sou um homem severo, que recebo o que não dei e colho o que não semeei. Então, porque tu não depositaste meu dinheiro no banco? Ao chegar, eu o retiraria com juros'. Depois disse aos que estavam aí presentes: 'Tirai dele as cem moedas e dai-as àquele que tem mil'. Os presentes disseram: 'Senhor, esse já tem mil moedas!'. Ele respondeu: 'Eu vos digo: a todo aquele que já possui, será dado mais ainda; mas àquele que nada tem, será tirado até mesmo o que tem. E quanto a esses inimigos, que não queriam que eu reinasse sobre eles, trazei-os aqui e matai-os na minha frente'". Jesus caminhava à frente dos discípulos, subindo para Jerusalém. 

Comentário feito por Orígenes (c. 185-253)
presbítero e teólogo 

Tem o homem alguma coisa para oferecer a Deus? Tem, sim: a sua fé e o seu amor. É isto o que Deus pede ao homem, e assim está escrito: "E agora, Israel, o que o Senhor, teu Deus, exige de ti é que temas o Senhor, teu Deus, para seguires todos os Seus caminhos, para O amares, para servires o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração e com toda a tua alma". (Dt 10,12). Eis os presentes, os dons que devemos oferecer ao Senhor. E para Lhe oferecermos estes dons com o coração, temos primeiro de O conhecer; temos de ter bebido o conhecimento da Sua bondade nas águas profundas do seu poço. [...] Corarão, ao ouvirem estas palavras, os que negam que a salvação do homem está no poder da sua liberdade! Pediria Deus o que quer que fosse ao homem, se este não fosse capaz de responder ao pedido de Deus e de Lhe oferecer o que Lhe deve? Porque há o dom de Deus mas há também a contribuição do homem. Por exemplo, está no poder do homem fazer que uma moeda de ouro renda outras dez ou só cinco; mas pertence a Deus que o homem possua essa moeda de ouro com que pôde produzir outras dez. Quando apresentou a Deus essas dez moedas de ouro ganhas por si, o homem recebeu um novo dom, já não em dinheiro, mas o poder e a realeza sobre dez cidades. Da mesma maneira, pediu Deus a Abraão que Lhe oferecesse o seu filho Isaac, num dos montes que haveria de lhe indicar. E Abraão, sem hesitar, ofereceu  o seu filho único: pô-lo sobre o altar e pegou no cutelo para o degolar; mas logo uma voz o reteve e foi-lhe dado um carneiro para imolar em substituição do seu filho (Gn 22). Vê bem: o que oferecemos a Deus mantém-se nosso; mas essa oferenda é-nos pedida para que, ao oferecê-la, testemunhemos o nosso amor a Deus e a fé que nEle temos. 

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Comentário ao evangelho do dia

Evangelho - Lc 17,11-19
Aconteceu que, caminhando para Jerusalém, Jesus passava entre a Samaria e a Galiléia. Quando estava para entrar num povoado, dez leprosos vieram ao seu encontro. Pararam à distância, e gritaram: "Jesus, Mestre, tem compaixão de nós!". Ao vê-los, Jesus disse: "Ide apresentar-vos aos sacerdotes". Enquanto caminhavam, aconteceu que ficaram curados. Um deles, ao perceber que estava curado, voltou glorificando a Deus em alta voz; atirou-se aos pés de Jesus, com o rosto por terra, e lhe agradeceu. E este era um samaritano. Então Jesus lhe perguntou: "Não foram dez os curados? E os outro nove, onde estão? Não houve quem voltasse para dar glória a Deus, a não ser este estrangeiro?". E disse-lhe: "Levanta-te e vai! Tua fé te salvou".

Comentário feito por São Francisco de Assis (1182-1226)
fundador dos  Frades Menores 

Todo-poderoso, santíssimo, altíssimo e soberano Deus, Pai santo e justo, Senhor, Rei do céu e da terra, por Ti a Ti damos graças, pois que, por Tua santa vontade, e por Teu Filho unigênito, com o Espírito Santo, criaste todas as coisas espirituais e corporais. À Tua imagem e semelhança nos fizeste, o paraíso por morada nos deste, donde, por nossa culpa, caímos. 
A Ti damos graças pois que, como por Teu Filho nos criaste, assim também, pelo santo amor com que nos amaste, fizeste que Teu Filho, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, nascesse da gloriosa Virgem Santa Maria, e, pela Sua cruz, Seu sangue e Sua morte, quiseste resgatar-nos a nós, os cativos. 
E a Ti damos graças porque esse mesmo Teu Filho de novo há de vir na glória da Sua majestade para lançar ao fogo eterno os malditos que recusaram converter-se e conhecer-Te e para dizer a todos quantos Te conheceram, Te adoraram e Te serviram em penitência: "Vinde, benditos de meu Pai! Recebei em herança o Reino que vos está preparado desde a criação do mundo" (Mt 25, 34). 
E porque somos, nós todos, indigentes e pecadores, dignos não somos de pronunciar o Teu nome; aceita pois, Te suplicamos, que Nosso Senhor Jesus Cristo, Teu Filho muito amado, em Quem puseste todo o Teu agrado, com o Santo Espírito Paráclito Te dê graças por tudo, como a Ti e a Ele agradar, Ele, que é Quem sempre em tudo Te basta, Ele, por Quem tanto fizeste por nós. Aleluia! 

domingo, 24 de outubro de 2010

Cartas do P.e Aldo 167



Asunción, 19 de outubro de 2010.

