Mostrando postagens com marcador Luigi Giussani. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Luigi Giussani. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Cartas do P.e Aldo 208


Asunción, 22 de outubro de 2011.

Caríssimos amigos,
A educação nunca é um “andar para trás”, eu dizia, dia desses, à nossa advogada quando, pela enésima vez, movido por um instante de desconfiança quanto a Gabriel, eu lhe disse para rasgar a carta que eu havia preparado para enviar ao juiz que me havia dado a sua guarda, solicitando que fosse entregue a uma instituição do Estado. Gabriel, quando chegou, expulso de uma instituição estatal quando tinha 8 anos, era definido como um “menino problema”. Ele mesmo, quando ousavam perguntar-lhe, quando estava bem, quem era, respondia assim: “sou um menino problema”. Abandonado quando era pequeno, cresceu sem nenhum afeto, sempre encerrado nessas instituições do Estado onde se vigiam garotos e crianças, mas não se os ama, havia se tornado violento e selvagem. Não sabia o que queria dizer ser amado e, portanto, não sabia o que é amar. O seu dia transcorria sempre do mesmo jeito: divertia-se provocando. Era até mesmo difícil conseguir fazê-lo parar um pouco para conversar com ele, porque ou fugia para o mato ou pulava no telhado de alguma casa.
Muitas vezes perdi a paciência com ele e quando – poucas vezes – conseguia pegá-lo, não lhe poupava algumas palmadas no bumbum. E ele ficava ainda mais furioso e me desafiava com os punhos cerrados, rangendo os dentes. Porém, sempre lhe quis muito bem, olhando nele a presença terna, mesmo na sua raiva, do Mistério. E ele percebia isso, até ao ponto de que, um dia, começou a dizer que se chamava Gabriel Trento. Assim, ele que não tinha identidade, reconheceu, no relacionamento comigo, a figura do pai. Foi o início de um caminho como aquele no qual Giussani me abraçou e comecei a caminhar, porque me senti filho. Assim, com Gabriel, nasceu um relacionamento novo. Mas, não no sentido de que não tenha mais me feito sair do eixo, tornando-se um cordeirinho, mas porque começou a germinar nele algo como uma pequena semente da certeza de ser querido por um Outro. Começou também a participar da missa como coroinha. E isto com as mesmas expressões de violência impressionantes, que me obrigavam, por atenção aos outros sete garotos menores que ele e que ele dominava até mesmo com o olhar, a dizer muitas vezes à advogada do meu desejo de renunciar à adoção. E foi o que aconteceu há alguns dias atrás, quando, levantando-se pela manhã, não só decidiu não ir à escola, como também passar o dia inteiro na frente da televisão, tomando posse do controle remoto. Chamaram-me para tentar convencê-lo. Nada deu certo, ainda que eu não tenha lhe poupado também algumas palmadas. Ficou, então, furioso e me enfrentou com os punhos fechados, rangendo os dentes e com os olhos vermelhos de raiva. Eu olhava para ele com dor e cheio de impotência. Foi a enésima solicitação à advogada.
Mas, dentro de mim, uma dor grande, uma batalha. Como nunca, naquele momento, me vinham à mente as palavras de Giussani e que Carrón tem recordado ultimamente: “eu sou Tu que me fazes”. Eu, mas também ele, ele que existe, ele que é. Gabriel é! e não apenas é, mas, neste momento, é feito como eu sou feito. Assim, o meu saco cheio deu lugar ao maravilhamento pelo ser, pelo seu ser. “Amei-te de amor eterno, e tive piedade do teu nada”, do meu nada e do nada de Gabriel. E ainda: “antes de te formares no ventre de tua mãe, Eu pronunciei o teu nome”, o meu nome e o de Gabriel. A minha identidade, assim como a de Gabriel, é anterior à modalidade bonita com a qual eu fui concebido pela minha mãe, e violenta com a qual Gabriel foi concebido. Esta certeza mudou a minha vida e também em Gabriel existe esta pequena semente. 
Assim, pela enésima vez, me vi dizendo à advogada: “Sara, rasgue a carta para o juiz”. “Não é um andar para trás, é a consciência cada vez mais clara em mim do ser que vibra em Gabriel e de que o seu ser, assim como o meu, é feito neste momento por um Outro”.
No dia seguinte, Gabriel me procurou, me abraçou e pediu, uma vez mais, como um cordeirinho, o meu perdão. Fico comovido porque aquela certeza que nos define, não importa qual seja a consciência que Gabriel certamente não tenha daquilo que nos une – o fato de ser e de ser querido agora –, venceu uma vez mais. É isso: educar é apenas isto. Se não fosse assim, imaginem o que seria viver 24h por dia com crianças como estas que, na mais tenra infância, conheceram apenas a violência! Seria impossível e jogaríamos a toalha. E que bonito foi quando ele, depois do seu abraço, me pediu: “posso brincar, agora, com os patins?”. Sorrindo, lhe disse que sim. No fundo, educar é experimentar na própria carne o modo com o qual Deus nos trata. Por isto, viver com estas crianças é, para mim, uma graça grande, porque elas nunca me permitem dar por óbvio o estar diante do ser e, portanto, diante do Mistério.
Padre Aldo.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Cartas do P.e Aldo 206


Assunción, 5 de outubro de 2011.

Caros amigos,
Acabei de me confessar e, finalmente, depois de uma semana muito dura, o céu voltou a ser azul. Que graça grande a confissão semanal ou até mesmo quando é mais frequente. E olhem que a confissão não tem nada que ver com a direção espiritual ou com a procura por algum conselho. O meu confessor é essencial: escuta os meus pecados, me dá a penitência, me faz dizer o Ato de Contrição e, em seguida, me dá a absolvição. Tudo em três minutos. E, no entanto, que Acontecimento, que encontro com o olhar de Jesus que, com os pecadores, nunca perdeu mais do que alguns minutos. A Zaqueu disse: “desce porque, nesta noite, vou jantar com você”. Para a adúltera: “Mulher, quem te condenou?”. “Ninguém, Senhor” “Eu também não te condeno. Vai e não peques mais”, ou seja, permanece sempre comigo. Para Mateus, “segue-me”, e ele O seguiu. Alguns minutos a mais ele dedicou à Samaritana, mas tinha as suas razões pedagógicas. O meu confessor também é assim. A essencialidade do Sacramento: reconhecer a Presença, confiar o meu nada e me sentir abraçado na minha loucura porque, como nos lembra Giussani no seu livro Ciò che abbiamo di più caro (O que temos de mais caro, sem tradução para o português; ndt), “quem comete pecado odeia a si mesmo” e esta é a loucura.
Esta foi uma semana dura, na qual Jesus me manteve próximo dEle na cruz e, em certos momentos, eu O teria deixado sozinho. É a tentação para a qual a minha liberdade responde com a confissão. Ou seja, com a prática daquilo que Péguy, que Giussani cita no seu último livro, chama: VERDADE HIGIÊNICA, de que a confissão é, na minha experiência de 22 anos de missão, o coração. Péguy fala de verdade cirúrgica que é aquela mais cômoda: cortar. E de verdade higiênica: “não procurem um milagre, mas um caminho”. Giussani me educou muito bem a viver esta esperança da verdade higiênica tanto no modo com o qual ele me educou a viver a minha afetividade, quanto no modo com o qual viver cada detalhe. Enquanto que sempre seremos inclinados à verdade cirúrgica: cortar. E assim, experimentaremos a alegria de ser homens, a alegria que nasce do fato que nada daquilo que é humano nos será estranho. É um grande desafio para a liberdade, porque a verdade higiênica exige que você inteiro entre no jogo e exige um trabalho paciente como o trabalho de um parto, para recordar o cartaz de Páscoa de 1989, que trazia a famosa frase de Mounier. Esta semana eu quis cortar tantas coisas, tantos relacionamentos, porque eu estava cansado, mas a obediência à realidade me fez ficar dentro daquilo que acontecia sem cortar nada, sem censurar nada e, no fim, graças à companhia sacramental e à confissão, me descubro, agora, mais livre, mais feliz. Pensava nisso ontem à noite, quando fui ao médico para ver como anda minha diabetes e ele também aplicou em mim uma terapia higiênica mais do que cirúrgica. E esta terapia, a higiênica, depende totalmente da minha liberdade, porém, no fim, salva tudo.
Meus amigos... mesmo que vocês se apaixonem repentinamente e queiram fugir dessa paixão ou tirá-la do meio do caminho, como muitos me escrevem, acredito que ela deva ser motivo para que vocês prestem contas gritando e pedindo ajuda. Espero que vocês leiam o que Giussani disse em Ciò che abbiamo di più caro, para que possam entender o quanto é necessário um trabalho, um caminho, porque o verdadeiro milagre é a verdade higiênica de que a confissão freqüente é o sinal de uma liberdade, verdadeiramente, comprometida com um caminho de conversão. A semana foi dura, como cada dia é duro, porque, aqui, eu sempre vivo no mesmo instante a morte e a ressurreição de Jesus. Não há intervalos!
Um abraço,
Padre Aldo

Comentário ao evangelho do dia


Nossa Senhora do Rosário

1ª Leitura - At 1,12-14
Depois que Jesus foi elevado ao céu, os apóstolos voltaram para Jerusalém, vindo do monte das Oliveiras, que fica perto de Jerusalém, a mais ou menos um quilômetro. Entraram na cidade e subiram para a sala de cima, onde costumavam ficar. Eram Pedro e João, Tiago e André, Filipe e Tomé, Bartolomeu e Mateus, Tiago, filho de Alfeu, Simão Zelota e Judas, filho de Tiago. Todos eles perseveravam na oração em comum, junto com algumas mulheres, entre as quais Maria, mãe de Jesus, e com os irmãos de Jesus.

