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domingo, 1 de abril de 2012

Comentário ao Evangelho do dia - Semana Santa


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Domingo de Ramos da Paixão do Senhor

Evangelho - Procissão - Mc 11,1-10
Quando se aproximaram de Jerusalém, na altura de Betfagé e de Betânia, junto ao monte das Oliveiras, Jesus enviou dois discípulos, dizendo: "Ide até o povoado que está em frente, e logo que ali entrardes, encontrareis amarrado um jumentinho que nunca foi montado. Desamarrai-o e trazei-o aqui! Se alguém disser: 'Por que fazeis isso?', dizei: 'O Senhor precisa dele, mas logo o mandará de volta'." Eles foram e encontraram um jumentinho amarrado junto de uma porta, do lado de fora, na rua, e o desamarraram. Alguns dos que estavam ali disseram: "O que estais fazendo, desamarrando este jumentinho?". Os discípulos responderam como Jesus havia dito, e eles permitiram. Trouxeram então o jumentinho a Jesus, colocaram sobre ele seus mantos, e Jesus montou. Muitos estenderam seus mantos pelo caminho, outros espalharam ramos que haviam apanhado nos campos. Os que iam na frente e os que vinham atrás gritavam: "Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor! Bendito seja o reino que vem, o reino de nosso pai Davi! Hosana no mais alto dos céus!".

1ª Leitura - Is 50,4-7
O Senhor Deus deu-me língua adestrada, para que eu saiba dizer palavras de conforto à pessoa abatida; Ele me desperta cada manhã e me excita o ouvido, para prestar atenção como um discípulo. O Senhor abriu-me os ouvidos;  não lhe resisti nem voltei atrás. Ofereci as costas para me baterem e as faces para me arrancarem a barba; não desviei o rosto de bofetões e cusparadas. Mas o Senhor Deus é meu Auxiliador, por isso não me deixei abater o ânimo, conservei o rosto impassível como pedra, porque sei que não sairei humilhado.

Salmo - Sl 21
R. Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?

Riem de mim todos aqueles que me veem,*
torcem os lábios e sacodem a cabeça:
"Ao Senhor se confiou, Ele o liberte*
e agora o salve, se é verdade que Ele o ama!" R.

Cães numerosos me rodeiam furiosos,*
e por um bando de malvados fui cercado.
Transpassaram minhas mãos e os meus pés
e eu posso contar todos os meus ossos.*
Eis que me olham e, ao ver-me, se deleitam! R.

Eles repartem entre si as minhas vestes*
e sorteiam entre si a minha túnica.
Vós, porém, ó meu Senhor, não fiqueis longe,*
ó minha força, vinde logo em meu socorro! R.

Anunciarei o Vosso nome a meus irmãos*
e no meio da assembléia hei de louvar-Vos!
Vós que temeis ao Senhor Deus, dai-Lhe louvores,
glorificai-O, descendentes de Jacó,*
e respeitai-O toda a raça de Israel! R.


2ª Leitura - Fl 2,6-11
Jesus Cristo, existindo em condição divina, não fez do ser igual a Deus uma usurpação, mas Ele esvaziou-Se a Si mesmo, assumindo a condição de escravo e tornando-Se igual aos homens. Encontrado com aspecto humano, humilhou-Se a Si mesmo, fazendo-Se obediente até a morte, e morte de cruz. Por isso, Deus O exaltou acima de tudo e Lhe deu o Nome que está acima de todo nome. Assim, ao nome de Jesus, todo joelho se dobre no céu, na terra e abaixo da terra, e toda língua proclame: "Jesus Cristo é o Senhor", para a glória de Deus Pai.

Evangelho - Mc 14,1-15,47
Faltavam dois dias para a Páscoa e para a festa dos Ázimos. Os sumos sacerdotes e os mestres da Lei procuravam um meio de prender Jesus à traição, para matá-Lo. Eles diziam: "Não durante a festa, para que não haja um tumulto no meio do povo". Jesus estava em Betânia, na casa de Simão, o leproso. Quando estava à mesa, veio uma mulher com um vaso de alabastro cheio de perfume de nardo puro, muito caro. Ela quebrou o vaso e derramou o perfume na cabeça de Jesus. Alguns que estavam ali ficaram indignados e comentavam: "Por que este desperdício de perfume? Ele poderia ser vendido por mais de trezentas moedas de prata, que seriam dadas aos pobres". E criticavam fortemente a mulher. Mas Jesus lhes disse: "Deixai-a em paz! Por que aborrecê-la? Ela praticou uma boa ação para comigo. Pobres sempre tereis convosco e quando quiserdes podeis fazer-lhes o bem. Quanto a Mim não Me tereis para sempre. Ela fez o que podia: derramou perfume em meu corpo, preparando-o para a sepultura. Em verdade vos digo, em qualquer parte que o Evangelho for pregado, em todo o mundo, será contado o que ela fez, como lembrança do seu gesto". Judas Iscariotes, um dos doze, foi ter com os sumos sacerdotes para entregar-lhes Jesus. Eles ficaram muito contentes quando ouviram isso, e prometeram dar-lhe dinheiro. Então, Judas começou a procurar uma boa oportunidade para entregar Jesus. No primeiro dia dos ázimos, quando se imolava o cordeiro pascal, os discípulos disseram a Jesus: "Onde queres que façamos os preparativos para comeres a Páscoa?". Jesus enviou então dois dos seus discípulos e lhes disse: "Ide à cidade. Um homem carregando um jarro de água virá ao vosso encontro. Segui-o e dizei ao dono da casa em que ele entrar: 'O Mestre manda dizer: onde está a sala em que vou comer a Páscoa com os meus discípulos?'. Então ele vos mostrará, no andar de cima, uma grande sala, arrumada com almofadas. Ali fareis os preparativos para nós!". Os discípulos saíram e foram à cidade. Encontraram tudo como Jesus havia dito, e prepararam a Páscoa. Ao cair da tarde, Jesus foi com os doze. Enquanto estavam à mesa comendo, Jesus disse: "Em verdade vos digo, um de vós, que come comigo, vai me trair". Os discípulos começaram a ficar tristes e perguntaram a Jesus, um após outro: "Acaso serei eu?". Jesus lhes disse: "É um dos doze, que se serve comigo do mesmo prato. O Filho do Homem segue seu caminho, conforme está escrito sobre ele. Ai, porém, daquele que trair o Filho do Homem! Melhor seria que nunca tivesse nascido!". Enquanto comiam, Jesus tomou o pão e, tendo pronunciado a bênção, partiu-o e entregou-lhes, dizendo: "Tomai, isto é o meu corpo". Em seguida, tomou o cálice, deu graças, entregou-lhes e todos beberam dele. Jesus lhes disse: "Isto é o meu sangue, o sangue da aliança, que é derramado em favor de muitos. Em verdade vos digo, não beberei mais do fruto da videira, até o dia em que beberei o vinho novo no Reino de Deus". Depois de terem cantado o hino, foram para o monte das Oliveiras. Então Jesus disse aos discípulos: "Todos vós ficareis desorientados, pois está escrito: 'Ferirei o pastor e as ovelhas se dispersarão'. Mas, depois de ressuscitar, eu vos precederei na Galiléia". Pedro, porém, lhe disse: "Mesmo que todos fiquem desorientados, eu não ficarei". Respondeu-lhe Jesus: "Em verdade te digo, ainda hoje, esta noite, antes que o galo cante duas vezes, três vezes tu me negarás". Mas Pedro repetiu com veemência: "Ainda que tenha de morrer contigo, eu não te negarei". E todos diziam o mesmo. Chegados a um lugar chamado Getsêmani, disse Jesus aos discípulos: "Sentai-vos aqui, enquanto eu vou rezar!". Levou consigo Pedro, Tiago e João, e começou a sentir pavor e angústia. Então Jesus lhes disse: "Minha alma está triste até a morte. Ficai aqui e vigiai". Jesus foi um pouco mais adiante e, prostrando-se por terra, rezava que, se fosse possível, aquela hora se afastasse dele. Dizia: "Abbá! Pai! Tudo Te é possível: Afasta de mim este cálice! Contudo, não seja feito o que eu quero, mas sim o que Tu queres!". Voltando, encontrou os discípulos dormindo. Então disse a Pedro: "Simão, tu estás dormindo? Não pudeste vigiar nem uma hora? Vigiai e orai, para não cairdes em tentação! Pois o espírito está pronto, mas a carne é fraca". Jesus afastou-se de novo e rezou, repetindo as mesmas palavras. Voltou outra vez e os encontrou dormindo, porque seus olhos estavam pesados de sono e eles não sabiam o que responder. Ao voltar pela terceira vez, Jesus lhes disse: "Agora podeis dormir e descansar. Basta! Chegou a hora! Eis que o Filho do Homem é entregue nas mãos dos pecadores. Levantai-vos! Vamos! Aquele que vai me trair já está chegando". E logo, enquanto Jesus ainda falava, chegou Judas, um dos doze, com uma multidão armada de espadas e paus. Vinham da parte dos sumos sacerdotes, dos mestres da Lei e dos anciãos do povo. O traidor tinha combinado com eles um sinal, dizendo: "É aquele a quem eu beijar. Prendei-O e levai-O com segurança!". Judas logo se aproximou de Jesus, dizendo: "Mestre!", e O beijou. Então lançaram as mãos sobre Ele e O prenderam. Mas um dos presentes puxou a espada e feriu o empregado do sumo sacerdote, cortando-lhe a orelha. Jesus tomou a palavra e disse: "Vós saístes com espadas e paus para me prender, como se eu fosse um assaltante. Todos os dias eu estava convosco, no Templo, ensinando, e não me prendestes. Mas isto acontece para que se cumpram as Escrituras". Então todos O abandonaram e fugiram. Um jovem, vestido apenas com um lençol, estava seguindo a Jesus, e eles o prenderam. Mas o jovem largou o lençol e fugiu nu. Então levaram Jesus ao Sumo Sacerdote, e todos os sumos sacerdotes, os anciãos e os mestres da Lei se reuniram. Pedro seguiu Jesus de longe, até o interior do pátio do Sumo Sacerdote. Sentado com os guardas, aquecia-se junto ao fogo. Ora, os sumos sacerdotes e todo o Sinédrio procuravam um testemunho contra Jesus, para condená-Lo à morte, mas não encontravam. Muitos testemunhavam falsamente contra Ele, mas seus testemunhos não concordavam. Alguns se levantaram e testemunharam falsamente contra Ele, dizendo: "Nós o ouvimos dizer: 'Vou destruir este templo feito pelas mãos dos homens, e em três dias construirei um outro, que não será feito por mãos humanas!'". Mas nem assim o testemunho deles concordava. Então, o Sumo Sacerdote levantou-se no meio deles e interrogou a Jesus: "Nada tens a responder ao que estes testemunham contra ti?". Jesus continuou calado, e nada respondeu. O Sumo Sacerdote interrogou-o de novo: "Tu és o Messias, o Filho de Deus Bendito?". Jesus respondeu: "Eu sou. E vereis o Filho do Homem sentado à direita do Todo-Poderoso, vindo com as nuvens do céu". O Sumo Sacerdote rasgou suas vestes e disse: "Que necessidade temos ainda de testemunhas? Vós ouvistes a blasfêmia! O que vos parece?". Então todos o julgaram réu de morte. Alguns começaram a cuspir em Jesus. Cobrindo-lhe o rosto, o esbofeteavam e diziam: "Profetiza!". Os guardas também davam-lhe bofetadas. Pedro estava em baixo, no pátio. Veio uma criada do Sumo Sacerdote, e, quando viu Pedro que se aquecia, olhou bem para ele e disse: "Tu também estavas com Jesus, o Nazareno!". Mas Pedro negou, dizendo: "Não sei e nem compreendo o que estás dizendo!". E foi para fora, para a entrada do pátio. A criada viu Pedro, e de novo começou a dizer aos que estavam perto: "Este é um deles". Mas Pedro negou outra vez. Pouco depois, os que estavam junto diziam novamente a Pedro: "É claro que tu és um deles, pois és da Galiléia". Aí Pedro começou a maldizer e a jurar, dizendo: "Nem conheço esse homem de quem estais falando". E nesse instante um galo cantou pela segunda vez. Lembrou-se Pedro da palavra que Jesus lhe havia dito: "Antes que um galo cante duas vezes, três vezes tu me negarás". Caindo em si, ele começou a chorar. Logo pela manhã, os sumos sacerdotes, com os anciãos, os mestres da Lei e todo o Sinédrio, reuniram-se e tomaram uma decisão. Levaram Jesus amarrado e o entregaram a Pilatos. E Pilatos o interrogou: "Tu és o rei dos judeus?". Jesus respondeu: "Tu o dizes". E os sumos sacerdotes faziam muitas acusações contra Jesus. Pilatos o interrogou novamente: "Nada tens a responder? Vê de quanta coisa Te acusam!". Mas Jesus não respondeu mais nada, de modo que Pilatos ficou admirado. Por ocasião da Páscoa, Pilatos soltava o prisioneiro que eles pedissem. Havia então um preso, chamado Barrabás, entre os bandidos, que, numa revolta, tinha cometido um assassinato. A multidão subiu a Pilatos e começou a pedir que ele fizesse como era costume. Pilatos perguntou: "Vós quereis que eu solte o rei dos judeus?". Ele bem sabia que os sumos sacerdotes haviam entregado Jesus por inveja. Porém, os sumos sacerdotes instigaram a multidão para que Pilatos lhes soltasse Barrabás. Pilatos perguntou de novo: "Que quereis então que eu faça com o rei dos Judeus?". Mas eles tornaram a gritar: "Crucifica-o!". Pilatos perguntou: "Mas, que mal ele fez?". Eles, porém, gritaram com mais força: "Crucifica-o!". Pilatos, querendo satisfazer a multidão, soltou Barrabás, mandou flagelar Jesus e o entregou para ser crucificado. Então os soldados o levaram para dentro do palácio, isto é, o pretório, e convocaram toda a tropa. Vestiram Jesus com um manto vermelho, teceram uma coroa de espinhos e a puseram em Sua cabeça. E começaram a saudá-lo: "Salve, rei dos judeus!". Batiam-Lhe na cabeça com uma vara. Cuspiam nEle e, dobrando os joelhos, prostravam-se diante dEle. Depois de zombarem de Jesus, tiraram-Lhe o manto vermelho, vestiram-nO de novo com Suas próprias roupas e O levaram para fora, a fim de crucificá-Lo. Os soldados obrigaram um certo Simão de Cirene, pai de Alexandre e de Rufo, que voltava do campo, a carregar a cruz. Levaram Jesus para o lugar chamado Gólgota, que quer dizer "Calvário". Deram-Lhe vinho misturado com mirra, mas Ele não o tomou. Então o crucificaram e repartiram as Suas roupas, tirando a sorte, para ver que parte caberia a cada um. Eram nove horas da manhã quando O crucificaram. E ali estava uma inscrição com o motivo de sua condenação: "O Rei dos Judeus". Com Jesus foram crucificados dois ladrões, um à direita e outro à esquerda. Porque eu vos digo: É preciso que se cumpra em mim a Palavra da Escritura: "Ele foi contado entre os malfeitores". Os que por ali passavam O insultavam, balançando a cabeça e dizendo: "Ah! Tu que destróis o Templo e o reconstróis em três dias, salva-Te a Ri mesmo, descendo da cruz!". Do mesmo modo, os sumos sacerdotes, com os mestres da Lei, zombavam entre si, dizendo: "A outros salvou, a Si mesmo não pode salvar! O Messias, o rei de Israel... que desça agora da cruz, para que vejamos e acreditemos!". Os que foram crucificados com Ele também O insultavam. Quando chegou o meio-dia, houve escuridão sobre toda a terra, até as três horas da tarde. Pelas três da tarde, Jesus gritou com voz forte: "Eli, Eli, lamá sabactâni?", que quer dizer: "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?". Alguns dos que estavam ali perto, ouvindo-o, disseram: "Vejam, ele está chamando Elias!". Alguém correu e embebeu uma esponja em vinagre, colocou-a na ponta de uma vara e Lhe deu de beber, dizendo: "Deixai! Vamos ver se Elias vem tirá-lo da cruz". Então Jesus deu um forte grito e expirou. Neste momento a cortina do santuário rasgou-se de alto a baixo, em duas partes. Quando o oficial do exército, que estava bem em frente dEle, viu como Jesus havia expirado, disse: "Na verdade, este homem era Filho de Deus!". Estavam ali também algumas mulheres, que olhavam de longe; entre elas, Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago Menor e de Joset, e Salomé. Elas haviam acompanhado e servido a Jesus quando Ele estava na Galileia. Também muitas outras que tinham ido com Jesus a Jerusalém, estavam ali. Era o dia da preparação, isto é, a véspera do sábado, e já caíra a tarde. Então, José de Arimateia, membro respeitável do Conselho, que também esperava o Reino de Deus, cheio de coragem, veio a Pilatos e pediu o corpo de Jesus. Pilatos ficou admirado, quando soube que Jesus estava morto. Chamou o oficial do exército e perguntou se Jesus tinha morrido há muito tempo. Informado pelo oficial, Pilatos entregou o corpo a José. José comprou um lençol de linho, desceu o corpo da cruz e o envolveu no lençol. Depois colocou-O num túmulo, escavado na rocha, e rolou uma pedra à entrada do sepulcro. Maria Madalena, e Maria, mãe de Joset, observavam onde Jesus foi colocado.

