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sexta-feira, 4 de março de 2011

Com “Jesus de Nazaré” Bento XVI defende a fé do povo de Deus


Por Massimo Camisasca

O Papa, todo Papa, é vigário de Cristo. A sua eleição, o seu ministério, a sua pessoa não podem ser compreendidos se não em relação com a pessoa de Jesus de Nazaré, o Verbo de Deus feito homem. É no diálogo com o seu Senhor que ele aceitou a sua nomeação como sucessor de Pedro, é na continuidade de tal relação que, todos os dias, busca o significado e a força do que realiza e diz.
Se há um dever do Papa, este é o de se interrogar sobre quem é Cristo para ele, para os homens e para o mundo. É o que Bento XVI quis fazer trabalhando nestes primeiros seis anos de pontificado na obra que certamente permanecerá como uma das mais importantes de sua vida. Começada quando era ainda cardeal, constituiu o conteúdo de tantas de suas reflexões, estudos, pesquisas, orações ao longo destes anos. Por ela, sacrificou horas e dias de repouso.
Depois de uma primeira parte dedicada aos três anos da pregação de Cristo, eis agora uma segunda dedicada aos dias da Paixão e, particularmente, ao Tríduo que compreende também a morte e a ressurreição. Sabemos que está já esboçada uma terceira parte, talvez já toda escrita, dedicada ao comentário dos evangelhos da infância, o de Mateus e o de Lucas. Estes últimos são textos com um padrão particular, que podem ser lidos, estudados e meditados com uma atenção específica, anterior ou posterior à meditação das outras páginas do evangelho.
A vida de Jesus, como é narrada pelos evangelhos, pode ser vista como um processo de progressiva concentração: depois de longos anos de preparação, o tempo breve da pregação e, depois, os dias brevíssimos da paixão, morte e ressurreição. E no entanto é exatamente destas últimas horas que parte a reflexão comovida dos primeiros cristãos e a coletânea dos testemunhos sobre Jesus de Nazaré, que se alargou posteriormente aos outros tempos da vida do Messias.
São Paulo podia dizer: não conheço outra coisa, a não ser Cristo e este crucificado (cf. 1Cor 2, 2). É compreensível portanto porque Bento XVI quis dedicar um volume inteiro a estas horas decisivas. A intenção, seguramente, é análoga à que já encontramos expressa na primeira parte da obra publicada em 2007: mostrar que o Jesus da fé e o da história não são duas pessoas diferentes, como muitos exegetas quiseram fazer, sobretudo no século passado. O Jesus que a fé, ou seja, a tradição da Igreja, nos transmitiu não é um personagem inventado, o fruto de um sentimento irracional que não sabe voltar-se para os fatos. Ele existiu verdadeiramente e dele temos tantos testemunhos quase contemporâneos à sua existência, escritos para transmitir os eventos da sua vida, mas também o conteúdo salvífico que traziam aos homens. Assim, fé e história não se excluem, mas se integram e se explicam mutuamente.
A obra de Bento XVI sobre Jesus de Nazaré mostra-se, portanto, como fruto de um longo trabalho de exegese, que não esquece nem as antigas, mas sempre vivas, leituras dos Padres, nem o trabalho do método histórico-crítico ou das mais recentes teorias sobre as estruturas literárias. Seguindo a exegese do Papa que, entre outras coisas, com esta obra não pretende impor um ato magisterial, encontramos as várias etapas que a leitura crítica e meditativa da Escritura percorreu em dois mil anos de história da Igreja. Estamos, nesse momento, no ponto de virada, num momento novo e extremamente simples. Um momento que quer unir a sabedoria dos antigos padres à acuidade crítica da exegese moderna. Uma obra que mira sobretudo a fé do povo de Deus, a que quer alimentar e defender e de onde pretende tirar as certezas fundamentais, os pontos que servirão de guia para a própria busca. 

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 3 de março de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

“Tenho a graça de ser miserável”. Padre Aldo Trento fala de si mesmo



Entrevista feita com Aldo Trento, por Marina Corradi

A entrevista de Marina Corradi feita com Padre Aldo Trento está contida no livro deste último, Os dez mandamentos, que é o primeiro título da coleção Lindau Os livros de Tempi. O volume estará a venda por € 10,00 no estande de Tempi, no Meeting pela amizade entre os povos (de 22 a 28 de agosto, na Feira de Rímini, pavilhão C3).

