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terça-feira, 5 de abril de 2011

“Nenhum homem é uma ilha”: de John Donne a São Bento, o eu sozinho não basta


Por Laura Cioni

Nenhum homem é uma ilha é o primeiro verso de uma poesia de John Donne, retomada por Hemingway como epígrafe do seu romance Por quem os sinos dobram, e usado por Thomas Merton para o título da sua autobiografia. A Bíblia já o havia dito antes, motivando, inclusive, a decisão de Deus de criar a mulher: Não é bom que o homem esteja só; em outro lugar, o texto sagrado indica o perigo da solidão: Infeliz do homem sozinho, porque se cair não tem quem o levante.
No filme Homens de Deus (originalmente intitulado Des hommes et de dieux - Homens e deuses; ndt) um dos aspectos mais interessantes é o caminho pessoal através do qual cada monge chega à decisão de não abandonar o mosteiro que se tornou perigoso; o silêncio no qual aqueles homens amadurecem a sua escolha se desfaz no momento em que comunicam uns aos outros as razões que os movem a permanecer e a continuar a vida comum ali, aonde a sua vocação os levou. Filhos de uma longa tradição monástica, a cirterciense, que, por sua vez, está ligada ao antigo tronco beneditino, estes homens demonstram numa situação dramática, que os levará à morte, a fecundidade de uma escola secular, centrada sobre a reabilitação do amor.
A ideia mesma da vida comum tem um dos seus fundamentos na desconfiança que os mestres do espírito nutrem por uma busca interior muito afastada, privada de relações com os homens, numa solidão que não corrige a tendência de muitos a se conceberem como mônadas, mas que, pelo contrário, a circunda de uma auréola. Gregório Magno, formado na escola de São Bento, comenta o trecho do Evangelho que relata a primeira missão dos discípulos de Jesus deste modo: O Senhor manda os discípulos de dois em dois para pregar, a fim de nos indicar de forma tácita que não deve, de forma alguma, assumir para si a tarefa de pregar quem não tem a caridade para com os outros. São Bernardo e os outros expoentes da escola cisterciense apenas sublinharam a centralidade do amor como força unificante e dinâmica da vida espiritual, seja pessoal que comunitária, colhendo as instâncias de uma época em que se estudou, por muito tempo, na obra de Cícero, a virtude da amizade.
A fecundidade desta visão educativa chegou, através dos séculos, aos dias de hoje, como documenta um livro de Madre Cristiana Piccardo, Pedagogia viva: Citeaux novecentos anos depois (sem tradução para o português; ndt). É a história de uma comunidade trapista feminina, da sua evolução, das suas fundações em todo o mundo, do caminho de adequação realizado diante da diversidade humana das jovens que, aos poucos, foram se apresentando à porta do mosteiro. A autora afirma que hoje "não basta aquela santa tensão vertical em direção a Deus, sustentada pela grande oração litúrgica e pela generosa fidelidade à austera observância, que caracterizou as gerações que nos precederam". É preciso prestar contas com a queda do modelo estóico, fundado sobre a capacidade de controle das próprias emoções e sobre o domínio da razão sobre o sentimento, com a mudança e o rápido declínio de outros modelos, com um difundida imaturidade afetiva.
Educar para o amor não é uma tarefa fácil e Madre Cristina descreve os passos realizados por sua comunidade que levaram à queda das máscaras do egocentrismo, da aridez e do medo, e levaram também ao favorecimento de uma reciprocidade fiel, de uma integração generosa, de uma confiança que afirma o outro, de uma amizade. Ela expõe tentativas e instrumentos do caminho educativo, assim como evoluiu no curso das várias décadas na sua comunidade, humildemente convencida de que isso pode ser útil também para além do âmbito monástico. E se refere às palavras de um monge trapista espanhol, o bem-aventurado Rafael, morto em 1938 e beatificado por João Paulo II em 1992: “Há em mim muita soberba, muita vaidade, muito amor próprio. E todavia, agora, me acontece algo estranho. Certos dias, depois da oração, mesmo se nela me pareça não sentir nada, descubro em mim um grande desejo de amar todos os membros da minha comunidade, quase uma ânsia de amá-los como Jesus os ama. Assim, ao invés de me escandalizar pela fragilidade de um irmão, como sempre me acontecia, experimento, por ele, uma grande ternura”.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 5 de abril de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Com “Jesus de Nazaré” Bento XVI defende a fé do povo de Deus


Por Massimo Camisasca

O Papa, todo Papa, é vigário de Cristo. A sua eleição, o seu ministério, a sua pessoa não podem ser compreendidos se não em relação com a pessoa de Jesus de Nazaré, o Verbo de Deus feito homem. É no diálogo com o seu Senhor que ele aceitou a sua nomeação como sucessor de Pedro, é na continuidade de tal relação que, todos os dias, busca o significado e a força do que realiza e diz.
Se há um dever do Papa, este é o de se interrogar sobre quem é Cristo para ele, para os homens e para o mundo. É o que Bento XVI quis fazer trabalhando nestes primeiros seis anos de pontificado na obra que certamente permanecerá como uma das mais importantes de sua vida. Começada quando era ainda cardeal, constituiu o conteúdo de tantas de suas reflexões, estudos, pesquisas, orações ao longo destes anos. Por ela, sacrificou horas e dias de repouso.
Depois de uma primeira parte dedicada aos três anos da pregação de Cristo, eis agora uma segunda dedicada aos dias da Paixão e, particularmente, ao Tríduo que compreende também a morte e a ressurreição. Sabemos que está já esboçada uma terceira parte, talvez já toda escrita, dedicada ao comentário dos evangelhos da infância, o de Mateus e o de Lucas. Estes últimos são textos com um padrão particular, que podem ser lidos, estudados e meditados com uma atenção específica, anterior ou posterior à meditação das outras páginas do evangelho.
A vida de Jesus, como é narrada pelos evangelhos, pode ser vista como um processo de progressiva concentração: depois de longos anos de preparação, o tempo breve da pregação e, depois, os dias brevíssimos da paixão, morte e ressurreição. E no entanto é exatamente destas últimas horas que parte a reflexão comovida dos primeiros cristãos e a coletânea dos testemunhos sobre Jesus de Nazaré, que se alargou posteriormente aos outros tempos da vida do Messias.
São Paulo podia dizer: não conheço outra coisa, a não ser Cristo e este crucificado (cf. 1Cor 2, 2). É compreensível portanto porque Bento XVI quis dedicar um volume inteiro a estas horas decisivas. A intenção, seguramente, é análoga à que já encontramos expressa na primeira parte da obra publicada em 2007: mostrar que o Jesus da fé e o da história não são duas pessoas diferentes, como muitos exegetas quiseram fazer, sobretudo no século passado. O Jesus que a fé, ou seja, a tradição da Igreja, nos transmitiu não é um personagem inventado, o fruto de um sentimento irracional que não sabe voltar-se para os fatos. Ele existiu verdadeiramente e dele temos tantos testemunhos quase contemporâneos à sua existência, escritos para transmitir os eventos da sua vida, mas também o conteúdo salvífico que traziam aos homens. Assim, fé e história não se excluem, mas se integram e se explicam mutuamente.
A obra de Bento XVI sobre Jesus de Nazaré mostra-se, portanto, como fruto de um longo trabalho de exegese, que não esquece nem as antigas, mas sempre vivas, leituras dos Padres, nem o trabalho do método histórico-crítico ou das mais recentes teorias sobre as estruturas literárias. Seguindo a exegese do Papa que, entre outras coisas, com esta obra não pretende impor um ato magisterial, encontramos as várias etapas que a leitura crítica e meditativa da Escritura percorreu em dois mil anos de história da Igreja. Estamos, nesse momento, no ponto de virada, num momento novo e extremamente simples. Um momento que quer unir a sabedoria dos antigos padres à acuidade crítica da exegese moderna. Uma obra que mira sobretudo a fé do povo de Deus, a que quer alimentar e defender e de onde pretende tirar as certezas fundamentais, os pontos que servirão de guia para a própria busca. 

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 3 de março de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Entre o esquecimento e a memória, a espera

Por Paulo R. A. Pacheco

Antes de nascer o mundo conta uma estória: cinco homens, três mulheres, um homem perdido e buscado e uma jumenta; personagens de um drama que se desenrola entre Jerusalém e o Lado-de-lá, num Moçambique que emerge, realista e poético, das mãos escrevinhadoras de Mia Couto.

Para ler mais, clique aqui.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Amar a literatura? Desde quando a emoção educa alguém?