Caros amigos,
não é natural beijar a própria mãe, ou melhor não é óbvio. Sem a experiência concreta de se olhar como nos olha o Mistério, a máxima expressão afetiva é uma atração natural, uma simpatia, uma generosidade que, no tempo, nos chantageia. Somente dentro de uma experiência de gratuidade, como é descrita por Dom Giussani, é possível que uma mãe e o próprio filho se beijem como o coração – não o instinto – deseja.
Hoje, batizei Isabel. Uma mulher recolhida da rua com o seu filho de 6 anos. A sua história é horrível e indescritível: violentada quando era pequena, abusada continuamente. De um dos tantos pobres Cristos que enchem as ruas, agora na prisão, teve um filho, o mais novo, que vocês podem ver na foto abraçado a mim durante a Missa. Assim que chegou a nós com o seu filho, nós a acolhemos: e Cristo-mãe e Cristo-filhinho. A primeira coisa que me disse foi: “Padre, eu nunca dei um beijo no meu filho, porque eu via, nele, a violência que sempre sofri”. Passaram-se muitos meses. Não conto para vocês todas as reações do menino na relação com todos. Diante de quem lhe queria dar um beijo escapava ou reagia batendo. Hoje, terminado o batismo da mãe, amada e bem querida por nós, ficamos esperando o beijo entre mãe e filho. Para a mãe foi um milagre: ela o beijou pela primeira vez. Mas, nós esperávamos a mesma coisa da parte do menino. Na foto, vocês podem ver a mãe que busca o beijo do seu “finalmente” filho. Mas, tudo parecia inútil. Porém, quando todos começamos a dizer juntos “Beija! Beija!”, o pequeno, depois de nos ter olhado, se jogou no pescoço da mãe dando-lhe – não importa que tenha durado apenas um segundo – um beijo. A pobre mulher começou a chorar e não parou mais de repetir: “é a primeira vez, é a primeira vez...”.
Amigos, o pequeno recuperou o relacionamento natural – diríamos nós – apenas graças à certeza que trago em mim com os meus amigos educadores: “eu sou Tu que me fazes”. O menino, desde o princípio, me chama de vovô, porque aqui, praticamente, o pai não existe e a figura afetiva mais importante são os avós. Tanto é verdade que muitas vezes ensino o “Pai Nosso” às crianças substituindo a palavra “Pai” por “Avô”. Sempre pergunto às crianças, antes de explicar que Deus é Pai: “Quem são as pessoas que mais nos querem bem?”. E a maioria absoluta delas responde: “os avós” ou “a mamãe”. Raras vezes escuto “o papai”, que aqui tem apenas a função de fecundar a mulher e, depois, vai embora ou, se vive com a mulher, é violento. De forma que, que outra imagem podem ter do pai?
Por isso, “Vovô nosso que estais no céu...”. Assim, as crianças sentem que vibra nelas a beleza que cria em cada instante a vida: “amei-te com amor eterno, tendo piedade do teu nada”.
Amigos, se o Mistério, se Cristo não nos é familiar, estes milagres não acontecem. Hoje, eu vi o milagre da maternidade e da filiação, e como acontece o milagre do reconhecimento daquela mulher como “minha mãe”, daquele menino  como “meu filho”. Se, com os nossos filhos, não acontece o que aconteceu hoje diante dos meus olhos, quer dizer que ainda estamos distantes da paternidade, da maternidade, ou seja, distantes da graça da gratuidade.
Rezemos a Nossa Senhora para que possamos fazer esta experiência, a experiência de Isabel, que, depois de 40 anos de violência, de vida na rua, finalmente conseguiu dizer “Eu”. E a alegria do seu rosto, e o seu repetir constante “é a primeira vez, a primeira vez que beijo e sou beijada pelo meu filhinho de 6 anos”, era a manifestação da sua dignidade recuperada, sem que fosse preciso a intervenção de especialistas de profissão. “Eu sou Tu que me fazes”. Aqui e somente aqui se jogo o próprio eu.
Padre Aldo

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

“Tenho a graça de ser miserável”. Padre Aldo Trento fala de si mesmo



Entrevista feita com Aldo Trento, por Marina Corradi

A entrevista de Marina Corradi feita com Padre Aldo Trento está contida no livro deste último, Os dez mandamentos, que é o primeiro título da coleção Lindau Os livros de Tempi. O volume estará a venda por € 10,00 no estande de Tempi, no Meeting pela amizade entre os povos (de 22 a 28 de agosto, na Feira de Rímini, pavilhão C3).

Abril de 2010. Padre Aldo Trento está de passagem por Milão. Eu o encontro na casa de um amigo seu, em Concorezzo. Nunca havia conversado com ele cara a cara. Fiquei tocada com o seu rosto simples e com seus olhos claríssimos, com algo de infantil. Estas são algumas das perguntas que lhe fiz e suas respostas.

O que não entendo é como você faz para falar de Cristo como se fosse de uma Presença absolutamente concreta. É algo que me maravilha. Eu não vejo Jesus Cristo. Eu O procuro, O persigo, mas não é uma Presença como você, agora, é para mim. Entendo muito bem o Barrabás de Lägerkvist, que, depois de ter rodado por muito tempo em volta do Gólgota, diz cansado: “Desejei acreditar”. Para mim, mesmo no desejo, Jesus Cristo permanece frequentemente um fantasma.
Também comigo, antes, acontecia isso que você diz. O que deu concretude a Cristo foi o modo com o qual Giussani me olhou, o modo com o qual me acolheu e acompanhou. Através do olhar de Dom Giussani, Cristo se tornou uma Presença concreta ao meu lado.

Ok! Você conheceu Giussani, porém nem todos os que encontraram Giussani chegaram a uma certeza de fé igual à sua. Enquanto que tantos homens não encontram nem Giussani nem alguma testemunha credível de Cristo. O que vai ser dessas pessoas?
Acredito que quem conhece um cristão autêntico e continua o seu caminho tranquilamente é um burguês, que, no fundo, tem sobre a vida uma pergunta modesta. Quanto àqueles que não encontram ninguém, penso que esteja em ação uma espécie de seleção natural sustentada pela intensidade da pergunta pelo sentido. Se a pergunta é, de fato, forte, um homem procura e procura: enquanto não encontrar.