Comentário feito por Santo Epifânio de Salamina (? - 403)
bispo

"Exulta de alegria, filha de Sião!" (Za 9,9), alegra-te e exulta, Igreja de Deus, pois eis que o teu Rei vem a ti, eis o Esposo que chega, sentado num burro como num trono! Vamos depressa ao Seu encontro para contemplar a Sua glória. Eis a salvação do mundo: Deus avança para a cruz. Também nós, os povos, gritamos hoje com o povo: "Hosana ao Filho de Davi! Bendito seja Aquele que vem em nome do Senhor! Hosana nas alturas!" (Mt 21,9; Sl 118,26) [...]. A Igreja celebra um dia de festa à sombra de Cristo, oliveira carregada de azeitonas na casa de Deus (Sl 52,10); celebra um dia de Festa com Cristo, lírio primaveril do Paraíso em flor. Porque Cristo está no meio da Igreja como verdadeiro lírio florido, raiz de Jessé que não julga o mundo mas o serve (Is 11,1.3). Ele está no meio da Igreja, fonte eterna de onde jorram, não já os rios do paraíso (cf. Gn 2,10), mas Mateus, Marcos, Lucas e João, que regam os jardins da Igreja de Cristo. Hoje, nós, que somos novos e fecundos rebentos (cf Sl 128,3), levando nas mãos os ramos da oliveira, supliquemos a misericórdia de Cristo. "Plantados na casa do Senhor", florescendo na Primavera nos "átrios do nosso Deus", celebremos um dia de festa: "que o Inverno já passou!" (Sl 92,14; Ct 2,11) [...]. Clamo com São Paulo, com voz santa e forte: "O que era antigo passou; eis que surgiram coisas novas" (2Co 5,17). [...] Um profeta, olhando para este rei, grita: "Eis o Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo" (Jo 1,29) [...]; e Davi, olhando para Cristo, saído da sua raça segundo a carne diz: "O Senhor é Deus; Ele nos tem iluminado!" (Sl 118,27). Dia de festa admirável, pela sua novidade, surpreendente e estupenda: as crianças aclamam a Cristo como Deus e os sacerdotes maldizem-nO, as crianças adoram-nO e os doutores da lei desprezam-nO e caluniam-nO. As crianças dizem: "Hosana!" e os Seus inimigos gritam: "Crucifica-O!". Aquelas juntam-se ao redor de Cristo com palmas, estes atiram-se a Ele com espadas; aquelas cortam os ramos, estes preparam uma cruz.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Somente o divino pode salvar todos os fatores do homem



"Devolver às pessoas aquilo que elas são verdadeiramente é o primeiro passo para o desenvolvimento, porque o eu é descoberto em um encontro. Por isso, o Senhor faz com que nos apaixonemos: porque é a modalidade mais simples para que todos os fatores constitutivos do eu venham à tona. E a paixão é um pequeno reflexo do grande encontro, que é o encontro com Cristo, porque ninguém como Ele é capaz de fazer emergir todos os fatores constitutivos do eu: somente o divino pode salvar o humano, todos os fatores do homem." (Julián Carrón)

sábado, 25 de fevereiro de 2012

A Quaresma com os santos

A amizade de Deus

Do Tratado contra as heresias, de Santo Irineu, bispo (Séc. II)
(Lib. 4,13,4-14,1: Sch 100, 534-540)  

Nosso Senhor, o Verbo de Deus, que primeiro atraiu os homens para serem servos de Deus, libertou em seguida os que lhe estavam submissos, como Ele próprio disse a Seus discípulos: Já não vos chamo servos, pois o servo não sabe o que faz o seu senhor. Eu vos chamo amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de meu Pai (Jo 15, 15). A amizade de Deus concede a imortalidade aos que a obtém. No princípio, Deus formou Adão, não porque tivesse necessidade do homem, mas para ter alguém que pudesse receber os Seus benefícios. De fato, não só antes de Adão, mas antes da criação, o Verbo glorificava Seu Pai, permanecendo nEle, e era também glorificado pelo Pai, como Ele mesmo declara: Pai, glorifica-me com a glória que eu tinha junto de Ti antes que o mundo existisse (Jo 17, 5). Não foi também por necessitar do nosso serviço que Deus nos mandou segui-Lo, mas para dar-nos a salvação. Pois seguir o Salvador é participar da salvação, e seguir a luz é receber a luz. Quando os homens estão na luz, não são eles que a iluminam, mas são iluminados e tornam-se resplandecentes por ela. Nada lhe proporcionam, mas dela recebem o benefício e a iluminação. Do mesmo modo, o serviço que prestamos a Deus nada acrescenta a Deus, porque Ele não precisa do serviço dos homens. Mas aos que O seguem e servem, Deus concede a vida, a incorruptibilidade e a glória eterna. Ele dá Seus benefícios aos que O servem precisamente porque O servem e aos que O seguem precisamente porque O seguem; mas não recebe deles nenhum benefício, porque é rico, perfeito e de nada precisa. Se Deus requer o serviço dos homens é porque, sendo bom e misericordioso, deseja conceder os Seus dons aos que perseveram no Seu serviço. Com efeito, Deus de nada precisa, pois o homem é que precisa da comunhão com Deus.  É esta, pois, a glória do homem: perseverar e permanecer no serviço de Deus. Por esse motivo dizia o Senhor a Seus discípulos: Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi (Jo 15, 16), dando assim a entender que não eram eles que O glorificavam seguindo-O, mas, por terem seguido o Filho de Deus, eram por Ele glorificados. E disse ainda: Quero que estejam comigo onde eu estiver, para que eles contemplem a minha glória (Jo 17, 24).

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Comentário ao Evangelho do dia - Advento


2ª Semana do Advento - Quarta-feira

1ª Leitura - Is 40,25-31
"Com quem haveis de me comparar, e a quem seria eu igual?" - fala o Santo. Levantai os olhos para o alto e vede: Quem criou tudo isto? - Aquele que expressa em números o exército das estrelas e a cada uma chama pelo nome: tal é a grandeza e força e poder de Deus que nenhuma delas falta à chamada. Então, por que dizes, Jacó, e por que falas, Israel: "Minha vida ocultou-se da vista do Senhor e meu julgamento escapa ao do meu Deus?". Acaso ignoras, ou não ouviste? O Senhor é o Deus eterno que criou os confins da terra; ele não falha nem se cansa, insondável é sua sabedoria; Ele dá coragem ao desvalido e aumenta o vigor do mais fraco. Cansam-se as crianças e param, os jovens tropeçam e caem, mas os que esperam no Senhor renovam suas forças, criam asas como as águias, correm sem se cansar, caminham sem parar.

Salmo - Sl 102 (103)
R. Bendize, ó minha alma ao Senhor.
Bendize, ó minha alma, ao Senhor, *
e todo o meu ser, seu santo nome!
Bendize, ó minha alma, ao Senhor, *
nâo te esqueças de nenhum de seus favores! R. 

Pois Ele te perdoa toda culpa, *
e cura toda a tua enfermidade;
da sepultura Ele salva a tua vida *
e te cerca de carinho e compaixão. R. 

O Senhor é indulgente, é favorável, *
é paciente, é bondoso e compassivo.
Não nos trata como exigem nossas faltas, *
nem nos pune em proporção às nossas culpas. R.

Evangelho - Mt 11,28-30
Naquele tempo, tomou Jesus a palavra e disse: "Vinde a mim todos vós que estais cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos, e eu vos darei descanso. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e vós encontrareis descanso. Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve".