Por Laura Cioni

Caro diretor,
li no IlSussidiario.net de ontem, dia 21 de fevereiro de 2011, o artigo de Daniela Graffigna sobre o encontro de apresentação de um livro de Davide Rondoni acerca do ensino da literatura na escola.
Declaro previamente que na escola em que eu estudei – nessa sim – nos faziam estudar história da literatura prescindindo do conhecimento dos textos, e afirmo também que a escola na qual ensinei, mesmo que por mérito dos famigerados estruturalistas, sugeri a centralidade da leitura do texto na didática do italiano e também do latim, sem, com isso, impor método algum (nem estruturalista, nem psicanalítico, nem filológico). Portanto, parece-me que o campo continue claro para a inteligência do professor, para a sua preparação, para os seus gostos, também.
Desconfiarei do uso mágico de certas palavras, como por exemplo da palavra acontecimento. De acontecimento na vida, de fato, há poucos, por sorte. Se fossem muitos, não conseguiríamos suportar o peso. Por isso, seja a leitura obrigatória dos atuais regulamentos, seja a leitura facultativa proposta por Rondoni, não protegem do tédio que está ligado a todo trabalho humano que queira ter alguma dignidade. Quem quer que tenha feito uma monografia de final de curso – que, normalmente, é o empenho mais longo do período universitário – sabe o quanto de tédio exista nesse trabalho e que é necessário atravessar para que, num certo ponto, aconteça algo de semelhante a uma ideia original, a uma hipótese convincente, a um sobressalto do coração que indique como prosseguir. Acredito estar dizendo coisas muito banais, mas, mesmo por isso, muito pouco ditas. Por isso, o estudo, no sentido latino da aplicação da qual nasce o amor, é condição necessária na escola. Ou será que queremos continuar a perseguir o sonho de pequenos estetas, falsamente amantes e realisticamente emotivos?
Por favor, coloquemos os pés no chão. Não para a defesa do statu quo, nem para a defesa do italiano, mas para a defesa da educação, de que tanto se fala sem que se a preencha de conteúdos, por aquela humanidade que queremos para nós e para os mais jovens capazes de tenacidade, de determinação, de sacrifício no enfrentamento dos problemas típicos da difícil prova de tradução de latim, leve treinamento para as bem outras adversidades da vida.
Não especialistas, mas amantes, disse Rondoni. Mas, o amor não é apenas um se apaixonar, é também vida comum, com toda a minuciosa gama de ações, silêncios, ansiedades, raivas, paciências que ela suporta.
“O amor das letras e o desejo de Deus”: é o título de um famoso ensaio, recentemente recordado também pelo IlSussidiario.net; fala da cultura humanista na vida monástica. Quantos monges copiaram e recopiaram, por séculos, o De Amicitia de Cícero para que, no século XII, a escola cisterciense tirasse dali a doutrina da amizade espiritual, origem distante, mas real, da poesia romântica? E os grandes mestres daquela doutrina não terão, talvez, se esforçado muito para aprender a retórica de Cícero antes de escreverem como escreveram? Não terão sido obrigados a ler Ovídio, antes de recusá-lo como um mau professor? Quantos acontecimentos terão vivido neste trabalho incessante, em seus scriptoria escuros e frios?
Por favor, tenhamos a humildade de aprender com os grandes o pudor de não usar palavras verdadeiras para comunicar uma emotividade impura, porque apenas momentânea, não sedimentada, sempre à procura de confirmações, sempre angustiada por repetições. Parece-me que a palavra acontecimento seja uma dessas. E assim, a estragamos. Com o que a substituiremos quando nos entediarmos com tudo?


* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 22 de fevereiro de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Filhos do desenvolvimento tecnológico? Não... do infinito


Por Andrea Moro

A imagem é simples e cativante: uma criança pequena, que provavelmente ainda nem sabe falar, manejando com desenvoltura um computador. A dedução proposta não deixa dúvidas: a tecnologia estaria mudando radical e rapidamente o modo de pensar dos nossos filhos. E a historinha continua: “não é porque é meu filho, mas se lhe derem um controle remoto, ele já sabe ligar a televisão e mudar de canal, mesmo sem saber falar”. A mensagem que nos chega é clara: o desenvolvimento tecnológico tornaria as crianças mais inteligentes, mais rápidas, capazes de ações e intenções inauditas. Por outro lado, há quem pense o contrário: o uso selvagem de abreviações nos torpedos está corrompendo de maneira irremediável a língua em nossos jovens; por força de vc, tb e lol não se entende + nada.
Estamos seguros de que as coisas são mesmo assim? Certamente o mundo muda e muda rapidamente, muito mais rapidamente do que conseguimos nos lembrar de épocas das quais ainda temos alguma memória. Mas há dois pontos que precisam ser evidenciados antes de nos apressarmos em juízos sobre a época. Uma das revoluções científicas mais importantes dos últimos trinta anos deriva da descoberta que a estrutura da linguagem humana tem duas características fundamentais: primeira, é única, se comparada com a estrutura da linguagem de todos os outros seres vivos – que, pelo contrário, compartilham entre si muitos traços comuns –, na medida em que, fundamentalmente, é capaz de colher e utilizar de forma consciente mecanismos de expressão que incluem a noção de infinito; segundo, esta unicidade não é fruto de convenções arbitrárias e culturais, como pensava uma certa filosofia de estilo analítico; certamente existem elementos de arbitrariedade, como a associação entre som e significado, mas as propriedades centrais e distintivas das gramáticas das línguas humanas, em particular aquela ligada à noção de infinito, dependem, de algum modo, da estrutura do cérebro humano, mostrando, entre outras coisas, que o reducionismo funcionalista e construtivista não é, de fato, adequado para explicar os fenômenos de aprendizagem espontânea nas crianças.
Duas características, obviamente, estreitamente ligadas e que levam o problema do mistério da natureza única da nossa espécie por estradas nunca antes percorridas. Para onde quer que nos levem essas estradas, uma coisa é certa: se a linguagem humana – a estrutura da linguagem humana – é ancorada na nossa carne, é a sua expressão específica, então não bastam as inovações tecnológicas de dez, vinte ou cem anos para mudar esta estrutura. As mutações genéticas são muito lentas para poder dar lugar a mudanças em tão pouco tempo. Portanto, quando muito, se se trata de mudanças, são mudanças de hábitos, de circunstância, de contexto, de uso, mas não de estrutura.
Em outros termos, os nossos filhos são, sim, estimulados por novas condições, mas não há razões para pensar que suas potencialidades tenham sido modificadas, muito menos o seus cérebros. Isto, obviamente, não quer dizer que não seja bom estimular as crianças com novos contextos de aprendizagem, inclusive aqueles que empregam novas tecnologias, mas que não podemos ficar esperando nada além do que se possa esperar do filho de um fazendeiro na roça: se for estimulado da forma justa, colocado diante de aparelhos complicados, mesmo aquela criança surpreenderá os adultos, com a única diferença – que não é irrelevante – que, frequentemente, a tecnologia os deixa sozinhos e faz com que, portanto, falte a interação social, um dos principais propulsores da inteligência.
Diferente, porém, é a avaliação das possibilidades de acesso ao saber sobre o passado. Se, antes, mal se conseguia encontrar numa sala de estar uma enciclopéida decente, hoje, com um celular conectado à rede na mão, é possível entrar na Biblioteca do Congresso de Washington e baixar a edição integral de um manual de teoria quantia. O problema do acesso à cultura, obviamente, mudou, mas ainda existe e é mais sutil: agora, é preciso se dar conta de que se deve escolher e que, para escolher, é necessário confiar em alguém que indique um percurso, não é possível mais imaginar que somos capazes sozinhos. A biblioteca da família de Leopardi, repleta de clássicos, que Giacomo podia explorar sozinho não existe mais: não desapareceu, ainda está toda ali, mas diluiu-se num mar vertiginoso de ofertas em que Giacomo faria experiência de bem outros infinitos.
Quanto a imputação de corrupção da língua por parte dos celulares e dos chats, a questão parece fácil, mas não sou totalmente de acordo. Enquanto isso, as impressões, como sempre na ciência, não são suficientes: seria necessário um método de avaliação objetivo de uma degradação que ainda parece não existir (a maior autoridade no assunto continua sendo, sem sombra de dúvida, a Accademia della Crusca e seus trabalhos [a mais prestigiosa instituição linguística da Itália, que equivaleria, no Brasil, à Academia Brasileira de Letras; ndt]); além do mais, quem foi que disse que as abreviações são sinal de decadência? Já tentaram ler uma epígrafe latina? Há algumas que não deixam intacta uma única palavra: é uma sequência de abreviações em cadeia. Mas, não acredito que seja por isso que o Império Romano tenha desmoronado.
Há, todavia, um aspecto no qual a tecnologia mudou certamente, e de forma profunda, o uso da linguagem, mesmo que não tenha mudado a sua estrutura. Explico-me com um exemplo pessoal, mas que acredito que não seja isolado. Revi, recentemente, um episódio da série televisiva As investigações do Comissário Maigret (trata-se de um programa de televisão, na Itália, inspirado na obra do escritor belga Georges Simenon, cujo principal personagem é o comissário Jules Maigret; ndt). Nesse episódio, o grande Gino Cervi (ator italiano que representou o comissário Maigret entre 1964 e 1972; ndt) levou consigo, para o estúdio, uma cerveja. Calculei o tempo que levou para bebê-la: mais de cinco minutos. Saboreando-a sem dizer uma única palavra. O mesmo tempo no qual, em alguns “documentários” transmitidos hoje em dia, somos bombardeados com uma montagem paroxística de imagens rapidíssimas, sem ligação alguma entre si, repetitivas, entremeadas por informes publicitários no mais das vezes. Parecia-me que eu bebia aquela cerveja de Maigret. Hoje, não estou seguro nem mesmo de me lembrar da sequência de imagens do documentário.
Antes, existia uma fraseologia lenta e copiosa como um rio; hoje, frequentemente, somos expostos a inócuos riachinhos pretensamente malvados. Esta sim é uma diferença trazida pela tecnologia: a narrativa textual, o romance, dificilmente permitia essa incidência manca e fragmentada e nos obrigava à escuta, ainda que apenas para manter a trama. As abreviações que causam danos, portanto – pelo menos segundo o meu modesto parecer – não são aquelas que maltratam a ortografia, mas aquelas que fragmentam a atenção. Certamente nunca vi uma carta enviada por sms, mas nesse ponto o problema não é a gramática ou a tecnologia. O que falta nesse caso é o que faltava há três mil anos: é a graça de ter um lev shomea, como pedia o Rei Salomão, ou seja, um coração que escuta.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 11 de fevereiro de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Os livros que permitiram que Stálin vencesse Hitler, mas não as consciências


