Mostrando postagens com marcador Filippo Santoro. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Filippo Santoro. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Uma defesa positiva da natureza humana

Por Dom Filippo Santoro
Bispo de Petrópolis - RJ

Toco um tema de grande relevância na sociedade e na Igreja nesses dias, que é a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a união de pessoas do mesmo sexo. A nossa fé dá um juízo também sobre este fato. Retomo a nota que saiu da última Assembleia Geral da CNBB que afirma:
“A diferença sexual é originária e não mero produto de uma opção cultural. O matrimônio natural entre o homem e a mulher bem como a família monogâmica constituem um princípio fundamental do Direito Natural. (...) A família é o âmbito adequado para a plena realização humana, o desenvolvimento das diversas gerações e constitui o maior bem das pessoas”. Esses são os pontos de referência para um juízo correto sobre a questão atualmente debatida. Continua a nota da CNBB: “As pessoas que sentem atração sexual exclusiva ou predominante pelo mesmo sexo são merecedoras de respeito e consideração. Repudiamos todo tipo de discriminação e de violência . (...) [Porém] equiparar as uniões entre pessoas do mesmo sexo à família descaracteriza a sua identidade e ameaça a estabilidade da mesma”.
Uma coisa é o respeito, a não discriminação, outra coisa é a riqueza da vida familiar, da identidade sexual que dá origem ao matrimônio, que dá origem à família. A família segundo o plano de Deus que tem o direito de ser protegida pelo Estado. “É atribuição do Congresso Nacional propor e votar leis, cabendo ao governo garanti-las. Preocupa-nos ver os poderes constituídos ultrapassarem os limites de sua competência, como aconteceu com a recente decisão do Supremo Tribunal Federal. [Isso] compromete a ética na política”, que uma decisão do Supremo Tribunal se substitua àquele que é o trabalho do Legislativo, do Congresso legitimamente eleito pelo povo.
Mas aquilo que nos interessa neste momento é o juízo dado sobre essa decisão do Supremo. A motivação usada pelos juízes nesse caso – daqueles que sustentam a união estável e a reconheceram equiparando-a a uma entidade familiar – é que nós vivemos em uma sociedade fragmentada. Existem tantos fragmentos, e um desses fragmentos é a Igreja Católica. O Supremo Tribunal decide quando um fragmento quer prevalecer sobre o outro e intervém para colocar ordem. O Supremo Tribunal tem a presunção de representar o uso da razão quando os direitos de um fragmento são invadidos pelo outro ou não são respeitados. Onze pessoas representam a razão num clima de fragmentação total, de confusão do eu; e aí que domina o poder. Não pode ser um grupo de pessoas que decide o que é justo e o que não é justo quando se trata de definir o que é segundo a razão. E se não é um grupo de pessoas quem é? É somente algo que está na natureza humana, que a razão reconhece, e que se chama lei natural. Existe uma lei natural que junta todos os fragmentos, todas as pessoas.
A fé católica, escuta a voz da razão, e nós somos os primeiros a defender esse laço que une todos os fragmentos da sociedade que sem um fundamento comum seriam incomunicáveis. Diz São Tomás de Aquino: “A lei natural não é outra coisa que a luz da inteligência infundida por Deus em nós. Graças a ela conhecemos o que se deve cumprir e o que se deve evitar. Esta luz e esta lei Deus a concedeu na criação”, (Collationes in decem praeceptis, 1); cit. in: João Paulo II, Veritatis Splendor, 40. Que a sociedade seja fragmentada é um fato, mas que não haja um fundamento comum é toda uma outra questão. Se não tivesse comunicação entre um fragmento e outro não poderia existir encontro entre as pessoas, não poderia existir comunicação, não poderia existir diálogo. O fundamento comum, que é a lei natural, deve ser reconhecido e respeitado. Nesse caso em que 11 pessoas têm todo poder de decidir o que é justo e segundo a razão se manifesta uma prevaricação do poder. Nenhuma lei humana pode-se substituir às leis não escritas que se encontram na natureza humana, como já dizia Sófocles na Antígona. E São Paulo afirma: “A lei está escrita em seus corações” (Rom 2, 15). A nossa posição é a defesa da racionalidade, é a defesa da unidade, é a defesa da natureza.
A partir do encontro com o Senhor, nós temos uma experiência humana diferente. Ele transforma a nossa vida. E nós damos este juízo não como uma posição contra uma outra, não acanhados porque atacados ou reivindicando espaços para a Igreja. Não é isso. É por uma experiência positiva, que não tem medo dos necessários sacrifícios, iluminada pelo encontro com o Senhor que podemos afirmar e defender a natureza humana. E somos agradecidos porque Ele abre os nossos olhos. Por isso, a nossa batalha não é uma batalha de defesa, uma batalha de pessoas colocadas no escanteio. Podemos perder – Jesus morreu na Cruz –, mas o importante é afirmar a verdade da experiência humana, aquilo que torna o humano grande e vibrante, que torna o humano extraordinário, porque capaz de infinito.
Nós fazemos uma batalha positiva, que nos permite encontrar qualquer pessoa, ter contato com qualquer um, porque dialogamos com a humanidade das pessoas, não de uma forma reduzida, mas com uma atenção profunda. Como fizeram os apóstolos e os primeiros cristãos. Naquele tempo estas coisas, no mundo da Grécia, eram aceitas, mas não era a forma humana mais digna. São Paulo em Corinto não está diante de uma sociedade patriarcal, mas pretensamente liberal e manifesta um outro ponto de vista radicalmente diferente. Pensemos como eram tratadas as mulheres, sem falar dos escravos. O Cristianismo revolucionou tudo isso. E nós através do testemunho de uma beleza extraordinária encontrada, podemos comunicar como é positivo para todos defender o bem da família, defender o bem da vida, a partir não de uma teoria, mas da experiência. Por isso, agradeçamos ao Senhor porque nos fez encontrar Aquele que é a fonte da nossa humanidade verdadeira, Aquele do qual a nossa alma tem sede, que o nosso coração deseja, e que não ficou distante e que nos encontrou e nos iluminou sobre a verdadeira consistência da nossa humanidade. E este é um bem para todos; é um aspecto da boa nova que ilumina a vida de qualquer pessoa. O eunuco e o apóstolo são abraçados pela mesma misericórdia, que indica um novo rumo para a vida e para as relações entre as pessoas.