Abril de 2010. Padre Aldo Trento está de passagem por Milão. Eu o encontro na casa de um amigo seu, em Concorezzo. Nunca havia conversado com ele cara a cara. Fiquei tocada com o seu rosto simples e com seus olhos claríssimos, com algo de infantil. Estas são algumas das perguntas que lhe fiz e suas respostas.

O que não entendo é como você faz para falar de Cristo como se fosse de uma Presença absolutamente concreta. É algo que me maravilha. Eu não vejo Jesus Cristo. Eu O procuro, O persigo, mas não é uma Presença como você, agora, é para mim. Entendo muito bem o Barrabás de Lägerkvist, que, depois de ter rodado por muito tempo em volta do Gólgota, diz cansado: “Desejei acreditar”. Para mim, mesmo no desejo, Jesus Cristo permanece frequentemente um fantasma.
Também comigo, antes, acontecia isso que você diz. O que deu concretude a Cristo foi o modo com o qual Giussani me olhou, o modo com o qual me acolheu e acompanhou. Através do olhar de Dom Giussani, Cristo se tornou uma Presença concreta ao meu lado.

Ok! Você conheceu Giussani, porém nem todos os que encontraram Giussani chegaram a uma certeza de fé igual à sua. Enquanto que tantos homens não encontram nem Giussani nem alguma testemunha credível de Cristo. O que vai ser dessas pessoas?
Acredito que quem conhece um cristão autêntico e continua o seu caminho tranquilamente é um burguês, que, no fundo, tem sobre a vida uma pergunta modesta. Quanto àqueles que não encontram ninguém, penso que esteja em ação uma espécie de seleção natural sustentada pela intensidade da pergunta pelo sentido. Se a pergunta é, de fato, forte, um homem procura e procura: enquanto não encontrar.

E estes últimos, são prediletos? Os prediletos existem?
Que existam é a própria Escritura que o testemunha, e são aqueles que Deus mais castiga, para que não parem de procurá-Lo.

Você disse, há dois anos, no Meeting: a depressão é uma graça. A depressão, como você sabe muito bem, é também um profundo sofrimento. Graça, portanto, por quê?
Para mim, foi o que me moveu a procurar para além dos meus limites, da minha miséria, da minha ideologia juvenil. De maneira mesmo atroz: por anos eu não dormi, quase cheguei a bater a cabeça na parede de desespero, desejava morrer. Mas a depressão foi a ferida que manteve aberto o meu pedido por Cristo. Hoje, quem tem um sofrimento psicológico acredita que está doente e vai ao médico. Mas, eu não acredito que sejamos todos doentes. É que não suportamos aquilo que mantém aquela ferida aberta: seja a depressão, uma doença, ou mesmo o se apaixonar por alguém de quem não deveríamos. Queremos eliminar o mais rápido possível os problemas. Ou talvez queremos ser “bravos”, mas apenas moralisticamente. Giussani, a este respeito, era radical: nunca convidava a se retirar do problema, mas sempre a ir a fundo, a enfrentar aquilo que se nos colocava como desafio. Ele me disse: se tivesse que não dormir por ano e isto servisse para manter vivo o seu pedido por Cristo, eu lhe diria que não dormisse. Porém, a nossa tendência é sufocar as feridas, anestesiá-las, manter adormecida a pergunta.

[Este homem, pensem, é de uma radicalidade que fascina e dá medo.] Você fala e mostra que vive de uma única razão, Jesus Cristo. Mas tente olhar para a vida da maior parte dos homens de hoje, que parecem fazer de Cristo, ou seja, do sentido último, algo de menos. Como você julga alguém que, não acreditando em Deus, na dificuldade ou na velhice, ou mesmo apenas no vazio que percebe, seja mais ou menos educadamente desesperado?
Eu o julgo razoável. Em alguém que está convencido de que é sozinho no mundo e que caminha em direção ao nada, o desespero me parece um sinal de lucidez, um sinal de que a pessoa não está contando estórias.

Portanto, é um ou outro: ou se vive em Cristo, ou não há nada pelo que, de fato, viver.
Sim. É um ou outro.

Escute: mas, se há vinte anos atrás, quando você estava dramaticamente deprimido, tivessem cuidado de você com os melhores psicofármacos, se tivessem colocado você “no eixo” e você tivesse ficado mais sereno, como você seria hoje?
Não sei. Não seria como agora e acredito firmemente que Deus tenha “querido” isto para fazer o que fez. Não teria procurado como procurei. Agora, posso dizer que aquele sofrimento, que foi mesmo muito grande, teve um sentido: nos moribundos que assisto, assim como em tantos que me escrevem pedindo ajuda como a um pai. Agora, posso entender as “noites da alma” de que falam alguns santos. Entendo aquele escuro, que é um vazio tendido a provocar um pedido mais intenso.

