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domingo, 1 de abril de 2012

Sejamos como mantos estendidos a Seus pés


Celebração do Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor
Homilia do Papa Bento XVI
Praça de São Pedro
XXVII Jornada Mundial da Juventude
Domingo, 1 de Abril de 2012

Queridos irmãos e irmãs!
O Domingo de Ramos é o grande portal de entrada na Semana Santa, a semana em que o Senhor Jesus caminha até ao ponto culminante da sua existência terrena. Ele sobe a Jerusalém para dar pleno cumprimento às Escrituras e ser pregado no lenho da cruz, o trono de onde reinará para sempre, atraindo a Si a humanidade de todos os tempos e oferecendo a todos o dom da redenção. Sabemos, pelos Evangelhos, que Jesus Se encaminhara para Jerusalém juntamente com os Doze e que, pouco a pouco, se foi unindo a eles uma multidão cada vez maior de peregrinos. São Marcos refere que, já à saída de Jericó, havia uma “grande multidão” que seguia Jesus (cf. Mc 10, 46).
Nesta última parte do percurso, tem lugar um acontecimento singular, que aumenta a expectativa sobre aquilo que está para suceder, fazendo com que a atenção geral se concentre ainda mais em Jesus. À saída de Jericó, na beira do caminho, está sentado pedindo esmola um cego, chamado Bartimeu. Quando ouve dizer que Jesus de Nazaré estava chegando, começa a gritar: “Jesus, Filho de Davi, tem piedade de mim!” (Mc 10, 47). Procuram silenciá-lo, mas sem sucesso; por fim Jesus manda-o chamar, convidando-o a aproximar-se. “O que queres que Eu te faça?” – pergunta-lhe. E ele: “Mestre, que eu veja!” (v. 51). Jesus responde: “Vai, a tua fé te curou”. Bartimeu recuperou a vista e começou a seguir Jesus pela estrada (cf. v. 52). Depois deste sinal prodigioso precedido pela invocação “Filho de Davi”, de repente levanta-se um frêmito de esperança messiânica no meio da multidão, fazendo com que muitos se perguntassem: Poderia este Jesus, que caminhava à sua frente para Jerusalém, ser o Messias, o novo Davi? Porventura teria chegado, com esta sua entrada já iminente na cidade santa, o momento em que Deus iria finalmente restaurar o reino de Davi?
Também a preparação da entrada, combinada por Jesus com os seus discípulos, ajuda a aumentar esta esperança. Como ouvimos no Evangelho de hoje (cf. Mc 11,1-10), Jesus chega a Jerusalém vindo de Betfagé e do Monte das Oliveiras, isto é, seguindo a estrada por onde deveria vir o Messias. De Betfagé, Ele envia à sua frente dois discípulos, com a ordem de Lhe trazerem um jumentinho que encontrarão no caminho. De fato encontram o jumentinho, soltam-no e levam-no a Jesus. Naquele momento, o entusiasmo apodera-se dos discípulos e também dos outros peregrinos: pegam nos seus mantos e colocam-nos uns sobre o jumentinho e outros estendidos no caminho por onde Jesus passa montado no jumento. Depois cortam ramos das árvores e começam a apregoar expressões do Salmo 118, antigas palavras de bênção dos peregrinos que, naquele contexto, se tornam uma proclamação messiânica: “Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor! Bendito seja o reino que vem, o reino de nosso pai Davi! Hosana no mais alto dos céus!” (vv. 9-10). Esta aclamação festiva, transmitida pelos quatro evangelistas, é um brado de bênção, um hino de exultação: exprime a convicção unânime de que, em Jesus, Deus visitou o seu povo e que o Messias ansiado finalmente chegou. E todos permanecem lá, numa crescente expectativa da ação que Cristo realizará quando entrar na sua cidade.