Evangelho - Lc 1,26-38
Naquele tempo, o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia, chamada Nazaré, a uma virgem, prometida em casamento a um homem chamado José. Ele era descendente de Davi e o nome da virgem era Maria O anjo entrou onde ela estava e disse: "Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo!". Maria ficou perturbada com estas palavras e começou a pensar qual seria o significado da saudação. O anjo, então, disse-lhe: "Não tenhas medo, Maria, porque encontraste graça diante de Deus. Eis que conceberás e darás à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus. Ele será grande, será chamado Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi. Ele reinará para sempre sobre os descendentes de Jacó, e o seu reino não terá fim". Maria perguntou ao anjo: "Como acontecerá isso, se eu não conheço homem algum?". O anjo respondeu: "O Espírito virá sobre ti, e o poder do Altissimo te cobrirá com sua sombra. Por isso, o menino que vai nascer será chamado Santo, Filho de Deus. Também Isabel, tua parenta, concebeu um filho na velhice. Este já é o sexto mês daquela que era considerada estéril, porque para Deus nada é impossível". Maria, então, disse: "Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra!". E o anjo retirou-se.

Comentário feito por Luigi Giussani (1922-2005)
fundador de Comunhão e Libertação

“Maria, então, disse: ‘Eis a serva do Senhor’. [...] E o anjo retirou-se” (cf. Lc 1,38). Pensemos agora no momento em que Maria fica sozinha em casa: sozinha diante daquela coisa enorme que lhe havia sido proposta, que lhe havia sido dita. Nada a impediria de dizer: “Não escutei nada, foi uma ilusão!”. Mas não é isso que acontece. Daqui nasce [...] a energia, a força para permanecer no Senhor, para permanecer naquilo que vimos. Nós, ao contrário, diante da primeira dificuldade, criamos uma objeção, dizemos: “Não é verdade”. Maria fica sozinha, passa por todas as dificuldades, mas se mantém “firme”. Sua simplicidade está unida a uma força grandiosa e simples. O próprio Abraão tinha se lamentado; Moisés também tinha tremido: Maria, em sua solidão, está plenamente segura. Maria é uma fortaleza, grande e simples. [...] Uma simplicidade impávida (ou seja, repleta de emoção), que desafiou a vida inteira, sozinha com “aquela coisa” que lhe havia sido dita. Sozinha diante das pessoas que não creem, diante do trabalho que tem a fazer: a solidão existe, mas existe também a sua adesão ao Senhor. O que nunca deve diminuir em nós é a adesão da nossa fé: quando já não existem as emoções, quando você já não tem o vigor do início, quando não estão ali os amigos, o que deve continuar a existir é a nossa fidelidade à adesão que demos a Cristo. [...] Os três elementos que distinguem a maturidade da fé são: 1. A consciência de pertencer a um Outro (pertencer, com todo o peso que carregamos, com todos os nossos pecados, ao Corpo visível de Cristo, a Sua Igreja). 2. A energia do “sim”: a simplicidade da liberdade. Nada se transforma em objeção. Uma simplicidade que nos permite viver como homens conscientes. (Você precisa dizer “sim”, pois, com os “mas” e “porém”, jamais chegará à convicção.). 3. A fidelidade: a energia para permanecer no Senhor, em sua Igreja.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Cartas do P.e Aldo 203


Asunción, 6 de agosto de 2011.

Caros amigos,
Que graça e a Escola de Comunidade, para nós e para o mundo!
Nestas semanas pude experimentar na carne como o mundo precisa encontrar o Movimento, ou seja, a Escola de Comunidade. Carrón chama a nossa atenção justamente para a urgência de um trabalho pessoal que veja na Escola de Comunidade o centro deste trabalho. Pessoalmente, sou uma testemunha disto tanto no meu caminho de todo dia, quanto naquilo que acontece ao meu redor. A beleza desta obra que sempre mais suscita em quem a vive, em quem nela trabalha, mas também em quem a visita, faz nascer a pergunta: como é possível tudo isto? E quando respondo “é graças à catequese, ou à Escola de Comunidade que vivemos semanalmente com todas as 200 pessoas que trabalham aqui nos mais diversos âmbitos”, os que me escutam ficam cheios de curiosidade e de interesse. Assim, já há um tempo um grupo de diretores e de operários de uma multinacional, toda quarta-feira, das 8h às 9h da manhã, pontualmente, vêm até aqui para a Escola de Comunidade. Além do mais, aconteceu algo muito significativo no maior centro médico de reabilitação privado do país. O chefe deste centro assinou um contrato conosco para assistir gratuitamente os nossos pacientes e, em troca, pediu para irmos, pelo menos a cada quinze dias, fazer a Escola de Comunidade com seus dependentes e pacientes. O mundo também percebe que a Escola de Comunidade cria uma diferença no modo de viver e trabalhar.
Vale lembrar que aqui, este precioso instrumento que Giussani nos deixou deu origem a um periódico semanal que é publicado junto com o segundo jornal leigo mais vendido no Paraguai, toda quinta-feira. O bem que esse jornalzinho faz é impressionante. Por exemplo, hoje, duas jovens mães, depois de terem feito 40 km de viagem, vieram nos agradecer por aquilo que escrevemos! “Padre, estamos aqui há duas horas esperando pelo senhor para lhe agradecer e para abraçá-lo por causa daquilo que o senhor escreve nos editoriais, como por exemplo aquilo que escreveu sobre a Confissão”. E me trouxeram também um presente. Outro jovem, disse: “Padre, lendo o jornalzinho senti o desejo de ser padre, de verificar a minha vocação”.
A Escola de Comunidade nos ajuda a verificar a razoabilidade da fé no meio das vísceras do mundo, testemunhando assim que o cristianismo é o acontecer do humano. Claro que existem, toda semana, motivos para polêmica e, nesses momentos, me lembro de Giussani que dizia que Cristo polemizou com o mundo inteiro, o mesmo que Carrón continuamente nos lembra quando fala que a cultura dominante anestesia o eu.
Em suma, quero que a Escola de Comunidade não seja uma leitura espiritual ou apenas uma deixa para as nossas reflexões, mas que seja o trabalho que nos permita descobrir a razoabilidade da nossa fé vivida no impacto com o cotidiano, com o mundo.
Boas férias, na privilegiada companhia da Escola de Comunidade.
Padre Aldo

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Cartas do P.e Aldo 199

Asunción, 30 de junho de 2011.

Caros amigos,
Nestes dias, tive a graça de completar 40 anos de sacerdócio. Uma vida na qual é evidente o manifestar-se de que se realiza uma grande certeza: “Antes que te formasses no seio de tua mãe, eu pronunciei o teu nome”, “amei-te de um amor eterno, tendo piedade do teu nada”.
Por isto, desejei que todos os amigos, unidos a mim nestes dias, cantassem “cantarei eternamente a Sua Misericórdia”, porque esta experiência de Misericórdia que encontrou o seu ápice naquele abraço do Gius está na origem, não apenas do renascimento do meu eu, mas também na origem daquilo que a Infinita Misericórdia de Deus está realizando em meio a este meu povo. Agradeço a todos que, com a oração e também com a ajuda econômica em favor dos meus filhos – que crescem cada vez mais, apesar de serem vítimas de tanta violência- me acompanham.
Obrigado e boas férias... mas não se esqueçam de quem precisa até mesmo de apenas um pedaço de pão. “De que vale a vida se não for para ser dada?”, nos lembra Claudel.
E isto é a minha grande alegria... que tem como origem “eu sou Tu que me fazes”, o viver com o olhar fixo no Mistério.
Com afeto,
Padre Aldo

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Cartas do P.e Aldo 195

Asunción, 3 de junho de 2011.

Caros amigos,
É belo se surpreender sempre mais com o olhar fixo no Mistério e os pés bem plantados na realidade, não importando se devo suar as proverbiais sete camisas, porque o suor é a dramaticidade com a qual se enfrenta a vida.
De volta à casa, como acontece em toda família, a pessoa se encontra com a realidade que, no meu caso, é aquela onde a dor transborda de todos os lados: moribundos, jovens com câncer e com AIDS, velhos abandonados, meninas grávidas ou violentadas, filhos que fogem ou se opõem ao caminho educativo das Casinhas de Belém, colaboradores com tantos problemas pessoais e familiares, pessoas que com a desculpa de ajudar criam mais problemas do que soluções. Nem mesmo coloquei os pés na terra, saindo do avião, e eis o cenário. O meui coração sentiu imediatamente que Deus me pede tudo, que a realidade já é amiga e, por isso mesmo, está sempre pronta a me provocar. Não tive tempo nem mesmo para a saudade do que encontrei na Itália, porque a realidade me faz formigar de uma nostalgia muito maior, infinitamente mais bela: a nostalgia de fixar bem nos olhos do Mistério, aquele Tu que me fazes. No avião eu tinha lido a introdução dos exercícios de Carrón. Imediatamente reconheci descrito, de forma operativa, o meu eu tornado ainda mais inquieto, desejoso, saudoso de vê-Lo. Eu estava cansado, o fuso horário, as confusões... as perguntas, a súplica, a necessidade urgente de não perder de vista, um instante sequer, a alegria pascal, ou seja, a companhia dos “vivos”: Julián de la Morena, Paolino, Padre Martino do Chile e visitor da São Carlos Borromeu na América Latina.
Dor, sofrimento, suor, alegria pascal. Sim, porque a alegria pascal é uma companhia na qual é evidente, claro, luminoso, o carisma que nos foi dado. O abraço destes amigos tornou ainda mais potente para mim a pergunta pelo Infinito que trago dentro de mim.
Assim, pude, tão logo cheguei em casa e desfiz as malas de presentes para as minhas crianças, visitar os doentes, os idosos, os meus filhos mais novos, o pessoal que estava trabalhando, vendo neles, mesmo se os olhos estavam anuviados pelo cansaço, a beleza radiante do rosto de Cristo. Aquele rosto que vi, em cada dia, na Itália, em cada lugar por onde passei.
Há, de fato, em todos os lugares, uma vida que desabrocha, um surplus de vida, de vontade de viver. E é esta vontade de viver que tão logo encontrei Isabel, uma garotinha de 15 anos – e que, numa carta, se define como um “vírus” –, me coloquei de joelhos diante do Mistério, suplicando-lhe que me dê aquela paternidade necessária para comunicar a ela a alegria de ser um dom. Um fato que me obriga a estar diante dEle, se verdadeiramente amo esta filha, porque sem esta minha posição não conseguirei lhe comunicar nada, não poderei lhe mostrar que também para ela existe a possibilidade de passar da consciência de ser um “vírus” à certeza “de amei-te com um amor eterno, tendo piedade do teu nada”.
A mesma posição eu senti como necessária quando, visitando a casa onde vivem algumas garotas grávidas (uma de 12 anos está no oitavo mês) e outras que acabaram ter seus filhos, saudando-as com afeto, depois de 15 dias sem as ver, não obtive sequer um olhar delas. Uma vez mais, vi em seus rostos a raiva da vida, de todos. Senti ternura por elas, da mesma forma que o Mistério sente por mim, olhando-me continuamente, acolhendo-me, porque “antes de ser concebido no ventre de minha mãe, Ele pronunciou o meu nome, fez de mim sua propriedade, teve piedade do meu nada, amando-me de um amor eterno”. E, então, eu as saudei dizendo: “Voltarei amanhã e vamos ficar juntos”.
No dia seguinte, o milagre: uma delas, depois de três meses conosco, se aproximou e me deu um beijo. Não somente isso, mas mesmo a sua feminilidade, antes destruída, se refez. Quando ela chegou aqui, com a sua barriga maior do que ela (que tem apenas 15 anos), estava suja, desarrumada, destruída pelo crack; agora, não tem mais nem sinal daquela menina perdida. Bonita, cabelos longos bem penteados, unhas pintadas, vestida como as garotas de hoje etc. Além do mais, vive para a sua filha.
Veio-me em mente aquilo que Dom Giussani disse em “É possível viver assim?”: a moralidade é olhar no rosto a Jesus... então, tudo se torna ordenado, a pessoa se penteia de certa maneira, abotoa seus botões, tem vergonha se está com sapatos sujos e diz “perdoe-me por estar assim desarrumado”.
Hoje, chegou outra garota que está no terceiro ano do ensino médio e está no terceiro mês de gravidez. Esta noite, faremos a festa com as outras para lhe dar as boas vindas. É Jesus que chegou com uma trouxinha na barriga. Olho para ela, é pequena, magra, os olhos verdes, e sinto uma ternura infinita. Outro caso de pedofilia. Mas, tenho a certeza – porque há anos a toco com a mão – que também para ela a certeza do Cristo ressuscitado triunfará. Não existe problema, por mais violento, que não encontre em Cristo a vitória
Certamente, trata-se de uma luta e de uma dor contínuas, mas esta é a condição para estar, instante após instante, diante do Mistério. A dor é tanta (também hoje, na clínica, morreu uma jovem mãe com quatro filhos) e, às vezes, parece me arrastar, no entanto, dentro de tudo isto encontro o repetir contínuo de “eu sou Tu que me fazes”, que muda tudo, e tudo se torna motivo de letícia, porque tudo, exatamente tudo, se torna positivo, porque tudo se torna grito, reconhecimento do Ser que me faz em cada momento, e por quem bate o meu coração.
Padre Aldo