Comentário feito por Pedro de Celles (c. 1115–1183)
monge, depois bispo

Senhor, envia-nos o Cordeiro; é do cordeiro que precisamos e não do leão (cf. Ap 5, 5-6); do Cordeiro que não Se irrita e cuja mansidão nunca Se perturba; do Cordeiro que nos dará a Sua lã, branca como a neve, para aquecer em nós aquilo que está frio, para cobrir a nossa nudez; do Cordeiro que nos dará a Sua carne a comer, para não morrermos de fraqueza no caminho (cf. Jo 6, 51; Mt 15, 32). Envia-O cheio de sabedoria porque, com a Sua prudência divina, Ele vencerá o espírito orgulhoso; envia-O cheio de força, porque está escrito que Ele é "o Senhor, poderoso herói, o Senhor, herói na batalha" (Sl 24, 8); envia-O cheio de mansidão, pois Ele descerá "como os aguaceiros que regam a terra" (Sl 72, 6); envia-O como vítima, porque Ele deverá ser vendido e imolado para nos resgatar (cf. Mt 26, 15; Jo 19, 36; Ex 12, 46); envia-O, não para exterminar os pecadores, pois "não veio chamar os justos, mas os pecadores" (cf. Mt 9, 13); envia-O, enfim, "digno de receber a glória, a honra e a força, [...] digno de receber o livro e de abrir suas páginas seladas" (Ap 4, 11; Ap 5, 9), isto é, o mistério inexprimível da Encarnação.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Da rede à realidade



“A armadilha da instintividade”
Por José Medina

Na escola, muitos dos problemas entre os jovens derivam daquilo que escrevem e leem no Facebook. Falando, depois, com eles, cara a cara, se entende que aquilo que escrevem ali, não seriam capazes de dizer na cara de ninguém.
Todo o mundo da educação nos Estados Unidos afirma que as redes sociais são estupendas, porque permitem uma comunicação facilitada, que derruba os limites de classe e as distâncias. E isto é verdade. Mas, o problema é que se trata de um meio instintivo, que não permite a reflexão, nem favorece o relacionamento interpessoal. Não acredito que se possa manter uma conversa autêntica usando as redes sociais. O que conta é o conceito de “I like it”, “curti”. Tudo se mede a partir do fato de você curtir ou não uma coisa, você curtir ou não as pessoas. Acredito que, para os adultos, seja a mesma coisa: a ideia segundo a qual tudo é automático, tudo é instintivo, é fonte de problemas porque o tempo não existe mais, as pessoas não falam mais! O discurso termina na mensagem de texto. Nos Estados Unidos, a internet já está fora de moda, a comunicação se faz via celular e através do Facebook. O email é um modo já mais profundo de expressão do pensamento, e assume o papel que antes pertencia à conversa.
Educar as pessoas é problemático, porque o instrumento vai no sentido contrário ao esforço educativo. Os três níveis do pensamento humano são: pensar, dizer e escrever. Cada vez que se passa a um nível diferente, o pensamento alcança maior profundidade: pensar consigo mesmo constitui-se num primeiro nível; falar obriga a um diálogo e, por isso, convida a um aprofundamento do pensamento. A escrita obriga a colocar as ideias em ordem. As mídias sociais, infelizmente, reduzem a escrita ao nível mais baixo do pensamento.
Há outro aspecto das redes sociais que contribui para a banalização dos relacionamentos. Para um jovem, no Facebook, não há distinção entre o amigo e o professor: o instrumento faz com que todos sejam uma pequena fotografia. Todas as relações são uniformizadas a um mesmo nível. A diferença construtiva entre jovem e adulto é enfraquecida. Isto gera confusão nos jovens, destruindo o sentido da autoridade e da paternidade. 
Podemos, portanto, utilizar isto como um espaço de educação? Acredito que não seja possível sem que se mude o instrumento mesmo.

“Google ou o professor?”
Por Federico Ponzoni

Sou professor há quase uma década. A tecnologia sempre ocupou a minha reflexão e a minha prática. De um lado, ela entra na escola como instrumento: há alguns anos, quando eu ainda era um seminarista, comecei a ensinar religião, e eu era o único em todo o instituto que usava apresentações em PowerPoint. O efeito era notável: era algo de novo, colorido, divertido. Ajudava a capturar a atenção dos jovens. Depois, o uso de instrumentos como esses se massificou. Passou o efeito da novidade, não bastava mais a simples introdução de um meio novo em sala de aula para educar com eficácia.
Aprendi, portanto, que a técnica no âmbito educativo promete muito, mas mantém pouco. Por exemplo, no Chile, onde estou em missão, os computadores foram introduzidos em sala de aula há dez anos, mas os resultados nos testes internacionais (PISA) não mudaram muito. Somente há poucos anos é que foram introduzidos os softwares didáticos que usam amplamente técnicas de programação que dão resultados tangíveis, sobretudo em matemática. Os estudos feitos até então demonstram, porém, que a simples introdução do software produz um crescimento vacilante dos resultados em matemática. O software, pelo contrário, unido ao aperfeiçoamento do docente e à melhora da didática, produz resultados impressionantes. Técnica ou não técnica, o homem continua sendo o centro do processo educativo. 
Não é tudo. Os estudos mais recentes, tanto em neurobiologia como em mídia, sublinham que a introdução de meios digitais produz uma mudança cultural muito significativa: um “nativo digital” pensa de modo diferente de alguém que só entrou no mundo digital quando adulto. Isto gera graves mal-entendidos entre docentes e alunos: aquilo que o professor diz é frequentemente visto pelo aluno como irrelevante ou inútil (“O professor está me dizendo coisas que posso encontrar no Google... por que, então, eu preciso ficar atento?”) e o professor encontra um aluno distraído, preguiçoso, sem interesse e, por isto, se sente frustrado. Então, é necessário redescobrir o verdadeiro papel do educador. O educador é aquele que sabe transmitir aquilo de que os nativos digitais precisam: uma razão para viver.

Uma carta de pouco valor
Por Carlo Fumagalli

Hoje, vejo em muitas pessoas (não apenas nos jovens) uma notável dependência dos meios de comunicação. Fico tocado com o senso de vazio, de desorientação, que as pessoas têm quando procuram alguém pelo celular e o encontram desligado. Na Hungria não existe o serviço de sms que avisa quem ligou para você. Desencadeia-se, por isto, a fobia de não conseguir falar com aquela pessoa. Que se torna agitação, ansiedade. Em mim, esta dependência é um pouco limitada. Mas, tenho uma missão muito “móvel” e, frequentemente, estou rodando: noventa por cento das ocasiões missionárias que tenho se passa pelo celular. Há, portanto, um aspecto positivo, de um ponto de vista “missionário”. Há o risco de degenerar, mas é uma comodidade enorme, desde que seja apenas o prelúdio para um encontro pessoal. É como, num jogo de baralho, uma carta baixa que você joga para ver o que os outros jogadores têm na mão. Certamente não será com ela que você vai levar para a casa o resultado, mas pode, certamente, facilitar o caminho.
Com o email é diferente. Quase nunca respondo a um pedido diretamente pelo email: convido o outro para nos vermos e conversarmos. Tem nisso uma questão lingüística, mas sobretudo parto da consciência de que não tenho a verdade no bolso, que possa ser confeccionada e enviada por email. Acredito que é muito interessante estar juntos, dar alguns passos juntos, viver juntos um momento de relaxamento...
Tudo isto é possível apenas no relacionamento pessoal. Em geral, precisamos do silêncio, do tempo de escuta do outro, algo que não seja um relacionamento mediado pelas tecnologias ou queimado nos tempos breves. Facebook é um exemplo evidente: uma garota, em dez segundos, convida trezentos “amigos” para um concerto. Depois, no concerto, aparecem apenas em dois que, não por acaso, são os dois para quem ela também telefonou. A ação pessoal é sempre mais resolutiva.
Tenho uma prova evidente disto quando me acontece de sugerir algo para ser lido. Às vezes, para que a pessoa possa receber logo depois do nosso encontro, ligo o computador, anexo o arquivo e envio. Mas, o fracasso é quase certo: entre as centenas de mensagens que recebe, o meu correspondente, no máximo, vai folhear as minhas páginas por uns trinta segundos. Outras vezes, pelo contrário, experimentei dar um livro ou uma fotocópia: é uma coisa completamente diferente. O papel fala. É como se eu dissesse para quem eu tenho diante de mim: “Depois da nossa conversa, pensei em você, rezei por você, trouxe na memória aquilo que você me disse. Procurei um livro e o folheei até encontrar aquilo que parece ter sido escrito exatamente para você; dá uma olhada, sublinhei alguns trechos há alguns anos, dou para você algo que é parte de mim...”.

O que procuramos
Por Giovanni Musazzi

Os lados bons da tecnologia são evidentes: organizo uma viagem em cinco minutos, encontro, sem me mover, livros que me são úteis, convido para um feriado com um único email, economizando quarenta telefonemas. Mas, assim como as coisas boas são tão óbvias, parece-me que se percam de vista os problemas. O uso adequado da internet não é o abuso. Mas, quando se está cego, o abuso está na próxima esquina.
O primeiro risco grave diz respeito ao uso do nosso tempo. O tempo tem um valor. Como tudo é fácil, o risco é que aquilo que deveria me ajudar a economizar tempo, na realidade, toma uma quantidade enorme de tempo. Do mesmo modo, o estar sempre disponível é um peso. Chega um email e, depois de um minuto, um sms no qual avisam que você deve dar uma olhada no email, e dez minutos depois telefonam para perguntar se eu li... e, no máximo, se trata de algo que vai acontecer daqui a duas semanas. É uma ansiedade: tudo agora e tudo imediatamente, tudo sempre urgente.
Frequentemente, de outro lado, perdemos a noção de que do outro lado da linha ou da rede tem uma pessoa. Usamos a tecnologia para procurar alguém não porque nos interessa aquela pessoa, mas apenas porque, naquele momento, precisamos que haja uma pessoa imediatamente disponível para poder descarregar sobre ela o fato que nos sentimos tristes, que estamos parados num engarrafamento na estrada, que estamos fazendo um trabalho tedioso. No fundo, por outro lado, é quase indiferente quem está lendo ou escutando. Ninguém me responde? Telefono para outra pessoa. Ou então, um belo sms grupal: alguém há de me responder! Quando, pelo contrário, vou encontrar alguém, tenho aquela pessoa diante de mim e basta. As pessoas, aqui no Portugal, têm uns três chips de celular, utilizando três empresas de telefonia diferentes. O resultado disso? Mexericos e um montão de dinheiro gasto com contas de celular.
Será que precisamos tanto de todas estas palavras? Precisamos tornar tudo público, disponível online? Eu pedi a muitas famílias próximas que trocassem as fotos privadamente, e que não as publicassem na internet. De fato, tem uma forte tendência a recorrer ao virtual, olhar as fotos e ler os comentários, mais do que viver uma experiência direta. Eu gostaria de viver a vida, e não de viver como um substituto. 


* Extraído do site da Fraternità San Carlo, do dia 5 de outubro de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Cartas do P.e Aldo 204


Asunción, 6 de setembro de 2011.

Caros amigos,
Um fato ocorrido nas últimas semanas me colocou diante da contemporaneidade de Cristo e, portanto, se tornaram um grande possibilidade para fixar nos olhos, de maneira intensa, Jesus.
Eu já estava com as passagens aéreas no bolso para ir à Itália, quando, numa tarde, os médicos e o diretor da clínica chegaram no meu escritório e me disseram: “Padre Aldo, seu filho Aldo [meu filho adotivo, portador de gravíssimas deformações físicas] está muito doente e não temos certeza de que conseguirá sobreviver. Gostaríamos que ele permanecesse aqui na clínica e não fosse enviado a um hospital, onde acabaria sendo deixado morrendo, enquanto que nós queremos acompanhá-lo em sua morte”. Vi-me, uma vez mais, diante de uma decisão: estão me esperando no Meeting e, aqui, os médicos me dizem que meu filho está com os dias contados. O que fazer? Fico e atraso em alguns dias a partida, a fim de ver se ele melhora, ou desisto de ir ao Meeting? Uma escolha difícil porque estavam em jogo os últimos dias do meu filho. E um filho, especialmente quando é adotivo, é a sua mesma carne, ainda mais porque é fruto de uma gratuidade total. Alguns me disseram: como é que o senhor pode ir, deixando-o sozinho, ao invés de acompanhá-lo nas suas últimas horas? Eu sentia meu coração em pedaços, sentia em mim um sentimento que me dizia: você deve ficar. Porém, uma vez mais eu me perguntei: o que Cristo pede de mim, neste momento?
E dois juízos me ajudaram a tomar a decisão de ir. O primeiro: aquele filho me foi dado e se Cristo decidiu pedi-lo de volta, quem sou eu para não devolvê-lo? O segundo: a realidade me pede para estar presente no Meeting e em La Thuile, onde acontecerá a assembleia internacional. Ou seja, a realidade me chama a estar onde estão aqueles amigos que mais me lembram que “É o Senhor”, os amigos que mais me mostram o rosto de Jesus. E eu preciso disto porque, do contrário, não consigo enfrentar a vida todos os dias e nem mesmo o dia de meu filho, que, seja como for, não morrerá sozinho, mas na companhia dos meus amigos da clínica. E assim, peguei o avião com a grata surpresa de que me filho se recuperou. É impressionante ver como Deus me educa a ser livre, ou seja, a confiar no seu desígnio que, qualquer que seja, é sempre positivo, mesmo quando, no momento, parece ser injusto e você preferiria se rebelar. Dizer “Tu, meu Cristo” nunca é algo óbvio, mas se dá sempre dentro de um abandono seu, cheio de dor, cujo resultado é uma estranha letícia.
Os filhos não são algo que nos pertence, e só o são quando amamos o desígnio de Deus sobre eles, mesmo quando isso coincide com o fato de eles nos serem tirados. É assim que me acontece todos os dias. Assim como a cada vez a dor é sempre maior, porque quanto mais Cristo o agarra, tanto mais você se descobre vulnerável, tanto mais você sofre. Se antes de encontrar Jesus nem mesmo uma “pedrada na cabeça” movia o meu coração, agora que Cristo me tomou, basta um grão de areia para que eu sinta toda a dor que me circunda.
Amar, ou seja, deixar-se tomar por Cristo é sofrer e sofrer é amar. E quanto mais você é de Cristo, tanto mais você sofre; e tanto mais você sofre, quanto mais você busca Cristo. Ou, para dizer mais claramente, Cristo nos torna mais vulneráveis, mais sensíveis, mais atentos a cada detalhe.
Rezem por mim e por meus filhos.
Com afeto,
Padre Aldo

Cartas do P.e Aldo 203


Asunción, 6 de agosto de 2011.