Por Pietro Tosco

“Grande guerra patriótica” é o termo com o qual, na Rússia, se define a segunda guerra mundial. Trata-se de uma expressão particular, e para um ouvido ocidental parece retórica e evoca atmosferas distantes, ligadas ao século XIX. Na Rússia, porém, hoje, é uma expressão ouvida mais do que nunca. Não apenas isso, a guerra mesma, na suas várias interpretações, está no centro de um debate histórico e cultural bastante atual, porque ao conflito contra o Terceiro Reich hitleriano está ligada a memória de um momento crucial para a história soviética, mas também para a compreensão do momento atual da Rússia.
É por isso que o volume publicado por Marietti 1820 tem sido acolhido com tanto reconhecimento – E suas mães choraram: a grande guerra patriótica na literatura russa soviética e pós-soviética, de Frank Ellis, historiador e eslavista inglês, ex-soldado do Special Air Service britânico.
O livro é uma viagem na literatura russa sobre o tema da segunda guerra mundial, partindo das obras dos anos 1940 (portanto, com a guerra ainda em curso), para chegar até aos nossos dias. É uma monografia que cobre um espaço que tinha permanecido vazio no panorama ocidental e é uma obra que tem um valor atual porque, como sublinha Vittorio Strada no prefácio, a “Grande guerra patriótica” foi o teatro de grandes ambiguidades para as quais a atualidade russa é ainda incapaz de olhar com lucidez.
A guerra, de fato, foi um momento de ruptura paradoxalmente positivo, um flash de luz na obscura noite do totalitarismo soviético. Basta recordar que, no célebre e emocionado discurso depois do “traiçoeiro” ataque de Hitler, Stálin dirigiu-se à população aturdida colocando ao lado do apelo aos “companheiros” e às “companheiras” o mais tradicional e reacionário “irmãos e irmãs”. Abria-se, assim, um novo curso na história soviética: diante da guerra, o Regime não era mais capaz de mover a população somente com a força e com as armas da propaganda, com o medo e a suspeita, mas tinha que recorrer ao nunca apaziguado amor pela Pátria. Começou, assim, a “Grande guerra patriótica”.
Ela viu a mobilização de toda a população que, com um imenso tributo de sangue, obteve uma vitória memorável sobre o inimigo nazista. Pela primeira vez, desde 1917, no drama da guerra, o povo se moveu unido, não em nome do partido mas em nome da Pátria e da liberdade. Mas, exatamente a palavra “liberdade” tinha uma dupla face: era sim aquela que a Alemanha nazista queria destruir, mas era também aquela que, com uma repressão de não menor consistência, tinha sido perdida na União Soviética. A vitória final levou a um resultado paradoxal: a derrota do totalitarismo nazista e, ao mesmo tempo, a restauração do totalitarismo soviético, absurdamente justificada da vitória mesma.
Eis porque, de repente, a interpretação da guerra se torna matéria de conflito e de censura. É a guerra dos adjetivos a que se acena no subtítulo do livro de Ellis: qual literatura para qual leitura do conflito? Qual verdade sobre a guerra? Russa, soviética ou pós-soviética?
No pós-guerra, o Regime impôs uma visão oficial suprimindo toda leitura alternativa. Stálin, o Partido e a Armada Vermelha tinham derrotado Hitler, abatendo o maior de todos os totalitarismos da história de todos os tempos. Uma história perigosamente linear, na qual tudo devia ser resolvido num contraste de cores: o vermelho da vitória soviética contra o preto do monstro hitleriano. Mas, era todo o resto que não devia ser sabido. Não se devia recordar que a guerra tinha sido vencida com um número de vítimas mais de dez vezes superior ao dos inimigos, que o ataque repentino e as derrotas do primeiro ano de guerra tinha sido causada pelos erros de avaliação de Stálin, que a resistência tinha sido forçada à custa de massacres internos, que a polícia política havia combatido uma guerra na guerra, dizimando os seus mesmos soldados.
No entanto, o Regime não conseguiu impor a sua visão. Como escreveu Pasternak: “o prenúncio da liberdade já estava no ar, naqueles anos do pós-guerra, e constituía o único conteúdo histórico daquele momento”. Se o Regime não conseguiu vencer, o mérito foi também da grande literatura e da sua capacidade de permanecer pura diante da poluição ideológica, ancorada na realidade mesmo onde era a mais dura, trágica e ambígua. É o milagre da arte que nasce e permite conhecer onde tudo parece indizível e desumano.
Os autores desta literatura são, infelizmente, desconhecidos do grande público italiano, relegados principalmente ao interesse de estudos especializados. O mais conhecido é Vasili Grossman, que só muito recentemente começou a conhecer o sucesso que merece. Mas, se Vida e Destino é agora um hit das vendas, falta ainda a tradução do seu livro anterior, Por uma justa causa. Outros grandes autores são Viktor Nekrasov – Nas trincheiras de Stalingrado [no original, В окопах Сталинграда; ndt] –, Yuri Bondarev – Os batalhões precisam de fogo [no original, Батальоны просят огня; ndt] –, Grigory Baklanov – Os mortos não têm vergonha [no original, Мёртвые сраму не имут; ndt] –, Viktor Astafiev – O pastor e a pastorinha [no original, Пастух и пастушка; ndt] – e, talvez mais conhecido, Konstantin Simonov – Os dias e as noites [no original, Дни и ночи; ndt]. Com eles, muitos outros que Ellis indica e faz conhecer. Uma atenção particular merece Vasili Bykov, bielorusso, que escreveu até aos inícios deste decênio, conquistando um lugar importante que pode aproximá-lo de Grossman. Os seus romances não foram ainda traduzidos para o italiano, e esperamos que este livro seduza tradutores e editores a difundir a sua obra.
E as suas mães choraram é, portanto, uma grande novidade entre as prateleiras das livrarias. Importante, porque recoloca no primeiro plano aquela literatura que quis desafiar a visão oficial da guerra, imposta pelo Partido, e que ainda hoje é muito facilmente propagandeada.

Ficha técnica
Título: E le loro madri piansero: la Grande guerra patriottica nella letteratura russa sovietica e postsovietica
Autor: Frank Ellis
Editora: Marietti 1820
Ano: 2010
ISBN: 9788821194009
Para comprar, clique aqui.

* Texto extraído do IlSussidiario.net, do dia 5 de janeiro de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Lançamento de Dicta&Contradicta 6

Esse lançamento eu não perco nem que caia canivete do céu... Vamos?
Clique na imagem para conseguir ler as informações.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

O drama de Calogero: a poesia resolve o mistério da morte?