E estes últimos, são prediletos? Os prediletos existem?
Que existam é a própria Escritura que o testemunha, e são aqueles que Deus mais castiga, para que não parem de procurá-Lo.

Você disse, há dois anos, no Meeting: a depressão é uma graça. A depressão, como você sabe muito bem, é também um profundo sofrimento. Graça, portanto, por quê?
Para mim, foi o que me moveu a procurar para além dos meus limites, da minha miséria, da minha ideologia juvenil. De maneira mesmo atroz: por anos eu não dormi, quase cheguei a bater a cabeça na parede de desespero, desejava morrer. Mas a depressão foi a ferida que manteve aberto o meu pedido por Cristo. Hoje, quem tem um sofrimento psicológico acredita que está doente e vai ao médico. Mas, eu não acredito que sejamos todos doentes. É que não suportamos aquilo que mantém aquela ferida aberta: seja a depressão, uma doença, ou mesmo o se apaixonar por alguém de quem não deveríamos. Queremos eliminar o mais rápido possível os problemas. Ou talvez queremos ser “bravos”, mas apenas moralisticamente. Giussani, a este respeito, era radical: nunca convidava a se retirar do problema, mas sempre a ir a fundo, a enfrentar aquilo que se nos colocava como desafio. Ele me disse: se tivesse que não dormir por ano e isto servisse para manter vivo o seu pedido por Cristo, eu lhe diria que não dormisse. Porém, a nossa tendência é sufocar as feridas, anestesiá-las, manter adormecida a pergunta.

[Este homem, pensem, é de uma radicalidade que fascina e dá medo.] Você fala e mostra que vive de uma única razão, Jesus Cristo. Mas tente olhar para a vida da maior parte dos homens de hoje, que parecem fazer de Cristo, ou seja, do sentido último, algo de menos. Como você julga alguém que, não acreditando em Deus, na dificuldade ou na velhice, ou mesmo apenas no vazio que percebe, seja mais ou menos educadamente desesperado?
Eu o julgo razoável. Em alguém que está convencido de que é sozinho no mundo e que caminha em direção ao nada, o desespero me parece um sinal de lucidez, um sinal de que a pessoa não está contando estórias.

Portanto, é um ou outro: ou se vive em Cristo, ou não há nada pelo que, de fato, viver.
Sim. É um ou outro.

Escute: mas, se há vinte anos atrás, quando você estava dramaticamente deprimido, tivessem cuidado de você com os melhores psicofármacos, se tivessem colocado você “no eixo” e você tivesse ficado mais sereno, como você seria hoje?
Não sei. Não seria como agora e acredito firmemente que Deus tenha “querido” isto para fazer o que fez. Não teria procurado como procurei. Agora, posso dizer que aquele sofrimento, que foi mesmo muito grande, teve um sentido: nos moribundos que assisto, assim como em tantos que me escrevem pedindo ajuda como a um pai. Agora, posso entender as “noites da alma” de que falam alguns santos. Entendo aquele escuro, que é um vazio tendido a provocar um pedido mais intenso.

Mas, então, quer dizer que não é preciso cuidar da depressão? Parece-me uma ideia perigosa.
Eu seria um masoquista se respondesse que não precisa. Deus nos criou para sermos felizes, não para sofrer, e muito menos para sofrer dessa doença existencial que arranca não apenas o gosto, mas também o desejo de viver. O problema é acolher essa doença, como qualquer outra, como uma possibilidade de redenção, de purificação, como ocasião para dizer com toda a própria liberdade “sim” a Cristo, olhando-O no rosto. Como a razão e a fé caminham juntas, assim também a fé não pode não favorecer e sustentar todas aquelas possibilidades que a medicina oferece para aliviar ou vencer a dor, quando é possível. Porém, sempre lembrando sempre que, neste mundo, a dor e a morte sempre acompanham o homem. De forma que o único sentido da dor só pode ser acolhido olhando para o Crucifixo e para Cristo ressuscitado.

Padre Aldo, são muitos os que escrevem para você?
Muitíssimos. Recebi, desde o Meeting de 2008, milhares de emails. Foi como se, faland de depressão naquele contexto e afirmando que a depressão poderia ter um sentido bom, uma panela de pressão estourasse. Uma explosão. Quantos foram aqueles que se sentiram autorizados a pedir uma palavra sobre o sofrimento ou pedir um conselho. Muitíssimos jovens. Os jovens me comovem: estamos habituados a dizer que os jovens são infelizes. Não, os infelizes são os pais, somos nós, que lhes demos tão pouco de bom. Eles são filhos iguais aos filhos de todas as gerações e, talvez, mais sedentos: são, pelo contrário, puro pedido.

Tem outras coisas que não entendo. Você sempre escreve sobre a sua casa em Asunción e sobre os moribundos que está internados lá. Portanto, você vê todos os dias uma quantidade de dor que, para mim, é inimaginável. Como você consegue, diante de tanta dor, sustentar que a vida seja um bem, um dom pelo qual devemos ser gratos a Deus? (Eu, desde menina, pensava que nascer fosse uma desgraça).
Também eu, por muito tempo, pensei que a vida fosse um mal e passei momentos nos quais não conseguia ficar, se não com muito esforço, diante dos meus pais, vendo neles, pelo fato de me terem colocado no mundo, o principal fator do meu sofrimento. Somente no abraço de Cristo, no abraço reconhecido, eu entendi finalmente que nascer é um dom.

Mas, no que consiste este dom? Hoje, talvez mais evidentemente, tantas pessoas duvidam que a vida seja um dom.
Que a vida seja um dom eu não entendi a priori, porque me tenham ensinado no catecismo; quando eu conheci o “mal do viver”, não suportei mais os discursos sobre o “dom da vida”, pelo contrário, os refutava. Só consegui acolher a dor como um dom para mim, quando fiz a experiência daquilo que Giussani definia como “eu sou Tu que me fazes”, ou seja, comecei a olhar para mim mesmo com os olhos do Tu, do Mistério. Via o meu eu florescer e, em torno de mim, via crescer seus frutos nas obras de caridade que enchem essa paróquia. Somente quando aquele cúmulo de entulhos, que era o meu eu, foi colocado numa unidade graças a um encontro e, depois de longos anos de paciência, comecei a rir de mim mesmo e olhar para mim com simpatia é que tudo desabrochou, como um dom imprevisto, como uma letícia que me acompanha.