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Cartas do P.e Aldo 194

Asunción, 27 de maio de 2011.

Caros amigos,
De volta da Itália, agradeço de coração a todas as pessoas que encontrei e, particularmente, os tantos, tantíssimos testemunhos da Ressurreição de Cristo, tanto de doentes como de pessoas em outras condições difíceis. De fato, como nos lembrava Carrón, citando São Paulo, “nenhum dom de Graça nos falta mais”.
A alegria de ver pessoas mudadas, seguindo Carrón, me enche o coração de esperança e de energia. Uma vez mais se confirmou que o problema não é ir para o Paraguai, para o Brasil ou para a África, mas seguir aquela companhia na qual Deus o colocou e na qual é evidente a experiência do carisma, com o mundo do coração.
Não há condição privilegiada, é a realidade nas circunstâncias na qual Deus nos colocou e nos coloca. Eu vim para o Paraguai porque Giussani me mandou, mas não para o mal do Paraguai ou da América Latina como tantos têm.
Uma pessoa que viva aí o carisma, seguindo Carrón, não sente saudade do Paraguai. Vi coisas do outro mundo e frequentemente me perguntei: mas, quantos veem isso? Vi os sinais da vitória de Cristo em todos os lugares por onde passei e uma pessoa estaria ali sempre, olhando para esses sinais, desejando pertencer àqueles lugares. De verdade, me senti em casa, porque se a pessoa olha para onde Carrón olha, identificando-se com a sua experiência, a vida floresce, as obras se tornam a presença dos “vivos” num mundo de mortos.
Obrigado de coração, porque vi um movimento de pessoas vivas que me marcaram. E quem vive assim aí na Itália, vive aqui comigo mesmo se nunca vier me ver. E vice-versa: ninguém escapa daquilo que não existe. Agradeço também àqueles que, com seu sacrifício, continuam ajudando a Providência, para poder terminar o hospital e a escola, particularmente às crianças das escolas que visitei.
Em nome dos meus doentes e de todos, agradeço a vocês de coração. Para mim, mendigar é mendigar Cristo, mendigar o Seu amor, porque o objetivo da vida é ser dada.
Rezamos por todos vocês, caros amigos e benfeitores que nos ajudam. Obrigado.
Padre Aldo

domingo, 24 de abril de 2011

Páscoa 2011

Aleluia! Cristo ressuscitou! Feliz Páscoa!



“Mas se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e vã é também a vossa fé” (1 Cor 15,14-15). [...] A fé cristã fica de pé ou cai com a verdade do testemunho segundo o qual Cristo ressuscitou dos mortos. Se se suprimir isto, certamente que ainda se poderá recolher da tradição cristã uma série de ideias dignas de nota sobre Deus e o homem, sobre o ser do homem e o seu dever-ser (uma espécie de concepção religiosa do mundo), mas a fé cristã estará morta. Nesse caso, Jesus [...] deixará de ser o critério de medida; o critério será apenas a nossa avaliação pessoal, que escolherá do seu acervo aquilo que pareça útil. E isto significa que ficaremos abandonados a nós próprios. A nossa avaliação pessoal será a última instância. Somente se Jesus ressuscitou é que aconteceu algo de verdadeiramente novo, que muda o mundo e a situação do homem. Então Ele, Jesus, torna-Se o critério em que nos podemos fiar; porque, então, Deus manifestou-Se verdadeiramente.
Bento XVI

O acontecimento não identifica somente uma coisa que aconteceu e com a qual tudo teve início, mas é aquilo que desperta o presente, define o presente, dá conteúdo ao presente, torna possível o presente.
O que se sabe ou o que se tem converte-se em experiência se aquilo que se sabe ou se tem é algo que nos é dado agora: há uma mão que no-lo oferece agora, há um rosto que vem avançando agora, há sangue que se derrama agora, há uma ressurreição que tem lugar agora. Fora deste "agora" não existe nada!
O nosso eu não pode ser movido, comovido, ou seja, transformado, a não ser por uma contemporaneidade: um acontecimento. Cristo é algo que me acontece agora.
Então, para que aquilo que sabemos − Cristo, todo o discurso sobre Cristo – seja experiência, é necessário que seja um presente que nos provoca e percute: é um presente, como para André e para João foi um presente. O cristianismo, Cristo, é exatamente aquilo que foi para André e João quando iam atrás dEle; imaginem quando Se voltou, e como ficaram impressionados! E quando foram a Sua casa... É sempre assim até agora, até este momento!
Luigi Giussani

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Uma aula sobre o coração e a justiça dada por Tomás de Aquino e Giussani


