Asunción, 13 de abril de 2009.
Caros amigos,
Suzanna é uma mulher sozinha, doente de câncer, internada na minha clínica. Vive, dia e noite, rezando. A sua vida é cheia de letícia, certa como é de que Cristo lhe quer bem. A sua história é cheia de dor. Há oito anos, um avião, quando tentava aterrissar no aeroporto de Asunción, caiu em sua casa. Balanço: seu marido e seus cinco filhos, mais 14 parentes, todos mortos no desastre.
Desde então, para Suzanna, o vazio, a solidão se abriram de um modo assustador diante de seus olhos. Devagar ela reencontrou, na fé, as certezas, aquelas certezas que, neste momento, todos precisamos, aquelas certezas que nos permitem responder como Marta, a irmã de Lázaro – o morto que já fedia –, à pergunta de Jesus: “Teu irmão não está morto, mas vive. Acreditas nisto?”. E ela: “Sim, Senhor, eu acredito”. Vê-la no leito, cheia de paz enquanto o câncer a consome, com o rosário na mão, me faz tocar com as mãos o que é a fé, a esperança e a caridade. A dor por ela nunca foi objeção a Cristo, mas o caminho para uma familiaridade com Cristo que enche de paz. Um sinal inconfundível do Mistério.
Hipólito é uma daquelas surpresas da Providência, que nunca me deixam tranquilo. Deus é imprevisto. E a realidade é a Sua manifestação. Deus rompe, rompe sempre... de tal forma que você, que O segue, rompe, rompe a todos que não entendem. E a realidade é a Sua voz, é a modalidade com a qual Ele rompe.
Domingo de Ramos. Os três irmãozinhos – um dos quais, se olhado a partir do seu peso, é um irmãozão – estão na cozinha desde as 7h15 da manhã, depois da oração, tomando um café. Depois de cinco minutos, cada um com os paramentos litúrgicos, estamos todos prontos para a procissão. Batem na porta: é a polícia. Surpreso, pergunto: “Vocês estão procurando Padre Paolino, o comediante da casa?”. “Não, padre, procuramos pelo senhor”. “O que aconteceu agora?”, pergunto. “Padre, temos um presente para o senhor no porta-malas do furgão. É um mendigo que o furacão da noite trouxe junto com o colchão. Não tem ninguém, é velho, treme de frio porque está ensopado”. Fico desconcertado e, se não fosse por aquele abraço de 20 anos atrás – de Dom Gius, de Alberto, de Massimo, de Carrón –, teria feito como todos, padres e não padres: “desculpem-me, mas tenho mais o que fazer... tenho a procissão, tenho a regra da casa, tenho um programa, sou o pároco... e quem tiver mais que dê mais”. Mas, aquele abraço de 20 anos atrás, aquelas famosas palavras – “como seria belo, Aldo, que alguém lhe fizesse companhia neste verão! ” – às quais eu respondi “mas onde, Giussani, você pode encontrar um padre, que sempre tem alguma coisa a fazer, disposto a fazer companhia a este homem abandonado por todos?”, e ele que me respondeu “muito bem! Você vem comigo”... a memória daquele abraço, daquelas palavras, me venceram de repente e eu disse aos padres: “vão vocês à procissão, celebrem a Missa e eu fico em casa com este pobre Cristo. Sim, este pobre Cristo, porque se trata de Cristo – desculpem-me se é uma blasfêmia – mais Cristo que O da liturgia”. Abracei-o e beijei-o e, depois, me ajoelhei diante dele e rezei. Não podia acreditar nos meus olhos. Abracei a Cristo, adorei a Cristo. Depois, imediatamente o alimentamos, limpamos e demos um quartinho. Hipólito se tornou uma outra pessoa. Sorriu – entendem? –, sorriu.
Já se passaram oito dias. Pois bem, aquele homem é, hoje, a pedra angular da nossa Casinha-Família para idosos abandonados, homens. Já existia a das mulheres. Hoje, nasceu a casa São Joaquim. Decorada, belíssima: como nenhuma casa onde eu tenha vivido nos meus 62 anos. Uma competição de generosidade de pessoas comovidas por Cristo fez o milagre da segunda casa para idosos. Começamos na segunda-feira com três e, depois, outros três. Seis ao todo. Nada de programado, de hipotetizado. Mas, Deus, o Mistério não programa. É o imprevisto por excelência. É um Acontecimento.
A realidade é o meu drama cotidiano, porque a realidade não apenas nunca me deixa tranquilo, estraga meus planos, mas também grita: “Ele está aqui. Não O vês?”. A realidade me torna familiar o Mistério. Muitos me dizem que sou imprevisível e difícil de conter. E o que posso responder? Tudo o que faço é indicar que não sou eu que procuro essas coisas, mas é a realidade que indica o caminho. Mas a realidade é sempre providencial. Assim, enquanto Hipólito dormia no Domingo de Ramos no horário da missa das 19h, a Providência me agradecia o gesto daquela manhã. Como? Aproxima-se de mim um grande industrial e me diz: “diga-me do que você precisa para o seu novo hospital, para a nova Casinha de Belém e eu daria a você”. Aviso, então, ao engenheiro, que lhe manda um email: “para começar a fechar as paredes da clínica, precisamos de 150 mil tijolos etc.”. No dia seguinte, os primeiros caminhões chegavam. Mas, a Providência não parou aqui. No mesmo domingo, às 22h, Padre Paolino recebe um telefonema. É o tesoureiro: “Padre Paolino, na coleta tem uma doação de 5.000 dólares dirigida a Padre Aldo... a assinatura é de um certo Enzo”. Paolino me deixa dormir, mas, no dia seguinte, a primeira coisa que faz é “olha...”. Fiquei comovido: era a mesma pessoa dos tijolos.
Amigos, “vocês acreditam nisso?”. Há vinte anos, cada dia, cada instante, para mim, esta é a única pergunta verdadeira, humana, séria e economicamente inteligente. Ah se os estudantes da Bocconi entendessem isso! Mas, o que importa? Hipólito, agora, está contente e, graças a ele, nasceu a segunda casinha para idosos e outros mendigos ficarão felizes, e outros terão trabalho. Tudo isso aconteceu no Domingo de Ramos, em cinco minutos que “desordenaram” a ordem, o programa dos três padres prontos para a procissão.
Padre Paolino, irônico como sempre, disse: “mas, para nós, a única coisa que nos interessa e da qual dependemos é do imprevisto!”, uma desordem contínua que cria uma ordem que impressiona. Mas, é a realidade que é assim. O problema é que, para nós, a ordem coincide com os nossos bons pensamentos e não com o olhar para a realidade assim... ou é como “as sentinelas de Assis” ou é impossível.
Um abraço
P.e Aldo
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