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sexta-feira, 26 de novembro de 2010

A emergência educativa? De Turim, uma lição para o cristianismo “débil”


Por Stefano Zamagni

Caro diretor,
na segunda-feira, dia 22 de novembro, aconteceu a apresentação do livro L’io rinasce in un incontro de Luigi Giussani, fundador do movimento eclesial de Comunhão e Libertação. Michelle Rosboch, presidente do Centro Cultural Pier Giorgio Frassati e organizador do evento, e o diretor da Faculdade de Letras e Filosofia da Università degli Studi di Torino (Universidade dos Estudos de Turim; ndt), Lorenzo Massobrio, fizeram as honras da casa numa Aula Magna do Palazzo Nuovo repleta de estudantes universitários. Foi simples, depois, para o conferencista Giancarlo Cesana, docente de Higiene Geral e Aplicada na Università degli Studi Milano Bicocca (Universidade dos Estudos de Milano Bicocca; ndt) e presidenta da Fundação Policlínica de Milão, capturar a atenção de todos os participantes. Cesana introduziu-nos à leitura de um texto extraordinariamente atual, fruto das transcrições dos encontros que aconteceram entre 1986 e 1987 entre Dom Luigi Giussani e um grupo de universitários.
No final dos anos 1980, a Itália vivia um período de crise política e econômica não muito diferente da atual. Dom Giussani via diante de si estudantes aparentemente bem formados, mas percebia como eles eram, na realidade, “doentes por dentro, afetivamente sem energia”, não ligados a nada pelo que valesse a pena viver. Os jovens, de hoje em dia, como os de então, são completamente esvaziados pela moda e pelo poder, por uma sociedade que se interessa em privar o indivíduo daquela “energia afetiva”, de toda capacidade de afetar e de ser afetados. Por onde é possível recomeçar? Do que a pessoa pode partir outra vez?
Cesana respondeu com decisão, dizendo que “o verdadeiro fator que move a pessoa, que move a vida, que faz a pessoa se ligar, é o encontro”, e retomou as palavras de Dom Giussani, para quem o encontro é “uma presença na qual nos embatemos e que libera uma atração, uma presença que é provocação, uma presença que rompe e que supera a solidão”. O indivíduo precisa encontrar alguém que lhe solicite uma adesão a um relacionamento, que lhe solicite um empenho, que coloque em movimento a sua liberdade, exatamente como acontece quando nos apaixonamos. Para que o eu possa renascer, é necessário que seja provocado por uma proposta e que, portanto, tome uma decisão em relação a esta proposta. Ainda uma vez, depois dos encontros com o Papa Bento XVI, que aconteceram no mês de maio, e com o novo Bispo de Turim, Dom Cesare Nosiglia, os jovens torineses foram chamados a tomarem decisões definitivas e arriscadas das quais depende toda a vida.
A segunda palavra-chave do texto de Giussani é a “pertença”, exemplificada pelo Ícaro de Matisse. O tempo e o espaço são a “tumba” do homem, daquele Ícaro que, no mito grego, falha na sua tentativa de fuga e permanece prisioneiro do mundo. Na tela de Matisse, pelo contrário, o pontinho vermelho no peito representa a possibilidade de que Ícaro retome o voo, se liberte; Ícaro deseja alcançar o impossível com uma tal tensão existencial a ponto de ser inteiramente constituído por este mesmo desejo. Aquele pontinho vermelho o mantém ligado àquilo que deseja; nessa ânsia, Ícaro “tem a percepção de pertencer a algo que o sustenta”.
Cesana continuou sua conferência com força e vitalidade e, quase escandindo as palavras, precisou: “Somos feitos daquilo a que pertencemos, porque aquilo a que pertencemos define o nosso desejo” e, inevitavelmente, “todos pertencemos. Quem pensa ser independente, na realidade, não pensa com a própria cabeça, mas com os critérios da televisão, dos jornais, de quem comanda”, permanece preso na armadilha do tempo e do espaço, da sociedade, do mundo, como o Ícaro pagão. Não é por acaso, portanto, que exatamente nesse ponto do livro, Dom Giussani introduza o problema do cristianismo, ou melhor, “uma proposta que diz respeito a esta sensibilidade da vida”, que se coloca como ímpeto para o voo humano em direção ao impossível, em direção ao sentido da realidade, em direção a Cristo.
Por que, no entanto, o cristianismo de hoje é assim tão débil? O defeito reside no modo como é comunicado, que não é mais o encontro material e carnal que fizeram os apóstolos vendo e escutando Cristo falar. O cristianismo deve recuperar a concretude do encontro. Esta é a grande inovação introduzida por Giussani, a recuperação daquela experiência atual de encontro e de pertença que, desde sempre, constituiu o cristianismo. O homem tem um forte sentimento de Cristo, mas onde está Cristo? “Cristo está no Mistério da Igreja”, é possível pertencer a Ele apenas no encontro com outro, com um amigo ou um professor, no relacionamento concreto de amizade, na pertença a uma companhia que, ainda que efêmera, é onde Cristo habita, destino último da vida de toda pessoa. Cesana concluiu dizendo que “se a companhia nasce daquele encontro e é o lugar onde o Senhor se torna paz, onde a verdade se torna paz, o sentido último da vida se torna companhia presente, ou seja, se torna amigo”.
L’io rinasce in un incontro e o movimento eclesial gerados a partir da experiência extraordinária de Dom Giussani constituem um bem precioso para a Igreja e para a CEI (Conferência Episcopal Italiana; ndt), que entra no novo decênio colocando no centro das Orientações Pastorais a emergência educativa, mais de uma vez evidenciada por Bento XVI como algo para estar presente em todos os níveis da sociedade. Para educar, segundo Cesana, é preciso entusiasmo e uma energia potente que percebe e faz perceber a realidade de modo vivo, vibrante; esta vitalidade, porém, é um dom, não é possível criá-la, é o dom de um encontro concreto, de onde o homem recebe a coragem e a energia necessárias para vencer a emergência educativa.