Por Francesco Ventorino

“Existe um bem que ficaríamos contentes com possuir porque nos é caro por si mesmo e não pelas vantagens que dele possam advir?”. A questão emerge de um dos diálogos de Platão, A República. Glauco reflete sobre o bem e sobre o mal, interrogando seu mestre Sócrates. “Tenho uma grande vontade de ouvir – acrescentou – o que é justo e injusto e qual o poder que têm, por si, sobre a alma do homem”. Porque parece que os homens fazem as leis dando “nome de legítimo e justo àquilo que é estabelecido pela lei”. Seria, portanto, esta “a origem da justiça e a sua essência”?
Eis como é colocada desde as origens do pensamento ocidental a pergunta sobre o fundamento da lei humana e sobre sua justiça. Pergunta, esta, muito atual. Pietro Barcellona, que se dedicou muito a este tema e com o qual compartilhei as reflexões que deram origem ao livro La lotta tra diritto e giustizia (A luta entre o direito e a justiça – em tradução livre –, cujo original foi publicado pela Marietti, em 2008, sem tradução para o português; ndt), já tinha, há um tempo, colocado o dedo sobre esta ferida. “Nunca, como na atual fase, se ouviu tanto a prepotente necessidade de afirmar que existem direitos do homem que os Estados e os poderes constituídos não podem violar nem sacrificar, e todavia nada permite mais que se atribua forma e realidade a estes direitos. [...] A falta de todo fundamento metafísico e de toda legitimidade transcendente torna a ordem jurídica contingente e artificial, privada de qualquer referência a uma ordem natural que, de alguma forma, reconduza à harmonia do cosmo. Toda ordem é, por sua natureza, arbitrária, sem justificação nem medida. Definitivamente consumida a ideia de contar com algumas verdades eternas e imutáveis, com alguma razão universal, não sobra outra coisa senão se confiar à frágil contingência dos acordos contratuais e dos pactos sociais, com os quais os indivíduos decidem fixar um limite aos seus ilimitados desejos” (Il declino dello Stato. Riflessioni di fine secolo sulla crisi del progetto moderno – O declínio do Estado: reflexões de fim de século sobre a crise do projeto moderno – publicado pela Dedalo, em  1998).
Tal postura mental gera todo tipo de mentira, visto que o pensamento não adere mais à verdade da realidade e as palavras são distorcidas, sustentam um projeto sobre a sociedade que não tem outro ponto de referência diferente do poder mesmo.
“Uma questão fundamental que se coloca para o sistema democrático – escreveu Bento XVI quando era ainda o cardeal Ratzinger – é se a vontade de uma maioria verdadeira e legitimamente pode tudo. É possível que ela torne legítima todas as coisas, vinculando todos, ou a razão se encontra acima da maioria, de forma que nunca seria possível se tornar realmente um direito aquilo que fosse contra a razão?” (Chiesa, ecumenismo e politica – Igreja, ecumenismo e política – publicado pela Paoline, em 1987).
No famoso diálogo que teve, em Mônaco, em 2004, com Jürgen Habermas, o mesmo Ratzinger evidenciou a urgência de uma nova fundação da ética e do direito na sociedade contemporânea: “A tarefa de colocar o poder sob o controle do direito remete, consequentemente, à questão de como nasce o direito e de como deve ser o direito para que seja instrumento da justiça e não do privilégio daqueles que detêm o poder de legislar” (Ragione e Fede in dialogo – Razão e Fé em diálogo – publicado pela Marsilio, em 2005).
Como nasce, portanto, o direito? Entre as respostas a esta pergunta, aquela dada por Tomás de Aquino não deve ser desvalorizada. Na sua Suma Teológica, ele colocou na razão do homem a medida e o critério da bondade do seu agir: “O bem humano consiste no ser conforme à razão, e o mal no ser contrário à razão” (I-II, q. 18, a. 5, c.).
É possível que se tenha a impressão de que uma assertiva do gênero prefigure aquela autonomia da razão que está na base da doutrina moral kantiana, mas se trata, na realidade, de toda uma outra perspectiva. Kant tem razão quando afirma que o princípio da moralidade reside na razão. Mas, para o Aquinate, a razão não é entendida como emancipada de todo vínculo e, portanto, como instância absoluta e independente, mas como faculdade dada ao homem para conhecer aquilo que é, e, nessa medida, participe da luz intelectual de Deus. É, portanto, num sentido bastante particular que a razão humana funda, em Tomás, a moralidade do agir do homem: funda-a na medida em que colhe, com os próprios recursos naturais, aquela lei eterna que é a ordem e a medida que a razão divina dá a todas as coisas: “Ora, é em virtude da lei eterna, que é a razão divina, que a razão humana é a regra da vontade humana, pela qual se lhe mede a bondade. E por isso, diz a Escritura (Sl 4, 6 e 7): ‘Muitos dizem: quem nos patenteará os bens? Gravado está, Senhor, sobre nós o lume do teu rosto’, quase dizendo: a luz da razão, existente em nós, pode nos mostrar o bem e regular a vontade, na medida em que é a luz do teu rosto” (I-II, q. 19, a. 4, c.).
Tudo isso pressupõe uma confiança na razão humana, como imagem da razão divina. A razão é a exigência profunda e a capacidade de verdade e de felicidade que há no coração do homem e o critério com o qual medir os mios necessários para a sua realização.
As leis humanas podem se dizer justas, portanto, “na medida em que se uniformizam à reta razão” (I-II, q. 93, a. 3, c.). Quando elas se desviam da razão, então não têm mais a natureza de lei, mas muito mais de violência.
Agostinho, no IV livro do De civitate Dei, já havia colocada uma pergunta inquietante: “Uma vez que se tenha renunciado à justiça, o que serão os Estados senão uma grande confusão de criminosos?” (Remota itaque iustitia, quid sunt regna nisi magna latrocinia?). Não é verdadeiro, no fim das contas, que os criminosos mesmos formam pequenos Estados?  Homens comandados por um chefe e mantidos juntos por um pacto comum, partilham um roubo segundo uma lei tácita. Se este mal se alarga a um número maior de celerados, se se espalha por toda uma região, conquista cidades e subjuga povos, então assumirá mais abertamente o nome de reino: não tanto pela renúncia à maldade, mas pela tranqüila impunidade. Esta foi a resposta franca que um pirata deu a Alexandre o Grande. Parecer-lhe-ia justo, perguntou o Macedônio, infestar os mares? Por que ele continuava a causar danos? E o pirata, com temerária ousadia, respondeu: “Pelo mesmo motivo pelo qual tu infestas a terra; mas, visto que eu o faço com um barco insignificante, chamam-me malfeitor, e visto que tu o fazes com uma frota potente, chamam-te imperador”.
A lei humana é, por isso, opus rationis: merece ser reconhecida e observada na medida em que expressa uma aproximação progressiva da razão do legislador àquela ordem natural que tem seu fundamento último na razão divina. É este caminho de aproximação que explica a diversidade de opiniões entre os homens acerca de tudo aquilo que não é “justo” – ou seja, iuxta rationem – com evidência imediata.
Padre Luigi Giussani teve a inteligência para dizer isso com palavras existencialmente mais compreensíveis e eficazes. N’O senso religioso (publicado em italiano sob o título I senso religioso, pela editora Rizzoli, em 1997; ndt) conduz o leitor através de uma apaixonante análise introspectiva, que ele chama “experiência original” ou “experiência elementar”, para descobrir o que é o “coração”. Ele é como que “um complexo de exigências e de evidências com o qual o homem é lançado no confronto com tudo o que existe”. Estas exigências que emergem como evidentes para a consciência do homem, quando ele começa a enfrentar a realidade e, consequentemente, a refletir sobre si mesmo, reconduzem à ratio tomista. De fato, a razão para Tomás de Aquino – como vimos – é a exigência e a capacidade de verdade e de bem que há dentro do coração de cada homem.
A modernidade da abordagem de Giussani, que confia tudo a uma evidência interior, enquanto busca encontrar crédito no seu interlocutor, não lhe impede de sublinhar que para a nossa experiência elementar é também evidente que este “critério original”, mesmo sendo “imanente a nós”, não somos nós que no-lo damos, mas nos é “dado” junto com a nossa natureza: uma mãe esquimó, uma mãe da Terra do Fogo, uma mãe japonesa, dão à luz seres humanos que são reconhecíveis como tais, tanto por conotações exteriores como pela “marca interior”. Este critério original se revela, portanto, requintadamente pessoal e, ao mesmo tempo, universal.
A negação sistemática deste fundamento universal da verdade e da justiça expõe o homem ao totalitarismo nas suas várias formas jurídicas ou políticas. Hannah Arendt escreveu: “o chamado ideal do regime totalitário não é o nazista convicto ou o comunista convicto, mas o indivíduo para o qual a distinção entre realidade e ficção, entre verdadeiro e falso não existe mais” (Le origini del totalitarismo – As origens do totalitarismo – publicando na Itália pela Einaudi, em 2004; ndt). Mas a aceitação de um fundamento metajurídico do direito positivo está ligada àquela capacidade própria da razão humana de encontrar o verdadeiro e o bom nas coisas. Poucos, hoje, parecem dispostos a subscrever isso. Uma vez mais devemos dizer: é tarefa dos cristãos recordar ao homem a sua grandeza.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 14 de abril de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

sábado, 9 de abril de 2011

O Mistério presente, a vitória sobre o mal

Sobre a tragédia de Realengo

A tsunami do Japão deixou-nos todos sem palavras. Diante de algo tão misterioso, não é possível dizer coisa alguma. Por mais que pareça um absurdo, porém, ainda poderíamos sentir um certo alívio dizendo que a força da natureza na história sempre se faz ouvir e se impõe. 
Quando um jovem de 23 anos entra numa escola e dispara desesperadamente matando 12 crianças, isso, talvez, seja pior que a tsunami. Faz você gritar de raiva. Deixa você horrorizado. Não há nenhum significado, a não ser o mal.
Para quem tem fé é um Mistério. O que quer dizer realmente que estamos diante de um Mistério? É Mistério, como é Mistério o fato de que Deus tenha se tornado homem, tenha morrido e ressuscitado.
O fato da Ressurreição, para nós – cristãos católicos praticantes ou simplesmente simpatizantes, agnósticos e ateus – é algo tão clichê que se tornou um dado do passado ou um conto mitológico. É muito difícil que seja o critério para julgar e olhar tudo hoje, no mundo de hoje, que seja um fato capaz de mudar o modo de despertarmos de manhã, o nosso modo de trabalhar, o nosso modo de olhar aquilo que acontece, seja belo ou trágico. Tudo isso é muito difícil para nós, modernos. Por outro lado nós, que somos modernos, temos uma vantagem: somos, agora, os que mais têm necessidade dEle diante de tudo aquilo que nos deixa atônitos e sem palavras neste mundo sem Deus. Nós somos aqueles que têm mais necessidade de Deus, de um Deus que morreu e ressuscitou e necessita de mim. Não de um Deus distante, que não teria necessidade de sofrer e morrer pelo homem, mas de um Deus amigo que tem compaixão pelo meu nada, me faz existir e se faz companhia para mim.
Diante do ocorrido na escola de Realengo, queremos nos identificar com duas testemunhas que nos dizem que é possível viver com um significado, com a certeza da presença de Deus feito homem, agora, não no além, sem censurar ou esquecer nada. Estas palavras são a experiência de dois homens para quem queremos olhar, e queremos implorar que possamos aprender a olhar as coisas como eles, pedindo que a certeza de uma Presença amiga que existe agora se torne nossa também.
“Mas se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e vã é também a vossa fé” (1Cor 15,14-15). [...] A fé cristã fica de pé ou cai com a verdade do testemunho segundo o qual Cristo ressuscitou dos mortos. Se se suprimir isto, certamente que ainda se poderá recolher da tradição cristã uma série de ideias dignas de nota sobre Deus e o homem, sobre o ser do homem e o seu dever-ser (uma espécie de concepção religiosa do mundo), mas a fé cristã estará morta. Nesse caso, Jesus [...] deixará de ser o critério de medida; o critério será apenas a nossa avaliação pessoal, que escolherá do seu acervo aquilo que pareça útil. E isto significa que nós ficaremos abandonados a nós próprios. A nossa avaliação pessoal será a última instância. Somente se Jesus ressuscitou é que aconteceu algo de verdadeiramente novo, que muda o mundo e a situação do homem. Então Ele, Jesus, torna-Se o critério em que nos podemos fiar; porque, então, Deus manifestou-Se verdadeiramente.
Bento XVI
O acontecimento não identifica somente uma coisa que aconteceu e com a qual tudo teve início, mas é aquilo que desperta o presente, define o presente, dá conteúdo ao presente, torna possível o presente.
O que se sabe ou o que se tem converte-se em experiência, se aquilo que se sabe ou se tem é algo que nos é dado agora: há uma mão que no-lo oferece agora, há um rosto que vem avançando agora, há sangue que se derrama agora, há uma ressurreição que tem lugar agora. Fora deste “agora” não existe nada!
O nosso eu não pode ser movido, comovido, ou seja, transformado, a não ser por uma contemporaneidade: um acontecimento. Cristo é algo que me acontece agora.
Então, para que aquilo que sabemos – Cristo, todo o discurso sobre Cristo – seja experiência, é necessário que seja um presente que nos provoca e percute: é um presente, como para André e para João foi um presente. O cristianismo, Cristo, é exatamente aquilo que foi para André e João quando iam atrás dEle; imaginem quando Se voltou, e como ficaram impressionados! E quando foram a Sua casa... É sempre assim até agora, até este momento!
Luigi Giussani
Por isso rezamos pelas vítimas e pelas famílias que perderam seus amados filhos, unindo-nos em oração ao nosso Arcebispo Dom Orani e a toda a Igreja do Rio de Janeiro.