Caros amigos,
Que graça e a Escola de Comunidade, para nós e para o mundo!
Nestas semanas pude experimentar na carne como o mundo precisa encontrar o Movimento, ou seja, a Escola de Comunidade. Carrón chama a nossa atenção justamente para a urgência de um trabalho pessoal que veja na Escola de Comunidade o centro deste trabalho. Pessoalmente, sou uma testemunha disto tanto no meu caminho de todo dia, quanto naquilo que acontece ao meu redor. A beleza desta obra que sempre mais suscita em quem a vive, em quem nela trabalha, mas também em quem a visita, faz nascer a pergunta: como é possível tudo isto? E quando respondo “é graças à catequese, ou à Escola de Comunidade que vivemos semanalmente com todas as 200 pessoas que trabalham aqui nos mais diversos âmbitos”, os que me escutam ficam cheios de curiosidade e de interesse. Assim, já há um tempo um grupo de diretores e de operários de uma multinacional, toda quarta-feira, das 8h às 9h da manhã, pontualmente, vêm até aqui para a Escola de Comunidade. Além do mais, aconteceu algo muito significativo no maior centro médico de reabilitação privado do país. O chefe deste centro assinou um contrato conosco para assistir gratuitamente os nossos pacientes e, em troca, pediu para irmos, pelo menos a cada quinze dias, fazer a Escola de Comunidade com seus dependentes e pacientes. O mundo também percebe que a Escola de Comunidade cria uma diferença no modo de viver e trabalhar.
Vale lembrar que aqui, este precioso instrumento que Giussani nos deixou deu origem a um periódico semanal que é publicado junto com o segundo jornal leigo mais vendido no Paraguai, toda quinta-feira. O bem que esse jornalzinho faz é impressionante. Por exemplo, hoje, duas jovens mães, depois de terem feito 40 km de viagem, vieram nos agradecer por aquilo que escrevemos! “Padre, estamos aqui há duas horas esperando pelo senhor para lhe agradecer e para abraçá-lo por causa daquilo que o senhor escreve nos editoriais, como por exemplo aquilo que escreveu sobre a Confissão”. E me trouxeram também um presente. Outro jovem, disse: “Padre, lendo o jornalzinho senti o desejo de ser padre, de verificar a minha vocação”.
A Escola de Comunidade nos ajuda a verificar a razoabilidade da fé no meio das vísceras do mundo, testemunhando assim que o cristianismo é o acontecer do humano. Claro que existem, toda semana, motivos para polêmica e, nesses momentos, me lembro de Giussani que dizia que Cristo polemizou com o mundo inteiro, o mesmo que Carrón continuamente nos lembra quando fala que a cultura dominante anestesia o eu.
Em suma, quero que a Escola de Comunidade não seja uma leitura espiritual ou apenas uma deixa para as nossas reflexões, mas que seja o trabalho que nos permita descobrir a razoabilidade da nossa fé vivida no impacto com o cotidiano, com o mundo.
Boas férias, na privilegiada companhia da Escola de Comunidade.
Padre Aldo

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Cartas do P.e Aldo 202

Asunción, 26 de julho de 2011.

Caros amigos,
Tão logo terminaram os encontros com milhares de jovens, Marcos e Cleuza pegaram o avião, à meia-noite do domingo passado, e chegaram a Asunción. Dois dias passados juntos para poder dizer outra vez o nosso “sim” a Cristo. Encontramo-nos apenas para que reconfirmemos este sim. De outra forma, que sentido teria qualquer relação, ou tanta dificuldade num mundo que, para a grande maioria, as relações vividas são virtuais ou formais?
O nosso sim a Cristo não pode passar através do “mundo virtual”, porque Deus se fez companhia para o homem, fez-se carne. E sem a carne não existe nem Cristo nem o homem.
No dia seguinte, nos encontramos na nossa fazenda – toda a nossa Fraternidade. Depois de retomar o que havíamos dito um mês atrás e que Cleuza havia resumido com uma expressão belíssima em forma de pergunta: “somos cristãos ‘coca-cola’ ou homens apaixonados por Cristo?”. O Movimento, para nós, é uma coca-cola ou um dinamismo no qual a razão e o sentimento caminham juntos? Por que esta imagem da coca-cola? Porque quando tiramos a tampinha, faz pssssss e, em seguida, tudo acaba. Podemos usar também a imagem dos fogos de artifício.
Logo depois, começaram as intervenções. Uma pessoa em particular sublinhava seu drama pessoal, um drama que havia levado a sua pessoa à exaustão. “Tudo funcionava bem na minha vida, vivia a minha responsabilidade, jogando-me inteira até ao ponto de ser definida pelo meu trabalho. E fazendo assim eu pensava estar servindo bem a Deus. Mas, com o tempo, cedi... porque essa maneira de trabalhar para Deus me colocou em nocaute”.
Cleuza aproveita a deixa e, depois de ter descrito como também ela, antes de encontrar Carrón e o Movimento, passou anos determinada pela depressão, fruto de seu constante empenho em favor de Deus e dos pobres, disse: “Olha só, eu também vivi uma vida cheia de tormento e de amargura, convencida de estar servindo a Cristo. Tomei antidepressivos por anos, até ao dia em que encontrei o Movimento. Encontrando o Movimento, encontrei o valor da minha vida. Valor que percebi claramente no fato de que Deus não me criou para ser empregada doméstica, Sua empregada, mas por um ato de amor, me fez para Ele. Dentro do Movimento, entendi que eu não sou a serva de Deus, mas o objeto do Seu amor e, nesta perspectiva, os outros se tornam a minha alegria. Porque apenas se eu vibrar do amor de Cristo poderia ajudar os outros. Assim, os outros se tornam um presente para mim. Muitos me perguntam ‘por que vocês ainda vão ao Paraguai?’. Porque preciso escrever o meu sim a Cristo com vocês e vocês me foram dados. As coisas são guiadas por Ele e Ele conhece o número dos meus cabelos. (...) É preciso que tiremos nossas máscaras [e aqui ela conta a história de uma mulher humanamente destruída que ela havia tirado da rua e levado para sua casa, e do longo diálogo que teve com ela], para que Cristo se revele para nossa humanidade do jeito como Ele é. E é isto o que acontece na clínica para os doentes, que despojados de tudo pela doença pedem com urgência o próprio Cristo. Somente se arrancarmos as máscaras é que Cristo se revelará a cada um”.
O diálogo continuou por dois dias, compartilhando tudo. Mas, acredito que só isto já seja suficiente por agora, caros amigos. Seja como for, ou uma amizade tem este horizonte ali onde estamos, ou é uma cumplicidade mesmo se usarmos continuamente a palavra “Cristo”.
“Encontramo-nos para escrever o nosso sim a Cristo”. Que bonito!
Boas férias
Padre Aldo

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Artistas, fazei resplandecer a verdade nas vossas obras

Inauguração da Mostra
“O esplendor da verdade, a beleza da caridade
Homenagem  dos artistas a Bento XVI pelos seus 60 anos de sacerdócio

Discurso do Santo Padre Bento XVI

Átrio da Sala Paulo VI
Segunda-feira, 4 de julho de 2011

Senhores Cardeais,
Venerados Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio,
Caros amigos,
Para mim, é uma grande alegria encontrar-vos e receber a vossa criativa e multiforme homenagem por ocasião do 60º aniversário da minha Ordenação Sacerdotal. Sou sinceramente grato a vós pela vossa proximidade nesta ocasião tão significativa e importante para mim. Na Celebração Eucarística do dia 29 de junho passado, Solenidade dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, agradeci ao Senhor pelo dom da vocação sacerdotal. Hoje, agradeço-vos pela amizade e pela gentileza que me manifestais. Saúdo cordialmente o Cardeal Angelo Sodano, decano do Sacro Collegio, e o Cardeal Gianfranco Ravasi, Presidente do Pontifício Conselho da Cultura, que, junto a seus colaboradores, organizou esta manifestação artística particular, e agradeço também por suas palavras corteses a mim dirigidas. Dirijo também a minha saudação a todos os presentes, de modo particular a vós, caros artistas, que acolhestes o convite para apresentar uma criação vossa nesta Mostra.
O presente encontro, no qual tenho a alegria e a curiosidade de admirar as vossas obras, quer ser uma nova etapa daquele percurso de amizade e de diálogo que empreendemos no dia 21 de novembro de 2009, na Capela Sistina, um evento que ainda trago impresso no espírito. A Igreja e os artistas voltam a se encontrar, a conversar, a sustentar a necessidade de um colóquio que quer e deve se tornar cada vez mais intenso e articulado, também para oferecer à cultura, ou melhor às culturas do nosso tempo, um exemplo eloquente de diálogo fecundo e eficaz, orientado para tornar este nosso mundo mais humano e mais belo. Hoje, vós me apresentais o fruto da vossa criatividade, da vossa reflexão, do vosso talento, expressões dos vários âmbitos artísticos que aqui representais: pintura, escultura, arquitetura, ourivesaria, fotografia, cinema, música, literatura e poesia. Antes de admirá-las convosco, permiti-me dedicar algum momento para refletir convosco acerca do sugestivo título desta Exposição: “O esplendor da verdade, a beleza da caridade”. Na Homilia da Missa pro eligendo pontifice, comentando a bela expressão de São Paulo da Carta aos Efésios “veritatem facientes in caritate” (Ef 4, 15) – eu definia o “fazer a verdade na caridade” como uma fórmula fundamental da existência cristã. E acrescentava: “Em Cristo, verdade e caridade coincidem. Na medida em que nos aproximamos de Cristo, também na nossa vida, verdade e caridade se fundem. A caridade sem verdade seria cega; a verdade sem caridade seria como ‘um címbalo que retine’ (1Cor 13, 1)”. É próprio da união, ou melhor, da sinfonia, da perfeita harmonia de verdade e caridade, que emana a autêntica beleza, capaz de suscitar admiração, maravilhamento e alegria verdadeira no coração dos homens. O mundo no qual vivemos precisa que a verdade resplandeça e não seja ofuscada pela mentira ou pela banalidade; precisa que a caridade inflame e não seja oprimida pelo orgulho e pelo egoísmo. Precisamos que a beleza da verdade e da caridade toque o íntimo do nosso coração e o torne mais humano.
Caros amigos, gostaria de renovar a vós e a todos os artistas um apelo amigável e apaixonado: nunca separai a criatividade artística da verdade e da caridade, nunca buscai a beleza longe da verdade e da caridade, mas com a riqueza da vossa genialidade, do vosso ímpeto criativo, sejais sempre, com coragem, buscadores da verdade e testemunhas da caridade; fazei resplandecer a verdade nas vossas obras e fazei que a sua beleza suscite no olhar e no coração de quem as admira o desejo e a necessidade de tornar bela e verdadeira a existência, cada existência, enriquecendo-a com aquele tesouro que nunca diminui, que faz da vida uma obra de arte e de cada homem um extraordinário artista: a caridade, o amor. O Espírito Santo, artífice de toda beleza que há no mundo, vos ilumine sempre e vos guie em direção à Beleza última e definitiva, aquela que aquece a nossa mente e o nosso coração e que esperamos poder contemplar, um dia, em todo o seu esplendor.
Uma vez mais, obrigado pela vossa amizade, pela vossa presença e porque levais ao mundo um raio desta Beleza, que é Deus. De coração, transmito a todos vós, aos vossos entes queridos e a todo o mundo da arte, a minha Bênção Apostólica.

* Extraído do site do Vaticano, do dia 4 de julho de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Cartas do P.e Aldo 192

Asunción, 1 de maio de 2011.