* Texto extraído do IlSussidiario.net, do dia 26 de novembro de 2010. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Mesmo a maior dor não pode ofuscar o sentido da vida




Por Gianluigi Da Rold

É amável e rigoroso, envolvente e ao mesmo tempo meticuloso. Não são adjetivos de uma circunstância, mas aquilo que nos vem em mente imediatamente depois que se termina de ler Se la vita si rianima [Se a vida se reanima, sem tradução para o português ainda; ndt], livrinho de Giuseppe Baiocchi e Patrizia Fumagalli, com um prefácio de Giancarlo Cesana, editado pela Ares no final de fevereiro desse ano. Baiocchi é um grande profissional, jornalista do Avvenire, por 23 anos do Corriere della Sera e, depois, diretor da La Padania, mas também um historiador da escola de Giorgio Rumi, junto com amigo Walter Tobagi. A mais jovem, Patrizia Fumagalli, é médica especialista em anestesia reanimadora, pessoa que esta em contato constante, portanto, com o sofrimento e com as esperanças de ver um paciente seu se recuperar, para obter o objetivo pelo qual fez o juramente de Hipócrates.
O livro entra com rigor quase científico no debate sobre  a vida e sobre a “morte controlada” e, às vezes, declaradamente solicitada, sobre o significado da vida mesmo em caso de coma profundo ou de retorno daquele estado que parece um outro mistério impenetrável. Insere-se, portanto, num debate bastante atual, que há um tempo ecoa nos meios políticos e se detém também sobre o caso de Eluana Englaro, um dos casos que mais dividiu a Itália nos últimos anos.
Desde o prefácio de Giancarlo Cesana  já se pode perceber algumas passagens lógicas precisas que não se casam com aquela a que se chama eufemisticamente de “eutanásia”. Cesana lembra: “Os hospitais nasceram no início daquilo que chamamos Idade Média (...). Não nasceram porque se sabiam curar as doenças (...). Os hospitais nasceram para hospedar, para acolher e assistir os homens e as mulheres em dificuldade, golpeados pela desventura, nos quais frequentemente doença e miséria eram uma só coisa”.
Se nesta frase há a grande tradição cristã da ajuda, na premissa dos autores nos detemos sobre uma palavra que, de um ponto de vista hospitalar, parece um semantema de maus presságios, “reanimação”: “para a língua italiana, e isso pode ser encontrado em todos os dicionários, é um termo esplêndico – escrevem Baiocchi e Fumagalli – que significa restituição e retomada da vitalidade, de animação, de confiança, de coragem (...). E no entanto, na deterioração da linguagem e na preguiçosa rotina jornalística ou burocrático-sanitária, acabou por se associar quase exclusivametne a um sentido prevalente de perda, de antecâmara do fim, de um templo afastado onde se realizam os ritos mistéricos de uma ciência cada vez menos traduzível para o senso comum”.
Entre estas duas considerações de partida, que lembram a esperança da vida, a luta pela vida, a necessidade de honrar a vida em todos os modos, passando também através do sofrimento e dos mistérios não apenas da medicina moderna como também da natureza humana mesma, da mente e do coração de um pessoa, o relato dos dois autores de Se la vita si rianima fundamenta-se sempre sobre escrupulosas definições científicas, reconstruções de casos a partir de um ponto de vista médico e, ao mesmo tempo, episódios reais de quem voltou do incrível estado neurovegetativo, de quem tinha programado a “sua morte” em caso de graves deformações de caráter físico e, depois, aceitou viver da mesma forma.
Leva-se em consideração também o impacto emocional, psicologico, que revira não apenas o doente, mas toda uma família, alargada para os amigos que estão próximos. Não obstante todo esse complexo de fatores, chega-se ao um núcleo profundo: a vida é uma aventura irrepetível que nos é dada, provavelmente em qualquer condição física que seja. Porque trocar um dom como esse e uma aventura como essa por uma eficiência física?
Assim, desse modo tão motivado, chega-se ao último capítulo, intitulado Eluana, a exceção. Aqui, o relato ilumina uma derrubada da lógica: “(...) na memória coletiva de tantos anos e de tantos casos vividos e experimentados emerge um único caso no qual, praticamente desde o início, manifesta-se a rejeição da pessoa cuidada na reanimação e com deficiência de natureza cerebral: o caso Englaro. A exceção, a única exceção está aqui, na postura da família que se recusa a aceitar a realidade”.
Poderá parecer paradoxal, mas para quem escreve e para quem leu com paixão este livro, parece que o “caso Englaro” seja um “emblemático exemplo dos tempos”, uma “mentalidade que se afirma”, uma “tragédia causada pela uma dor terrível” que, porém, ofusca a realidade. o mal moderno mais insidioso. Ninguém julga. Somente se quer raciocionar segundo uma lógica.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 6 de setembro de 2010. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.