Comunhão e Libertação - Rio de Janeiro

Cartas do P.e Aldo 187

Asunción, 8 de abril de 2011.

Caros amigos,
“Deus ama mais a nossa liberdade do que a nossa salvação”, nos dizia Dom Giussani. Nestes dias, não apenas Paolino e eu, mas todos experimentamos o que significa esta provocação que desmascara a nossa possessividade, a nossa pretensão sobre os outros, talvez até com a sutil desculpa de que seja pelo bem deles. Anna Maria é uma garota muito bonita de quinze anos, e tenho sua adoção judicial... no domingo à noite, ela fugiu da “Casinha de Belém” com Marta, de dezessete anos, a mãe da pequena Lúcia, a menina que morreu alguns meses atrás na nossa clínica. Imaginem o que significou para mim e para Paolino em particular. Pensem no que vocês experimentariam se uma filha fugisse de casa. A dor foi grande, porém cheia de uma liberdade desconhecida antes, aquela liberdade que é uma total entrega ao Mistério e que se torna oração. Nós a procuramos, mas nada...
Às três da madrugada, Marta retornou e foi acolhida com alegria pela “mãe adotiva”, mas não tínhamos ainda nenhuma notícia de Anna Maria. No dia seguinte, segunda-feira, avisamos a polícia e o juiz responsável pelo caso, que emitiu uma ordem de captura.
Foram dias, horas sem fim, cheios de preocupação e também de uma certa raiva, devida aos mil porquês e pretensões que trazíamos dentro do coração. É o humano em todas as suas dimensões que, porém, não cessa de ser grito, oração, súplica. A impotência é total. A primeira noite, para mim, foi um pesadelo, mas as confiança na Providência era total. Na total impotência, eu sentia que o meu amor devia prestar contas com a liberdade de Anna Maria. Mas, que desafio! Que dureza! Amar a liberdade dos próprios filhos mais do que sua salvação... se você não for tomado pelo Mistério, isso não é possível; se o seu eu não é um “eu sou Tu que me fazes”, não é nem mesmo hipotetizável uma posição assim. Mas, graças a Nossa Senhora, para mim, esta certeza é dura como uma pedra, de forma que vence sempre. E, hoje, quarta-feira, a bela notícia: Marcelo, seu professor, a viu numa rua. Imediatamente, sai para buscá-la. Quando cheguei, agarrou-se, literalmente, à minha pobre pessoa e eu a levei para casa, para a nossa casa. Eu a olhava e acariciava. Estava muito bonita no seu cansaço. Somente algumas palavras, com as quais eu perguntei se alguém lhe havia feito mal. Depois, dei-lhe um chocolate, como Giussani fez comigo naquele dia, rezamos uma Ave Maria. Chamei Paolino, que a abraçou com uma grande ternura. Em seguida, chamamos Diana, a mãe adotiva, da “Casinha de Belém” número 2, para que a levasse para um banho e para dormir, deixando para o dia seguinte todo o resto. A psicólogo a esperava com as perguntas de sempre, mas Paolino, brigando, disse: “os psicólogos somos nós, por isso, vamos fazer festa e, agora, ela deve dar uma boa dormida”. Quando demos boa noite, perguntamos: “você está feliz de voltar?”. E ela: “sim, Padre”.
Ela andou, caminhou por três dias... mas, quando já estava cansada, resolveu voltar para casa. A liberdade de Deus e a sua liberdade venceram nossos medos, nossas pretensões, nossa posse. Ainda uma vez aquele “eu sou Tu que me fazes”, que aos poucos entra até no fundo dos ossos dos meus filhos, triunfou. Dias muito duros, mas hoje, ver o triunfo da liberdade é, de fato, comovente, porque Anna Maria voltou, está salva. E somente quem ama a liberdade se alegra, porque vê também a salvação dos seus filhos.
Certo, amigos, não é fácil... porque, todos os dias, o Senhor me pede tudo neste oásis de dor... e, às vezes, parece que não darei conta... e, frequentemente, a pessoa pode experimentar aquele sentimento que faz dizer “mas, Senhor, o que queres de mim?”. Mas, no mesmo instante, aquele Tu que domina tudo vence.
Todos os momentos são uma batalha como aquela de Jacó com o Anjo... e é bonito que seja assim, porque é a vida que o exige, porém é necessário que a minha liberdade, no fim, se renda sempre à evidência do Mistério que me quer Seu.
Obrigado, amigos, porque quando rezam por mim e por meus filhos, vocês contribuiram para a volta da nossa Marta e de Anna Maria.
Amigos, desafiem e deixem-se sempre desafiar pela liberdade dos filhos de vocês.
Padre Aldo

domingo, 27 de março de 2011

Cartas do P.e Aldo 183

Asunción, 27 de março de 2011.

De volta ao Paraguai, vindo da Itália e de Portugal, onde estive movido apenas por aquilo que São Paulo disse – “Caritas Cristo urget nos” – e pelo amor aos meus Jesus que sofrem, tive uma surpresa comovida que confirma aquilo que Jesus disse: “As prostitutas vos precederão no reino dos céus”, ou “se não vos tornares como crianças não entrareis no reino dos céus”.
Adolfina, uma mulher de 60 anos, mãe de 7 filhos e que viveu na rua catando latinhas de refrigerante etc., está consciente de que morrerá em breve. Nunca teve um marido. A sua longa internação entre nós foi muito feliz: se alegrava com tudo, comovia-se por poder tomar o café da manhã, o almoço, o lanche, o jantar... Coisas que nunca soube o que eram, já que sempre viveu na rua. Agora, com a serenidade de uma criança nos braços de sua mãe, está se preparando para morrer.
Por isso, quis redigir um testamento dizendo para quem deixava tudo aquilo que possui.
Diz o testamento: “Deixo meu barracão [porém, fique claro que, para nós, é algo de muito pior] ao meu filho mais novo; o dinheirinho conseguido no trabalho de bordado que fiz enquanto estive na clínica [deve ser pouco mais de 60 reais] será dividido: uma parte para o meu filho mais novo, outra para os meus amigos de doença e outra parte quero deixar para o Santíssimo Sacramento, o diretor geral da Clínica. E, finalmente, o único animal doméstico que tenho – um ganso – deixo ao Padre Aldo, porque no dia 25 de março será a Festa da Anunciação e será inaugurada a finalização dos trabalhos estruturais da clínica, de forma que ele possa fazer a festa em honra da Divina Providência com todos os amigos”.
Não apenas fiquei comovido até às lágrimas, mas também pensei em todos os meus milhares de amigos, famílias, crianças, jovens que, com tanta dificuldade, conseguem viver e que permitiram este milagre da nova clínica, e também naqueles que, vítimas do terrível e odioso poder do dinheiro (para quem pedi a colaboração), são insensíveis a Cristo que sofre e morre. Mas, não falo de gente estranha, falo de cristãos, ou seja, de pessoas que, pelo menos nominalmente, pertencem a Cristo, a quem me permiti – somente por Cristo e não por mim, que “nasci nu e morrerei nu” – pedir uma ajuda para que a longa fila que espera para morrer aqui diminuísse.
Por isso, esta pobre mulher que viveu na rua me deixou tudo o que tinha, deixou para Cristo: um ganso. Amigos, que tapa na minha cara, que tapa na cara de cada um! Faz-nos pensar na oferta da viúva. Graças a tantos que, com sua simplicidade e seu afeto, me sustentam junto com Padre Paolino, numa obra que eu, absolutamente, não quis, mas que floresceu como uma flor a partir daquele abraço de Giussani, no dia 25 de março, festa da Anunciação, na Rua Martinengo. Também o presente de Adolfina, o ganso, é fruto daquela ternura.
Com afeto
Padre Aldo

quinta-feira, 24 de março de 2011

Cartas do P.e Aldo 182





Asunción, 21 de março de 2011.

Caríssimos amigos,
ei-la, olhem para ela, é Mariana, nascida no dia 15 de março daquela minha filha, que ainda é uma criança de 15 anos. Um mês se passou desde que a Providência abriu e inaugurou aquela nova obra de misericórdia, para acolher as meninas, as adolescentes violentadas e grávidas. Mariana é o primeiro fruto desta misericórdia que atua continuamente. Ela, como eu, não é o fruto dos seus antecedentes, mas daquele “Tu que me fazes”. Estou, estamos comovidos por ver como Deus tem piedade da órfã, da viúva, do estrangeiro, como diz a Sagrada Escritura. Olhando para elas, não posso não ficar comovido por ver como tantas mães tão jovens foram salvas pela ternura de Deus que venceu a brutalidade, o cinismo de quem queria que elas abortassem.
Cristo vence sempre e, por isto, vence a vida. O primeiro problema não é a batalha pela vida, mas o anúncio de Cristo, para que você se apaixone por Cristo. Mesmo para vocês, que estavam preocupados justamente com a lei que se discute no parlamento, obedientes às indicações dos bispos, é assim: nunca se esqueçam de que o verdadeiro problema está apenas na nossa paixão por Cristo. Somos chamados, como São Paulo, a anunciar “apertis verbis” Cristo, porque o mundo tem necessidade apenas disso. Eu experimentei isso falando, em Bolonha, para a Confindustria. Também eles voltaram para casa tocados por terem escutado um asno que conhece tão pouco de teologia, mas que foi tomado por Cristo.
Mariana nasceu porque sua mãe encontrou alguém que a olha como Jesus olhou para Zaqueu e para a mulher adúltera ou para a samaritana.
Ver a alegria de Padre Paolino porque Mariana nasceu, quando eu estava na Itália, é mesmo comovente, porque vejo que tenho um amigo capaz de amor, capaz de olhar como Giussani me olhou, como Carrón nos olha, como Marcos, Cleuza e tantos outros nos olham.
Rezem para que Mariana seja feliz.
Com afeto,
Padre Aldo

terça-feira, 22 de março de 2011

Cartas do P.e Aldo 181

Asunción, 19 de março de 2011.