Mas, então, quer dizer que não é preciso cuidar da depressão? Parece-me uma ideia perigosa.
Eu seria um masoquista se respondesse que não precisa. Deus nos criou para sermos felizes, não para sofrer, e muito menos para sofrer dessa doença existencial que arranca não apenas o gosto, mas também o desejo de viver. O problema é acolher essa doença, como qualquer outra, como uma possibilidade de redenção, de purificação, como ocasião para dizer com toda a própria liberdade “sim” a Cristo, olhando-O no rosto. Como a razão e a fé caminham juntas, assim também a fé não pode não favorecer e sustentar todas aquelas possibilidades que a medicina oferece para aliviar ou vencer a dor, quando é possível. Porém, sempre lembrando sempre que, neste mundo, a dor e a morte sempre acompanham o homem. De forma que o único sentido da dor só pode ser acolhido olhando para o Crucifixo e para Cristo ressuscitado.

Padre Aldo, são muitos os que escrevem para você?
Muitíssimos. Recebi, desde o Meeting de 2008, milhares de emails. Foi como se, faland de depressão naquele contexto e afirmando que a depressão poderia ter um sentido bom, uma panela de pressão estourasse. Uma explosão. Quantos foram aqueles que se sentiram autorizados a pedir uma palavra sobre o sofrimento ou pedir um conselho. Muitíssimos jovens. Os jovens me comovem: estamos habituados a dizer que os jovens são infelizes. Não, os infelizes são os pais, somos nós, que lhes demos tão pouco de bom. Eles são filhos iguais aos filhos de todas as gerações e, talvez, mais sedentos: são, pelo contrário, puro pedido.

Tem outras coisas que não entendo. Você sempre escreve sobre a sua casa em Asunción e sobre os moribundos que está internados lá. Portanto, você vê todos os dias uma quantidade de dor que, para mim, é inimaginável. Como você consegue, diante de tanta dor, sustentar que a vida seja um bem, um dom pelo qual devemos ser gratos a Deus? (Eu, desde menina, pensava que nascer fosse uma desgraça).
Também eu, por muito tempo, pensei que a vida fosse um mal e passei momentos nos quais não conseguia ficar, se não com muito esforço, diante dos meus pais, vendo neles, pelo fato de me terem colocado no mundo, o principal fator do meu sofrimento. Somente no abraço de Cristo, no abraço reconhecido, eu entendi finalmente que nascer é um dom.

Mas, no que consiste este dom? Hoje, talvez mais evidentemente, tantas pessoas duvidam que a vida seja um dom.
Que a vida seja um dom eu não entendi a priori, porque me tenham ensinado no catecismo; quando eu conheci o “mal do viver”, não suportei mais os discursos sobre o “dom da vida”, pelo contrário, os refutava. Só consegui acolher a dor como um dom para mim, quando fiz a experiência daquilo que Giussani definia como “eu sou Tu que me fazes”, ou seja, comecei a olhar para mim mesmo com os olhos do Tu, do Mistério. Via o meu eu florescer e, em torno de mim, via crescer seus frutos nas obras de caridade que enchem essa paróquia. Somente quando aquele cúmulo de entulhos, que era o meu eu, foi colocado numa unidade graças a um encontro e, depois de longos anos de paciência, comecei a rir de mim mesmo e olhar para mim com simpatia é que tudo desabrochou, como um dom imprevisto, como uma letícia que me acompanha.

Padre Aldo, você não tem medo da morte?
Espero morrer como os meus doentes: abraçado.

Mas, eu penso no depois, no que tem depois, no Além. Como você pensa nisso?
Acredito que seja uma ulterior e eterna pergunta e um ser saciados sem fim. Pedir e ser saciados, numa dinâmica contínua de desejo e satisfação. De outro modo, o Paraíso seria tedioso. Será um pedir e ser sempre abraçados de novo. Porém, sem a dor.

O que você pensa sobre o escândalo da pedofilia na Igreja?
Olha só, o fato é que eu não consigo não experimentar piedade também pelos pedófilos. Porque sei, pela minha experiência em Asunción, que frequentemente eles mesmos são filhos de violências. Porque acredito que eu também, se Deus não tivesse Sua mão sobre a minha cabeça, poderia ser capaz de grandes pecados. Quem tem plena consciência da própria miséria não sabe mais acusar, apontar o dedo e gritar pedindo o apedrejamento. Quem tem consciência da própria miséria tem piedade.