* Extraído do site da CNBB, do dia 27 de maio de 2011.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

O abraço de Cristo, maior que as feridas

Por Dom Filippo Santoro

O momento presente, marcado pela acirrada discussão sobre a pedofilia, é uma grande ocasião de purificação e de conversão da Igreja, para poder comunicar a todos, com transparência, o abraço da justiça e da misericórdia de Deus , que é a razão pela qual ela existe.
O papa Bento XVI na Carta aos católicos na Irlanda, com grande humildade e coragem, afirma que: “para se recuperar desta dolorosa ferida, a Igreja na Irlanda deve em primeiro lugar reconhecer diante do Senhor e diante dos outros, os graves pecados cometidos contra jovens indefesos. Esta consciência, acompanhada de sincera dor pelo dano causado às vítimas e às suas famílias, deve levar a um esforço concentrado para garantir a proteção dos jovens em relação a semelhantes crimes no futuro” (n. 1).
E aos sacerdotes e religiosos que abusaram dos jovens diz: “deveis responder diante de Deus onipotente, assim como diante de tribunais devidamente constituídos” (n. 7). Por isso, indica-se uma perspectiva que, com toda clareza, submete estes crimes, no futuro, ao juízo dos tribunais eclesiásticos e civis. “Ao mesmo tempo, a justiça de Deus exige que prestemos contas das nossas ações sem nada esconder. Reconhecei abertamente a vossa culpa, submetei-vos às exigências da justiça, mas não desespereis da misericórdia de Deus” (n. 7).
E aos bispos acrescenta que “estabelecessem a verdade de quanto aconteceu no passado, tomassem todas as medidas adequadas para evitar que se repita no futuro, garantissem que os princípios de justiça sejam plenamente respeitados e, sobretudo, curassem as vítimas e quantos são atingidos por estes crimes horríveis” (n. 5).
“Deve-se admitir que foram cometidos graves erros de juízo e que se verificaram faltas de governo. Tudo isto minou seriamente a vossa credibilidade e eficiência. Aprecio os esforços que fizestes para remediar os erros do passado e para garantir que não se repitam. Além de pôr plenamente em prática as normas do direito canônico ao enfrentar os casos de abuso de jovens, continuai a cooperar com as autoridades civis no âmbito da sua competência. Só uma ação decidida, levada em frente com total honestidade e transparência, poderá restabelecer o respeito” (n. 11).
Algo mais claro que isso não poderia ser dito e a natureza emblemática desta carta se aplica não apenas à Irlanda como às outras nações no mundo onde estes crimes foram cometidos, manifestando o firme propósito de punir com rigor os culpados e de não esconder absolutamente nada.
Mas, com tudo isso, a onda midiática não se declara satisfeita, porque o seu objetivo é abater a autoridade moral do Papa e da Igreja. A culpa de alguns membros, uma pequena minoria, tiraria a autoridade de toda uma instituição que, atualmente, é a única que lembra, sem equívocos, a voz da consciência e a defesa total da vida e da dignidade das pessoas? Quer-se atingir a Igreja enquanto tal, na sua capacidade de falar aos homens e às mulheres de nosso tempo. É claro que os mesmos que acusam são aqueles que pregam qualquer liberdade e justificam tudo em matéria de sexo.
Essa é a tentativa de eliminação da consciência do bem e do mal deixando tudo ao arbítrio do homem e do poder. E, no fundo, trata-se da eliminação de Deus, não de um deus construído pelo sentimento e pelas opiniões - esta divindade é largamente acolhida pela mentalidade dominante -, mas de um Deus que é diferente de nós: o Altíssimo que quis se manifestar na nossa história como companheiro e salvador.
Ele já nos doou tudo, nos libertou. Não compactuou com o pecado, mas o perdoou por meio de um amor muito maior. O que não se tolera, em certa mentalidade dominante, é a Presença de um amor total, que incide e que transforma a vida e que lembra a todos o valor objetivo da consciência moral.
A partir de pecados detestáveis de alguns membros da Igreja, a partir de faltas morais, se quer destruir a origem da moral que é a presença do infinito no coração do homem, que a Igreja prega e testemunha por meio do dom generoso e total de muitos filhos seus, sacerdotes e religiosos. Chega-se a associar celibato e pedofilia, quando muitas sérias pesquisas científicas demonstraram que não tem que ver uma coisa com a outra, e que a maioria destes delitos acontece em família. Assim, se quer atingir todos os padres e negar a possibilidade de uma doação integral, isto é virgem, para Cristo e para o bem dos irmãos e irmãs.
Mas esta tentativa violenta de desmoralizar a Igreja não pode tirar a presença objetiva do bem maior que existe na História: o abraço de Cristo à humanidade ferida. A onda midiática e os gravíssimos erros não podem vencer o bem mais precioso que a Igreja tem e comunica: a esperança e a vitória da ressurreição. Esta é a fonte da qual partir novamente com humildade, transparência e rigor no serviço ao mundo de hoje.
Dom Filippo Santoro
Bispo de Petrópolis

* Extraído do site da Agência Zenit, e revisado por Paulo R. A. Pacheco.