Por Carlo Fedeli
No clima geral de discussão que, nos últimos meses, investiu o sistema escolar e formativo, voltou às primeiras páginas dos jornais e para a boca da opinião pública a ideia de “cursos de filosofia”, propostos às crianças desde a infância. A França parece estar na vanguarda, se for verdade que estão encontrando um certo sucesso os “atelier filo” [atelier de filosofia"; ndt] e as coleções de livros para “Petits Platons” ["Pequenos Platões"; ndt].
Do que se trata? Em poucas palavras, trata-se da difusão de projetos didáticos e formativos que declinam, em várias modalidades, a proposta da philosophy for children, trazida à baila pelo estudioso americano Matthew Lipman nos anos 1970. Essa proposta objetiva preparar, desde a mais tenra infância, a criança para o “filosofar”, ou seja, para a arte de pensar criticamente a si mesmo e à própria relação com a realidade e com os outros, num contexto de relações sociais e intelectuais que deveriam promover, a partir da escola, uma reforma e um projeto da toda a sociedade na direção de uma ideal “comunidade de pesquisa”.
O que está na origem de tais projetos? Essencialmente, uma “filosofia da educação” que afunda as próprias raízes no pragmatismo e no cognitivismo do século XX, particularmente nas teorias de seus grandes mestres – Dewey e Piaget. Podemos resumir assim (perdoem-me a simplifiação) os princípios fundamentais: a natureza convencional do conhecimento; a concepção da mente humana como refinado elaborador de informações; os critérios e as metodologias do construtivismo social e da hermenêutica como linhas-guias do diálogo entre as gerações; a fé na comunicação e na pesquisa como vias mestras da construção de uma verdadeira democracia – entendia, sob o ponto de vista tanto intelectual quanto político, como processo contínuo de reconstrução crítica da experiência individual e coletiva.
Até este ponto é que chega o núcleo teórico e a profundidade de campo, histórico-cultural, da philosophy for children – sobre a qual existe uma literatura científica, à qual é possível se remeter para eventuais aprofundamentos. Agora, vejamos duas ideais de reflexão sobre a pertinência educativa de propostas deste tipo, ou similares.
A primeira vem da verificação do “alcance” de que seria capaz, segundo as tradições de pensamento recordadas, o nosso conhecimento. De acordo com a matriz deweyana, os projetos da philosophy for children movem-se principalmente por dois pressupostos de métodos, que se podem resumir nas seguintes equivalências: “conhecer” significa “pensar”, e “pensar” significa “pesquisar”. Agora, porém, estaremos seguros de que estes dois atos ou momentos sejam capazes de esgotar toda a inteira gama cognoscitiva da razão humana e representar a fonte única que está no centro do seu dinamismo? Não seria necessário que se apontassem outros atos ou dimensões suas, também constitutivos, fecundos e expressivos da sua tensão estrutural para o conhecimento? E, por isso mesmo, tão dignos de serem colocados como fundamentos de um programa – mesmo escolar – de educação intelectual?
Talvez, a nossa inteligência tenha um espectro cognoscitivo mais amplo do que apenas “pensar” e “pesquisar” – flexões, deve se dizer, nobilíssimas da razão. Sem ser filósofo, Alessandro Manzoni chegou mais perto do que muitos, naquele trecho de Os Noivos que tem valor de tratado de gnoseologia e de lógica: “observar, escutar, comparar, pensar, antes de falar”. Eis uma bela criteriologia para o exercício racional de que tem necessidade o homem desde a mais tenra infância (porque é verdade: o peso do conformismo, das convenções e do preconceito se faz sentir desde pequenos) e para um programa de educação intelectual equilibrado, que não corra o risco de enfatizar o papel do raciocínio ou da dialética, em detrimento da importância insubstituível, de um lado, da atenção, da observação e da exploração do real, de outro lado, da escuta das civilizações e das culturas do passado, que nos falam através da tradição. Risco de enfatizar, que seja dito entre parênteses, tanto mais deletério e perturbador na infância, sobretudo se for verdade, como demonstraram Piaget e Bruner, que, para se desenvolver, a inteligência precisa do relato, da representação e da ação, antes que do conceito lógico-formal.
A segunda ideia de ponderação crítica nasce da consideração de que, por mais que seja formalmente semelhante, a pergunta sobre o “por que” e o “pensar através das palavras” (ou seja, segundo a etimologia, o “dialogar”) podem assumir formas e direções diversas na boca e na mente de uma criança e de um adulto, e conduzir a sua conversa a resultados também muitos diferentes.