Caros amigos,
Os apóstolos encheram-se de alegria ao verem Jesus. A alegria, a letícia cristã, portanto, consiste tão somente em ver, em tocar Jesus. Por isso, a nossa falta de alegria nunca se deve à dor, qualquer que seja essa dor, ou às circunstâncias adversas. Também os Evangelhos destes dias nos falaram da falta de letícia dos Apóstolos, uma falta que se devia ao fato de que eles O tinham confundido com um fantasma, com uma imaginação; e o fantasma, a imaginação – que é a negação da realidade – gera apenas medo, angústia, depressão. No fundo, a depressão é a vida sem a realidade e determinada pelos fantasmas, pelas fantasias. Por isto, numa aparição, Jesus disse: “Olhem, sou Eu... um fantasma não tem carne nem osso”, e mostrou suas chagas e comeu com eles. Assim, naquela manhã, no Lago de Tiberíades, Jesus ressuscitado apareceu uma vez mais e os apóstolos se assustaram, pensando que estavam vendo um fantasma. Como é terrível a fantasia, o não ver a realidade. Porém, João, o amigo predileto de Jesus, interveio prontamente e disse: “É o Senhor”. Pedro, como que despertado da sua letargia, ao ouvir “É o Senhor”, se jogou no mar e, nadando, chegou à margem e abraçou Jesus.
Nestes dias, toquei a beleza destes fatos. Vivi momentos duros, nos quais o medo entrou em mim e, com Paolino, nos demos conta de uma necessidade de correr para São Paulo, para encontrar os amigos Marcos, Cleuza, Julián, para que, como João, nos dissessem: “É o Senhor”. Deixamos a paróquia na noite de Páscoa e, como aqueles dois de Emaús, corremos para São Paulo e vimos o Senhor, de forma que, no dia seguinte, voltamos para casa com o coração cheio de letícia.
Os fatos acontecidos tinham sido muito dolorosos: Milagres, uma de nossas filhas da Casinha de Belém, morrera com apenas um ano de idade e me fora entregue nos braços pelo pessoal do hospital público envolta em trapos; a dor de seus irmãozinhos ao verem-na morta (leiam em Tempi o texto no qual relato estes fatos); a morte de um de meus primeiros colegiais, que, há um tempo, era hóspede da nossa clínica e carregava nas costas uma vida de drogas, álcool e rua; a morte de Maria Vitória, com 22 anos de idade, uma garota tão bonita consumida pelo câncer e que tinha uma filha de dois anos; a chegada na nova casa de acolhida para meninas violentadas e grávidas: primeiro (não digo os nomes verídicos) Maria, uma garotinha de 15 anos de idade, que morava numa favela e que parece ter 12 anos, e teve uma filhinha linda, mesmo que, desde os 9 anos de idade, consuma todo tipo de droga, mesmo que, durante a gravidez, tenha consumido tanto crack - a menina é um milagre do Senhor -; Josefina, de 17 anos, uma vida cheia de violência e que deu à luz uma prematura que acabou de completar um mês de vida; Larissa, 15 anos, uma vida de sofrimentos, está grávida de sete meses; Maria, uma menina de 12 anos, está no oitavo mês. Estes são apenas alguns dos acontecimentos. Agora vocês entendem o motivo da urgência de ver os amigos, ou seja, aqueles que nos indicam com clareza que “É o Senhor”. E é esta certeza, neste mar de dor, que torna cheio de letícia o coração, porque, com amigos assim, não existe momento em que não se possa se alegrar ao ver o Senhor ressuscitado.
A alegria é um lugar, não uma emoção ou um sentimento. A alegria é um lugar onde está presente, evidente, o carisma. Não basta que seja um lugar, mas é necessário que esteja presente o carisma. Por isto, tantas companhias não nos dizem nada, porque não vivem aquela pertença ao carisma, não seguem Carrón, não olham para onde ele olha, não se deixam provocar pela experiência que ele vive, pela liberdade que ele nos testemunha. E estas companhias não somente não nos ajudam como também nos causam apenas danos, como é muito frequentemente documentado, mesmo em quem pretende ajudar uma obra.
Sem esta posição que nos define, seremos tristes, vítimas dos nossos fantasmas que, depois, se tornarão pretensões sobre tudo; verdadeiramente, a letícia é um lugar no qual está presente, vibrante, o carisma. E é, de fato, comovente ver que a companhia de Marcos, Cleuza, Julián de La Morena, Bracco é a vitória de Cristo hoje; de forma que mesmo as obras caminham na gratuidade e nos permitem viver sempre mais com clareza aquilo que deriva dEle. Amigos, somente assim é possível estar diante da morte com o coração cheio de letícia, mesmo quando é um filho seu, como Milagres, que lhe é tirado; somente assim é possível permanecer diante destas meninas mães, fruto da violência, com gratuidade, respeito, discrição, amando-as, porque é possível ver nelas a paixão e a ressurreição de Cristo.
Com afeto,
Padre Aldo

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Cartas do P.e Aldo 186

Asunción, 1 de abril de 2011.

Caros amigos,
Vimo-nos na Itália, com Marcos e Cleuza... e eis que, para surpresa de todos, eles chegaram no Paraguai. Por que vieram? Muitos se perguntaram. A resposta foi dada por eles: “Há um tempo sentíamos falta e desejávamos estar junto não apenas do Padre Aldo, que encontramos, no último mês, todas as semanas, mas também dos amigos de Padre Aldo, que são também nossos amigos, porque cada um de nós pertence ao outro”.
Muito bonita esta consciência de pertença que não conhece quilômetros. Dessa vez, vieram também Ivone, Guilherme, Angra e Douglas.
Contar tudo o que aconteceu é impossível para mim... de forma que me vejo obrigado a me lembrar da convivência dos apóstolos com Jesus. Mas, tem uma coisa que me parece fundamental compartilhar com vocês. Cleuza disse: “Viver a liberdade no meio da circunstância significa reconhecer a realidade como provocação e não como preocupação. Por isto, não são as coisas que me fazem feliz, nem mesmo o Lago Maggiore que vimos em nossa viagem à Itália, mas aquilo de que o Lago Maggiore é sinal, ou seja, o Mistério que faz tudo.
Por isto, posso não ter mais nada, viver debaixo de uma ponte, mas não mudaria nada, porque posso sempre viver a realidade como sinal. Estar no Lago Maggiore ou chegar a Asunción, onde havíamos previsto uma visita à fazenda, compartilhando um churrasco, e, pelo contrário, chegar à Paróquia, com todos os amigos, depois de nos levantarmos, e ver o Padre Aldo e a Irmã Sônia ocupados, levando um defunto para o cemitério, de forma que todos os projetos foram desfeitos... isso, era a mesma coisa. Tudo estava programado nos mínimos detalhes, mas o imprevisto (o mendigo que morreu na Clínica), que sempre é um Acontecimento, mudou tudo.
Na hora, fiquei com medo, porque nunca me havia acontecido uma coisa parecida. Eu estava com medo. Mas, quando Irmã Sônia começou a rezar o Rosário, uma alegria grande tomou conta do meu coração, uma alegria que me acompanhou durante todo o dia. A realidade desfaz os planos, os projetos, mas é sempre amiga e a Letícia do meu coração é a evidência. Porém, sem amigos, sem rostos, isto não seria possível”.
Com afeto,
Padre Aldo

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Comentário ao evangelho do dia

6ª-feira da 3ª Semana Quaresma

1ª Leitura - Os 14,2-10
Assim fala o Senhor Deus: "Volta, Israel, para o Senhor, teu Deus, porque estavas caído em teu pecado. Vós todos, encontrai palavras e voltai para o Senhor; dizei-lhe: 'Livra-nos de todo o mal e aceita este bem que oferecemos; o fruto de nossos lábios. A Assíria não nos salvará; não queremos montar nossos cavalos, não chamaremos mais 'Deuses nossos' a produtos de nossas mãos; em ti encontrará o órfão misericórdia'. Hei de curar sua perversidade e me será fácil amá-los, deles afastou-se a minha cólera. Serei como orvalho para Israel; ele florescerá como o lírio e lançará raízes como plantas do Líbano. Seus ramos hão de estender-se; será seu esplendor como o da oliveira, e seu perfume como o do Líbano. Voltarão a sentar-se à minha sombra e a cultivar o trigo, e florescerão como a videira, cuja fama se iguala  à do vinho do Líbano. Que tem ainda Efraim a ver com ídolos? Sou eu que o atendo e que olho por ele. Sou como o cipreste sempre verde: de mim procede o teu fruto. Compreenda estas palavras o homem sábio, reflita sobre elas o bom entendedor! São retos os caminhos do Senhor e, por eles, andarão os justos, enquanto os maus ali tropeçam e caem".

Evangelho - Mc 12,28b-34
Naquele tempo, um mestre da Lei, aproximou-se de Jesus e perguntou: "Qual é o primeiro de todos os mandamentos?". Jesus respondeu: "O primeiro é este: Ouve, ó Israel! O Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e com toda a tua força! O segundo mandamento é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo! Não existe outro mandamento maior do que estes". O mestre da Lei disse a Jesus: "Muito bem, Mestre! Na verdade, é como disseste: Ele é o único Deus e não existe outro além dele. Amá-lo de todo o coração, de toda a mente, e com toda a força, e amar o próximo como a si mesmo é melhor do que todos os holocaustos e sacrifícios". Jesus viu que ele tinha respondido com inteligência, e disse: "Tu não estás longe do Reino de Deus". E ninguém mais tinha coragem de fazer perguntas a Jesus.

Comentário extraída do Concílio Vaticano II
Constituição dogmática sobre a Igreja, "Lumen Gentium", § 42

"Deus é caridade e quem permanece na caridade, permanece em Deus e Deus nele" (1 Jo. 4, 16). Ora, Deus difundiu a sua caridade nos nossos corações, por meio do Espírito Santo, que nos foi dado (cf. Rom. 5, 5). Sendo assim, o primeiro e mais necessário dom é a caridade, com que amamos a Deus sobre todas as coisas e ao próximo por amor dEle. Para que esta caridade, como boa semente, cresça e frutifique na alma, cada fiel deve ouvir de bom grado a palavra de Deus, e cumprir, com a ajuda da graça, a Sua vontade, participar frequentemente nos sacramentos, sobretudo na Eucaristia, e nas funções sagradas, dando-se continuamente à oração, à abnegação de si mesmo, ao serviço efetivo de seus irmãos e a toda a espécie de virtude; pois a caridade, vínculo da perfeição e plenitude da lei (cf. Col. 3, 14; Rom. 13, 10), é que dirige todos os meios de santificação, os informa e leva a seu fim. É, pois, pela caridade para com Deus e o próximo que se caracteriza o verdadeiro discípulo de Cristo.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Cartas do P.e Aldo 180

Asunción, 25 de fevereiro de 2011.

Caros amigos, este mês foi, para mim, uma sucessão de fatos que me provocaram muito e, ao mesmo tempo, me tornaram mais consciente da minha pertença a Cristo através daqueles rostos nos quais a evidência do Mistério é concreta, precisa e cheia de comoção. Amizade que, em cada momento, me grita “É o Senhor!”, como naquela alvorada, no lago de Tiberíades, quando Pedro acordando na barca e olhando para a margem do lago, não reconhecendo o Senhor que vinha em direção a ele, assustado pensou que era um fantasma, mas de repente o amigo João, que carregava nos olhos e no coração o encontro tido com Jesus naquele dia às margens do Jordão, reconhece quem era aquele “fantasma” e grita aos amigos da barca: “É o Senhor!”.
Foi suficiente que um deles reconhecesse que era Jesus para que Pedro, o homem do medo, frequentemente vítima das suas fantasias, se lançasse na água do lago para alcançar aquele homem, abraçá-lo, deixar-se abraçar e, naquele abraço, sentir toda a Sua ternura, aquela ternura que é a única que pode salvar o homem.
“É o Senhor!”. Não posso viver sem que alguém continuamente me recorde, desperte em mim esta consciência, para que as duras circunstâncias da vida não me sufoquem. Como seria possível, sem esta certeza de que “é o Senhor!”, olhar no rosto a dor das minhas crianças, dos meus doentes e também a minha dor? Porque cada lágrima, cada gemido são também meus.
Neste mês, estive quatro vezes no Brasil. Certamente, para alguns pode parecer exagerado. Mas, eu lembro bem que, quando a depressão me atormentava a vida – nos inícios de 1989 –, em poucos meses, eu havia feito 20 mil quilômetros procurando refúgio nos diversos santuários marianos do norte da Itália e nos pouquíssimos amigos que podiam me fazer companhia. A pessoa se move apenas na medida em que é atraída por uma beleza, e a beleza é sempre dramática, porque a beleza é a vida ou a realidade definida pelo encontro com Cristo. Antes, como agora, o que me move a fazer estas viagens é a minha necessidade de estar próximo de quem, afetiva e efetivamente, me chama a atenção, me remete a “é o Senhor!”.
É nesta óptica que nasce a preferência, aquela preferência que envolveu na mesma experiência também o P.e Paolino e outros amigos que vivem comigo. Uma preferência que se dilata sempre mais e que se reflete no abraço a toda criança, a todo ancião, a todo paciente terminal. É possível carregar consigo a dor dos outros apenas se a sua dor é compartilhada com alguém que lhe quer bem. e não porque isso seja capaz de substitui-lo no enfrentamento da própria dor, mas apenas porque lembra a você que “é o Senhor!”, porque, na medida em que você está próximo daquela dor, você é remetido à doce Presença de Jesus. Certamente não faltam dificuldades, mas na experiência de olhar a Jesus no próprio rosto tudo se torna bem, mesmo o cansaço de estar aqui, no aeroporto de São Paulo, esperando o avião que sempre se atrasa absurdamente, de forma que chegarei em casa apenas às 3 da manhã.
É exatamente graças a esta fadiga que, na certeza de que “é o Senhor!”, posso enviar a vocês estas linhas, a fim de lhes comunicar a alegria de estar junto dos amigos que me recordam constantemente a única coisa que me interessa: “É o Senhor!”.
Deus queira que todos possamos ter esta alegria nos nossos rostos, não importando onde nem como, mas que nos lembrem sempre: “É o Senhor!”. A pessoa se move apenas por isto. O problema não são os quilômetros ou os metros, mas a consciência de que apenas Cristo realiza, educa àquele desejo de vida que todos carregam dentro de si. Não vejo a hora de rever os meus filhos, para lhes dar esta certeza que também é um frescor afetivo cada vez maior.
Com afeto
P.e Aldo

