segunda-feira, 5 de julho de 2010

Sabatini: por que, depois do ensino médio, se desaprende o italiano?



Entrevista concedida a Francesco Sabatini

A maioria dos estudantes que saem do ensino médio não sabem escrever: falta a eles o domínio da língua. O INVALSI (Istituto Nazionale per la Valutazione del Sistema Educativo di Istruzione e di Formazione – Instituto Nacional para a Avaliação do Sistema Educativo de Instrução e de Formação), a partir dos resultados da correção de 545 redações de italiano feitas no final do ensino médio, revelou isso. O Relatório relativo aos exames de estado do Ensino Médio é desencorajador: “em todos as quatro competências fundamentais (textual, gramatical, lexical-semântica e ideativa) nas quais se estrutura o domínio da língua italiana registra-se uma nota média inferior a suficiente”. “Um carência tão forte no domínio do uso escrito remete à inadequação do ensino nos vários níveis de escola”, disse ao IlSussidiario.net Francesco Sabatini, presidente honorário da Accademia della Crusca [trata-se da mais prestigiosa instituição linguística da Itália, reunindo estudiosos e especialistas em linguística e filologia italiana. Foi fundada em Florença, em 1583; ndt] e coordenador do grupo de trabalho Accademia della Crusca-INVALSI que conduziu as provas.

Professor, como foram obtidos estes dados e qual é a sua confiabilidade? 
O dados são seguramente confiáveis por uma série de motivos bem precisos. Primeiro, esta é a segunda pesquisa geral sobre as redações de italiano do exame de Estado do Ensino Médio, e os resultados, obtidos por um grupo de avaliadores bastante diversificado, se sobrepõem plenamente àqueles da pesquisa anterior. Segundo, cada pesquisa é realizada a partir de dois ou três grupos diferentes de avaliadores, que trabalham independentemente um do outro. Terceiro, uma dessas pesquisas é realizada utilizando uma ficha de avaliação muito analítica; e finalmente, as instruções que são dadas aos avaliadores “com ficha” propõem critérios de juízo atentos à variedade das realizações linguísticas aceitáveis e, portanto, afastam a dúvida de uma aplicação de purismo linguístico rígido.

Qual é a situação das competências dos jovens italianos de 19 anos de idade, que emerge da pesquisa feita pelo INVALSI?
A situação pode ser sintetizada nestes termos: 54% dos candidatos que se apresentam para o exame conclusivo da carreira escolar deveria ser rejeitado em italiano escrito; estes 54% equivalem a 34% vindos dos liceus [no Brasil, trata-se do ensino médio regular; ndt] e 67% dos institutos de formação técnica e 80,5% dos institutos profissionalizantes. Se acrescentarmos os que tiveram nota suficiente – respectivamente, em termos de origem, 41%, 25% e 14% – temos pouco com o que nos consolar.

Mas, o que dizem substancialmente os dados?
Quanto ao que diz respeito às “faces” desta incapacidade de escrever, sublinharei, entre os muitos, um dado: mesmo naquele reduzido percentual de alunos (frequentemente vindos dos liceus) que têm um uso gramatical e lexical discreto e bom, é muito deficiente a capacidade de pontuação no texto. Demonstra-se, assim, que uma certa propriedade da língua se conquista a partir do ambiente social e/ou do conjunto dos estudos, mas é seguramente carente o ensino da escrita.

Quais são, segundo o senhor, as razões destes resultados? O que pode ser feito para remediar este estado de coisas?
Prescindindo de todos os outros aspectos do mal-estar geral e da ineficiência do aparato escolar italiano (no seu complexo), e prescindindo também da relação escola-família e escola-sociedade do entorno, uma carência tão forte assim no domínio do uso escrito em quem percorre todo o trajeto escolar remete a uma inadequação do ensino da língua-mãe nos vários níveis da escola. Se tomarmos as notas como referência, o que se revela é que o nível de competência atingido pelo aluno no final do primeiro ciclo da educação fundamental, em seguida, não melhora e, muito frequentemente, regride. Há uma explicação bem precisa: ao longo do tempo, sustentou-se que, no segundo ciclo, não havia muito espaço para o estudo da língua, porque o estudo da literatura era muito empenhativo. Erro grave, mesmo para o estudo direto dos textos, literários ou não.