Por Laura Cioni

A vida de Lorenzo Calogero conclui-se em 1961, com o suicídio. O peso muito grande da luta, a forte desilusão por ter visto sua voz não ser escutada, permanecer desconhecida e quase sem ressonância, contribuíram para o desgaste psíquico e a queda de um poeta possuidor de profundo conhecimento literário e consciente do valor da própria arte, mas dotado de um equilíbrio interior frágil.
Ele nasceu em 1910, na província de Reggio Calábria, numa família abastada, terceiro de seis filhos. Em 1922, transfere-se para a capital, onde frequenta as escolas de nível médio. Em seguida, em 1929, vai para Nápoles, onde começa os estudos universitários, inscrevendo-se primeiro em Engenharia, depois em Medicina. Naqueles anos, começou a escrever versos e a entrar em contato com Piero Bargellini (1897-1980) e Carlo Betocchi (1899-1986), para quem enviou algumas poesias na esperança de que fossem publicadas. Revelam-se, nesse mesmo período, os primeiros sintomas das fobias que tornaram sua saúde sempre muito precária. graduou-se em 1937 e, dois anos depois, começou a exercer a profissão em diversos centros da Calábria. Eis uma lírica que remonta a esses anos de atividade poética:
Molti fiori, molte cose odorose
furono concesse a me
da montagne non mie,
pur quando era passato il tempo per riceverle.
Ora mi siedo in una valle ombrosa
presso una fonte
dell’amorosa campagna
e guardo con quale passo
intrattenibile, oscurando i rami
degli alberi, passa il tempo.
(Muitas flores, muitas coisas perfumadas /  foram concedidas a mim / por montanhas que não são minhas, / mesmo quando já havia passado o tempo de recebê-las. / Agora, sento-me num vale sombreado / perto de uma fonte / do amoroso campo / e olho com que ritmo / incontinente, obscurecendo os ramos / das árvores, o tempo passa; ndt).
Em 1949, concluiu-se amargamente a sua primeira história de amor. Mas ele continuou a mandar os seus manuscritos a homens de cultura, sempre obtendo êxito negativo. Em 1954, recebeu o cargo de médico, na província de Siena, onde permaneceu por apenas um ano, porque uma deliberação do conselho municipal o demitiu do cargo. Voltou, então, definitivamente para a sua cidade, permanecendo em completa solidão, até mesmo por causa da vileza das pessoas que o tratavam com aberta desconfiança.
Os últimos anos de vida foram marcados por diversas internações em clínicas psiquiátricas, por um novo amor infeliz, por um irreprimível trabalho de escrita. Publicou, por conta própria, algumas coletâneas de versos e gozou da amizade de Leonardo Sinisgalli (1908-1981), com quem manteve um denso relacionamento epistolar. Em 1957, venceu um prêmio literário. Mas, a sua saúde declinou; não se nutria, mantinha-se com soníferos, cigarros e café; consagrava-se somente à poesia, cortejando a morte. O seu corpo sem vida foi encontrado no dia 25 de março de 1961. Ao seu lado havia um bilhete: “Peço-lhes não ser enterrado vivo”.
Só então a crítica parece tê-lo descoberto; falava-se dele como do “novo Rimbaud italiano”. Após a aclamação que durou quase ininterrupta até o ano de 1966, o silêncio de novo caiu sobre Calogero e a maior parte da sua produção, ainda hoje, permanece inédita.
Muitas líricas não parecem deixar pressagiar o trágico fim do poeta, abertas como são à esperança, dispersa em paisagens evanescentes.  Ele aparece nessas poesias como um mendicante do amor, absorto num silêncio que é fome de vida, pedido por uma revelação:
Angelo della mattina
risvegliami ancora
per la nuova fulgente aurora
che s'arrossa sull'orizzonte o s'incrina.
Io sono uno strano mendicante
che chiede amore e parole,
sono un solitario emigrante
verso le terre della luce e del sole.
Vienimi coi tuoi fulgori,
angelo che non ristai,
coi tuoi infiniti fulgori
colle movenze che tu sai,
e crescimi delle meraviglie,
di quanto raccogli negli occhi neri,
degli infiniti misteri
che tu celi dentro l'arco dei cigli.
(Anjo da manhã / desperta-me de novo / para a nova aurora fulgente / que se avermelha no horizonte ou chora. / Eu sou um estranho mendicante / que pede amor e palavras, / sou um solitário emigrante / que segue em direção às terras da luz e do sol. / Vem a mim com teus fulgores, / anjo que não paras, / com teus infinitos fulgores / com os movimentos que tu conheces, / e faz-me crescer em maravilhas, / naquilo que colhes nos olhos negros, / dos infinitos mistérios / que tu escondes dentro do arco dos cílios; ndt)
De forma mais breve, ele retorna ao tema do desvelar-se das coisas:
Di tanto rovinoso mare
poco suono giunge
al mio orecchio assorto
in ascoltazione dell’Eterno
che come un angelo passa.
(De tão ruidoso mar / pouco som chega / ao meu ouvido absorto / na escuta do Eterno / que como um anjo passa; ndt).
Uma última lírica parece conter toda a tentativa do poeta, destinado à falência, mas não por isso dominado pelo rancor. O repouso no vento é ainda, mesmo que paradoxal, desejo de viver:
Mandai lettere d’amore
ai cieli, ai venti, ai mari,
a tutte le dilagate
forme dell’universo.
Essi mi risposero
in una rugiadosa
lentezza d’amore
per cui riposai
su le arse cime frastagliate loro
come su una selva di vento.
(Enviei cartas de amor / aos céus, aos ventos, aos mares, / a todas as fluentes / formas do universo. / Que me responderam / numa orvalhosa / lentidão de amor / e eu repousei / em seus cimos incendiados / como que sobre uma selva de vento; ndt)

* Texto extraído do IlSussidiario.net, do dia 17 de novembro de 2010. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

David Foster Wallace: a outra face das coisas


Por Linda Stroppa

No último dia 15 de novembro, um encontro do ciclo “Ex Cathedra” enfrentou um dos maiores escritores americanos. Que nunca deu nada por óbvio. Fazendo emergir, de uma partida de tênis ou de uma fila de carros na estrada, a grandeza do homem

Aquilo que faz de Foster Wallace um grande escritor não é a inteligência ou o estilo. Mas, “num certo sentido, poderíamos falar de piedade. Por si, antes de tudo”. Quem disse foi Luca Doninelli, jornalista e escritor, leitor apaixonado de David Foster Wallace, “um dos maiores autores que a América deu ao mundo”. Originário de meio-oeste, nascido no ano de 1962, morreu em 2008. “Professor de literatura e tenista sem sucesso”: basta isso para apresentá-lo. O resto emerge dos seus contos.
E foi assim o dia 15 de novembro, quando, no ciclo de encontros “Ex Cathedra”, promovido pela Fundação Vita e pela Associação Testori, Luca Doninelli e a atriz Danielle Sassoon deram voz às palavras de This is water (conto não traduzido em língua portuguesa; ndt): a saudação – e o convite – dirigido pelo escrito norteamericano aos formandos do Kenyon College, em Ohio.
Era o ano de 2005. Foster Wallace subiu ao palco. Parabenizou apressadamente os estudantes. E, em seguida, começou. “Há dois jovens peixes que nadam”, assim deu início ao discurso, “e, num certo ponto, encontram um peixe ancião que está nadando na direção oposta, acena saudando-os e diz: ‘Salve, rapazes. Como está a água?’. Os dois jovens peixes nadam um pouco mais, depois um olha para o outro e diz: ‘Mas, que diabos é a água?’”. Dez segundos de silêncio. Onde estava o tom acadêmico? Não estava citando nenhum grande mestre. Surgiram perguntas.
Foi o autor mesmo quem esclareceu as ideias: “As realidades mais óbvias, onipresentes, são frequentemente as mais difíceis de entender”. Uma banalidade, mas apenas aparentemente. Não há nada de óbvio. Foster Wallace nos pega pela mão e nos mostra isso. Seguem-se páginas comoventes: são uma advertência aos seus estudantes, que ainda não sabem o que é que está em jogo. Quanto à vida. “A educação que se deveria receber na universidade”, diz, “não diz tanto respeito à capacidade de pensar, mas muito mais à faculdade de escolher o que pensar”. Segundo obviedade aparente. Mas que, graças à pena irônica, Foster Wallace declina. Até levar o leitor a uma alternativa. Clara. Diante da rotina congelante do “dia após dia”, feita de “intermináveis filas no supermercado e intermináveis filas nas estradas”, podemos escolher. Eis a grandeza do homem.
Podemos escolher ficar perenemente aborrecidos nas “bobagens frustrantes do cotidiano”, ou então... Há um “ou então”. A outra face das coisas. Segunda pausa de silêncio. Em seguida, a conclusão: “Depende do que vocês querem levar em consideração”. Ou seja, dependa do que vocês desejam: do que vocês escolhem venerar. “Porque, para bem dizer – continua o escritor – no mundo dos adultos o ateísmo não existe”. E as alternativas, às vezes, não são possíveis, mas sagradas. Tudo depende do fato de vencer ou não a “modalidade predefinida”, a inconsciência do deixar-se viver. Se é assim, estamos ferrados. Porque “o aspecto traiçoeiro de algumas escolhas não é que sejam malvadas ou pecaminosas. É que sejam inconscientes, e ponto final”.
Foster Wallace é categórico. Como no romance Infinite Jest (também sem tradução para o português; ndt) e nos outros contos que ele escreveu. Ele só dá aquilo que pode oferecer: a si mesmo. “Para ele, a literatura é um modo de entregar-se inteiro aos outros”, explica Doninelli. “E não pergunta qual deve ser a resposta, mas exige que se responda”. O que implica numa escolha. É este o augúrio que dirige a seus estudantes. Para que aprendam a julgar. Se esta é a água.

* Texto extraído de Tracce.it, do dia 18 de novembro de 2010. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Leopardi: alma inquieta prisioneira de um desejo impossível


Entrevista com Pietro Citati

Pietro Citati fala com IlSussidiario sobre o seu livro Leopardi (A obra Leopardi, de Pietro Citati, foi lançada recentemente pela editora Mondadori, pelo preço de € 22,00; ndt). No silêncio da sua casa, em Roma, sentado no seu escritório, o crítico responde pacientemente a algumas das tantas possíveis perguntas que a sua última obra é capaz de suscitar. Acontece, assim, a possibilidade de redescobrir, sob nova luz, aquilo que se acreditava já saber sobre um dos maiores poetas que já houve, que Citati, seguindo Nietzsche, coloca ao lado de Pindaro e Hölderlin. O universo leopardiano é difícil de decifrar: “cheio de centros, porque, em Leopardi, não há um único centro”. É assim que Citati nos restitui um Leopardi visto através de sua vida: como se o único modo para adentrar o seu mundo fosse repercorrendo sua complicada, fascinante e controversa existência.

O senhor afirma, citando Pietro Giordani, que Leopardi dá “medo”. Por quê?
Dá medo por causa de sua grandeza. Nietzsche dizia que, na história do mundo, existem três grandes poetas líricos: Pindaro, Hölderlin e Leopardi. Dá medo por causa de sua multiplicidade: nunca se sabe qual é o seu eu. Há tantos. Para se aproximar de Leopardi, é preciso compreender esta pluralidade de “eus” em relação uns com os outros. E dá medo por causa da sua beleza: para mim, não chegamos ainda a compreender plenamente qual é a beleza de muitas líricas dos Canti (Cantos; ndt) e de muitas das Operette morali (Operetas Morais; ndt).