Padre Aldo, você não tem medo da morte?
Espero morrer como os meus doentes: abraçado.

Mas, eu penso no depois, no que tem depois, no Além. Como você pensa nisso?
Acredito que seja uma ulterior e eterna pergunta e um ser saciados sem fim. Pedir e ser saciados, numa dinâmica contínua de desejo e satisfação. De outro modo, o Paraíso seria tedioso. Será um pedir e ser sempre abraçados de novo. Porém, sem a dor.

O que você pensa sobre o escândalo da pedofilia na Igreja?
Olha só, o fato é que eu não consigo não experimentar piedade também pelos pedófilos. Porque sei, pela minha experiência em Asunción, que frequentemente eles mesmos são filhos de violências. Porque acredito que eu também, se Deus não tivesse Sua mão sobre a minha cabeça, poderia ser capaz de grandes pecados. Quem tem plena consciência da própria miséria não sabe mais acusar, apontar o dedo e gritar pedindo o apedrejamento. Quem tem consciência da própria miséria tem piedade.

Quem é, para você, o diabo? Como ele age sobre os homens?
O Demônio é o que ensinam a Escritura e a Igreja. Porém, prefiro não falar sobre ele, não evocá-lo. É muito forte, para mim, a memória dos pesadelos e das obsessões que me perseguiram por anos. Eu peço, todos os dias, a Deus para morrer sem fazer mal a mim mesmo, aos outros e à Igreja.

Mas, você não se pergunta por que existe a dor, por que o mundo é cheio de dor?
Não acredito que algum homem possa ser santo ou atingir a sua maturidade sem a dor, sem enfrentar a sua cruz. Não tem atalho: tem que passar por ali.

Eu tenho horror da dor, desde que perdi minha irmãzinha quando ainda era uma criança. Tenho medo que meus filhos me sejam arrancados.
Pense, porém, que Deus nunca nos pede provas maiores do que aquelas que um homem é capaz de suportar, provas que aquele home não possa suportar.

Ok. Se Cristo fosse aquela Presença concreta de que você fala, isso mudaria a vida de verdade. Mas sempre tem também o fato de “não vê-Lo”.
Você diz que não vê porque não pode tocar e medir, porque você está dentro, como todos, da nossa cultura positivista. Mas, se você olha o que acontece com os nossos doentes que se convertem, em Asunción, você é obrigada a dizer que há neles uma cura autêntica. Então, se age, “existe” (é verdadeiro); se age, Cristo é verdadeiro.

O que faz bem, o que muda o homem para melhor?
Segundo penso, como minha mãe me ensinou, confessar-se frequentemente. A confissão muda e cura. E a Eucaristia muda a pessoa ontologicamente: o corpo de Cristo, em nós, nos muda.

No cotidiano, nas ações talvez banais de todos os dias, o que pode fazer bem?
O aderir à realidade. Nunca fugir dela, nunca se refugiar nos próprios pensamentos, fechar-se no próprio quarto, isolar-se. Estar diante da realidade que nos é dada, enfrentá-la. Observar muito. Para mim, fazia bem olhar para as árvores, as plantas e descrever tudo por escrito. Para sair das minhas obsessões. Estar tenazmente na realidade, que é a circunstância na qual Cristo se nos apresenta naquele momento. Quem me ensinou isso foi Giussani, e é o mesmo olhar que eu encontro em Padre Julián Carrón e em Padre Massimo Camisasca.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 29 de julho de 2010. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Audiência Geral - Santo Tomás de Aquino (3)