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

O "incrédulo" São Tomé ensina a ser cristãos


Por John Waters

Frequentemente, me vejo pensando que São Tomé, o chamado “incrédulo”, não mereça o codinome que o acompanha. Se, quando eu era mais jovem, me perguntassem, depois de ter ouvido continuamente as histórias do Evangelho com suas interpretações, acho que não teria colocado Tomé muito longe de Judas na lista dos malvados. Mas, seria justo?
Tomé, o incrédulo, era um dos doze apóstolos de Jesus, conhecido também como Dídimo, que em grego significa “gêmeo”, como Tomé em hebraico. O codinome “incrédulo” lhe foi dado depois de sua recusa inicial de acreditar que Cristo tivesse ressuscitado da morte, até que pudesse ver suas chagas.
O Evangelho de João nos diz que, depois da Ressurreição, Jesus apareceu a alguns discípulos quando Tomé não estava presente. João diz (20, 25): “Os outros discípulos contaram-lhe: ‘Nós vimos o Senhor!’. Mas Tomé disse: ‘Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos, se eu não puser a mão no seu lado, não acreditarei’”.
Oito dias depois, Jesus reapareceu aos Seus discípulos, e desta vez Tomé estava junto: “Estando as portas fechadas, Jesus entrou, pôs-se no meio deles e disse: ‘A paz esteja convosco’. Depois disse a Tomé: ‘Põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos. Estende a tua mão e coloca-a no meu lado e não sejas incrédulo, mas crê!’. Tomé respondeu: ‘Meu Senhor e meu Deus!’. Jesus lhe disse: ‘Creste porque me viste? Bem-aventurados os que não viram, e creram!’” (Jo 20, 26-29).
Estas palavras de Jesus são, normalmente, interpretadas como uma espécie de condenação para aqueles que precisam de provas para acreditar. Todavia, de uma leitura mais atenta, percebi que Jesus não desdenha de Tomé, como eu pensava. Na realidade, Ele é muito gentil e paciente, permitindo que Tomé examine as Suas feridas  e dizendo que é bom que, então, ele acredite, afirmando ao mesmo tempo a bondade daqueles que creem sem terem visto, chamando-os “bem-aventurados”, mas não diz que Tomé é menos “bem-aventurado”.
A distinção que Jesus faz não é entre quem quer provas e quem não precisa delas, mas entre quem viu pessoalmente e quem não viu: a esta segunda categoria pertencem quase todos os cristãos que existiram até hoje, inclusive todos nós que vivemos hoje em dia.
Refletindo, não acredito que Jesus quisesse dizer que há maior valor se acreditarmos sem provas, e ainda menos que quisesse atribuir maior valor a um crer não fundado sobre provas, mas que quisesse distinguir entre dois tipos diversos de prova: aquela dada pelos olhos e aquela fundada sobre testemunhos confiáveis.
Se a fé é sustentada sobre o mero sentimento ou sobre um conceito superficial de obediência, se torna menos sólida e mais exposta ao ceticismo. A melhor forma de fé é aquela que explora livremente todo o campo da dúvida, levando em consideração todas as provas disponíveis, como fez Tomé.
A fé dos cristãos de hoje certamente não é privada de evidências. Temos a dura evidência da realidade, a evidência da nossa existência e da sua misteriosa natureza, a evidência da resposta menos levada em consideração entre aquelas que podemos dar: o maravilhamento por “aquilo que é”. Temos também a evidência dos Evangelhos e dos centenas de testemunhos ali contidos, suas histórias que, conscientemente ou não, ponderamos com a nossa razão desde a infância, avaliando a sua plausibilidade do mesmo modo que o incrédulo Tomé enfrentou as provas que tinha diante de si. Tendo dado voz às mais profundas incertezas da posteridade, tornou-se, para nós, uma testemunha mais importante do que todas as outras.
De muitas outras referências nos Evangelhos aprendemos que Tomé, em diversas ocasiões, demonstrou-se um dos mais decididos entre os apóstolos, corajoso e fiel. Quando os outros tentavam impedir Jesus de voltar a Betânia para ressuscitar Lázaro, viso que os habitantes daquela cidade tinham tentado apedrejá-lo (Jo 11, 8), Tomé prorrompeu: “Vamos nós também, para morrermos com ele!” (Jo 11, 16). E é também ele que faz a Jesus uma das mais famosas perguntas do Evangelho: “‘Senhor, não sabemos para onde vais. Como podemos conhecer o caminho?’. Jesus respondeu: ‘Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai senão por mim’” (Jo 14, 5-6).
Nesta nossa época incrédula como poucas, na qual uma falsa forma de razão arrancou a nossa cultura do significado de muito daquilo que é evidente, a importância de Tomé, o incrédulo, é tal que pode ser mesmo eleito o patrono da cultura hodierna, marcada pelo secularismo e pelo seu relativismo, pelo seu conceito reduzido de razão e pela sua tendência ao pessimismo como primeira resposta diante da realidade. É o “gêmeo” do cristão moderno, o meu gêmeo... e, quem sabe?... talvez também o seu?
“É um São Tomé”: essa é uma frase usada na nossa cultura para indicar alguém que recusa acreditar numa evidência direta, física, pessoal, e neste sentido pode-se dizer que englobe inteiramente a posição da cultura atual. Na realidade, um ceticismo razoável não é, de todo modo, um traço deplorável numa pessoa inteligente. Como o Papa nos lembra continuamente, a inteligência da fé deve se tornar inteligência da realidade. Não há nada a temer na busca de uma prova: o problema é como chegamos a avaliar esta prova e o que escolhemos fazer com ela.
Não acredito que Jesus, com a Sua resposta a Tomé, quisesse nos convidar a reduzir este desejo de provas em favor de uma cega adesão à ideia moralista segundo a qual o crer, por si mesmo, é preferível a uma abordagem rigorosa na busca pela verdade. No máximo, queria, talvez, sugerir que, muito mais do que suspender a nossa abertura ao crer, é mais útil para nós suspender o nosso ceticismo enquanto não tivermos considerado todos os aspectos e não só aquilo que dizem os nossos olhos. Se algo estava sendo condenado era aquele empirismo que exige a total demonstrabilidade para justificar a aceitação de uma proposta.
Por isto, me pergunto se não fomos injustos com o incrédulo Tomé. Talvez, no seu ceticismo, ele nos tenha dado um testemunho ao qual podemos aderir de modo mais concreto e, com a sua insistência sobre as provas, ele nos tenha proposto um exemplo a seguir e uma história na qual o ceticismo foi dissolvido por um evento que, testemunhado pelo Evangelho de João, permite também a nós acreditar mesmo sem “ver” pessoalmente.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 15 de fevereiro de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

sábado, 22 de janeiro de 2011

Comentário ao evangelho do dia

Evangelho - Mc 3,20-21
Naquele tempo, Jesus voltou para casa com os discípulos. E de novo se reuniu tanta gente que eles nem sequer podiam comer. Quando souberam disso, os parentes de Jesus saíram para agarrá-lo, porque diziam que estava fora de si.

Comentário feito por São Tomás de Aquino (1225-1274)
teólogo dominicano, Doutor da Igreja 

O Filho único de Deus, querendo fazer-nos participar da Sua divindade, tomou a nossa natureza a fim de divinizar os homens, Ele que Se fez homem. Por outro lado, o que tomou de nós, no-lo deu inteiramente para a nossa salvação. Com efeito, sobre o altar da cruz, ofereceu o Seu corpo em sacrifício a Deus Pai a fim de nos reconciliar com Ele, e derramou o Seu sangue para ser, ao mesmo tempo, nosso resgate e nosso batismo: resgatados de uma lamentável escravidão, seríamos assim purificados de todos os nossos pecados. E para que guardemos sempre a memória de um tão grande benefício, deixou aos fiéis o Seu corpo a comer e o Seu sangue a beber, sob o aspecto externo de pão e de vinho. [...] Haverá coisa mais preciosa do que este banquete, onde já não nos propõem, como na antiga Lei, que comamos a carne dos veados e dos cabritos, mas o Cristo que é verdadeiramente Deus? Haverá coisa mais admirável que este sacramento? [...] Ninguém é capaz de exprimir as delícias deste sacramento, dado que nele se prova a doçura espiritual na sua fonte; e nele se celebra a memória deste amor inultrapassável que Cristo mostrou na Sua Paixão. Ele queria que a imensidão deste amor se gravasse mais profundamente no coração dos fiéis. Foi por isso que na última Ceia, depois de ter celebrado a Páscoa com os Seus discípulos, quando ia passar deste mundo para o Pai, instituiu este sacramento como memorial perpétuo da Sua Paixão, cumprimento das antigas prefigurações, o maior de todos os Seus milagres; e àqueles a quem a Sua ausência enchia de tristeza, deixou este sacramento como conforto incomparável. 

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Cartas do P.e Aldo 175

Asunción, 06 de janeiro de 2011.

De fato, o homem é apenas relação com o Infinito e, desta certeza, nasce aquele dinamismo incansável da vida que é a gratuidade.
Que graça chegar ao fim de um dia cujo calor úmido dos trópicos parece apagar toda energia e se encontrar com o coração fresco pela paixão por Cristo, que se torna paixão pelo homem.
Nesta noite, estive na Casinha de Belém, como tento fazer todos os dias, e Rose, a menina de três anos que tão logo me ouve corre para entre os meus braços, quis – sim ou sim – mesmo que já tarde, vir comigo para casa. Assim, enquanto escrevo, ela está sentada diante de mim com um sorvetinho e fala olhando para as fotografias dos seus irmãozinhos da Casinha. E pensar que quando chegou nós acreditássemos que ela morreria, visto o tanto que havia sofrido. Hoje, ela é como todas as crianças: alegre e brinca. Vejo nela a evidência daquele Mistério que me faz e, consequentemente, faz também ela. Sempre mais experimento que somente vivendo com a certeza do “eu sou Tu que me fazes” é que é possível salvar tudo e todos. Como explicar de outra forma que estes meus filhos, com todas as violências sofridas e os problemas conseqüentes, sejam felizes?
O homem, tanto a criança violentada quanto o violentador, quanto cada um de nós, tem necessidade de encontrar homens definidos pelo Mistério. Somente assim nasce a gratuidade. Aquela gratuidade que vi em ação, nesses dias, quando a doutora especialista em AIDS, Cristina, me chamou, enquanto cuidava do corpo de um doente de AIDS já apodrecido em várias partes e cheio de vermes. Eu estava assustado, enquanto que ela, com as pinças, arrancava daquele corpo apodrecido, um por um, aquelas misérias. A um certo ponto, perguntei-lhe: como você consegue resistir, Cristina? E ela: “Padre, estou tirando os vermes do corpo de Jesus”.
Um minuto depois, o doente, aquele pobre homem que também tem uma psoríase terrível, conseguiu dizer: “Eu sou Jesus”. Veio-me em mente a pergunta de Jesus a Marta, diante do cadáver mal-cheiroso de Lázaro – como o deste meu filho: “Crês isto?”. “Sim, Senhor, eu creio.” E assim consegui até mesmo jantar, não obstante a minha cabeça estivesse fixa sobre aquilo que eu tinha visto.
Amigos, esta é a contemporaneidade de Jesus de que fala Carrón na sua intervenção natalícia.
Estes dias têm sido muito difíceis. O calor me nocauteia. O meu corpo está sempre úmido. A tensão nervosa que isso me cria é enorme, assim como a irritabilidade; e no entanto não é o Alprazolan que me torna sereno e calmo, mas o repetir contínuo “eu sou TU que me fazes”, “Senhor, te ofereço”, “Tu, meu Cristo”. Amigos, vocês entendem como tudo é possibilidade para dizer “Tu, meu Cristo”? Assim, o lamento deixa lugar para a oferta. Mas, sozinho é impossível. Por isto, no fim do ano, peguei o avião e passei três dias com os amigos Marcos, Cleuza, Bracco e Julián de La Morena. Eu precisava urgentemente ver os amigos, aqueles rostos com os quais a familiaridade com Cristo é mais evidente. Não fizemos nada de especial. Ficamos juntos como Jesus com os seus amigos, retomando aquilo que Carrón nos disse no Natal, e a partir disso julgando a nossa vida. Mandei o resultado desse diálogo para “Tempi”, porque desejo que todos, mesmo quem não conhece a nossa experiência, possam perceber que o cristianismo é uma amizade e entendam o que quer dizer que os cristãos sejam os amigos de Jesus.
Amigos, de verdade, tenho o coração queimando por Cristo, e este fogo me torna criativo, atento, para responder a toda provocação da realidade. Exatamente como, nesse momento em que devo levar Rose para dormir com as outras crianças, mesmo que ela não esteja cansada e esteja mexendo em tudo no meu escritório. Olho para ela que está virando de ponta cabeça tudo, o aparelho de fax e o CD player. É isto que passa, para mim, com Jesus: basta estar com Ele, porque, depois, é Ele quem faz, que leva adiante a obra.
Um abraço no Senhor a todos.
Com afeto
Padre Aldo

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Cartas do P.e Aldo 165

Asunción, 5 de outubro de 2010.