Quem é, para você, o diabo? Como ele age sobre os homens?
O Demônio é o que ensinam a Escritura e a Igreja. Porém, prefiro não falar sobre ele, não evocá-lo. É muito forte, para mim, a memória dos pesadelos e das obsessões que me perseguiram por anos. Eu peço, todos os dias, a Deus para morrer sem fazer mal a mim mesmo, aos outros e à Igreja.

Mas, você não se pergunta por que existe a dor, por que o mundo é cheio de dor?
Não acredito que algum homem possa ser santo ou atingir a sua maturidade sem a dor, sem enfrentar a sua cruz. Não tem atalho: tem que passar por ali.

Eu tenho horror da dor, desde que perdi minha irmãzinha quando ainda era uma criança. Tenho medo que meus filhos me sejam arrancados.
Pense, porém, que Deus nunca nos pede provas maiores do que aquelas que um homem é capaz de suportar, provas que aquele home não possa suportar.

Ok. Se Cristo fosse aquela Presença concreta de que você fala, isso mudaria a vida de verdade. Mas sempre tem também o fato de “não vê-Lo”.
Você diz que não vê porque não pode tocar e medir, porque você está dentro, como todos, da nossa cultura positivista. Mas, se você olha o que acontece com os nossos doentes que se convertem, em Asunción, você é obrigada a dizer que há neles uma cura autêntica. Então, se age, “existe” (é verdadeiro); se age, Cristo é verdadeiro.

O que faz bem, o que muda o homem para melhor?
Segundo penso, como minha mãe me ensinou, confessar-se frequentemente. A confissão muda e cura. E a Eucaristia muda a pessoa ontologicamente: o corpo de Cristo, em nós, nos muda.

No cotidiano, nas ações talvez banais de todos os dias, o que pode fazer bem?
O aderir à realidade. Nunca fugir dela, nunca se refugiar nos próprios pensamentos, fechar-se no próprio quarto, isolar-se. Estar diante da realidade que nos é dada, enfrentá-la. Observar muito. Para mim, fazia bem olhar para as árvores, as plantas e descrever tudo por escrito. Para sair das minhas obsessões. Estar tenazmente na realidade, que é a circunstância na qual Cristo se nos apresenta naquele momento. Quem me ensinou isso foi Giussani, e é o mesmo olhar que eu encontro em Padre Julián Carrón e em Padre Massimo Camisasca.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 29 de julho de 2010. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Cartas do P.e Aldo 20

Asunción, 13 de abril de 2009.