Papa Bento XVI

Praça São Pedro
Quarta-feira, 16 de junho de 2010 

Santo Tomás de Aquino

Queridos irmãos e irmãs:
Hoje eu gostaria de completar, com uma terceira parte, minhas catequeses sobre Santo Tomás de Aquino. Apesar dos mais de 700 anos de distância da sua morte, podemos aprender muito dele; isso foi recordado também pelo meu predecessor, o Papa Paulo VI, quem, em um discurso pronunciado em Fossanova, no dia 14 de setembro de 1974, por ocasião do 7º centenário da morte de Santo Tomás, perguntava-se: "Mestre Tomás, o que você pode nos ensinar?". E respondia assim: "A confiança na verdade do pensamento religioso católico, como ele defendeu, expôs, abriu à capacidade cognoscitiva da mente humana" (Ensinamentos de Paulo VI, XII[1974], p. 833-834). E, no mesmo dia, em Aquino, referindo-se sempre a Santo Tomás, afirmava: "Todos nós, que somos filhos fiéis da Igreja, podemos e devemos, ao menos em alguma medida, ser seus discípulos" (ibid., p. 836).
Participemos, também nós, da escola da Santo Tomás e da sua obra prima, a Summa Theologiae. Esta ficou incompleta e, contudo, é uma obra monumental: contém 512 questões e 2669 artigos. Trata-se de um raciocínio compacto, no qual a aplicação da inteligência humana aos mistérios da fé procede com clareza e profundidade, concatenando perguntas e respostas, nas quais Santo Tomás aprofunda o ensinamento que vem da Sagrada Escritura e dos Padres da Igreja, sobretudo de Santo Agostinho. Nesta reflexão, no encontro com verdadeiras perguntas da sua época, que frequentemente são perguntas nossas também, Santo Tomás, utilizando o método e o pensamento dos filósofos antigos, em particular Aristóteles, chega assim a formulações precisas, lúcidas e pertinentes das verdades de fé, nas quais a verdade é dom da fé, resplandece e se torna acessível a nós, à nossa reflexão. Este esforço, no entanto, da mente humana - recorda o Aquinate com sua própria vida - está sempre iluminado pela oração, pela luz que vem do alto. Só quem vive com Deus e com os mistérios pode também compreender o que dizem.
Na Summa de teologia, Santo Tomás parte do fato de que existem três formas diferentes do ser e da essência de Deus: Deus existe em si mesmo, é o princípio e fim de todas as coisas, razão pela qual as criaturas procedem e dependem dEle; depois, Deus está presente através da Sua graça na vida e na atividade do cristão, dos santos; finalmente, Deus está presente de modo totalmente especial na pessoa de Cristo, unido aqui realmente com o homem Jesus e operante nos sacramentos, que brotam da sua obra redentora. Por isso, a estrutura dessa monumental obra (cf. TORRELL, Jean-Pierre. La "Summa" di San Tommaso. Milano, 2003, p. 29-75), uma busca com "olhar teológico" da plenitude de Deus (cf. Summa Theologiae, Ia, q. 1, a. 7), está articulada em três partes e ilustrada pelo próprio Doctor Communis - Santo Tomás - com estas palavras: "O principal fim da sagrada doutrina é o de dar a conhecer Deus e não somente em si mesmo, mas também enquanto princípio e fim das coisas, especialmente da criatura racional. Na tentativa de expor esta doutrina, trataremos, em primeiro lugar, de Deus; em segundo lugar, do movimento da criatura até Deus; e em terceiro lugar, de Cristo, o qual, enquanto homem, é para nós caminho para ir a Deus" (ibid., I, q. 2). É um círculo: Deus em si mesmo, que sai de si mesmo e nos conduz pela mão, de modo que, com Cristo, voltamos a Deus, estamos unidos a Deus e Deus será tudo em todos.
A primeira parte da Summa Theologiae indaga, portanto, sobre Deus em si mesmo, sobre o mistério da Trindade e sobre a atividade criadora de Deus. Nesta parte, encontramos também uma profunda reflexão sobre a realidade autêntica do ser humano enquanto que saiu das mãos criadoras de Deus, fruto do seu amor. Por um lado, somos um ser criado, dependente, não procedemos de nós mesmos; por outro, temos uma verdadeira autonomia, de modo que somos não só algo aparente - como dizem alguns filósofos platônicos -, mas uma realidade querida por Deus como tal e com valor em si mesma.
Na segunda parte, Santo Tomás considera o homem, conduzido pela graça, em sua aspiração a conhecer e amar a Deus para ser feliz no tempo e na eternidade. Em primeiro lugar, o autor apresenta os princípios teológicos do agir moral, estudando como, na livre escolha do homem de realizar atos bons, integram-se a razão, a vontade e as paixões, às quais se une a força que a graça de Deus dá através das virtudes e dons do Espírito Santo, como também a ajuda que é oferecida pela lei moral. Portanto, o ser humano é um ser dinâmico que busca a si mesmo, tenta ser ele mesmo e procura, neste sentido, realizar atos que o constroem, o tornam verdadeiramente homem; e aqui entra a lei moral, entra a graça e a própria razão, a vontade e as paixões. Sobre este fundamento, Santo Tomás delineia a fisionomia do homem que vive segundo o Espírito e que se converte, assim, em um ícone de Deus. Aqui, o Aquinate se detém a estudar as três virtudes teologais - fé, esperança e caridade -, seguidas pelo agudo exame de mais de cinquenta virtudes morais, organizadas em torno das quatro virtudes cardeais - prudência, justiça, fortaleza e temperança. Termina depois com a reflexão sobre as diversas vocações na Igreja.
Na terceira parte da Summa, Santo Tomás estuda o mistério de Cristo - o caminho e a verdade - por meio do qual podemos voltar a unir-nos a Deus Pai. Nesta seção, escreve páginas até agora não superadas sobre o mistério da Encarnação e da Paixão de Jesus, acrescentando depois um amplo tratado sobre os sete sacramentos, porque neles o Verbo divino encarnado estende os benefícios da Encarnação para a nossa salvação, para o nosso caminho de fé rumo a Deus e à vida eterna, permanece materialmente quase presente com as realidades da criação, nos toca assim no mais íntimo.