Por que a lua, como o senhor observa no seu livro, não responde a Leopardi?
Não sabemos o motivo, podemos apenas dizer que a lua não responde. A lua é a encarnação das ilusões, tema essencial da poesia de Leopardi. É a figura que ele mais ama. O pastor se pergunta – ou pergunta em nome de Leopardi – qual é a verdade sobre as coisas, mas a resposta não é dada. Isto significa que nem mesmo Leopardi dá uma resposta às nossas perguntas.

O senhor define Leopardi como “um materialista que odei a matéria”. Pode explicar melhor este juízo?
A partir de 1823, todo o Zibaldone reconduz cada aspecto da realidade, da vida e da psicologia humana, à matéria. O materialismo do século XVIII é uma exaltação da matéria. Também ele remete tudo à matéria, mas a odeia. Tudo o que é, ele diz num certo ponto, de modo eloqüente, é mal. As coisas boas são apenas as coisas que não são. Se todo o universo é matéria, contra a matéria Leopardi exalta a irrealidade: as quimeras, as hipóteses.

Se Leopardi “detesta a realidade”, como o senhor disse também numa entrevista sobre seu último trabalho dada ao jornal La Repubblica, quer dizer que nele prevalece mais o niilismo ou a ênfase no desejo humano insatisfeito e necessitado de infinito?
Não há niilismo em Leopardi. Há muito desejo de infinito, mas este desejo é reconhecido como impossível: o homem não pode alcançar o infinito. Já na poesia O Infinito há uma derrota, porque Leopardi cria na mente espaços intermináveis, mas depois nasce o medo, e dele o retorno ao mundo real, ao sopro do vento, e assim por diante. Aquilo que há de mais sólido em Leopardi, de mais positivo, não é o infinito, mas o indefinido.

Entre os autores que mais influenciaram Leopardi o senhor enumera Epícteto e Rousseau. Em que medida?
Epícteto explica não todo Leopardi, mas um momento preciso de seu pensamento: o da renúncia, da discrição, da abolição total da mente do pensamento sobre o infinito. Quanto a Rousseau, é muito mais complicado, porque nunca saberemos exatamente o que Leopardi leu dele. Mas, tanto Giacomo quanto o seu irmão Carlo citam um trecho da Nouvelle Héloïse, que exalta as quimeras contra as coisas que existem. Portanto, o quimérico em Leopardi tem um fundamento em Rousseau, mas há uma diferença profunda, porque em Rousseau o infinito é uma dilatação em direção ao externo, em direção ao céu, enquanto que em Leopardi ele nasce quando algo impede o olhar. Para criar o infinito, na única poesia em que ele o cria, Leopardi precisa fechar-se, limitar-se, valer-se da “sebe que de tanta parte / Do último horizonte, o olhar exclui”. Somente através da limitação é que se chega ao ilimitado.

O dileto é um topos em Leopardi. É muito diferente da forma como nós o entendemos?
Não diria. Para Leopardi, o dileto é o prazer, mesmo que seja um prazer cotidiano e limitado. A alegria que nos dá a poesia, em primeiro lugar: uma alegria limitada e, ao mesmo tempo, suprema. 

Na escola, se estuda que não houve sintonia entre Leopardi e Manzoni, mas o senhor pensa diferente. Por quê?
Há alguns trechos nas cartas de Leopardi que falam de Manzoni. Primeiro, alguém lhe diz que Os Noivos é um texto feio, e ele registra esse parecer como se fosse seu. Depois, no Gabinete Viesseux (Gabinetto Scientifico Letterario G. P. Viesseux, foi fundado por Giovan Pietro Viesseux e era um ponto de encontro importante, na Itália, onde se reuniam representantes da cultura italiana e europeia; ndt), encontra Manzoni. Então, Leopardi não havia lido ainda Os Noivos, mas mostra grande simpatia por Manzoni. Numa carta, alguns meses mais tarde, escreve que Os Noivos é uma obra muito bonita, mas que contém “defeitos”. Não sabemos quais eram os defeitos daquela obras, segundo Leopardi.

Giulio Augusto Levi coloca “Alla sua donna” no centro da produção leopardiana. O que o senhor pensa sobre isso?
É uma poesia extraordinária, mas eu não diria que seja o centro, mesmo porque a poesia de Leopardi não tem um, mas muitos centros. Um é O Infinito, outro é Alla sua donna, outro é O ressurgimento, outro é A Sílvia, outro As recordações, outro O pensamento dominante, outro ainda Il tramonto della luna. A sua visão do mundo muda de “centro” continuamente.

Há 150 anos a Itália foi unificada. Há um sentimento italiano em Leopardi?
Nele, não há sentimento político de unidade da Itália, mas há um grandíssimo amor pela cultura, pela literatura, pela língua italiana, que ele adora como algo absolutamente superior. Múltipla, móvel, flexível é, para ele, a língua ideal. As duas línguas que ele amava mais eram o grego e o italiano, mas, no fundo, ele amava mais o italiano que o grego.

E ele tinha razão ao identificar no italiano o fator de maior ligação e individualidade do nosso povo?
Acredito que sim, mesmo que isso não tenha muita importância. A língua italiana é maravilhosa, é uma língua que vive, morre, renasce e nós ainda hoje não a entendemos até ao fundo. Na realidade, o único autor de nossa literatura que conseguiu compreender de verdade a nossa língua foi o próprio Leopardi. E a sua interpretação da nossa língua nos está escapando. Estamos esquecendo essa interpretação.

Num artigo seu em La Repubblica, falando de outro assunto, o senhor cita Leopardi. Como é possível manter vivo, na decadência de hoje, “o primeiro homem” de Leopardi, a nossa “alma infantil”, capaz de maravilhamento?
É a mesma coisa que Göethe chama de “natureza original”. Ela pode ser mantida viva apenas com a força da nossa inteligência e das nossas sensações... É, seja como for, um trabalho muito difícil. Felizmente, a beleza pode ajudar nessa busca contínua.

* Texto extraído do IlSussidiario.net, do dia 16 de novembro de 2010. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Vargas Llosa, um “marxista liberal” que soube falar do homem


Entrevista feita com Dante José Liano

Venceu o Nobel pela “sua cartografia das estruturas do poder e pela sua aguda imagem da resistência, da revolta e da derrota do indivíduo”. São estas as motivações com as quais a Academia da Suiça designou o prêmio Nobel de Literatura, no ano de 2010, a Mário Vargas Llosa. O autor peruano, nascido em Arequipa há 74 anos atrás, recebeu a notícia quando se encontrava em New York e confidenciou não acreditar até ver a confirmação nos jornais. A obra de Vargas Llosa é lida e apreciada em todo o mundo. Dessa vez, pode-se dizer, crítica e “público” estiveram, finalmente, de acordo. Sobre o autor de A festa do bode, História de Mayta, Conversa na Catedral, o IlSussidiario conversou com Dante José Liano, docente de Língua e Literatura Hispanoamericana da Universidade Católica de Milão. “Estou satisfeito com este Nobel – disse Liano – porque premia uma literatura, a sulamericana, que é ainda muito viva e oferece um olhar sobre um continente que tem tanto a dizer e a aprender”.

Professor, era esperado que Vargas Llosa obtivesse o reconhecimento máximo?
Sim, e acredito que ele o mereça plenamente, porque, junto a García Márquez, é, sem dúvida, um dos maiores escritores contemporâneos e não só da América Latina. É uma recomendação que faz parte da lógica do Nobel. O prêmio poderia ter sido conferido a Carlos Fuentes, outro grande da literatura hispanoamericana.

O senhor está dizendo que ele mereceria mais do que Vargas Llosa?
Não. Apenas estou colocando Fuentes junto a Vargas Llosa e García Márquez, com os quais forma um grupo de mesmo nível. A recomendação do Nobel a um dos dois primeiros era uma hipótese de mesma medida. Não concordo, porém, com a motivação que, me parece, é um pouco redutiva ou, pelo menos, parcial, porque acredito que a variada obra de Vargas Llosa abrace um universo muito mais vasto. Ele soube sondar a profundidade da natureza humana, tocando os seus mecanismos mais internos e complexos.

Portanto, há um Vargas Llosa mais profundo do que aquele que emerge das motivações do prêmio?
Acho que sim. Pensemos, por exemplo, na sua capacidade de reflexão sobre o fenômeno literário, na sua produção científica sobre diversos autores, a começar pelo seu amigo/inimigo García Márquez a quem dedicou um poderoso volume, fundamental para compreendeê-lo. Não esqueçamos que Vargas Llosa escreveu também sobre Gustave Flaubert.

O senhor disse que Vargas Llosa soube sondar o coração do homem. Como é o home quem o escritor peruano nos oferece?
Muito complexo e variado, e nisso responde à característica de toda a sua produção. Eu diria que uma busca contínua na profundidade do humano é a coisa mais constante em sua obra. Penso, por exemplo, no História de Mayta, no qual conduz o leitor rumo às motivações mais íntimas de um jovem que abraça a ideologia da esquerda; ou, outro exemplo, penso naquelas partes nas quais ele vai em busca do lado engraçado das situações e dos personagens. Porque existem também esses lados; em menor medida, mas existem.