Caros amigos,
Suzanna é uma mulher sozinha, doente de câncer, internada na minha clínica. Vive, dia e noite, rezando. A sua vida é cheia de letícia, certa como é de que Cristo lhe quer bem. A sua história é cheia de dor. Há oito anos, um avião, quando tentava aterrissar no aeroporto de Asunción, caiu em sua casa. Balanço: seu marido e seus cinco filhos, mais 14 parentes, todos mortos no desastre.
Desde então, para Suzanna, o vazio, a solidão se abriram de um modo assustador diante de seus olhos. Devagar ela reencontrou, na fé, as certezas, aquelas certezas que, neste momento, todos precisamos, aquelas certezas que nos permitem responder como Marta, a irmã de Lázaro – o morto que já fedia –, à pergunta de Jesus: “Teu irmão não está morto, mas vive. Acreditas nisto?”. E ela: “Sim, Senhor, eu acredito”. Vê-la no leito, cheia de paz enquanto o câncer a consome, com o rosário na mão, me faz tocar com as mãos o que é a fé, a esperança e a caridade. A dor por ela nunca foi objeção a Cristo, mas o caminho para uma familiaridade com Cristo que enche de paz. Um sinal inconfundível do Mistério.
Hipólito é uma daquelas surpresas da Providência, que nunca me deixam tranquilo. Deus é imprevisto. E a realidade é a Sua manifestação. Deus rompe, rompe sempre... de tal forma que você, que O segue, rompe, rompe a todos que não entendem. E a realidade é a Sua voz, é a modalidade com a qual Ele rompe.
Domingo de Ramos. Os três irmãozinhos – um dos quais, se olhado a partir do seu peso, é um irmãozão – estão na cozinha desde as 7h15 da manhã, depois da oração, tomando um café. Depois de cinco minutos, cada um com os paramentos litúrgicos, estamos todos prontos para a procissão. Batem na porta: é a polícia. Surpreso, pergunto: “Vocês estão procurando Padre Paolino, o comediante da casa?”. “Não, padre, procuramos pelo senhor”. “O que aconteceu agora?”, pergunto. “Padre, temos um presente para o senhor no porta-malas do furgão. É um mendigo que o furacão da noite trouxe junto com o colchão. Não tem ninguém, é velho, treme de frio porque está ensopado”. Fico desconcertado e, se não fosse por aquele abraço de 20 anos atrás – de Dom Gius, de Alberto, de Massimo, de Carrón –, teria feito como todos, padres e não padres: “desculpem-me, mas tenho mais o que fazer... tenho a procissão, tenho a regra da casa, tenho um programa, sou o pároco... e quem tiver mais que dê mais”. Mas, aquele abraço de 20 anos atrás, aquelas famosas palavras – “como seria belo, Aldo, que alguém lhe fizesse companhia neste verão! ” – às quais eu respondi “mas onde, Giussani, você pode encontrar um padre, que sempre tem alguma coisa a fazer, disposto a fazer companhia a este homem abandonado por todos?”, e ele que me respondeu “muito bem! Você vem comigo”... a memória daquele abraço, daquelas palavras, me venceram de repente e eu disse aos padres: “vão vocês à procissão, celebrem a Missa e eu fico em casa com este pobre Cristo. Sim, este pobre Cristo, porque se trata de Cristo – desculpem-me se é uma blasfêmia – mais Cristo que O da liturgia”. Abracei-o e beijei-o e, depois, me ajoelhei diante dele e rezei. Não podia acreditar nos meus olhos. Abracei a Cristo, adorei a Cristo. Depois, imediatamente o alimentamos, limpamos e demos um quartinho. Hipólito se tornou uma outra pessoa. Sorriu – entendem? –, sorriu.
Já se passaram oito dias. Pois bem, aquele homem é, hoje, a pedra angular da nossa Casinha-Família para idosos abandonados, homens. Já existia a das mulheres. Hoje, nasceu a casa São Joaquim. Decorada, belíssima: como nenhuma casa onde eu tenha vivido nos meus 62 anos. Uma competição de generosidade de pessoas comovidas por Cristo fez o milagre da segunda casa para idosos. Começamos na segunda-feira com três e, depois, outros três. Seis ao todo. Nada de programado, de hipotetizado. Mas, Deus, o Mistério não programa. É o imprevisto por excelência. É um Acontecimento.
A realidade é o meu drama cotidiano, porque a realidade não apenas nunca me deixa tranquilo, estraga meus planos, mas também grita: “Ele está aqui. Não O vês?”. A realidade me torna familiar o Mistério. Muitos me dizem que sou imprevisível e difícil de conter. E o que posso responder? Tudo o que faço é indicar que não sou eu que procuro essas coisas, mas é a realidade que indica o caminho. Mas a realidade é sempre providencial. Assim, enquanto Hipólito dormia no Domingo de Ramos no horário da missa das 19h, a Providência me agradecia o gesto daquela manhã. Como? Aproxima-se de mim um grande industrial e me diz: “diga-me do que você precisa para o seu novo hospital, para a nova Casinha de Belém e eu daria a você”. Aviso, então, ao engenheiro, que lhe manda um email: “para começar a fechar as paredes da clínica, precisamos de 150 mil tijolos etc.”. No dia seguinte, os primeiros caminhões chegavam. Mas, a Providência não parou aqui. No mesmo domingo, às 22h, Padre Paolino recebe um telefonema. É o tesoureiro: “Padre Paolino, na coleta tem uma doação de 5.000 dólares dirigida a Padre Aldo... a assinatura é de um certo Enzo”. Paolino me deixa dormir, mas, no dia seguinte, a primeira coisa que faz é “olha...”. Fiquei comovido: era a mesma pessoa dos tijolos.
Amigos, “vocês acreditam nisso?”. Há vinte anos, cada dia, cada instante, para mim, esta é a única pergunta verdadeira, humana, séria e economicamente inteligente. Ah se os estudantes da Bocconi entendessem isso! Mas, o que importa? Hipólito, agora, está contente e, graças a ele, nasceu a segunda casinha para idosos e outros mendigos ficarão felizes, e outros terão trabalho. Tudo isso aconteceu no Domingo de Ramos, em cinco minutos que “desordenaram” a ordem, o programa dos três padres prontos para a procissão.
Padre Paolino, irônico como sempre, disse: “mas, para nós, a única coisa que nos interessa e da qual dependemos é do imprevisto!”, uma desordem contínua que cria uma ordem que impressiona. Mas, é a realidade que é assim. O problema é que, para nós, a ordem coincide com os nossos bons pensamentos e não com o olhar para a realidade assim... ou é como “as sentinelas de Assis” ou é impossível.
Um abraço
P.e Aldo