Caros amigos,
estes dias têm sido, para mim, uma graça particular. Estive na Itália para encontrar os amigos que estão ajudando a Providência Divina a concluir os trabalhos da nova clínica para que, no dia 25 de março, possamos celebrar, com uma Santa Missa, o fim dos trabalhos de construção. Gostaria de ter me encontrado com alguns de vocês que nos acompanham, mas a impossibilidade se fez oração em Fátima, aonde tive a alegria e a graça de ir. Nunca havia estado ali e, finalmente, Nossa Senhora me quis consigo.
Foi bonito ver como, também na Itália, está acontecendo aquilo que estamos vivendo na América Latina, entre aqueles que seguem e olham concretamente para a experiência de fé que Julián Carrón vive. Foi como me encontrar com Giussani vivo, vibrante, apaixonado pelo homem, exatamente como, no dia 25 de março de 1989, ele me abraçou assim como eu estava reduzido. Verdadeiramente, olhar para onde Carrón olha é poder dizer em cada instante: “Tu, meu Cristo”.
Tive a graça de participar fisicamente da Escola de Comunidade no dia 9 de março, no Sacro Cuore. Foi uma experiência inesquecível ver como ele nos faz trabalhar, escutar aqueles testemunhos, naquela noite, frutos verdadeiros de uma experiência, daquele trabalho que ele nos provoca a fazer. Tivemos uma graça única, que não apenas elimina toda distância entre nós, seja física ou geográfica, mas nos enche de letícia, aquela letícia que transpiram dos meus doentes terminais antes de morrerem ou dos meus filhinhos. Sim, porque também eles dependem de como eu sigo Carrón, de como eu vivo o carisma, de como Cristo é contemporâneo.
Vi, na Itália, um monte de pessoas se encontrando, estando juntas não mais definidas pelo perímetro geográfico, mas por pessoas e lugares nos quais Cristo é claramente visível, nos quais o coração encontra aquela objetiva correspondência de que tem necessidade. Experimentei na carne o que significa que os jovens ainda têm aquele coração que tinham quanto parti, há 22 anos. Experimentei na carne que mais do que de emergência educativa, temos que falar de emergência educadores, ou seja, de homens adultos em cujos rostos brilhe a luminosidade do destino. Encontrei-me com crianças, adolescentes, jovens e me senti submerso por perguntas, as mesmas de 22 anos atrás, de 38 anos atrás. Encontrei operários, jovens empresários e os empresários da Confindustria de Bolonha. A maioria não apenas não era de CL, como também freqüentemente nem mesmo era católica, como é o caso de Gabrielle Nissin, o amigo judeu que escreveu o livro La bontà insensata (A bondade insensata; ndt), e em todos eu encontrei uma fome e uma sede de Cristo expressas de formas muito diferentes umas das outras. No encontro com os jovens empresários da Confindustria de Bolonha e no jornalista da RAI3 que fazia as perguntas, o preconceito do início se tornou, no fim, surpresa, alegria, amizade. Dei-me conta de que somente se estamos apaixonados por Cristo, somente se seguimos Carrón com inteligência e afeto, fazendo experiência de Cristo, nos tornamos fascinantes e interessantes para todos. Encontrei homens cansados das mediações, reativos aos discursos, ou pessoas que tinham medo de dizer Cristo, de mostrar que pertencem e desejosos de ver, de encontrar homens que, com a vida e com as palavras, falam daquilo que vivem, ou seja, homens com a certeza da fé, com o olhar fixo sobre aquele “Tu” que domina tudo.
Até mesmo os especialistas das mentes humanas que encontrei se rendem diante desta evidência, reconhecendo que a psicologia não é capaz de responder ao coração do eu, mas apenas aquele “Tu que me fazes”. 
Obrigado, e que a Quaresma seja, de verdade, um tempo de descoberta de que a misericórdia é o amor na sua origem.
Padre Aldo

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

A atualidade de Padre Giussani


Por Giorgio Chiosso

Às crescentes dúvidas de que o chamado “pensamento débil” seja capaz de suportar os desafios das mudanças que estão em curso, opõem-se, cada vez mais numerosos, aqueles que pensam que contra os processos descontrutivos, frutos da racionalidade niilista, seja necessário opor o chamado de atenção à virtude e ao bem-comum, resultado do exercício racional capaz de comparar-se com a realidade.
O campo da educação pode ser assumido como caso paradigmático da urgência de uma mudança de rumo. Muitos jovens crescem no liberalismo e quase na anarquia moral, muitos mestres ruins vivem encerrados no narcisismo cotidiano, muitas palavras desapareceram – ou quase – do vocabulário educativo cotidiano, como é o caso de empenho, rigor, exemplo, mestre, interioridade, bem, autoridade. E, pelo contrário, pais, professores, educadores pedem ajuda e multiplicam os esforços para responder à necessidade educativa cada vez mais difundida e premente.
A releitura do Educar é um risco e das muitas páginas ricas de profundidade pedagógica que se encontram nas obras de Luigi Giussani fornecem importantes contribuições, úteis para repropor algumas reflexões significativas acerca da cultura educativa cristã do século passado, na esteira de Maritain e Guardini, de Ricoeur e Ratzinger.
O fundamento da proposta pedagógica giussaniana está na concepção “plena” da educação: um evento que envolve a pessoa na sua globalidade feita de inteligência, afetividade, comunhão com os outros, abertura ao transcendente e uma experiência realizada entre pessoas vivas e não apenas confiadas a “especialistas” (formadores, instrutores, operadores, terapeutas etc.) que, sempre mais, se preocupam com o outro como uma pessoa a ser “plasmada” ou a ser “cuidada” e não que deva crescer na sua liberdade. Contra todo reducionismo antropológico, Giussani adverte que o homem não é um simples produto da natureza ou da sociedade.
Para que a educação seja “plena” é preciso que ela seja livre. A introdução à “realidade total” (como Giussani define a educação) se realiza, de fato, através do mostrar-se apto, com o inevitável “risco” aí implicado, porque a aptidão do humano envolve e, às vezes, perturba todas as nossas fibras. Mas é somente através deste mostrar-se em toda a sua aptidão que se conquista a dignidade de pessoas livres e capazes de querer.
Contra a absurda ideia da liberdade que encontra a si mesma na ruptura de todo vínculo, no vazio das infinitas possibilidades do Nada, Giussani nos fala, ao invés, de uma liberdade que, para crescer, precisa de “alguém” e de “algo”, ou seja, de um testemunho pessoal e de uma história para ser vivida. A educação se realiza quando se manifesta “o desejo de reviver a experiência da pessoa que se encarregou de você”, não para se tornar como “aquela pessoa na sua concretude cheia de limites”, mas “como aquela pessoa por aquilo que amou em você”. Dito de outra forma, e sempre com as palavras de Giussani, “educar é propor uma resposta”.
Ninguém se “faz por si mesmo”. Hoje, somos pobres de educação, porque são escassos os adultos capazes de testemunhar e de amar, de acompanhar e sustentar, adultos credíveis que não digam “faça assim”, mas “faça comigo”, adultos dispostos a empreender o caminho com filhos e alunos, com paciência e esperança, duas palavras “pedagógicas” por excelência. A vida tem as suas lentidões e o homem liberta-se, lentamente, dos seus impulsos e da sua natural espontaneidade. Sem a esperança, cede-se ao absurdo: tudo se destrói porque nada pode ser alcançado.
Para quem pensa melhorar as escolas aumentando os testes e para quem se ilude de vencer a solidão dos jovens com “balcões de psicologia”, Giussani responde que a educação é algo de muito mais profundo: é o encontro entre pessoas verdadeiras que amam, aspiram ao belo, sofrem e se alegram, estão abertas ao Mistério. Nisto está a atualidade do seu ensinamento: a educação como experiência viva, não uma técnica.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 22 de fevereiro de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

Dom Gius, ora pro nobis

Luigi Giussani

* 15/10/1922    + 22/2/2005






Veni Sancte Spiritus
Veni per Mariam

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

“Bom caminho”


Saudação de Padre Giussani por ocasião do início da Escola de Comunidade sobre O senso religioso, dos estudantes de CL na Universidade Católica do Sacro Cuore. Milão, 8 de outubro de 1998

Fico muito grato a vocês de poder discutir acerca do volume que contém as minhas ideias, expostas em tantos anos de aulas, primeiro numa escola e sobretudo na universidade. Em cada ano, eu dizia: “Eu não quero forçar ninguém a se convencer, mas não quero que alguém renegue aquilo que eu digo se não tiver, pelo menos, lido as razões que eu digo”.
Permito-me pedir a vocês que me leiam com a intenção sincera e imediata de compartilhar com todos os jovens a dificuldade que têm de entender o valor da religião nascida de Jesus, filho de Maria, judeu de Nazaré.
Não é possível entender, senão verificando as ideias e os valores na própria experiência. Esta experiência pode consistir também no choque ou no sentimento particular que se surpreende em si mesmos, ou na história de um povo ou do mundo.
A experiência diz coisas que demonstram a sua verdade. Aquilo que eu digo a vocês foi-me inteiramente ditado por algo que eu estudei, desejei, repugnei, mas finalmente amei com paixão.
Para mim, é a experiência que ensina todo o valor de ideias e de coisas, permanecendo no tempo, persuasiva ou duvidosamente. Também grandes pintores, músicos e poetas demonstram continuar retomando o tema inspirado por uma “beleza” encontrada.
Nesta ocasião que vocês me deram, eu desejo a vocês uma sinceridade, uma franqueza em tudo e um amor à verdade que seja também compartilhado.
A minha vida conheceu a letícia nestas condições.