No que o novo Nobel é tipicamente sulamericano, e no que é universal?
É universal na medida em que é profundamente sulamericano. Lembra-se daquela frase de Tolstói? Se quiseres falar do mundo, fala do teu vilarejo. Eu diria que Vargas Llosa fez isso. Falando do Peru, ou da República Dominicana, ou de realidades ainda mais restritas, conseguiu tocar a consciência de quase todo homem.

Ele também tentou a carreira política. Em 1990, candidatou-se nas eleições presidenciais do Peru contra o autoritário Alberto Fujimuri, mas perdeu...
Uma derrota que lhe permitiu continuar escrevendo. Não foi um grande político. Obviamente, sendo também eu um homem de letras, posso errar, mesmo acreditando que Vargas Llosa tenha errado mais.

O encontro com Jean-Paul Sartre o influenciou em quanto, no seu entender?
Vargas Llosa leu Sartre quando tinha algo entre vinte e vinte e cinco anos, quando estudava na Universidade de São Marcos, em Lima. Mais do que no período em que esteve em Paris, foi nesse primeiro momento que seguiu o filósofo existencialista. Pode ser, inclusive, que o próprio Sartre o tenha levado a abraçar a doutrina marxista que, mais tarde, será abandonada.

O escritor é muito lido. É amado também pela crítica?
Sim. Eu diria que o reconhecimento dos seus méritos literários não está em discussão. Todos sustentam que, depois que mudou de ideologia política, houve uma queda na sua literatura, mas não creio que seja assim. Quando se consegue escrever um romance como A festa do bode, depois de ter passada da esquerda para a direita, se confirma como tendo permanecido aquilo que se é, ou seja, um grande narrador.

Professor, qual é o “seu” Vargas Llosa, e qual é a obra que o senhor aconselharia ao leitor que quisesse conhecê-lo?
O primeiro... aquele dos romances da juventude que, segundo o meu humilde parecer, são as obras primas absolutas do autor. A cidade e os cachorros é um romance que não tem defeitos; também Conversa na Catedral ou A casa verde são romances quase perfeitos, escritos com o desejo e a raiva palpáveis de buscar aquilo que é mais profundo na sociedade e na alma humana. São livros que deixam o leitor completamente satisfeito. Naturalmente, trata-se de uma opinião pessoal.

Por que a Academia da Suiça fez a escolha mais justa?
Porque premia uma literatura, a sulamericana, que ainda é muito viva e tem muitas coisas a dizer, mesmo à luz daquilo que atualmente é a América Latina. É um continente onde acontecem coisas novas, onde estão sendo experimentadas novas formas de política, de sociedade, de convivência, onde emergem novas realidades culturais e étnicas. E o prêmio a Vargas Llosa oferece um olhar sobre um continente que tem tantas coisas a dizer e a aprender.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 8 de outubro de 2010. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Italo Calvino: “o humano chega aonde chega o amor”


Por Alessandro Banfi

Há vinte cinco anos atrás morria, em Siena, o escritor italiano. A sua abordagem científica da realidade, a poderosa fantasia e o registro envolvente o tornaram célebre. Resta o lamento de não o ter encontrado...

Era uma vez um escritor que nos deu o gosto de ler Ariosto [trata-se de Ludovido Ariosto (1474-1533), poeta italiano; ndt], de contar uma fábula, de sonhar com uma existência inteira passada em uma árvore. Mas que também nos permitiu o gosto da escrita da prosa em hendecassílabos. Chamava-se Italo Calvino, nome fascinante e autêntico, apesar das aparências. Morreu há vinte cinco anos atrás num hospital de Siena, deixando-nos o incômodo de não termos lido suficientemente sua literatura arguta. Sua crítica literária, mas também sua narrativa. E, aqui, não queremos dar um juízo de valor, juízo que, por tanto tempo, não chegou a esclarecer e que ainda divide os críticos. Foi um grande escritor, mas entre os menores do século XX, para citar o que Geno Pampaloni [(1918-2001), jornalista e escritor italiano; ndt] escreveu, quando Calvino faleceu? Ou será que ele foi um gênio anti-manzoniano absoluto, como Goffredo Parise [(1929-1986), jornalista e escritor italiano; ndt] sustentou numa visão compartilhada, certamente ainda hoje, por seu amigo Eugenio Scalfari [jornalista, escritor e político italiano nascido em 1924; ndt], fundador de La Repubblica [jornal italiano que circula desde 1976; ndt]?
É difícil entrar nessa disputa com uma opinião definitiva. Para mim, leitor apaixonado, Calvino é, antes de mais nada, um amante da palavra e do mecanismo narrativo. Um autor racional e iluminista, sempre em busca da verdade, quase científica. Um empirista, para quem os sentidos contam, quando escancaram para a imaginação. Antes e não obstante toda teorização e superestrutura. Como os seus pais amaram a natureza através da botânica, assim também ele, desde jovem, descobriu na linguagem e no relato a chave, quase científica, para redimir a realidade, para atenuar suas dores e evitar suas armadilhas. Para buscar, na nossa vida labiríntica e objetivamente irônica, o percurso para chegar à completude. Passando através do neo-realismo de A trilha dos ninhos de aranha até chegar à fábula urbana do Marcovaldo. Com Calvino é possível ir à lua, como acontece com Ariosto, mas se atravessa também a história, como acontece com Manzoni [Alessandro Manzoni (1785-1873), escritor, poeta e dramaturgo italiano; ndt].
Certamente, a impressão que fica é que tanta literatura, nele, tenha mantido a vida distante. Aquela vida violenta e verdadeira de todos os dias. Mas, não é assim. Da aparência gelada, da leveza ariostesca, passa-se, às vezes, para um registro autenticamente envolvente e emotivo que coloca a questão no centro. Ele escreve em O dia de um escrutinador: “O humano chega aonde chega o amor”. E é, de fato, assim: a sua abordagem racional, científica da realidade convive com uma poderosa fantasia. Resolve-se na imaginação. O seu aparente distanciamento emotivo não cancela o coração, mas, pelo contrário, frequentemente o repropõe como instância última no final de uma trajetória. Como acontece para todos os gênios (Calvino, junto com Primo Levi, é o escritor italiano do século XX mais conhecido no mundo), o seu relato, ao final, coloca uma pergunta sobre a verdade. A sua busca, basta pensar na coletânea estupenda das Fábulas Italianas, chega a colocar a questão da identidade do homem e da sua comparação com o destino. A sua oscilação entre a prosa e a poesia (mesmo no seu Se um viajante numa noite de inverno) leva ao núcleo duro da narração e da língua. E, no fundo dela, assim como nos primeiros versículos do Gênesis e do Evangelho de João, há uma profundidade e uma luz que dizem respeito ao relacionamento misterioso e, ao mesmo tempo, histórico entre o ser humano e Deus. É como para Primo Levi [(1919-1987) escritor italiano; ndt]: resta-nos o lamento de não termos falado com ele, de não o termos encontrado ou de não o termos feito encontrar alguém que lhe pudesse comunicar, de verdade, a única histórica que realmente conta. A grande narração que, hoje, nos salva. Mas, isso vale para todos, todos os dias. Mesmo para nós e para o nosso vizinho no metrô, que sentimos como estranho e a quem não temos a coragem de dizer: vem e vê, há alegria neste mundo.

* Extraído de Tracce.it, do dia 21 de setembro de 2010. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

O Papa explica os apóstolos

Por Julián Carrón

As estradas da Galileia são o cenário de fundo das aventuras descritas no livro Os amigos de Jesus, texto que recolhe trechos tirados das catequeses de Bento XVI, nas audiências gerais das quartas-feiras, dedicadas aos apóstolos e a São Paulo. O livro, destinado principalmente ao público infanto-juvenil, é enriquecido com ilustrações de Franco Vignazia. Publicamos a introdução assinada pelo presidente da Fraternidade de Comunhão e Libertação e intitulada "Um encontro que muda a vida. 'Vinde e vede'"

Existe um pequeno grupo de homens que, um dia, dois mil anos atrás, encontrou um jovem que caminhava pelas estradas da Galileia, no Oriente Médio. Cada um tinha o seu próprio trabalho e a sua própria família, mas houve um instante em que toda a vida deles mudou. Chamavam-se André e João, Pedro, Mateus, Tomé... Eram doze e nós, hoje, os conhecemos como os "apóstolos". Um deles, depois, o traiu e no seu lugar foi escolhido Matias.
Naquela época, em Jerusalém, todos sabiam que eram os "amigos" de Jesus. Viam-nos indo de vilarejo em vilarejo, sempre seguindo o seu mestre, em tudo aquilo que Ele fazia.
A eles se juntou Paulo. O seu encontro aconteceu de um modo muito estranho: enquanto viajava para a cidade de Damasco, ouviu a voz de Jesus que lhe perguntava: "Por que me persegues?". Ficou tão chocado que caiu do cavalo; daquele momento em diante a sua vida mudou totalmente e, de perseguidor de cristãos, se tornou a maior testemunha de Jesus. Viajou muito para contar a todos aquilo que lhe havia acontecido.
Bento XVI é o sucessor de Pedro, para quem Jesus deu a tarefa de guiar a Igreja como primeiro Papa. Este livro ilustrado recolhe alguns trechos dos seus encontros de quarta-feira, em Roma, com os peregrinos, encontros que se chamam "Audiências Gerais", dedicadas aos doze apóstolos e a São Paulo.
O Papa nos pega pela mão e nos acompanha no rumo da descoberta de quem eram os primeiros companheiros de Cristo, como O encontraram e como foram conquistados por Ele até o ponto de decidirem não O abandonar nunca mais.
O Papa nos leva para dois mil anos atrás e nos faz testemunhar aquilo que Jesus disse e fez com aqueles homens: leva-nos às margens do rio Jordão, junto a João Batista que batizou Jesus, quando André e João Lhe perguntaram onde ele estava morando e escutaram a resposta: "Vinde e vede". Ou então, nos transporta até uma manhã de primavera, na beira do lago de Tiberíades, onde Jesus perguntou a Pedro "Tu me amas?", e nos faz escutar a sua resposta, repetida outras vezes: "Senhor, Tu sabes tudo, Tu sabes que eu Te amo".
Bento XVI, falando de João, o discípulo mais novo e predileto, aquele que, na Última Ceia, apoiou a cabeça no peito de Jesus, diz: "O Senhor nos ajude a aprender com João, de tal forma que nos sintamos amados por Cristo 'até ao fim'  e gastemos a vida por Ele".