quarta-feira, 18 de março de 2009

Cartas do P.e Aldo 02

Asunción, 26 de fevereiro de 2009.
Caros amigos,
Patrícia era uma jovem prostituta de 19 anos. Foi encontrada nua, violentada, destruída em todos os sentidos e trazida para cá. AIDS galopante. Assustada como um pintinho perdido. Lavada, limpa, beijada, abraçada: se transforma, sorri, se torna ela mesma, ela como início de consciência de “eu sou Tu que me fazes”. A sua necessidade de amor é maior do que a fome que a levou a comer papelão.
Um dia, ela disse à psicóloga: “eu vivia me prostituindo porque, pelo menos, assim, alguém me tocava, me beijava, ficava perto de mim... e me dava um pouco de dinheiro”.
Escutava comovido aquelas palavras, porque mesmo eu seria como ela se, naquele 25 de março de 1989, não tivesse sido abraçado por Giussani e por P.e Alberto e P.e Paulino, por P.e Massimo e, agora, por Carrón.
Depois daquela conversa, eu a beijei, abracei, e lhe disse que a amo. Finalmente, um pobre homem... mas diferente dos que a usaram... porque este pobre homem é continuamente consciente de ser abraçado por um Outro, mas um outro concreto. Como nos dias transcorridos na experiência dos responsáveis da América Latina e dos meus amigos, os Zerbini (fundadores da Associação Educar para Vida e da Associação dos Trabalhadores Sem-Terra de São Paulo; ndt), Julian de la Morena, Paulinho e Daf, e este meu povo, também ele nascido daquele abraço de 20 anos atrás. Que comoção quando, nos dias passados, pude compartilhar alguns dias de férias com os Zerbini, que estavam preocupados até mesmo com a minha dieta (sou diabético), com dar-me um quarto individual sabendo da minha dificuldades para dormir... e, quando voltei para Asunción, recebi imediatamente um telefonema deles para saber como eu havia chegado, se eu estava bem etc.
Um abraço que se torna sempre maior, porque o homem tem necessidade apenas disso. Que dor, quando vejo que tão frequementemente nós, padres ou consagrados, nos tornamos como ferro enferrujado, com um olhar apagado.
Assim, domingo, Patrícia, depois de 15 dias entre nós, recebeu o Batismo, a Crisma e a Primeira Comunhão. Gostaria de lhes mandar as fotos, mas me parece que no Norte do mundo certas fotos causam mal-estar, quando recordam que a realidade grita “Ele existe”.
De qualquer forma, desde domingo, Patrícia é só Patrícia, sem nenhum adjetivo ou substantivo ao lado. Desde ontem, ela começou a sorrir. Amigos, Patrícia sabe de uma coisa: “eu sou Tu que me fazes”. Como padrinhos: P.e Aldo e uma idosa do meu asilo (Casa Família) que não tem mais memória, mas que é, de vez em quando, tão consciente... sobretudo, quando a abraço e lhe falo com afeto.
Amigos caros, 4 pessoas morreram nestes dias... mas a morte agora sorri, não está mais com raiva, porque se deu conta de que a vida é mais forte e de que a vida é Jesus.
Um abraço
P.e Aldo

P.S.: Bernard Scholtz (presidente da Companhia das Obras; ndt) esteve aqui. Disse: “para mim, foi suficiente ler o que está escrito na porta da clínica para compreender que aqui é o início do paraíso: ‘Favor fechar a porta com delicadeza, acompanhando-a, porque a porta é Cristo’”. De resto, São Paulo diz: “a realidade é o corpo de Cristo”.
Toda educação aqui é pensada de forma a desenvolver esta experiência que o “Educar é um Risco” (obra de Luigi Giussani; ndt) expressa de modo excepcional porque real.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Quem é o P.e Aldo Trento?


Para que vocês conheçam melhor o P.e Aldo, transcrevo, aqui, um texto que foi publicado na Revista Passos (n. 96, de agosto de 2008), que é o relato do testemunho dado por ele no Meeting de Rimini, do ano passado.