Falando dos sacramentos, Santo Tomás se detém de modo particular no mistério da Eucaristia, pelo qual teve uma grandíssima devoção, até o ponto de que, segundo seus antigos biógrafos, costumava aproximar sua cabeça do tabernáculo, como para ouvir pulsar o Coração divino e humano de Jesus. Em uma obra sua de comentário à Escritura, Santo Tomás nos ajuda a entender a excelência do sacramento da Eucaristia, quando escreve: "Sendo a Eucaristia o sacramento da Paixão do nosso Senhor, contém em si Jesus Cristo que sofreu por nós. Portanto, tudo o que é efeito da Paixão do nosso Senhor, é também efeito deste sacramento, não sendo este outra coisa a não ser a aplicação em nós da Paixão do Senhor" (In Ioannem, c.6, lect. 6, n. 963). Compreendemos bem por que Santo Tomás e outros santos celebravam a Santa Missa derramando lágrimas de compaixão pelo Senhor, que se oferece em sacrifício por nós, lágrimas de alegria e gratidão.
Queridos irmãos e irmãs: na escola dos santos, enamoremo-nos deste sacramento! Participemos da Santa Missa com recolhimento, para obter seus frutos espirituais! Alimentemo-nos do Corpo e do Sangue do Senhor, para ser incessantemente alimentados pela graça divina! Entretenhamo-nos com prazer e com frequência, de igual para igual, em companhia do Santíssimo Sacramento!
O que Santo Tomás ilustrou com rigor científico em suas obras teológicas maiores, como na Summa Theologiae, também a Summa contra Gentiles, ele expôs também em sua pregação, dirigida aos estudantes e aos fiéis. Em 1273, um ano antes da sua morte, durante toda a Quaresma, pregou na igreja de São Domingos o Maior, em Nápoles. O conteúdo desses sermões foi recolhido e conservado: são os Opúsculos, nos quais explica o Símbolo dos Apóstolos, interpreta a oração do Pai-Nosso, ilustra o Decálogo e comenta a Ave-Maria. O conteúdo da pregação do Doctor Angelicus corresponde quase totalmente à estrutura do Catecismo da Igreja Católica. De fato, na catequese e na pregação, em uma época como a nossa, de renovado compromisso pela evangelização, não deveriam faltar nunca estes temas fundamentais: o que nós cremos, e aí etá o Símbolo da Fé; o que nós oramos, e aí está o Pai-Nosso e a Ave-Maria; o que nós vivemos como nos ensina a Revelação Bíblica, e aí está a lei do amor a Deus e ao próximo e os Dez Mandamentos, como explicação desse mandato do amor.
Eu gostaria de propor um exemplo do conteúdo, simples, essencial e convincente, do ensinamento de Santo Tomás. Em seu Opúsculo sobre o Símbolo dos Apóstolos, ele explica o valor da fé. Por meio dela, diz, a alma se une a Deus e se produz uma espécie de gérmen da vida eterna; a vida recebe uma orientação segura e nós superamos agilmente as tentações. A quem objeta que a fé é uma necedade, porque faz cair em algo que não cai sob a experiência dos sentidos, Santo Tomás oferece uma resposta muito articulada e recorda que esta é uma dúvida inconsistente, porque a inteligência humana é limitada e não pode conhecer tudo. Somente se pudéssemos conhecer perfeitamente todas as coisas visíveis e invisíveis, então seria uma autêntica necedade aceitar as verdades por pura fé. No demais, é impossível viver, observa Santo Tomás, sem confiar na experiência dos demais, lá onde não chega o conhecimento pessoal. É razoável, portanto, ter Deus que se revela e no testemunho dos Apóstolos: estes eram poucos, simples e pobres, aflitos por causa da crucifixão do seu Mestre; e, no entanto, muitas pessoas sábias, nobres e ricas se converteram à escuta da sua pregação. Trata-se, de fato, de um fenômeno historicamente prodigioso, ao qual dificilmente se pode dar outra resposta razoável, a não ser a do encontro dos Apóstolos com o Senhor ressuscitado.
Comentando o artigo do Símbolo sobre a encarnação do Verbo divino, Santo Tomás faz algumas considerações. Afirma que a fé cristã, considerando o mistério da Encarnação, chega a reforçar-se; a esperança se eleva mais confiada ao pensamento de que o Filho de Deus veio entre nós, como um de nós, para comunicar aos homens sua própria divindade; a caridade se reaviva, porque não existe sinal mais evidente do amor de Deus por nós que ver o Criador do universo tornar-se criatura, um de nós. Finalmente, considerando o mistério da Encarnação de Deus, sentimos inflamar-se nosso desejo de alcançar Cristo na glória. Dando um simples, mas eficaz exemplo, Santo Tomás observa: "Se o irmão de um rei estivesse longe, certamente ansiaria poder viver perto dele. Pois bem, Cristo é nosso irmão: devemos, portanto, desejar sua companhia, ser um só coração com Ele" (Opúsculos teológico-espirituais, Roma 1976, p. 64).
Apresentando a oração do Pai-Nosso, Santo Tomás mostra que esta é em si perfeita, tendo as cinco características que uma oração bem feita deveria ter: abandono confiado e tranquilo; conveniência do seu conteúdo, porque - observa Santo Tomás - "é muito difícil saber exatamente o que é oportuno pedir ou não, desde o momento em que temos dificuldade frente à seleção dos desejos" (ibid., p. 120); e, depois, ordem apropriada das petições, fervor de caridade e sinceridade da humildade.
Santo Tomás foi, como todos os santos, um grande devoto de Nossa Senhora. Ele a definiu com um apelativo estupendo: Triclinium totius Trinitatis, triclínio, isto é, lugar onde a Trindade encontra seu repouso, porque, pela Encarnação, em nenhuma criatura, como nEla, as três divinas pessoas inabitam e encontram delícia e alegria em viver em sua alma cheia de graça. Por sua intercessão, podemos obter toda ajuda.
Com uma oração, que tradicionalmente se atribui a Santo Tomás e que, em todo caso, reflete os elementos da sua profunda devoção mariana, também nós dizemos: "Ó beatíssima e dulcíssima Virgem Maria, Mãe de Deus, (...) confio ao vosso coração misericordioso toda a minha vida (...). Alcançai, dulcíssima Senhora minha, caridade verdadeira, com a que possa amar com todo o coração vosso santíssimo Filho e a vós, depois dEle, sobre todas as coisas, e ao próximo em Deus e por Deus".

