Por John Waters
Frequentemente, me vejo pensando que São Tomé, o chamado “incrédulo”, não mereça o codinome que o acompanha. Se, quando eu era mais jovem, me perguntassem, depois de ter ouvido continuamente as histórias do Evangelho com suas interpretações, acho que não teria colocado Tomé muito longe de Judas na lista dos malvados. Mas, seria justo?
Tomé, o incrédulo, era um dos doze apóstolos de Jesus, conhecido também como Dídimo, que em grego significa “gêmeo”, como Tomé em hebraico. O codinome “incrédulo” lhe foi dado depois de sua recusa inicial de acreditar que Cristo tivesse ressuscitado da morte, até que pudesse ver suas chagas.
O Evangelho de João nos diz que, depois da Ressurreição, Jesus apareceu a alguns discípulos quando Tomé não estava presente. João diz (20, 25): “Os outros discípulos contaram-lhe: ‘Nós vimos o Senhor!’. Mas Tomé disse: ‘Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos, se eu não puser a mão no seu lado, não acreditarei’”.
Oito dias depois, Jesus reapareceu aos Seus discípulos, e desta vez Tomé estava junto: “Estando as portas fechadas, Jesus entrou, pôs-se no meio deles e disse: ‘A paz esteja convosco’. Depois disse a Tomé: ‘Põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos. Estende a tua mão e coloca-a no meu lado e não sejas incrédulo, mas crê!’. Tomé respondeu: ‘Meu Senhor e meu Deus!’. Jesus lhe disse: ‘Creste porque me viste? Bem-aventurados os que não viram, e creram!’” (Jo 20, 26-29).
Estas palavras de Jesus são, normalmente, interpretadas como uma espécie de condenação para aqueles que precisam de provas para acreditar. Todavia, de uma leitura mais atenta, percebi que Jesus não desdenha de Tomé, como eu pensava. Na realidade, Ele é muito gentil e paciente, permitindo que Tomé examine as Suas feridas e dizendo que é bom que, então, ele acredite, afirmando ao mesmo tempo a bondade daqueles que creem sem terem visto, chamando-os “bem-aventurados”, mas não diz que Tomé é menos “bem-aventurado”.
A distinção que Jesus faz não é entre quem quer provas e quem não precisa delas, mas entre quem viu pessoalmente e quem não viu: a esta segunda categoria pertencem quase todos os cristãos que existiram até hoje, inclusive todos nós que vivemos hoje em dia.
Refletindo, não acredito que Jesus quisesse dizer que há maior valor se acreditarmos sem provas, e ainda menos que quisesse atribuir maior valor a um crer não fundado sobre provas, mas que quisesse distinguir entre dois tipos diversos de prova: aquela dada pelos olhos e aquela fundada sobre testemunhos confiáveis.
Se a fé é sustentada sobre o mero sentimento ou sobre um conceito superficial de obediência, se torna menos sólida e mais exposta ao ceticismo. A melhor forma de fé é aquela que explora livremente todo o campo da dúvida, levando em consideração todas as provas disponíveis, como fez Tomé.
A fé dos cristãos de hoje certamente não é privada de evidências. Temos a dura evidência da realidade, a evidência da nossa existência e da sua misteriosa natureza, a evidência da resposta menos levada em consideração entre aquelas que podemos dar: o maravilhamento por “aquilo que é”. Temos também a evidência dos Evangelhos e dos centenas de testemunhos ali contidos, suas histórias que, conscientemente ou não, ponderamos com a nossa razão desde a infância, avaliando a sua plausibilidade do mesmo modo que o incrédulo Tomé enfrentou as provas que tinha diante de si. Tendo dado voz às mais profundas incertezas da posteridade, tornou-se, para nós, uma testemunha mais importante do que todas as outras.
De muitas outras referências nos Evangelhos aprendemos que Tomé, em diversas ocasiões, demonstrou-se um dos mais decididos entre os apóstolos, corajoso e fiel. Quando os outros tentavam impedir Jesus de voltar a Betânia para ressuscitar Lázaro, viso que os habitantes daquela cidade tinham tentado apedrejá-lo (Jo 11, 8), Tomé prorrompeu: “Vamos nós também, para morrermos com ele!” (Jo 11, 16). E é também ele que faz a Jesus uma das mais famosas perguntas do Evangelho: “‘Senhor, não sabemos para onde vais. Como podemos conhecer o caminho?’. Jesus respondeu: ‘Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai senão por mim’” (Jo 14, 5-6).
Nesta nossa época incrédula como poucas, na qual uma falsa forma de razão arrancou a nossa cultura do significado de muito daquilo que é evidente, a importância de Tomé, o incrédulo, é tal que pode ser mesmo eleito o patrono da cultura hodierna, marcada pelo secularismo e pelo seu relativismo, pelo seu conceito reduzido de razão e pela sua tendência ao pessimismo como primeira resposta diante da realidade. É o “gêmeo” do cristão moderno, o meu gêmeo... e, quem sabe?... talvez também o seu?
“É um São Tomé”: essa é uma frase usada na nossa cultura para indicar alguém que recusa acreditar numa evidência direta, física, pessoal, e neste sentido pode-se dizer que englobe inteiramente a posição da cultura atual. Na realidade, um ceticismo razoável não é, de todo modo, um traço deplorável numa pessoa inteligente. Como o Papa nos lembra continuamente, a inteligência da fé deve se tornar inteligência da realidade. Não há nada a temer na busca de uma prova: o problema é como chegamos a avaliar esta prova e o que escolhemos fazer com ela.
Não acredito que Jesus, com a Sua resposta a Tomé, quisesse nos convidar a reduzir este desejo de provas em favor de uma cega adesão à ideia moralista segundo a qual o crer, por si mesmo, é preferível a uma abordagem rigorosa na busca pela verdade. No máximo, queria, talvez, sugerir que, muito mais do que suspender a nossa abertura ao crer, é mais útil para nós suspender o nosso ceticismo enquanto não tivermos considerado todos os aspectos e não só aquilo que dizem os nossos olhos. Se algo estava sendo condenado era aquele empirismo que exige a total demonstrabilidade para justificar a aceitação de uma proposta.
Por isto, me pergunto se não fomos injustos com o incrédulo Tomé. Talvez, no seu ceticismo, ele nos tenha dado um testemunho ao qual podemos aderir de modo mais concreto e, com a sua insistência sobre as provas, ele nos tenha proposto um exemplo a seguir e uma história na qual o ceticismo foi dissolvido por um evento que, testemunhado pelo Evangelho de João, permite também a nós acreditar mesmo sem “ver” pessoalmente.
* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 15 de fevereiro de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.
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