Na criança, a pergunta nasce, normalmente, como movimento de busca por uma explicação, diante de coisas ou acontecimentos para ela ainda parcialmente “desconhecidos”: ou seja, sem causa evidente, nem manifesta. Sem a comunicação e o relato, por parte do adulto, de uma evidência mediata, “raciocinada”, realmente percebida como hipótese de explicação adequada, a criança continuará inexoravelmente a pedir. Nela, a pergunta – certamente que com todo o “realismo ingênuo” do caso; mas também “a partir de dentro” de um relacionamento de confiança com o adulto (ao qual, de outra forma, não se voltaria) e com uma exigência, uma instância de verdade que não admite traição (quem, ainda que apenas uma vez, desiludiu uma criança sabe muito bem disso) – exprime a tensão ao verdadeiro, própria e constitutiva da razão comum a ambos.
Como tal, por isso, do ponto de vista pedagógico, toda pergunta da criança é uma graça para o início do processo cognoscitivo e do relacionamento educativo. Como primeiríssimo “movimento” pedagógico, a pergunta solicita que o adulto leve a sério a provocação de busca expressa “pela” e “na” pergunta: recolhendo humildemente a antecipação de verdade que urge nela, como indicação de percurso (ou seja, da direção na qual a inteligência é provocada a se mover), e valorizando cada outro sinal proveniente do contexto no qual a pergunta se acendeu, ou da realidade que a suscitou.
Exatamente neste ponto se coloca a questão mais delicada – que, obviamente, vale não apenas para a “filosofia para crianças”, mas também para qualquer outro ensinamento ou prática formativa; e também, se pensarmos bem, para todo pai e mãe. Exatamente porque desenvolvido cognitivamente (ou seja, equipado com competências reflexivas, críticas e metodológicas) e eticamente (por isso, melhor dotado de poder e de planejamento), o adulto pode sim acolher o desafio da pergunta da criança, e acompanhá-la na busca pela verdade. Então, mesmo ela se tornará “filósofa”, mesmo quando você não ensinar filosofia, mas ensinar português, aritmética, música, história (e assim por diante), ou mesmo quando você desenvolver com ela qualquer outra ocupação (mesmo a mais humilde).
Mas, as coisas podem seguir outro caminho. O nosso adulto poderia escapar, de um modo ou de outro, da pergunta da criança. Poderia lhe dar uma resposta puramente conveniente. Poderia também tentar desativar o seu potencial de verdade, tentando fazê-la parecer algo “relativo” (à época histórica, ao contexto cultural, ao nível social etc.) ou “funcional” (à realização do interesse individual ou coletivo, ao progresso da sociedade, à afirmação de uma ideia política, ao crescimento do “saber crítico”, e assim por diante).
Agora, na medida em que se reporta aos seus pais e, dentro e fora da escola, aos adultos (professores ou não), um pré-adolescente ou um adolescente pode contar com a consciência de si e do verdadeiro, amadurecida aos poucos em si, para poder reconhecer nesse ou naquele adulto um “interlocutor credível” para a própria educação, e estabelecer livremente, sobre este fundamento, os vínculos necessários e as defesas oportunas. Ele, certamente, será tanto mais afortunado quanto mais “Sócrates” encontrar (parece-me, porém, que figuras desse nível intelectual e moral, hoje em dia, sejam bastante raras, um pouco em todos os campos...). Mas se se tratar de uma criança da educação infantil ou fundamental?
Como exercitar a liberdade de busca intelectual e o exercício do discipulado, se as perguntas a serem colocadas, os conceitos a serem analisados e discutidos, os métodos de pensamento predispuseram e compuseram neles outros? Se o seu relacionamento com a realidade é “filtrado a priori” por um esquema adulto (muito seletivo ou decididamente orientado), sem que ele tenha tido a possibilidade de avaliá-lo criticamente? Por causa da evidente assimetria, a criança não pode competir em pé de igualdade com o professor que conduz o jogo; nem tem a possibilidade de se libertar, quando pressentisse que, na sua busca pela verdade, ele não foi leal até ao fundo com a exigência de significado, mas se afirmou um pouco antes – já perto das Colunas de Hércules do ceticismo, do relativismo, do “politicamente correto”.
Se não se leva realmente a sério, até ao fundo, o mote que marcou a fundação do Instituto J. J. Rousseau em Genebra, em 1912 (Discat a puero magister – O mestre aprenda da criança), e todas as formas de ensino e de educação, correr-se-á o risco, mesmo com as melhores ou “mais filosóficas” boas intenções, do autoritarismo (mesmo na forma mais branda e mascarada do paternalismo iluminado). A menos que tomemos igualmente a sério (e contra sua própria opção imanentista) a aguda intuição que fez Dewey dizer, em Democracia e educação, que “toda pesquisa é nativa, originária, para aquele que a efetua, mesmo se o resto do mundo já esteja seguro daquilo que ele ainda está buscando”. Ou seja, mesmo se a geração adulta estivesse de tal forma segura de si, a ponto de se esquecer, ou de se ter esquecido, de que “todos os grandes foram pequenos uma vez” e de que “há mais coisas entre o céu e a terra, Horácio, do que pensa a tua vã filosofia”.
* Texto extraído do IlSussidario.net, do dia 15 de dezembro de 2010. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.
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