* Extraído do Site do Vaticano.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Audiência Geral - Santo Tomás de Aquino (2)

Papa Bento XVI

Praça São Pedro
Quarta-feira, 16 de junho de 2010 

Santo Tomás de Aquino

Caros irmãos e irmãs,
Hoje, gostaria de continuar a apresentação de Santo Tomás de Aquino, um teólogo de tamanho valor que o estudo do seu pensamento foi explicitamente recomendado pelo Concílio Vaticano II em dois documentos, o decreto Optatam totius, sobre a formação para o sacerdócio, e a declaração Gravissimum educationis, que trata da educação cristã. De resto, já em 1880 o Papa Leão XIII, seu grande estimador e promotor dos estudos tomistas, quis declarar Santo Tomás Patrono das Escolas e das Universidades Católicas.
O principal motivo dessa apreciação reside não apenas no conteúdo do seu ensinamento, mas também no método adotado por ele, sobretudo a sua nova síntese e distinção entre filosofia e teologia. Os Padres da Igreja se encontravam confrontados com diversas filosofias de tipo platônico, nas quais se apresentava uma visão completa do mundo e da vida, incluindo a questão de Deus e da religião. No confronto com estas filosofias, eles mesmos tinham elaborado uma visão completa da realidade, partindo da fé e usando elementos do platonismo, para responder às questões essenciais dos homens. Esta visão, baseada na revelação bíblica e elaborada com um platonismo corrigido à luz da fé, era por eles chamada a “nossa filosofia”. A palavra “filosofia” não era, portanto, expressão de um sistema puramente racional e, como tal, distinto da fé, mas indicava uma visão complexa da realidade, construída na luz da fé, mas feita e pensada pela razão; uma visão que, certamente, ia além das capacidades próprias da razão, mas que, como tal, era também satisfatória para ela. Para Santo Tomás, o encontro com a filosofia pré-cristã de Aristóteles (que morreu por volta do ano 322 a.C.) abria uma perspectiva nova. A filosofia aristotélica era, obviamente, uma filosofia elaborada sem o conhecimento do Antigo e do Novo Testamento, uma explicação do mundo sem revelação, apenas a partir da razão. E esta racionalidade consequente era convincente. Assim, a velha forma da “nossa filosofia” dos Padres não funcionava mais. A relação entre filosofia e teologia, entre fé e razão, devia ser repensada. Existia uma “filosofia” completa e convincente em si mesma, uma racionalidade que precedia a fé, e depois a “teologia”, um pensar com a fé e na fé. A questão urgente era essa: o mundo da racionalidade, a filosofia pensada sem Cristo, e o mundo da fé são compatíveis? Ou se excluem? Não faltavam elementos que afirmavam a incompatibilidade entre os dois mundos, mas Santo Tomás estava firmemente convencido da sua compatibilidade – mais do que isso, estava convencido de que a filosofia elaborada sem o conhecimento de Cristo praticamente era como se esperasse a luz de Jesus para ser completa. Esta foi a grande “surpresa” de Santo Tomás, que determinou o seu caminho de pensador. Mostrar esta independência entre filosofia e teologia e, ao mesmo tempo, a sua recíproca relação foi a missão histórica do grande mestre. E assim se entende que, no século XIX, quando se declarava fortemente a incompatibilidade entre razão moderna e fé, Papa Leão XIII indicou Santo Tomás como guia no diálogo entre um e outra. No seu trabalho teológico, Santo Tomás supõe e concretiza esta relação. A fé consolida, integra e ilumina o patrimônio de verdade que a razão humana adquire. A confiabilidade que Santo Tomás acorda a estes dois instrumentos de conhecimento – a fé e a razão – pode ser reconduzida à convicção de que ambas provêm da única fonte de toda verdade, o Logos divino, que age tanto no âmbito da criação como no âmbito da redenção.
Junto com o acordo entre razão e fé, deve-se reconhecer, de outro lado, que elas implicam procedimentos cognoscitivos diferentes. A razão acolhe uma verdade por força de sua evidência intrínseca, mediata ou imediata; a fé, por sua vez, aceita uma verdade exclusivamente pela autoridade da Palavra de Deus que se revela. Santo Tomás, no princípio da Summa Theologiae, escreve: “A ordem das ciências é dupla; algumas procedem a partir de princípios conhecidos, através da luz natural da razão, como  matemática, a geometria e outras semelhantes; outras procedem a partir de princípios conhecidos através de uma ciência superior: como a perspectiva procede dos princípios conhecidos através da geometria e a música dos princípios conhecidos através da matemática. Deste modo, a sagrada doutrina (isto é, a Teologia) é ciência porque procede dos princípios conhecidos através da luz de uma ciência superior, isto é, da ciência de Deus e dos santos” (I, q. 1, a. 2).
Esta distinção assegura a autonomia tanto das ciências humanas, quanto das ciências teológicas. Isso, porém, não equivale a uma separação, mas implica muito mais uma recíproca e vantajosa colaboração. A fé, de fato, protege a razão de toda tentação de desconfiança nas próprias capacidades, a estimula a se abrir a horizontes sempre mais vastos, mantém viva nela a busca pelos fundamentos e, quando a razão mesma se aplica à esfera sobrenatural da relação entre Deus e o homem, enriquece o seu trabalho. Segundo Santo Tomás, por exemplo, a razão humana pode, sem dúvida alguma, chegar a afirmar a existência de um único Deus, mas apenas a fé, que acolhe a Revelação divina, é capaz de atingir o mistério do Amor de Deus Uno e Trino.
De outro lado, não é apenas a fé que ajuda a razão. Também a razão, com seus meios, pode fazer algo de importante para a fé, servindo a ela de três formas diferentes, conforme Santo Tomás resume no proêmio do seu comentário ao De Trinitate de Boécio: “Demonstrar os fundamentos da fé; explicar, através de similaridades, as verdades da fé; afastar as objeções que se levantam contra a fé” (q. 2, a. 2). Toda a história da teologia é, no fundo, o exercício deste empenho da inteligência, que mostra a inteligibilidade da fé, a sua articulação e harmonia interna, a sua razoabilidade e a sua capacidade de promover o bem do homem. A correção dos raciocínios teológicos e o seu significado cognoscitivo real se fundamentam no valor da linguagem teológica, que é, segundo Santo Tomás, principalmente uma linguagem analógica. A distância entre Deus, o Criador, e o ser das suas criaturas é infinita; a dessemelhança é sempre maior do que a semelhança (cf. DS 806). Não obstante isso, em toda a diferença entre Criador e criatura existe uma analogia entre o ser criado e ser do Criador que nos permite falar sobre Deus com palavras humanas.