* Texto extraído do jornal L'Osservatore Romano, do dia 21 de julho de 2010 (p. 6). Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Sabatini: por que, depois do ensino médio, se desaprende o italiano?



Entrevista concedida a Francesco Sabatini

A maioria dos estudantes que saem do ensino médio não sabem escrever: falta a eles o domínio da língua. O INVALSI (Istituto Nazionale per la Valutazione del Sistema Educativo di Istruzione e di Formazione – Instituto Nacional para a Avaliação do Sistema Educativo de Instrução e de Formação), a partir dos resultados da correção de 545 redações de italiano feitas no final do ensino médio, revelou isso. O Relatório relativo aos exames de estado do Ensino Médio é desencorajador: “em todos as quatro competências fundamentais (textual, gramatical, lexical-semântica e ideativa) nas quais se estrutura o domínio da língua italiana registra-se uma nota média inferior a suficiente”. “Um carência tão forte no domínio do uso escrito remete à inadequação do ensino nos vários níveis de escola”, disse ao IlSussidiario.net Francesco Sabatini, presidente honorário da Accademia della Crusca [trata-se da mais prestigiosa instituição linguística da Itália, reunindo estudiosos e especialistas em linguística e filologia italiana. Foi fundada em Florença, em 1583; ndt] e coordenador do grupo de trabalho Accademia della Crusca-INVALSI que conduziu as provas.

Professor, como foram obtidos estes dados e qual é a sua confiabilidade? 
O dados são seguramente confiáveis por uma série de motivos bem precisos. Primeiro, esta é a segunda pesquisa geral sobre as redações de italiano do exame de Estado do Ensino Médio, e os resultados, obtidos por um grupo de avaliadores bastante diversificado, se sobrepõem plenamente àqueles da pesquisa anterior. Segundo, cada pesquisa é realizada a partir de dois ou três grupos diferentes de avaliadores, que trabalham independentemente um do outro. Terceiro, uma dessas pesquisas é realizada utilizando uma ficha de avaliação muito analítica; e finalmente, as instruções que são dadas aos avaliadores “com ficha” propõem critérios de juízo atentos à variedade das realizações linguísticas aceitáveis e, portanto, afastam a dúvida de uma aplicação de purismo linguístico rígido.

Qual é a situação das competências dos jovens italianos de 19 anos de idade, que emerge da pesquisa feita pelo INVALSI?
A situação pode ser sintetizada nestes termos: 54% dos candidatos que se apresentam para o exame conclusivo da carreira escolar deveria ser rejeitado em italiano escrito; estes 54% equivalem a 34% vindos dos liceus [no Brasil, trata-se do ensino médio regular; ndt] e 67% dos institutos de formação técnica e 80,5% dos institutos profissionalizantes. Se acrescentarmos os que tiveram nota suficiente – respectivamente, em termos de origem, 41%, 25% e 14% – temos pouco com o que nos consolar.

Mas, o que dizem substancialmente os dados?
Quanto ao que diz respeito às “faces” desta incapacidade de escrever, sublinharei, entre os muitos, um dado: mesmo naquele reduzido percentual de alunos (frequentemente vindos dos liceus) que têm um uso gramatical e lexical discreto e bom, é muito deficiente a capacidade de pontuação no texto. Demonstra-se, assim, que uma certa propriedade da língua se conquista a partir do ambiente social e/ou do conjunto dos estudos, mas é seguramente carente o ensino da escrita.

Quais são, segundo o senhor, as razões destes resultados? O que pode ser feito para remediar este estado de coisas?
Prescindindo de todos os outros aspectos do mal-estar geral e da ineficiência do aparato escolar italiano (no seu complexo), e prescindindo também da relação escola-família e escola-sociedade do entorno, uma carência tão forte assim no domínio do uso escrito em quem percorre todo o trajeto escolar remete a uma inadequação do ensino da língua-mãe nos vários níveis da escola. Se tomarmos as notas como referência, o que se revela é que o nível de competência atingido pelo aluno no final do primeiro ciclo da educação fundamental, em seguida, não melhora e, muito frequentemente, regride. Há uma explicação bem precisa: ao longo do tempo, sustentou-se que, no segundo ciclo, não havia muito espaço para o estudo da língua, porque o estudo da literatura era muito empenhativo. Erro grave, mesmo para o estudo direto dos textos, literários ou não.

Parece ao senhor que os regulamentos e as novas indicações sobre o ensino médio possam vir ao encontro das novas exigências?
A orientação geral dos vários projetos de reforma do currículo do ensino médio nunca premiou, nos últimos anos, o setor do ensino do italiano. Quase como se se acreditasse que mais do que o que sempre se fez não era possível fazer. Por isso, na atual fase de gestação das novas “Indicações”, os linguistas italianos têm insistido em assinalar o erro do passado: solicitou-se inserir, em uma reconsideração geral da definição da disciplina de “Italiano” na escola média, uma parte específica de cuidado permanente com o desenvolvimento das capacidades linguísticas. No esboço que foi difundido para a consulta aberta do pública esta solicitação foi acolhida. Esperamos que não repensem tudo de novo.

É suficiente uma indicação como essa, ainda que explícita, na carta dos “programas”?
Não basta, mas é um ponto de partida indispensável, por três motivos: para evitar o álibi na forma como o docente se coloca no ensino; para impulsionar o mercado editorial a produzir textos adequados; e sobretudo para induzir a universidade a fornecer formas de ensino mais apropriadas para este objetivo nos planos de formação dos futuros professores. Este último objetivo exige que, nos concursos de acesso ao ensino, seja claramente verificada a preparação dos candidatos para o ensino da língua italiana nos vários níveis da escola, até o último ano do ensino médio. Esta verificação nunca existiu, porque sempre se confundiu a língua (na variedade de seus usos e técnicas) com a literatura (ou melhor, com a história da literatura) e com uma preparação “didática” genérica, e porque a língua italiana, disciplina jovem, não era muito familiar aos próprios Comissários [título atribuído aos membros de órgãos colegiais denominados, na Itália, Comissões; ndt]

Depois destes resultados, poderiam ser revistas as tipologias das provas escritas?
Acredito que as tipologias propostas ainda sejam capazes de responder e dar aos alunos a possibilidade de orientar a própria produção escrita segundo as propensões pessoais. Acredito, porém, que falte uma prática adequada destas mesmas tipologias durante os anos de estudo. São bastante instrutivos os dado da análise do texto e o ensaio baseado sobre documentos fornecidos. O primeiro tipo é escolhido por muito poucos, porque falta o hábito de enfrentar analiticamente um texto, sobretudo se não for conhecido antes. Muitos daqueles que escolhem o segundo tipo não utilizam bem as fontes colocadas à disposição: tomam esse tipo como a possibilidade de desenvolver o tema de sempre, seguindo o fio das próprias ideias. Alguns, porém, fazem uma colagem de trechos sem extrair e confrontar as ideias que contém.

Soube da última? Um Comissário francês, Michel Barnier, propôs que se exclua o uso do italiano na apresentação das patentes industriais. O que o senhor pensa disso?
Depois de tantas outras ocasiões nas quais a língua italiana foi marginalizada dos usos oficiais – concursos, contratos – da União Europeia, é a enésima tentativa de mandá-la para o fim da fila. Até quando não nos preocuparmos em fazer as jovens gerações usarem bem o italiano, mereceremos isso e muito mais.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 05 de julho de 2010. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco. Apesar de tratar da língua italiana, a entrevista, ao menos, abre as portas para uma discussão que não nos é estranha: a incrível e cada vez mais evidente deficiência dos estudantes (em todos os níveis da educação nacional) no uso da língua portuguesa. Algumas questões relativas à nomenclatura dos níveis da educação nacional italiana tiveram que ser adaptadas para a realidade brasileira. Qualquer inadequação percebida por leitores, se comunicada, será muito bem-vinda.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Graças ao martírio, o homem que morre triunfa sobre o animal que vive