Caros amigos,
estou voltando para casa no último dos 3 voos que ligam São Paulo a Asunción, com o meu inseparável companheiro de aventura. Já passa da meia-noite e estamos a 10 mil metro de altura, sobrevoando o Mato Grosso. Tenho o coração comovido por aquilo que vivi nas últimas 24 horas.
Chegamos em São Paulo no domingo à noite. Os amigos Marcos e Cleuza estavam nos esperando no aeroporto e tinham acabado de saber da vitória de Marcos nas eleições. No domingo, em todo o Brasil, houve votação para eleger o novo presidente, os governadores, deputados e senadores. Pergunto-me: quem, entre os políticos do mundo, no momento que, na TV, estão dando os resultados das eleições, deixam o seu posto de comando para ir pegar e receber amigos que chegam, no aeroporto, e, além do mais, dois pobres padres? Não acontece nem mesmo nas congregações religiosas. Lembro-me de que, há alguns anos atrás, um amigo missionário me contava que tinha recebido uma carta de um dos seus superiores da congregação, carta enviada a todos os membros espalhados pelo mundo, dizendo que, chegando a Fiumicino (o aeroporto de Roma), pegassem um táxi para ir para a sede, visto que não havia religiosos disponíveis para um gesto de boa educação. A caridade é muito mais do que isso...
Terrível, quando falta o humano! O que vocês querem, amigos, o humano ou está presente ou não está! E em Marcos e Cleuza, o humano simplesmente está presente. Por isso, são livres até mesmo do êxito nas eleições, de um resultado político eleitoral, que provocaria tanto afã nos candidatos, na espera dos resultados. Imaginem o abraço que recebe em pleno aeroporto. Isto é o humano, e é aquilo que levou Marcos à vitória, quando, nesses meses, junto com Cleuza e os seus colaboradores, passaram de casa em casa cumprimentando os potenciais eleitores, com o mesmo abraço que recebemos no aeroporto. Com a mesma efusão e intensidade.
Experimentamos a mesma coisa quando chegamos à Associação dos Trabalhadores Sem-Terra. O grupo de coordenadores (uns cinquenta) da campanha eleitoral, que estavam em torno da TV, acompanhando o resultado, quando se deu conta da nossa presença, saltou em pé para nos cumprimentar. Em seguida, Cleuza preparou a mesa e jantamos: tortellini e um grelhado. Uma festa onde os protagonistas eram aqueles que formavam aquele grupo de pecadores, gente pobre, muitos dos quais não terminou nem mesmo o ensino fundamental. O lugar era um galpão. Nada parecido com uma sede ou um hotel, como alguns pensariam. Mas, a Presença de Cristo podia ser tocada com as mãos!
No dia seguinte, ou seja, ontem, segunda-feira, dia 4, festa de São Francisco – de quem os Zerbini são muito devotos –, fomos todos para o Santuário de Aparecida. Éramos cerca de quarenta pessoas, num velho ônibus. Depois de duas horas, chegamos neste enorme Santuário que acolhe a pequena imagem de Nossa Senhora (com uns 30 cm de altura) que foi recolhida por pescadores, alguns séculos atrás, num rio. Este Santuário foi decorado com a genialidade do nosso amigo Cláudio Pastro (vocês se lembram dos seus quadros? Aqueles, nos quais os personagens aparecem sempre vestidos de modo vivo e têm aqueles olhões grandes, grandes?).
Celebramos a missa... porque foi dali que se deu partida, em julho, para a campanha eleitoral, depois de três dias de caminhada... e voltamos ao mesmo lugar para agradecer o sucesso. Durante todo o dia, chegavam cumprimentos para Marcos. Ao meio-dia, almoçamos numa churrascaria e foi uma festa. Às 17h, começamos a reunião da fraternidade. O tema foi a introdução de Carrón ao livro de D. Gius – “L’io rinasce da un incontro”. Como sempre, foi uma novidade. Cada intervenção foi um pedaço de vida, foi a manifestação de um eu comovido diante da realidade e não aprisionado por ela. A cada vez aparece, com mais clareza, entre nós, a certeza de que o cristianismo é apenas uma amizade carregada de humanidade e definida pelo Mistério. Demo-nos conta de que o individualismo é uma tentação contínua. Não é possível pertencer a Cristo sem pertencer à Sua carne, hoje, sem um relacionamento arrebatador entre nós que julga tudo. Não ficamos analisando a votação de ontem, falamos de como o eu foi protagonista do que aconteceu. Marcos não falava de estratégias futuras, de alianças etc.; simplesmente saboreava conosco a ocasião que vivemos para anunciar a Cristo.
Um dia longo, mas tão curto e bonito como são todos os dias quando a consciência de “amei-te como amor eterno, tendo piedade do teu nada” constitui cada instante.
Com afeto
Padre Aldo e Padre Paolino

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

O eu renasce em um encontro



Rímini, 28 de agosto de 2010.

Fabrice Hadjadj nasceu em 1971, em Nanterre. É filósofo e intelectual francês, de cultura judaica, converteu-se ao cristianismo em 1988. Colabora com Figaro Littéraire e Art Press, ensina filosofia e literatura na escola católica Sainte-Jeanne-D'Arc de Brignoles. Autor de diversos livros, venceu, em 2006, o Grand Prix Catholique de literatura. O texto abaixo é a transcrição da conferência proferida pelo filósofo no âmbito do Meeting pela Amizade entre os Povos, edição de 2010, no dia 28 de agosto de 2010. A conferência pode ser assistida aqui.