Finalmente, quero repetir-lhe aquilo que Santa Catarina, analfabeta, que é o maior gênio feminino italiano, dizia ao último Papa de Avignon: “Se fordes aquilo que deveis ser, colocareis fogo em toda a Itália. Não vos contenteis com pequenas coisas: Ele, Deus, as quer grandes”.

Bom caminho.
Padre Giussani

* Texto disponível na Tracce n. 10, novembro de 1998. Extraído do site de CL. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Por que pais e professores têm medo de que um jovem diga “eu”?


Por Carlo Wolfsgruber

Desenvolverei as minhas reflexões colocando e comentando três perguntas.

1. Somos capazes, nós adultos, de educar, ou mais exatamente de gerar outros adultos, isto é, homens que se interessem verdadeiramente pela realidade?
Adulto, de fato, é aquele que é interessado – até ao ponto de se sentir interpelado – por tudo aquilo que existe; não como uma criança que tende a se interessar somente por aquilo que responde às suas necessidades imediatas. É este o desafio, talvez o mais dramático, diante do qual nos encontramos cada vez que entramos em uma sala de aula. Se não o aceitássemos, culpando, como tantas vezes fazemos, a maldade dos tempos ou a presumida degradaão das gerações, entregaremos os jovens ao niilismo dominante (mais prático do que teórico, mas também teórico), aquele que, enquanto está tendido a usar ansiosamente o real, lhe nega o seu valor de sinal. Esvazia-o daquilo que, como mãe, o real carrega em suas vísceras: o ser. Non horruisti Virginis uterum (Te Deum).
Todos nós sabemos muito bem que, no relacionamento com o real, a experiência do ser implica a experiência de uma irredutível positividade do real mesmo: o real é positivo na medida em que existe, antes de qualquer juízo sobre o como. Quando não é assim, a realidade causa medo, porque é um continente ignoto, para além das Colunas de Hércules da nossa medida, para além das possibilidades de uso imediato que poderíamos ter. E é exatamente este medo que, normalmente, é mascarado pela apatia – que sempre é violência – carregada de distração (evagatio mentis que Tomás identifica como uma das características – a primeira de todas é a desperatio – da acídia) que caracteriza tantos de nossos jovens e não tão jovens.
Cortes, Magellano, Cristovão Colombo: a positividade do real, como posição cultural, permitiu a eles a viagem rumo ao ignoto, até ao ponto de queimar os navios atrás de si. Vale a pena “encarregar-se” do novo.
Pelo contrário, “Antes / da viagem estamos tranquilos mas suspeitamos que / o sábio não se mova e que o prazer / de retonar custe um despropósito. / Depois, partimos e tudo fica OK e tudo / e tudo é para o melhor e inútil” (Montale).
Somente se aceitarmos o desafio educativo, somente assim nos daremos conta de que o nosso melhor aliado é o eu do jovem; e este é um teste sem erros. O homem é aquele nível da natureza no qual a natureza diz “eu” e o poder – inimigo do homem –, qualquer poder, tem medo exatamente deste “eu”. Tantos pais e tantos docentes, infelizmente, compartilham o medo de que o jovem diga “eu”; e quanto mais falam, tanto mais têm medo e não sabem o que fazer: o que já sabem não basta, é preciso a psicologia. Quanto tempo será preciso para que se deem conta?
É este “eu” que é reconhecido, interpelado e desafiado a partir da sua razão. Que é exigência de nexos, ou seja, de significados, porque o significado de algo é dado pelo sua relação com todos os fatores que se relacionam com ela e pela sua funcionalidade em relação a estes mesmos fatores.
Assim, a razão do homem – erguida por aquela curiosidade que se exprime na pergunta “por quê?” – irridutivelmente busca o significado, sem se contentar com respostas parciais, provisórias.
Verdadeiramente, a razão humana na sua simplicidade original é profecia da atração vencedora (a delectatio victrix) do Verdadeiro e do Uno!
O primeiro dever de um professor – que queira ser educador, não antes, não depois, não ao lado do seu ensino – é, antes de tudo, aquele de ser homem, isto é, de não dar por óbvio o ponto focal da própria humanidade: o seu sujeito mesmo, entender o que ele é e ter uma consciência dele continuamente renovada.
Somente assim ele poderá reconhecer e desafiar o eu do jovem no percurso de autoconsciência, que ainda é o objetivo último da escola – lugar educativo. Não competências e habilidades (que, no entanto, não devem ser desvalorizadas), mas autoconsciência.
É a velha disputa entre Platão e Isócrates (ferozmente contestado também por Aristóteles) sobre a natureza e o valor da paideia: se ela é a busca pelo verdadeiro (ou seja, a autoconsciência) – abstrata e inútil, sustentava Isócrates – ou então se é a competência e a habilidade, muito mais concretas e úteis (embora – como acontece – não adequadas a todos). Parece que a escola de Isócrates era muito mais frequentada do que a de Platão... 

2. Mas, pode um homem ajudar outro homem senão por algo que já existe em si?
É no fenômeno do conhecimento que o homem se dá conta, enquanto faz a experiência disso, da própria razão, da própria afeição e da própria liberdade. O conhecimento é sempre a descoberta de “algo” real e novo, é aquela tomada de posse – consciência – de que fala o Salmo 8; por sua natureza, ela não para, abre-se ao conhecimento de outro; e, em cada passo – cada um ligado ao outro –, sofro aquele contragolpe afetivo no qual tomo cada vez mais consciência do meu ser na realidade – não existe separação entre eu e a realidade –, da minha necessidade de ser (não me faço por mim mesmo), da minha tarefa na realidade diante do ser.
Para que esta palingenesi – novo início – aconteça na escola, na experiência dos jovens e do docente, é preciso que o objeto do conhecimento proposto ao jovem não seja, em última instância, a disciplina, mas a realidade. No entanto, tal dinâmica cognoscitiva acontece toda através da disciplina; é preciso, então, que o docente tenha uma profunda consciência do nexo que passa entre a própria disciplina e a realidade e experiência consciente do que seja o entusiasmo pela realidade total, sem o qual a paixão pelo particular e pela própria matéria assemelha muitíssimo a uma fixação.
O professor entre em sala de aula certamente rico do seu saber – se não soubesse, porque não estuda o que deveria ensinar, arruinaria o objetivo pelo qual entra naquela sala de aula –, mas oferece o próprio saber aos seus estudantes, sobretudo para que aquele saber tome vida em si, alimentando assim nos outros – quase sem se dar conta, por osmose – o studium (valha-me o longo estudo e o grande amor: hendíadis) de uma particularidade do real, não fim em si mesmo (ou seja, em última instância, ao amor próprio de quem sabe), mas porque naquela particularidade se reflete a positividade e a beleza do ser, ou seja, da realidade total.
A lição – de entrada ou não necessariamente –, a verificação, particularmente o tema que se tornou assim um diálogo rico de perguntas: aqui tem início o verdadeiro envolvimento intelectual e afetivo entre docente e alunos.
Estou falando não tanto e não apenas das perguntas que os alunos fazem (mesmo que não esteja desvalorizando sua importância), mas é o professor que sabe como e quando fazer as perguntas, aquelas típicas de quem, na ação que realiza, é livre do particular, porque respira no horizonte mais vasto do significado: do que se trata? O que estamos fazendo? O que sabemos sobre este ponto? O que não sabemos? Por que o enfrentamos? Quais resultados esperamos?
Não se trata de perguntas genéricas – “o que é a liberdade” – que deixam o jovem à mercê do que sente – a este propósito, seria preciso ler os ensaios de Flannery O’Connor –, e tampouco de perguntas de mentira, perguntas retóricas e inquisitoriais, mas perguntas que são oferecidas à consciência e à liberdade do outro para ajudá-lo a entrever a resposta na própria experiência. Começa assim a se constituir um sujeito autônomo e crítico e este é o caminho da chamada re-invenção guiada (H. Freudenthal).
Desse modo, salvamos a nós mesmos mais facilmente, mais do que da vulgaridade de um certo “concreto” (recusa – que começa com o “dar por óbvio” – de um ideal maior do que a somatória das nossas reações, dos nossos pareceres, dos nossos projetos, dos nossos papéis e também dos nossos estudos); salvamo-nos também do perigo de não comunicar aos nossos alunos a alegria de conhecer que é sempre também a alegira do estar juntos (Rigotti).