Por Michele Rosboch

A editora Adelphi publica, graças à valiosa tradução de Claudia Zonghetti, uma das primeiras obras do escritor Vasili Grossman, O Inferno de Treblinka. Trata-se de um documentário ágil (quase uma crônica “jornalística”, que foi publicada pela primeira vez no outono de 1944, na revista russa Znamja), fruto da observação de primeira mão do autor – na época, ele estava entre os mais apreciados cronista de guerra –, que foi mandado para o campo de Treblinka com a armada vermelha, em setembro de 1944. No livro, o autor de Vida e Destino relata com fidelidade o fruto das histórias contadas pelas testemunhas do inferno do lager, que foi, em seguida, destruído por uma revolta dos prisioneiros, em agosto de 1943, depois de ter assassinado mais de três milhões de pessoas, entre judeus, ciganos e outros cidadãos poloneses.
O fruto da investigação de Grossman foi, inclusive, usado como documento no processo de Nuremberg como prova dos crimes nazistas (mesmo que, num segundo momento, tenha se mostrado impreciso e até mesmo errôneo, por causa da emoção dos testemunhos recolhidos). É um quadro aterrorizante do abismo do mal e da deformação à qual a ideologia pode conduzir: “Todos estes seres não tinham nada de humano. Cérebro, coração e alma, palavras, gestos e hábitos eram deformados, uma horrenda caricatura que lembrava apenas levemente traços, pensamentos, sentimentos, hábitos, gestos humanos. (...) No novo lager nada era pensado para a vida, tudo era entendido para a morte” (pp. 15-16)
No livro emergem com clareza a abominação e a ignomínia dos carrascos nazistas, animados pelo projeto criminoso de contribuir com a “solução final”, através da anulação da vontade e da personalidade dos prisioneiros (valendo-se da “tortura da mentira”), antes ainda da sua cruel eliminação física: “Seres humanos nus dos quais tudo foi arrancado continuam tenazmente mil vezes mais humanos do que os animais com uniforme nazista que os circundam, continuam a respirar, a olhar e a pensar, os corações ainda batem. Então, os alemães arrancam de suas mãos sabão e toalha. E os depõem em fila de cinco em cinco” (p. 37)
Aos “animais” nazistas se contrapõem os “libertadores” soviéticos: no livro se afirma com clareza a diferença entre os alemães-malvados e os soviéticos-bonzinhos, que, depois, será superada em Vida e Destino, com a trágica denúncia tanto dos crimes nazistas quanto dos comunistas. De resto, Grossman, como repórter, tinha vivido em primeira pessoa a batalha de Stalingrado e a marcha sobre Berlim, e tinha ficado impressionado com o fato de que a União Soviética, depois de tantas atrocidades, tivesse representado, naquela ocasião, “a justa causa” da liberdade: “O poder. Carros armados e aviões, terras, cidades, céus, ferrovias, leis, jornais, rádio: tudo está nas suas mãos. O mundo silencia, achatado, submetido por bandidos com camisa marrom que o mantém em suas mãos. E no entanto, a muitos milhares de quilômetro, nas margens distantes do Volga, a artilharia soviética troveja ainda, proclamando obstinadamente a vontade do povo russo de lutar até a morte pela liberdade, e despertando, chamando para a luta os povos do mundo” (p. 28).
Mas isso não é tudo. Também nessa obra emerge a grandeza de Grossman, que não apenas é a grandeza do cronista ou do antinazista. Diante do drama da destruição do humano, Grossman reflete sobre a profundeza da natureza humana e sobre o significado da vida e da morte, dando voz àquelas perguntas últimas, que florescerão de modo emblemático na sua obra-prima Vida e Destino. “... Com um esforço sobre-humano uma mãe terá tentado conseguir um pouco mais de espaço para o seu filhos, esperando aliviar, pela milionésima vez, o seu último respiro. ‘Por que me sufocam? Por que não posso amar e ter filhos?’ terá se perguntado uma garota com a língua já entorpecida. A cabeça gira, um nó aperta a garganta. O que terão visto aqueles olhos vítreos, apagados? Cenas de infância e de dias felizes, ou talvez a duríssima última viagem?” (p. 52).
De onde vêm estas perguntas, que tornam “clássico” um repórter e interessante um livro que fala de fatos históricos distantes? O poder da escrita de Grossman está na grande capacidade de identificação com as coisas, na capacidade de colher naquilo que observa os sinais da verdade de um fenômeno. É bastante significativa, a propósito, a descrição com a qual ele conclui o livro: quando Grossman e os soldados da armada vermelha chegam a Treblinka as construções foram destruídas, mas é a terra com a sua cor escura (por causa das cinzas de milhares de cadáveres que tinha sido espalhadas no chão) que fala da vida do lager. E é daquela cor e daquela terra que a investigação sobre os eventos históricos do campo e sobre o humano partem.
Assim é Grossman: escuta um fato particular com tudo de si, deixando que esse fato liberte aquela infinidade de perguntas para as quais o coração do homem é feito. No final da leitura, o silêncio domina, eco misterioso daquele silêncio que “sobrevinha quando as portas das câmaras de gás eram fechadas” (p. 46), mas também humilde comoção pelo dom da vida, de que é tecida cada página da obra de Grossman: “Que grande é o dom da humanidade! Um dom que não morre enquanto não morre o homem. E se também sobrevier uma época histórica breve mas tremenda na qual o animal tiver a precedência sobre o homem, o homem morto pelo animal conservará, de qualquer forma, até o último instante, força de ânimo, mente lúcida e coração ardente. Enquanto que o animal triunfante que o mata continuará a ser apenas um animal. Na imortalidade do espírito humano existe, implícito, um sombrio martírio, triunfo – porém – do homem que morre sobre o animal que vive” (p. 43).

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 30 de junho de 2010. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

Leia também:


- Cristãos no lager, de P. Colognesi (em italiano).

terça-feira, 29 de junho de 2010

Cristina Campo: o amor às pequenas coisas passa através das palavras


Por Laura Cioni

A figura de Cristina Campo não é conhecida do grande público, sobretudo devido ao silêncio no qual a crítica oficial a deixou. A escritora também gostava da sombra, e a sua existência foi apartada, em meio aos estudos e algumas amizades significativas, entre as quais figuram Luzi e Zambrano, e sobretudo a longa relação que a ligou a Elémire Zolla. Nascida em Bolonha, em 1923, viveu por longos anos em Firenze e, depois, a partir de 1955, em Roma. Morreu em 1977. Vittoria Guerrini gostava de esconder as suas produções sob vários pseudônimos.
A sua primeira atividade como tradutora contribuiu para dotá-la de uma sensibilidade marcada pela palavra, mas também pelo encontro entre o pensamento do autor e o do leitor, em quem se realiza a tarefa da obra de arte. Isso fica claro no livro de Massimo Marasso, In bianca maglia di ortiche, publicado recentemente pela Marietti, que recolhe conferências proferidas pelo autor sobre vários aspectos da personalidade de Campo: escritora, poetisa, crítica literária, amiga de personalidades com as quais conversou através de correspondências.
Em 1956, Campo escrevia à amiga Margherita Pieracci duas linhas particularmente iluminadas sobre a leitura crítica: “Tome contato consigo mesma, elabore uma lista de apontamentos (citações) e o discurso que os deve ligar crescerá no meio sozinho, como um alpinista em meio às rochas”.
Nada de mais distante do impressionismo crítico, mas capacidade refinada por muito tempo de diálogo com o autor. “Na Itália, o último crítico foi, me parece, Leopardi. Com De Sanctis, a pura disposição do espírito contemplativo foi definitivamente perturbada e distorcida pela obsessão histórica. Leopardi foi o último a examinar uma página como se deve, ou seja, como um paleógrafo, levando em consideração cinco ou seis planos ao mesmo tempo: do sentimento dos destinos à oportunidade de evitar o influxo das vogais.
Tudo aquilo que não se presta a uma leitura múltipla, ele ignorava. Evito pensar no seu exame de uma página contemporânea. Fosse esta página uma das mais belas, suponho que ele notaria sobretudo a ausência quase total do como e do ablativo absoluto: a carência de espírito analógico, se não quisermos dizer metafórico, da faculdade plenamente poética – profética – de transformar a realidade em figura, quer dizer em destino”.
Essa longa citação foi extraída de Gli imperdonabili (Os imperdoáveis), o livro mais conhecido e importante da atividade crítica de Cristina Campo. Em uma de suas partes, Con lievi mani (Com mãos suaves), Cristina Campo se dedica a analisar o significado do termo sprezzatura (desdém, desinteresse, indiferença), que todos, na Itália, vinculam à obra Il cortegiano (O cortesão), de Baldassar Castiglione. É um exercício de grande competência lexical, no qual são resenhadas e, pouco a pouco, descartadas, todas as palavras potencialmente conectadas, mas mais pobres na identificação do conceito.
É aqui que Cristina Campo, filha de um musicólogo, dá provas de uma sensibilidade que deve ter aprendido na família: escreve, de fato, acerca da sprezzatura de Chopin, da pureza e do orgulho das suas Poloneises, nas quais o inefável e o tremendo escolhem como mensageira a dança popular, a forma menos canonizada de todas. E termina com a sprezzatura nas regras trapistas que estabelecem os comportamentos nas recreações monásticas, excluindo delas toda rudeza.
A forma de escrever de Cristina Campo é culta sem ser pedante, o seu preço é a leveza. Parece roçar a variegada trama das suas predileções quando, pelo contrário, elas são apenas fruto de um gosto que, por muito tempo, exercitou. Nisto, ela é aluna da amada Simone Weil. Lê-la é um modo agradável para aprender o amor e a atenção implícitos no estudo de qualquer coisa.
* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 29 de junho de 2010. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.