domingo, 24 de outubro de 2010

Cartas do P.e Aldo 167



Asunción, 19 de outubro de 2010.

Caros amigos,
não é natural beijar a própria mãe, ou melhor não é óbvio. Sem a experiência concreta de se olhar como nos olha o Mistério, a máxima expressão afetiva é uma atração natural, uma simpatia, uma generosidade que, no tempo, nos chantageia. Somente dentro de uma experiência de gratuidade, como é descrita por Dom Giussani, é possível que uma mãe e o próprio filho se beijem como o coração – não o instinto – deseja.
Hoje, batizei Isabel. Uma mulher recolhida da rua com o seu filho de 6 anos. A sua história é horrível e indescritível: violentada quando era pequena, abusada continuamente. De um dos tantos pobres Cristos que enchem as ruas, agora na prisão, teve um filho, o mais novo, que vocês podem ver na foto abraçado a mim durante a Missa. Assim que chegou a nós com o seu filho, nós a acolhemos: e Cristo-mãe e Cristo-filhinho. A primeira coisa que me disse foi: “Padre, eu nunca dei um beijo no meu filho, porque eu via, nele, a violência que sempre sofri”. Passaram-se muitos meses. Não conto para vocês todas as reações do menino na relação com todos. Diante de quem lhe queria dar um beijo escapava ou reagia batendo. Hoje, terminado o batismo da mãe, amada e bem querida por nós, ficamos esperando o beijo entre mãe e filho. Para a mãe foi um milagre: ela o beijou pela primeira vez. Mas, nós esperávamos a mesma coisa da parte do menino. Na foto, vocês podem ver a mãe que busca o beijo do seu “finalmente” filho. Mas, tudo parecia inútil. Porém, quando todos começamos a dizer juntos “Beija! Beija!”, o pequeno, depois de nos ter olhado, se jogou no pescoço da mãe dando-lhe – não importa que tenha durado apenas um segundo – um beijo. A pobre mulher começou a chorar e não parou mais de repetir: “é a primeira vez, é a primeira vez...”.
Amigos, o pequeno recuperou o relacionamento natural – diríamos nós – apenas graças à certeza que trago em mim com os meus amigos educadores: “eu sou Tu que me fazes”. O menino, desde o princípio, me chama de vovô, porque aqui, praticamente, o pai não existe e a figura afetiva mais importante são os avós. Tanto é verdade que muitas vezes ensino o “Pai Nosso” às crianças substituindo a palavra “Pai” por “Avô”. Sempre pergunto às crianças, antes de explicar que Deus é Pai: “Quem são as pessoas que mais nos querem bem?”. E a maioria absoluta delas responde: “os avós” ou “a mamãe”. Raras vezes escuto “o papai”, que aqui tem apenas a função de fecundar a mulher e, depois, vai embora ou, se vive com a mulher, é violento. De forma que, que outra imagem podem ter do pai?
Por isso, “Vovô nosso que estais no céu...”. Assim, as crianças sentem que vibra nelas a beleza que cria em cada instante a vida: “amei-te com amor eterno, tendo piedade do teu nada”.
Amigos, se o Mistério, se Cristo não nos é familiar, estes milagres não acontecem. Hoje, eu vi o milagre da maternidade e da filiação, e como acontece o milagre do reconhecimento daquela mulher como “minha mãe”, daquele menino  como “meu filho”. Se, com os nossos filhos, não acontece o que aconteceu hoje diante dos meus olhos, quer dizer que ainda estamos distantes da paternidade, da maternidade, ou seja, distantes da graça da gratuidade.
Rezemos a Nossa Senhora para que possamos fazer esta experiência, a experiência de Isabel, que, depois de 40 anos de violência, de vida na rua, finalmente conseguiu dizer “Eu”. E a alegria do seu rosto, e o seu repetir constante “é a primeira vez, a primeira vez que beijo e sou beijada pelo meu filhinho de 6 anos”, era a manifestação da sua dignidade recuperada, sem que fosse preciso a intervenção de especialistas de profissão. “Eu sou Tu que me fazes”. Aqui e somente aqui se jogo o próprio eu.
Padre Aldo

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