Santo Tomás fundou a doutrina da analogia, mais do que em argumentações extravagantemente filosóficas, também no fato que, com a Revelação, Deus mesmo nos falou e nos autorizou, portanto, a falar dEle. Acredito que seja importante chamar a atenção sobre esta doutrina. Ela, de fato, nos ajuda a superar algumas objeções do ateísmo contemporâneo, que nega que a linguagem religiosa tenha significado objetivo, e sustenta, pelo contrário, que tenha apenas um valor subjetivo ou simplesmente emotivo. Esta objeção nasce do fato de o pensamento positivista estar convencido de que o homem não conhece o ser, mas apenas as funções experimentáveis da realidade. Com Santo Tomás e com a grande tradição filosófica estamos convencidos de que, na realidade, o homem não conhece apenas as funções, objeto das ciências naturais, mas conhece algo do ser mesmo – por exemplo, conhece a pessoa, o Tu do outro, e não apenas o aspecto físico e biológico do ser.
À luz deste ensinamento de Santo Tomás, a teologia afirma que, ainda que limitada, a linguagem religiosa é dotada de sentido – porque tocamos o ser –, como uma flecha que se dirige para a realidade que significa. Este acordo fundamental entre razão humana e fé cristã é reconhecido também em outro princípio basilar do pensamento do Aquinate: a Graça divina não anula, mas supõe e aperfeiçoa a natureza humana. Esta última, de fato, mesmo depois do pecado, não é completamente corrupta, mas ferida e enfraquecida. A Graça, outorgada por Deus e comunicada através do Mistério do Verbo encarnado, é um dom absolutamente gratuito com o qual a natureza é curada, potencializada e ajudada a perseguir o desejo inato no coração de cada homem e mulher: a felicidade. Todas as faculdades do ser humano são purificadas, transformadas e elevadas pela Graça divina.
Uma importante aplicação desta relação entre a natureza e a Graça se reconhece na teologia moral de Santo Tomás de Aquino, que é bastante atual. No centro do seu ensinamento a este respeito ele coloca a lei nova, que é a lei do Espírito Santo. Com um olhar profundamente evangélico, insiste sobre o fato de que esta lei é a Graça do Espírito Santo dada a todos aqueles que acreditam em Cristo. A tal Graça se une o ensinamento escrito e oral das verdades doutrinais e morais, transmitido pela Igreja. Santo Tomás, sublinhando o papel fundamental, na vida moral, da ação do Espírito Santo, da Graça, de onde brotam as virtudes teologais e morais, ajuda a compreender que todo cristão pode atingir as altas perspectivas do “Sermão da Montanha” na medida em que vive um relacionamento de fé autêntico em Cristo, se se abre à ação do seu Santo Espírito. Porém – acrescenta o Aquinate –, “mesmo que a graça seja mais eficaz do que a natureza, todavia a natureza é mais essencial para o homem” (Summa Theologiae, Ia, 1. 29, a. 3), de forma que, na perspectiva moral cristã, há um lugar para a razão que é capaz de discernir a lei moral natural. A razão pode reconhecê-la considerando o que é bem agir e o que é bem evitar para conseguir aquela felicidade que está cada um deseja, e que impõe também uma responsabilidade pelos outros, e, portanto, a busca do bem comum. Em outras palavras, as virtudes do homem, teologais e morais, estão radicadas na natureza humana. A Graça divina acompanha, sustenta e impulsiona o empenho ético mas, por si só, segundo Santo Tomás, todos os homens, crentes e não crentes, são chamados a reconhecer as exigências da natureza humana expressas na lei natural e a inspirar-se nela na formulação das leis positivas, isto é, aquelas emanadas das autoridades civis e políticas para regular a convivência humana.
Quando a lei natural e a responsabilidade que ela implica são negadas, abre-se dramaticamente o caminho ao relativismo ético no plano individual e ao totalitarismo do Estado no plano político. A defesa dos direitos universais do homem e a afirmação do valor absoluto da dignidade da pessoa postulam um fundamento. Este fundamento não seria exatamente a lei natural, com os valores não negociáveis que ela indica? O Venerável João Paulo II escrevia, na sua encíclica Evangelium vitae, palavras que ainda são de grande atualidade: “Urge, portanto, para o futuro da sociedade e para o desenvolvimento de uma democracia saudável, redescobrir a existência dos valores humanos e morais essenciais e nativos, que brotam da verdade mesma do ser humano, e exprimem e tutelam a dignidade da pessoa: valores, portanto, que nenhum indivíduo, nenhuma maioria e nenhum Estado nunca poderão criar, modificar ou destruir, mas deverão apenas reconhecer, respeitar e promover” (n. 71).
Para concluir, Tomás nos propõe um conceito da razão humana largo e confiante: largo porque não é limitado aos espaços da dita razão empírico-científica, mas aberto a todo o ser e, portanto, também às questões fundamentais e irrenunciáveis do viver humano; e confiante porque a razão humana, sobretudo se acolhe as inspirações da fé cristã, é promotora de uma civilização que reconhece a dignidade da pessoa, a inviolabilidade dos seus direitos e a obrigatoriedade dos seus deveres. Não surpreende que a doutrina sobre a dignidade da pessoa, fundamental para o reconhecimento da intangibilidade dos direitos do homem, tenha amadurecido em ambientes de pensamento que acolheram a herança de Santo Tomás de Aquino, que tinha a criatura humana em elevada estima. Ele a definiu, com a sua linguagem rigorosamente filosófica, como “aquilo que de mais perfeito se encontra em toda a natureza, isto é, um sujeito subsistente em uma natureza racional” (Summa Theologiae, Ia, q. 29, a. 3).
A profundidade do pensamento de Santo Tomás de Aquino emana – não nos esqueçamos disso nunca – da sua fé viva e da sua piedade fervorosa, que exprimia em orações inspiradas, como esta na qual pede a Deus: “Concede-me, te peço, uma vontade que te busque, uma sabedoria que te encontre, uma vida que te agrade, uma perseverança que te espere com confiança e uma confiança que, no fim, chegue a te possuir”.

* Extraído do Site do Vaticano. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.