3. É possível ensinar introduzindo os alunos ao conhecimento de algo sem aninhar em si uma espera pelo novo?
“Conhece-se apenas por acontecimento” (Finkielkraut). Conhecer começa apenas lá onde o homem se encontra diante de um novo, de algo real, não construído por si, outro de si.
Fazendo nossa esta afirmação, nos colocamos em oposição a Petrarca – o verdadeiro “pai” da mentalidade moderna – que, numa carta ao monge beneditino Pierre Bersuire, escreveu: “A quem é especialista em algo nada acontece de novo [por isso] nada acontece de assustador” (Familiares 22). Fazendo nossa esta afirmação damos, porém, razão à nossa experiência, na qual se faz transparente que “é uma irrupção do novo aquilo que rompe as engrenagens [a prisão do já sabido, das definições já dadas], que coloca em movimento o processo” (Finkielkraut) de conhecimento.
De outro lado, o homem que está percorrendo um caminho cognoscitivo sabe muito bem que “há algo de novo hoje no sol, ainda que antigo” (Pascoli): a verdadeira novidade, mesmo sendo imprevista, porque imprevisível, sempre responde a uma espera – não a uma imagem – que, há tempo, se aninha na alma.
Por isso, a resposta a esta terceira pergunta é sim, se a pessoa reduz a sua tarefa àquela de um divulgador, que se limita – e quer se limitar – à descrião e à classificação.
Existe uma grande diferença entre o professor como pesquisador do Verdadeiro (e do Uno) e o professor como aquele que “parte o pão da ciência” com seus estudantes.
Não é possível dar o mesmo peso a Lavoisier, a Proust e a Dalton: todos foram, de algum modo, fundadores da Química (fazendo com que ela desse o salto da alquimia para a sua característica moderna), mas Dalton não se limitou a observar e a descrever a realidade, empenhou-se até ao ponto de formular uma hipótese sobre os motivos das Leis Fundamentais Ponderais: arriscou a hipótese atômica (antes dele, apenas filósofos e poetas haviam falado de átomos), permitindo-nos descobrir, assim, aspectos e dimensões da realidade que se escondem, imediatamente, à nossa observação e que, porém, explicam aquilo que observamos.
Repetindo aquilo que já se sabe, induz-se inevitavelmente no estudante a consciência de uma falta, de um vazio que deve ser preenchido, de uma ausência. Exatamente sobre esta ausência se insere o “poder” de quem deveria educar. Mais do que autonomia, mais do que criticidade: o reconhecimento da dignidade do jovem, mesmo que repetido com discurso, permanece distante da postura real do educador.
Mas, para dar crédito à razão e à liberdade do outro, quanta paciência é preciso! É preciso aquela paciência de quem não se esquece de como fez para entender aquilo que sabe, de quem repercorreu várias vezes a história da própria disciplina, mas depois – mais profundamente – de quem tem um sentimento de consanguinidade para com seus alunos; temos o mesmo sangue azul, participamos do mesmo ser, nós e as pessoas que temos diante de nós e esta consciência pode maniferstar-se em nós como incansável busca e incansável adesão à sua categorialidade.
“O ensino, seja lá qual for o ponto de vista a partir do qual o observamos, é sempre uma comparação entre nós e  o infinito [o ser de quem estamos falando]: comparação com o infinito na medida em quem constitutivo do nosso eu; comparação com o infinito na medida em que constitutivo da emergência efêmera e contingente do fenômeno que é sinal; comparação com o infinito na presença da liberdade do outro” (Padre Giussani).
Isto é simplesmente impossível ao homem solitário, a quem não se concebe originalmente em relação.
Termino com um voto a vocês e a mim. O momento mais bonito do ensino acontece quando aquilo que já sei me é dado outra vez por alguém presente; não como definição memorizada, mas como algo que vive, como uma vida em ato. É o momento no qual faz-se experiência de um aspecto do coincidir consigo mesmo (liberdade): somente assim se “arrisca” mudar. E, por isso, o mister do professor é o mais bonito do mundo.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 19 de fevereiro de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Carta do P.e Carrón

Milão, 31 de janeiro de 2011.

Queridos amigos,
imagino a comoção e o entusiasmo com que cada um de vocês – como sucedeu comigo – acolheu o anúncio da Beatificação de João Paulo II, fixada por Bento XVI para o próximo dia 1° de maio, festa da Divina Misericórdia. E também nós, com o Papa, exclamámos: "Estamos felizes!" (Angelus de 16 de janeiro de 2011).
Unimo-nos à alegria de toda a Igreja no agradecimento a Deus pelo bem que foi a sua pessoa, com o seu testemunho e a sua paixão missionária. Qual de nós não recebeu tanto da sua vida? Quantos reencontraram a alegria de ser cristãos, vendo a sua paixão por Cristo, o tipo de humanidade que nascia da sua fé, o seu entusiasmo contagiante! Nele reconhecemos imediatamente um homem – com um temperamento e um modo investidos pela fé – em cujos discursos e gestos se evidenciava o método escolhido por Deus para Se comunicar: um encontro humano que torna a fé fascinante e persuasiva.
Todos nós estamos bem cientes da importância do seu pontificado para a vida da Igreja e da humanidade. Num momento particularmente difícil de novo propôs diante de todos, com uma audácia que só pode ter Deus como origem, o que significa ser cristão hoje, oferecendo a todos as razões da fé e promovendo incansavelmente as sementes de renovação do corpo eclesial postas em prática pelo Concílio Vaticano II, sem ceder a nenhuma das interpretações parciais que pretendiam reduzir o seu alcance num sentido ou  em outro. O seu contributo para a paz no mundo e para a convivência entre os homens mostra a que ponto é decisiva para o bem comum uma fé integralmente vivida em todas as suas dimensões.
Sabemos como, desde o início do pontificado, eram estreitos os laços de João Paulo II, Padre Giussani e CL, fundados numa consonância do olhar de fé a toda a realidade, na paixão por Cristo “centro do cosmos e da história” (Redemptor hominis). Ele nos ofereceu um ensinamento precioso para compreender e aprofundar o nosso carisma nas diversas e múltiplas ocasiões em que falou a todos os movimentos, por ele designados como “primavera do Espírito”, na medida em que na Igreja a dimensão carismática é “coessencial” à institucional. Dirigiu-se também diretamente a nós várias vezes, até às comovedoras cartas endereçadas a Padre Giussani nos últimos anos de suas vidas, unidas também pela provação da doença.
No discurso pelo trigésimo aniversário do movimento, em 1984, disse-nos: “Jesus, o Cristo, Aquele no qual tudo é feito e consiste, é, pois, o princípio interpretativo do homem e da sua história. Afirmar humildemente, mas também com tenacidade, Cristo princípio e motivo inspirador do viver e do agir, da consciência e da ação, significa aderir a Ele, para tornar adequadamente presente a Sua vitória no mundo. Agir para que o conteúdo da fé se torne inteligência e pedagogia da vida é tarefa cotidiana do crente, que deve ser realizada em todas as situações e ambientes nos quais somos chamados a viver. Está nisto a riqueza da vossa participação na vida eclesial: um método de educação à fé, a fim de que incida na vida do homem e da história. [...] A experiência cristã compreendida e vivida desse modo gera uma presença que põe em todas as circunstâncias humanas a Igreja como lugar onde o acontecimento de Cristo [...] vive como horizonte pleno de verdade para o homem. Nós cremos em Cristo, morto e ressuscitado, em Cristo presente aqui e agora, o único que pode mudar e muda, transfigurando-os, o homem e o mundo” (Roma, 29 de setembro de 1984). São palavras de uma atualidade impressionante!
Com uma paternidade surpreendente e única, João Paulo II abraçou a nossa jovem história reconhecendo canonicamente a Fraternidade de Comunhão e Libertação, os Memores Domini, a Fraternidade Sacerdotal dos Missionários de São Carlos Borromeu, as Irmãs da Caridade da Assunção, como frutos diversos nascidos do carisma de Padre Giussani para o bem de toda a Igreja. O próprio Papa nos fez compreender a dimensão de tal gesto: “Quando um movimento é reconhecido pela Igreja, este se torna instrumento privilegiado para uma pessoal e sempre renovada adesão ao mistério de Cristo” (Castelgandolfo, 12 de setembro de 1985).
Por isso, se alguém tem uma enorme dívida de reconhecimento com João Paulo II, somos precisamente nós.
E não podemos encontrar um meio mais adequado de mostrar este nosso reconhecimento a não ser continuando a seguir a sua exortação cheia de autoridade: “Não permitais jamais que na vossa participação se aloje o verme do costume, da ‘rotina’, da velhice! Renovai continuamente a descoberta do carisma que vos fascinou e ele vos levará de forma mais potente a vos tornardes servidores daquela única potestade que é Cristo Senhor! (Castelgandolfo, 12 de setembro de 1985).
Por estas razões participaremos todos do encontro do próximo dia 1° de maio. Portanto, os Exercícios Espirituais da Fraternidade, que tínhamos programado de 29 de abril a 1° de maio, terminarão na noite de sábado, 30 de abril, de maneira que, com todos os outros amigos do Movimento – os colegiais, os universitários e os adultos não presentes em Rímini – dirijamo-nos em peregrinação a Roma para nos unirmos ao Papa e à Igreja no agradecimento a Deus, que nos concedeu uma tão autêntica testemunha de Cristo.
Desejamos estar junto de Bento XVI, que na sua clarividência decidiu indicar ao mundo inteiro o beato João Paulo II como exemplo do que pode fazer Cristo de um homem que se deixa tomar por Ele.
Pedindo a Padre Giussani e ao novo beato João Paulo II que, do Céu acompanhem, a nossa fidelidade a Pedro – amparo seguro para a nossa vida de fé −, e a Nossa Senhora que realize em cada um de nós o desejo de santidade para a qual existe a nossa Fraternidade, saúdo-vos de todo o coração.
Padre Julián Carrón

* Texto revisado por Paulo R. A. Pacheco.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Cartas do P.e Aldo 170





Asunción, 2 de dezembro de 2010.

“E agora, eis o que diz o Senhor, aquele que te criou, Jacó, e te formou, Israel: Nada temas, pois eu te resgato, eu te chamo pelo nome, és meu. Se tiveres de atravessar a água, estarei contigo. E os rios não te submergirão; se caminhares pelo fogo, não te queimarás, e a chama não te consumirá. Pois eu sou o Senhor, teu Deus, o Santo de Israel, teu salvador. (...) Porque és precioso a meus olhos, porque eu te aprecio e te amo. Fica, tranqüilo, pois estou contigo” (Is 43, 1-5).

Como não chorar de comoção lendo estas palavra de Isaías? É Deus que fala a mim e a você e aos meus filhinhos, mais bonitos do que o sol e as estrelas, e do que as minhas Dolomitas.
Olhem os meus dois filhos que, aproveitando da ausência momentânea da enfermeira, conseguiram juntar suas duas camas... e vejam como “brincam” entre si.
Eles são gravemente deficientes, e no entanto entre eles há uma linguagem, uma comunicação que nasce da evidência que, para eles, aquilo que Isaías disse é uma experiência
Assim como é uma experiência para o meu pequeno Victor que não pode ficar sem Mário e Aldo. Parece um bonequinho de cera, todo machucado, e porém é Jesus sobre a cruz que, há dois anos, geme e sofre pelos meus e pelos pecados de vocês.
Viver aquilo que Giussani disse quando falava do sacrifício (o primeiro ponto, item “c” da Escola de Comunidade: “quando o sacrifício se torna um valor para a vida do homem”) e olhar estes meus filhinhos, me faz perceber, cada dia mais, a graça, o valor objetivo, o dom que é o “monstro”, o “repugnante” (são as palavras que Giussani usa) sacrifício, dor, que somente na cruz de Jesus, onde as minhas crianças estão pregadas, encontra o seu único e verdadeiro significado.
Ciao
Padre Aldo