Parece ao senhor que os regulamentos e as novas indicações sobre o ensino médio possam vir ao encontro das novas exigências?
A orientação geral dos vários projetos de reforma do currículo do ensino médio nunca premiou, nos últimos anos, o setor do ensino do italiano. Quase como se se acreditasse que mais do que o que sempre se fez não era possível fazer. Por isso, na atual fase de gestação das novas “Indicações”, os linguistas italianos têm insistido em assinalar o erro do passado: solicitou-se inserir, em uma reconsideração geral da definição da disciplina de “Italiano” na escola média, uma parte específica de cuidado permanente com o desenvolvimento das capacidades linguísticas. No esboço que foi difundido para a consulta aberta do pública esta solicitação foi acolhida. Esperamos que não repensem tudo de novo.

É suficiente uma indicação como essa, ainda que explícita, na carta dos “programas”?
Não basta, mas é um ponto de partida indispensável, por três motivos: para evitar o álibi na forma como o docente se coloca no ensino; para impulsionar o mercado editorial a produzir textos adequados; e sobretudo para induzir a universidade a fornecer formas de ensino mais apropriadas para este objetivo nos planos de formação dos futuros professores. Este último objetivo exige que, nos concursos de acesso ao ensino, seja claramente verificada a preparação dos candidatos para o ensino da língua italiana nos vários níveis da escola, até o último ano do ensino médio. Esta verificação nunca existiu, porque sempre se confundiu a língua (na variedade de seus usos e técnicas) com a literatura (ou melhor, com a história da literatura) e com uma preparação “didática” genérica, e porque a língua italiana, disciplina jovem, não era muito familiar aos próprios Comissários [título atribuído aos membros de órgãos colegiais denominados, na Itália, Comissões; ndt]

Depois destes resultados, poderiam ser revistas as tipologias das provas escritas?
Acredito que as tipologias propostas ainda sejam capazes de responder e dar aos alunos a possibilidade de orientar a própria produção escrita segundo as propensões pessoais. Acredito, porém, que falte uma prática adequada destas mesmas tipologias durante os anos de estudo. São bastante instrutivos os dado da análise do texto e o ensaio baseado sobre documentos fornecidos. O primeiro tipo é escolhido por muito poucos, porque falta o hábito de enfrentar analiticamente um texto, sobretudo se não for conhecido antes. Muitos daqueles que escolhem o segundo tipo não utilizam bem as fontes colocadas à disposição: tomam esse tipo como a possibilidade de desenvolver o tema de sempre, seguindo o fio das próprias ideias. Alguns, porém, fazem uma colagem de trechos sem extrair e confrontar as ideias que contém.

Soube da última? Um Comissário francês, Michel Barnier, propôs que se exclua o uso do italiano na apresentação das patentes industriais. O que o senhor pensa disso?
Depois de tantas outras ocasiões nas quais a língua italiana foi marginalizada dos usos oficiais – concursos, contratos – da União Europeia, é a enésima tentativa de mandá-la para o fim da fila. Até quando não nos preocuparmos em fazer as jovens gerações usarem bem o italiano, mereceremos isso e muito mais.

* Extraído do IlSussidiario.net, do dia 05 de julho de 2010. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco. Apesar de tratar da língua italiana, a entrevista, ao menos, abre as portas para uma discussão que não nos é estranha: a incrível e cada vez mais evidente deficiência dos estudantes (em todos os níveis da educação nacional) no uso da língua portuguesa. Algumas questões relativas à nomenclatura dos níveis da educação nacional italiana tiveram que ser adaptadas para a realidade brasileira. Qualquer inadequação percebida por leitores, se comunicada, será muito bem-vinda.

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