A minha obra? É do Senhor

Pároco no Paraguai, missionário há mais de 20 anos, padre Aldo Trento mostra, com sua história, o protagonismo que nasce da entrega da vida a um Outro.

por Roberto Fontolan

Poucos meses atrás, fui visitar padre Aldo Trento na paróquia de São Rafael, em Assunção. Conversamos em seu pequeno escritório, sendo continuamente interrompidos por uma procissão de pessoas que com gestos um pouco desajeitados e muito afetuosos entregam-lhe o primeiro salário que haviam recebido (um jovem), a pequena economia guardada debaixo do colchão (uma idosa), as moedinhas poupadas durante dias (crianças).
Fiquei impressionado com a vida da paróquia, com o povo, com os voluntários, com a quantidade e variedade das obras de caridade, da cultura e da missão: a escola, o café literário, a pizzaria, o Centro de Apoio à vida, o ambulatório, o sistema de assistência médica, a distribuição de comida e de roupa e, depois, a jóia rara da clínica para doentes terminais... Pergunto-lhe como faz para arrumar o dinheiro. Responde: é a Providência! Ao ouvir esse tipo de resposta, a gente costuma levantar metaforicamente os olhos para o céu e pensar: tá bom, a Providência, mas e depois, como fazer com as dívidas, com os programas, o fund raising, os bancos? Procurei apertá-lo a respeito desse tema. “Olha – me responde, um pouco impaciente – se à noite vou para a cama com o pensamento de que amanhã preciso pagar uma dívida e esse pensamento me afasta de Cristo, essa é uma verdadeira tentação, é o demônio tentando fazer acontecer a separação. Se a obra é minha, então é justo que fracasse, que termine; mas se a obra é do Senhor, continuará, irá para frente, pode ter certeza. Não é a Providência que sustenta a obra que eu faço, mas se serve de mim para agir no mundo”.
Assim, naquela salinha em Assunção concluí claramente que, enquanto muitos se agitam para realizar aquilo que desejam e, quando não o conseguem, revoltam-se contra Deus, outros estão certos de que não há nada de nosso na vida, pois tudo é d’Ele e não precisamos de nada mais.
Ele me conta que certo dia trouxeram à paróquia uma criança moribunda. Era por causa da fama da clínica “San Riccardo Pampuri”. Mas a clínica, bem cuidada e limpinha, tal como um hospital de Estocolmo, não tinha condição de atender crianças. “Por enquanto”, acrescentou Aldo, porque depois de alguns dias apresenta aos paroquianos a proposta de comprar o terreno ao lado, que “casualmente” estava à venda, para construir ali outro pavilhão, destinado ao atendimento de crianças com doença terminal. Inútil dizer que muitas etapas foram “queimadas” e que, por isso, a nova ala foi inaugurada muito antes do previsto. Nesse meio de tempo surgiu também a “Gruta de Belém”, onde são acolhidos órfãos e abandonados: atualmente são quinze, com idade entre dois meses e onze anos.
Programar sem programa, projetar sem projeto. É possível?

O cristianismo feliz
Padre Aldo, que tem o sobrenome de Trento e nasceu num povoado da província de Belluno (Itália), encontra-se no Paraguai há quase vinte anos, desde 1989. Foi nesse ano que Dom Luigi Giussani indiciou-lhe a missão no Paraguai. Como Mateus que apontou o dedo para si mesmo, como aparece no quadro de Caravaggio, Aldo respondeu: “Eu? Você tem certeza?”. Estava inseguro em relação a si próprio, intranqüilo. Sua história e sua alma estavam cheios de angústias. Aldo hesitou, apesar de esse ser um antigo ideal: “Não estou pronto”, “não sou digno”, “não sou capaz”. Dom Giussani disse ao padre que tinha certeza de que ele era a pessoa certa para a missão, porque, apesar de tudo, jamais questionara a própria vocação sacerdotal, e pediu ao padre Massimo Camisasca que acolhesse padre Aldo na Fraternidade missionária de São Carlos Borromeu.
Foi assim que, certo dia, ele se preparou para a viagem e quando estava no aeroporto de Linate, em Milão, acompanhado de Dom Giussani, este o saudou e lhe disse que ele devia inspirar-se nos jesuítas do século XVII e em suas Reduções. “Que idéia!”, pensou Aldo.
Assim, conforme o espetacular filme Missão difundiu no imaginário popular a história da extraordinária aventura jesuítica em terras paraguaias, padre Aldo, seguindo o conselho de Dom Giussani, de “reformular essa experiência”, tornou-se um estudioso do “cristianismo feliz” daqueles padres. A pequena editora paroquial (fazem isso também!) desenterra biografias de jesuítas e textos históricos, muitos em versão para crianças.
Um dia, fomos visitar as grandiosas ruínas de Santa Trinidad, que é a Redução que mais lhe agrada (e que durou pouquíssimo tempo, cerca de cinqüenta anos). Tocando as grandes pedras avermelhadas, admirando o gênio hidráulico dos construtores, examinando as decorações dos anjos músicos, Aldo falava dos grandes jesuítas, Ruiz de Montoya, Antonio Sepp. Essa história, a história daquele cristianismo, a história do Paraguai, tornara-se também a sua história.