Por Fabrice Hadjadj
Obrigado. Fico muito feliz de estar aqui com vocês. Retorno este ano, depois de minha participação no ano passado, tendo tido, por isso mesmo, a oportunidade de reencontrar amigos. Gostaria de agradecer especialmente ao Padre Carrón que me convidou, e também ao meu amigo Ugo Moschella que tinha traduzido para o italiano essa minha conferência, porque eu havia pensado em proferi-la em italiano, mas me dei conta de que era um exercício de ventríloquo muito difícil e que, fazendo esse exercício, não conseguiria entender quem seria o ventríloquo e quem seria a marionete. Por isso, escolhi lê-la em francês.
Seja como for, meu embaraço é grande: tenho que falar com vocês sobre um livro cujo título é L’io rinasce in un incontro [O eu renasce em um encontro, ainda não traduzido para o português; ndt], que me coloca numa situação extremamente difícil porque, se este título diz a verdade, se esta conferência neste meeting é um momento do Meeting, e portanto se esta conferência é um encontro, então devo falar de modo tal que possamos renascer, devo experimentar, de alguma maneira, fazer um exercício de ressurreição e é exatamente isso que, no fundo, todos nós estamos esperando. Por que estamos aqui? Por que tantos e de tantos lugares distantes? Será que para receber informações suplementares e encher nossa cabeça como se enche uma enciclopédia? Mas, por maior que seja a nossa cabeça, um dia, deverá cair; e não fará outra coisa melhor do que cair com o peso de todo este saber morto, que já era mortal em si mesmo desde o momento em que não nos fez nos darmos conta da esperança de uma ressurreição. Mas, uma vez dito isto, eis que um peso insustentável pesa sobre mim, ou melhor, uma insustentável leveza pesa sobre nós, porque, como fazer para ressuscitar, como fazer para que o nosso encontro seja um renascimento? Mas, pode acontecer que a pergunta tenha sido mal colocada, porque talvez não se trate tanto de fazer, pois se se tratasse de fazer a partir do meu projeto, a partir do meu discurso, um discurso brilhante, um discurso que seduz a plateia, não haveria nenhum encontro, nenhum acontecimento, porque tudo seria o efeito de um programa e perderia, portanto, o frescor exuberante de um nascimento. Então, como fazer para que não seja apenas um fazer? Como se dispor ao encontro, como permitir que o encontro aconteça de tal forma que fiquemos prontos a nos deixarmos transformar por aquilo que acontece? E como ser transformado pelo outro de tal modo que a mudança não seja uma alienação, mas uma realização, uma ressurreição? A dificuldade não é apenas a de se dispor a um renascimento, mas também é a de reconhecer aquilo que pressupõe este renascimento. Com efeito, alguém poderia objetar: “Por que renascer? Já não nasci? Já não sou eu mesmo? Por que teria necessidade de um encontro para que o meu eu possa renascer?”. De fato, para desejar renascer, é preciso, em primeiro lugar, reconhecer que se está morto. Isso, frequentemente, é esquecido, mas apenas com um bom morto é que se pode fazer um bom ressuscitado. A boa notícia, a boa nova da misericórdia infinita pressupõe a má notícia da nossa miséria infinita, e o meu embaraço – embaraço especial, vocês vão entender – é o de ter que fazer esta constatação diante de vocês: “cada um de nós está morto”. Eu estou morto, talvez não biologicamente, mas espiritualmente, lá onde não entro no encontro, não me abro ao outro, ignoro a existência do meu coração.
Usei a palavra coração. Esta mesma palavra que se encontra no centro deste Meeting. Mas, o que é o coração? Um músculo, mas um músculo estranho porque é um músculo oco, que acolhe em si outro diferente de suas próprias fibras. E também porque, diferentemente dos outros músculos, não depende diretamente da minha decisão. Os 17 músculos da minha língua se ativam em seguida à minha vontade de falar, e se escolho mover a mão é graças a músculos que obedecem ao meu querer; mas o meu coração bate sem que eu lhe ordene. Começou a bater antes mesmo que eu tivesse começado a exercitar a minha vontade, e bate numa velocidade que não fui eu que decidi. É assustador: o centro de mim mesmo não está em meu poder. Aquilo que eu tenho de mais fisicamente íntimo me escapa e, pior, o meu coração bate o seu tum-tum sem me consultar e, portanto, pode parecer para mim como uma espécie de hóspede selvagem, um membro de uma tribo primitiva que bate o ritmo de uma dança canibal. Porque eu sei que, da mesma forma que começou a bater sem que eu o quisesse, pode muito bem parar de bater daqui a pouco sem que, ao menos, nesse caso, eu o queira, e será o fim da dança, será o momento no qual a vítima deverá ser consumida. Assim, o coração é o sinal do ser recebido, mas também do ser oferecido. O sinal de que não me dei a vida, mas também de que devo oferecer a minha vida se não quero apenas perdê-la, porque, seja como for, todo o sangue que escorre deverá ser derramado, mas para quê? Para qual ressurreição? Dom Giussani escreve: “a verdade da vida é o seu relacionamento com o mistério de onde nasce, de que nasceu”. Nasce porque ninguém se dá o instante que vive. Trata-se de uma verdade muito concreta – que as batidas do nosso coração se repetem continuamente, no nosso pescoço, nas nossas têmporas, nas nossas orelhas – uma verdade que não paramos de cobrir com uma manta de ruídos para acreditar que somos os artífices da nossa existência.
O sinal de que a vida é, em cada momento, recebida para ser oferecida pode ser observado também em outro lugar, por exemplo, no nosso umbigo. Costuma-se dizer “olhar para o próprio umbigo”, para falar do egoísta, do vaidoso, também para falar daquele que se toma como o centro do universo; mas se você olha de verdade para o próprio umbigo o que descobre? Uma cicatriz, a sua primeira cicatriz que é o testemunho inefável do seu relacionamento com um outro, da sua relação com sua mãe que foi, para você, a primeira morada, e se você não a tivesse encontrado, nunca teria nascido. Assim, o nosso umbigo nos recorda a nossa dependência original de um outro, nos recorda que não somos feitos por nós mesmos e que, no meio de nós mesmos, tem esta ferida que é o sinal de um dom, esta ferida que nos chama a dar, a não temer as feridas se forem para dar a vida.
Outro sinal semelhante ao coração e ao umbigo, mas que nos remete do corporal ao espiritual e que, portanto, nos é apenas um sinal, mas é a prova de que toda a nossa pessoa, corpo e alma, vive apenas por causa do encontro e de dentro do encontro, este outro sinal é a nossa palavra. Assim como se fala em “olhar para o próprio umbigo”, em francês se diz também “escutar-se falar”; mas, ainda uma vez, se você se escutasse de verdade, o que ouviria? Entonações que você herdou do seu pai ou da sua mãe, do seu irmão, ou de um professor admirado, mas sobretudo escutaria as palavras e uma gramática, toda uma língua que você não criou, que você recebeu das vozes dos seus pais como um dom encantado das fadas que sobrevoavam o seu berço; e se você começa a dizer “não quero a comunhão com vocês”, se você diz algo assim, você se contradiz duas vezes. Contradiz-se uma primeira vez porque você se volta ainda aos outros e tem necessidade de voltar-se aos outros para afirmar a sua posição e, portanto, você demonstra, dessa forma, uma necessidade, ainda que negativa, de comunhão. E você se contradiz  uma segunda vez porque as suas palavras provêm já de uma comunhão, de uma comunidade linguística, e mesmo que você fale sozinho sempre será escuta e direção, resposta e pergunta essencialmente ao outro. Assim, a sua língua é como o seu coração: está em você, na sua boca e testemunha que você não se deu a sua vida sozinho e que a vida não é uma propriedade sua. Ela testemunha, apesar de você, um encontro; testemunha, apesar de você, uma esperança. Por exemplo, antes você disse “bom dia” e, por trás disso, havia, apesar de você, o chamado de atenção para um dia verdadeira, inteira e absolutamente bom, a invocação da glória. Ou ainda: você disse “até logo”, e isso significa que, com a sua boca, você anunciou o desejo de rever o outro e, ainda e sempre, mesmo que com o seu tu superficial você tenha achado esse outro antipático ou tenha exclamado “que vida de merda”, ainda assim, como poderia dizer isso se não tivesse em você, apesar de você, o pressentimento de uma vida melhor, mais viva, eterna e alegre? Sem este pressentimento, sem esta esperança, tal exclamação não estaria na sua boca e você encontraria a merda de que mais gostasse. É possível entender, portanto, a verdade profunda desse versículo do Deuteronômio: “Este mandamento, que hoje te ordeno, não te é encoberto, e tampouco está longe de ti (...). Esta palavra está mui perto de ti, na tua boca, e no teu coração, para a cumprires”.
Sei que muitos dos que estão aqui conheceram um renascimento através do encontro com Dom Giussani. Talvez porque Dom Giussani era um orador mais brilhante do que os outros? Não, mas porque era mais pobre, mais pobre de espírito do que muitos outros e, por isso, não conduzia simplesmente os homens a si, mas através de si os conduzia à fonte, à origem, à luz, chamando a atenção dos homens assim para eles mesmos, para a sua própria originalidade. Era suficientemente pobre para ser transparente, suficientemente pobre para não ser brilhante, mas luminoso, não capturando a luz para si mesmo mas deixando-a passar através de si. Também o fruto desse encontro – como de todo encontro verdadeiro – não é o fornecimento de novas informações, como uma reportagem sobre um país estrangeiro, mas muito mais a renovação daquilo que existe já desde sempre, o reviver de uma Presença. Isso é incomparavelmente mais importante, porque está em jogo não o saber algo a mais, sempre a mais, sem fim, para divertir-se melhor, para se distrair melhor, mas para retornar, retornar para o fato de nossa existência e descobri-lo como um fato mais fadado que fatal. Algo existe, eu sou, eu existo, eu dou testemunho. É este o primeiro fato, é este fato que é a verdadeira atualidade, o verdadeiro acontecimento, princípio de todos os outros com a sua pergunta própria: “Por que estou aqui?”. O desafio é, portanto, não o de se fabricar uma resposta imaginária e artificial, mas tomar consciência daquilo que somos, daquilo que se joga na nossa língua e no nosso coração, escutar esta palavra que está muito próxima de você, na sua boca e no seu coração para que você a viva finalmente.
Como Giussani escreve no livro L’io rinasce in un incontro, vivemos numa fragilidade de consciência maior, uma fragilidade que não é ética, mas de energia da consciência. A fragilidade não é nem ética nem científica. As soluções científicas não nos faltam, pelo contrário temos tantas que podemos vendê-la, temos até mesmo soluções finais; porém nos faltam terrivelmente não soluções, mas perguntas, chamados de atenção, um drama que nos envolva e nos dê não uma solução mas um sentido e, ainda mais, não um meio de nos protegermos mas um objetivo pelo qual nos doarmos. Também não estamos aquém dos padrões moralizantes, pelo contrário, somos incessantemente atacados por ordens e regulamentos, a publicidade, por exemplo, não para um só instante de nos dar ordens: compre isto, pegue aquilo, com a nova BMW você conhecerá a alegria, com o salame Neuroni você vai encontrar o gosto do verdadeiro, com Tiscali o caminho é aberto. A publicidade nos fala como os pregadores da Idade Média, nos propõe o céu, mas graças a um salame, a uma lava-louças ou a uma conexão com a internet. No fundo, o mundo, para seduzir, não pode fazer outra coisa senão parodiar a Igreja – Satanás é o macaco de Deus, dizia São Jerônimo – e é por isso que o mundo deve se fazer mais moralizador do que a Igreja. Mesmo quando o mundo declara que você deve gozar, é ainda um “você deve”. Porque o objetivo fundamental por trás dessa ordem de gozar imediata e cegamente – e digamos ainda mais tristemente –, a intenção que se esconde atrás dessa ordem de gozar e de fazer gozar, que antes de mais nada é uma ordem de dominação e de performance, e não uma ordem de encontro e de comunhão, a ordem de tristeza profunda que se dissimula atrás desta ordem de gozo superficial, como que um porco engorde, é o esforço para sufocar o desejo. Dom Giussani o diz muito claramente: o poder, de fato, ou a exaltação da mentira como instrumento, o que faz? Tende a reduzir o desejo, o poder tende a reduzir o desejo. A redução dos desejos ou a censura de alguma das exigências, a redução dos desejos e das exigências é a arma do poder. Eis a arma do poder; e esta redução do desejo, afirma Giussani, não é outra coisa senão a tentativa de abolir a humanidade.
Há, hoje em dia, todo um movimento extremista, bastante característico do nosso tempo, que se chama trans-humanismo. Ele admite claramente as próprias intenções, trata-se de realizar, através da chamada Paradise engineering, um super-homem: graças à biogenética, à neuroquímica, às nanotecnologias deve-se sair do humano para seguir em direção do pós-humano ou, como dizem, do trans-humano, para fabricar um super-homem livre de todo sofrimento, absolutamente competitivo, adaptado às necessidades do mercado e sempre seguro de si e do próprio bem-estar. Mas, se pensarmos sobre isso por um instante que seja, nos daremos conta de que estes super-homens são superados desde o princípio, cada progresso tecnológico sempre dará um jeito para que cada nova geração de super-homens torne obsoleta a precedente, boa apenas para ser jogada no lixo como aqueles velhos computadores que parecem tão distantes de nós como se fossem uma descoberta arqueológica. Como o homem terá sido reduzido no seu desejo e terá sido reconduzido a algo de funcional, será tão deteriorável quanto um bem de consumo, a sua perenidade será pensada em função do progresso técnico e será, portanto, frágil e fugaz como um telefone celular de última geração. Eis porque os super-homens são os dinossauros do futuro.
Vocês que são italianos na maior parte devem estar impressionados com esta palavra – trans-humanismo. De fato, o primeiro a empregar este termo como verbo, o primeiro a formar este neologismo foi Dante. Vocês conhecem aqueles versos do primeiro canto do Paraíso: “Transumanar significar per verba non sia poria”, não se pode dizer trans-humanar através das palavras, “però l’esempio basti”, mas o exemplo deve bastar, “a cui esperenzia grazie serva”, a quem, àquele ao qual a Graça conservou a experiência. Aqui, Dante é profeta, nos fala que trans-humanar é a maior coisa que o coração deseja, mas esta grande coisa se torna pequena tão logo pensamos em poder chegar até ela através de nossas próprias palavras, através de nosso poder. Para chegar até lá é preciso a onipotência de uma Graça, é preciso o encontro com um Outro. Este é o exemplo que nos dá o poeta, mas o exemplo não foi suficiente porque perdemos o senso da experiência, a graça da experiência, em benefício do orgulho e do planejamento.
Nesse ponto, podemos entender que o poder não teria nenhum poder se não existisse em nós o desejo de coisas grandes, se só existisse aquele desejo em que tão logo nos baseamos nele nos desvia, como acontece com o Calígula de Camus – ele petrifica a sua magnanimidade, pulveriza a sua grandeza em distração e, finalmente, retorce aquele desejo contra si mesmo para sufocá-lo, porque tão logo o homem pretende divinizar-se de si mesmo para além de todo encontro, para além de toda graça, se torna pesado e se asfixia como aquele que gostaria de um coração que fizesse circular o sangue num circuito fechado sem oxigená-lo, sem precisar respirar o ar que vem de fora e, portanto, recusando aquele poema da respiração como disse Rilke – “Visto que o murmúrio da nossa respiração nos canta, em cada instante, que, para viver, é preciso, em cada instante, receber e oferecer a própria respiração”. A vontade de potência não pode impedir o encontro, porque o encontro é um acontecimento, uma fratura que frustra os nossos planos. O Senhor anula os desígnios das nações, diz o Salmo. Mas a vontade de potência pode abortar o encontro, pode nos fazer acreditar que ele foi apenas uma ilusão, destruindo assim, imediatamente, a incrível aventura, a incrível fecundidade que queria nascer.
Dom Giussani escreve: o poder não pode impedir o despertar do encontro, mas busca impedir que se torne história. O poder busca impedir que o encontro se torne uma história. De qual encontro estamos falando? Daquele com Cristo certamente, mas também daquele com uma paisagem, com um concerto de Mozart, ou com uma garota. Eis, por exemplo: você se encontra com Beatriz ou com Aspásia. O que acontece no instante desse encontro? Você fica tocado com a sua beleza. Certo. A sua beleza é experimentada por você através do seu rosto, do seu corpo, mas o que lhe é oferecido através do seu rosto e do seu corpo é uma música, uma harmonia, uma dança do ser. Porque aquela beleza é como se, no fundo do ser, remontasse até à superfície e mostrasse a sua dança e a sua alegria essencial. E é, nesse momento, que a vontade de potência, o poder, nos sussurra ao ouvido: esta música é apenas uma ilusão, produzida pela sua testosterona. Pegue um preservativo, leve Aspásia para a cama, escolha um quarto e transe com Beatriz. Você verá que a miragem se dissipará. Mas, fazendo assim, você estupra Beatriz, mesmo se ela tenha aceitado, sobretudo se ela aceitou. Você a estupra porque você comete uma violência contra aquilo que entreviu, porque você cospe na música, porque você pisa na dança do ser que lhe foi manifestada no encontro. Enfim, porque você não quis reconhecer a ferida da beleza, aquela ferida que não é diminuição do seu ser, mas oferta de um ser que é maior do que o seu poder, e que levanta você humilhando-o, diviniza você destruindo o seu orgulho. Giussani chama atenção para isso. Isso é importante para o mundo: impedir ao homem alcançar a própria ferida, impedir ao homem alcançar a si mesmo. É uma frase espantosa. Como pode ser que alcançar a si mesmo coincida com o alcançar a própria ferida? É porque isso sempre acontece em um encontro, no impacto e na felicidade de uma hemorragia contínua de sangue recebido e dado. O encontro é ferida, porque é o aparecer de algo que desperta o meu desejo e, ao mesmo tempo, escapa do meu poder. Algo que, ao mesmo tempo, me exalta e me humilha. E pergunta se torna: como abraçar, de verdade, Beatriz? Como entrar em contato com a fonte inacessível da sua beleza? Atenção, não se trata de se servir de Beatriz para ir até a Deus. Isto é o que acreditaram alguns falsos cristãos. Disseram “sigam em direção a Deus e, para fazer isso, desprezem as suas criaturas”. Mas, é como dizer “vá até Dante e diga-lhe que sua Comédia não vale nada”. Não vale nada. O Criador ama a sua criatura. Por isso, ir em direção a Ele é ir em direção dela mais profundamente. Vocês conhecem aquele versículo da carta aos Colossenses que Giussani repetia muito frequentemente, e que exprime sem dúvida a intuição fundamental de todo o seu percurso. Ele, antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem nEle. Tudo subsiste em Cristo, e portanto ir em direção a Cristo não exclui nada. Pelo contrário, deve-se ir em direção a Cristo para ir em direção de Beatriz, porque é nEle que ela subsiste, é através dEle que ela é salva, é com Ele que a música da sua beleza pode se desdobrar numa inefável sinfonia.
Então, eis a ressurreição que se aproxima. Mas, é preciso que lutemos contra a mentira de uma autenticidade fabricada pelo nosso próprio poder, que arrisquemos a nossa vida pela beleza, a verdade do encontro e do desejo. Dom Giussani disse isso de modo claro. A luta contra essa mentira pode justamente nos levar a dizer que, talvez, fosse melhor para o homem ser assassinado que perder a própria humanidade. Este é o exercício da nossa ressurreição: preferir mais ser assassinados do que perder o próprio coração. Tal é o testemunho em favor da beleza: preferir mais ser esmagado, desfigurado, cortado em pedaços do que renegar a glória à qual todos somos chamados, mesmo os mais pequenos, mesmo os mais inimigos, mesmo aquele que me faz em pedaços. Como Giussani disse, Cristo não é apenas para os cristãos, não é para os cristãos, é para todos os homens. É o salvador do marxista, do berlusconiano e mesmo do aderente à democracia-cristã. Assim, o cristianismo não é apenas para a paróquia, mas para tudo aquilo que nos circunda, porque tudo subsiste nEle. E é também esta a ressurreição. Não apenas preferir ser morto do que renegar o nosso desejo mais profundo, mas também não acreditar que a ressurreição seja para amanhã e apenas para os fiéis da nossa paróquia, mas que ela começa já hoje e para todos. O nosso trabalho não tem sentido, a não ser que seja voltado para o trabalho de ressuscitar, como diz a poesia de Norwich citada por João Paulo II e por Dom Giussani. Este trabalho de ressurreição não consiste em uma nova aquisição. A ressurreição se encontra numa energia de consciência maior. Ela não é o mesmo que ter algo de outro, mas, finalmente, ser si mesmos, o que não quer dizer fechar-se em si mesmo, mas aceitar as próprias feridas e entrar numa comunhão. Uma maior energia de consciência quer dizer viver amorosamente aquilo que nos é dado. Que você não atravesse a vida como se fosse um vídeo-game, uma cena de fantasmas sem profundidade, mas que você tome consciência daquilo que é agora, e que você esteja presente à presença que funda tudo aquilo que é. Para que você possa dizer, como Nietzsche dizia, melhor do que como Nietzsche dizia, eu sou um destino. Porque você respondeu ao chamado que lhe foi feito de viver até ao fundo a única aventura da sua vida, escutando aquilo que já está na sua boca e no seu coração. Está aqui o coração do mistério cristão. Devemos fazer memória disso. Deus é Trindade, eternamente o Pai gera o Filho na unidade do Espírito. De tal forma que Deus é, em si mesmo, sempre nascimento e encontro, é, em si mesmo, comunhão de pessoas. E cada uma das pessoas divinas tem o seu eu que nasce de um encontro infinito. Portanto, oferecer-se a Deus não é ser absorvido como uma gota d’água no oceano imenso. É encontrar a própria origem e, portanto, a própria originalidade. E, portanto, o próprio nome e o próprio rosto, porque Deus quer que nós O conheçamos face a face, quer que a face de cada um de nós não se perca, mas que seja radiante singularmente, de modo divino e, então, começaremos a ressuscitar, começaremos a ressuscitar quando começarmos a crer que Beatriz ou Aspásia, mas também o Fulano de Tal, ou seja, vocês, eu, o seu vizinho de cadeira, quando começarmos a acreditar que cada um é tal que, como disse Dante, “Dio parea nel suo volto gioire”, que “Deus pareça, no seu rosto, se alegrar”.


* Conferência proferida por Fabrice Hadjadj, no âmbito do Meeting 2010. A tradução - realizada por Paulo R. A. Pacheco - foi feita a partir da transcrição, não revisada pelo autor, da tradução simultânea para o italiano. A conferência foi proferida originalmente em francês.