A partir de um mal estar
Mas esta história não aconteceu de repente. Durante anos padre Aldo foi atormentado por um mal estar que não passava. Ele não conseguia ver no Paraguai nada mais do que o calor sufocante, a poeira de viagens intermináveis, em ônibus lotados; além da insônia, uma insônia sem fim. E aquele senso de esgotamento, aquele céu implacável, relatados por Graham Greene em O poder e a glória!
Padre Aldo não vivia sozinho, mas não conseguia combater a solidão interior que o atormentava. Até que algo mudou. Em 1999, o pároco de São Rafael, também ele italiano e pertencente à mesma Fraternidade São Carlos, precisou voltar para a Itália por razões de saúde. Agora, sim, Aldo estava sozinho, mas o trauma da responsabilidade nova e totalmente imprevista o arrancou daquela sensação de isolamento.
Padre Massimo Camisasca lembra: “Bernanos escreve que uma obra precisa afundar, e só então é que ela verdadeiramente nasce. E para padre Aldo foi assim. Quando não tinha mais ninguém ao seu lado, quando eu estava decidindo se fechava ou não a nossa missão no Paraguai, ele começou a olhar de um modo novo a sua vida, a sua missão e o povo que estava à sua volta”.
Olhar a vida com um olhar novo. “Aceitei com alegria a provação – escreve Aldo numa carta –, como um dom através do qual Deus me pedia tudo, tudo mesmo. Só permaneci em pé porque vivi aqueles momentos de joelhos diante d’Ele”.
Hoje, a “redução” São Rafael surge como uma original paróquia urbana, por causa desse aspecto de colcha de retalhos arquitetônico que, no fim, lhe dá harmonia: ao fundo nota-se o perfil de um castelo medieval, com seus merlões e torres de vigia; no jardim, as cabanas dolomíticas; na entrada, ornamentada por um gramado verde, o prédio da igreja.

Deus escolhe os ignorantes
Todas as manhãs correm no pátio duzentas crianças da escola maternal, enquanto, do outro lado, continuam os trabalhos de ampliação da capacidade da clínica. Estão em plena atividade o ambulatório (quinze mil pessoas assistidas por ano) e a distribuição de comida e roupa. Bem como a fazenda “Padre Pio”, onde se criam vacas e onde está o hospital para doentes de Aids, e a cooperativa financeira, que funciona por meio do sistema de microcrédito.
À noite, enchem-se as mesinhas da pizzaria, que dá emprego a oito pessoas e garante alguma receita. Se visitarem São Rafael numa segunda-feira, diante da barraca do Café Van Gogh vocês encontrarão padre Paolino Buscaroli (que estava no Chile e que a São Carlos enviou para Assunção), ocupado em preparar mais uma “segunda-feira literária”: conferências e debates que vão de Dante a Isabela, a Católica. E às terças e quartas-feiras pode-se ler o Observador, um encarte semanal do diário Ultima Hora, idéia do editor do jornal, que, embora às vezes manifeste alguma discordância, entende que na paróquia há algo de interessante para o Paraguai: as obras, claro, mas também o pensamento que a sustenta, um juízo útil e responsável oferecido a todos.
Dezenas de pessoas trabalham em São Rafael, centenas de voluntários estão envolvidos: o advogado organiza as contas, o empresário ajusta os canos d’água, a economista coordena o catecismo, a dona de casa dá assistência aos doentes... Mas tudo, diz sempre padre Aldo, nasce do verdadeiro pároco: o Senhor, adorado constantemente na capela do Santíssimo. Acreditem nele, mesmo quando pareça exagerar: “Eu não conto. Deus escolhe os cretinos e os ignorantes para fazer o que quer. Escolhe os pecadores. Ele veio ao mundo para trabalhar e o trabalho de Deus consiste em me perdoar e me abraçar”.
Conseguiu dizer isso também no dia 2 de junho na embaixada da Itália em Assunção, por ocasião da recepção organizada em sua honra, porque o presidente napolitano nomeou-o “Cavaleiro da Estrela da Solidariedade”, com a faculdade para carregar “as insígnias da Ordem”.