Mas qual é o conteúdo, o sentido mais profundo deste grito de júbilo? A resposta nos é dada pela Escritura no seu conjunto, quando nos lembra que no Messias se cumpre a promessa da bênção de Deus, a promessa feita por Deus originariamente a Abraão, o pai de todos os crentes: “Farei de ti um grande povo e te abençoarei (...). Em ti serão abençoadas todas as famílias da terra!” (Gen 12, 2-3). Trata-se de uma promessa que Israel mantivera sempre viva na oração, especialmente na oração dos Salmos. Por isso, Aquele que a multidão aclama como o Bendito é, ao mesmo tempo, Aquele em quem será abençoada a humanidade inteira. Assim, na luz de Cristo, a humanidade reconhece-se profundamente unida e, de certo modo, envolvida pelo manto da bênção divina, uma bênção que tudo permeia, tudo sustenta, tudo redime, tudo santifica.
E aqui podemos descobrir uma primeira grande incumbência que nos chega da festa de hoje: o convite a adotar a visão reta sobre a humanidade inteira, sobre os povos que formam o mundo, sobre suas diversas culturas e civilizações. A visão que o crente recebe de Cristo é um olhar de bênção: um olhar sapiencial e amoroso, capaz de captar a beleza do mundo e condoer-se da sua fragilidade. Nesta visão, manifesta-se o próprio olhar de Deus sobre os homens que Ele ama e sobre a criação, obra das suas mãos. Lemos no Livro da Sabedoria: “De todos tens compaixão, porque tudo podes, e fechas os olhos aos pecados dos mortais, para que se arrependam. Sim, amas tudo o que existe e não desprezas nada do que fizeste; (...) a todos, porém, tratas com bondade, porque tudo é teu, Senhor amigo da vida” (Sb 11, 23-24.26).
Voltando à passagem do Evangelho de hoje, perguntemo-nos: Que pensavam, realmente, em seus corações aqueles que aclamam Cristo como Rei de Israel? Certamente tinham a sua ideia própria do Messias, uma ideia do modo como devia agir o Rei prometido pelos profetas e há muito esperado. Não foi por acaso que a multidão em Jerusalém, poucos dias depois, em vez de aclamar Jesus, grita para Pilatos: “Crucifica-O!”, enquanto os próprios discípulos e os outros que O tinham visto e ouvido ficam mudos e confusos. Na realidade, a maioria ficara desapontada com o modo escolhido por Jesus para Se apresentar como Messias e Rei de Israel. É precisamente aqui que se situa o ponto fulcral da festa de hoje, mesmo para nós. Para nós, quem é Jesus de Nazaré? Que ideia temos do Messias, que ideia temos de Deus? Esta é uma questão crucial, que não podemos evitar, até porque, precisamente nesta semana, somos chamados a seguir o nosso Rei que escolhe a cruz como trono; somos chamados a seguir um Messias que não nos garante uma felicidade terrena fácil, mas a felicidade do céu, a bem-aventurança de Deus. Por isso devemos perguntar-nos: Quais são as nossas reais expectativas? Quais são os desejos mais profundos que nos animaram a vir aqui, hoje, celebrar o Domingo de Ramos e iniciar a Semana Santa?
Queridos jovens, aqui reunidos! Em todos os lugares da terra onde a Igreja está presente, este Dia é especialmente dedicado a vós. Por isso, vos saúdo com muito carinho! Que o Domingo de Ramos possa ser para vós o dia da decisão: a decisão de acolher o Senhor e segui-Lo até ao fim, a decisão de fazer da sua Páscoa de morte e ressurreição o sentido da vossa vida de cristãos. Tal é a decisão que leva à verdadeira alegria, como quis recordar na Mensagem aos Jovens para este seu Dia – “Alegrai-vos sempre no Senhor” (Fil 4, 4) –, e como se vê na vida de Santa Clara de Assis, que há oitocentos anos – exatamente no Domingo de Ramos –, movida pelo exemplo de São Francisco e dos seus primeiros companheiros, deixou a casa paterna para consagrar-se totalmente ao Senhor: com dezoito anos, teve a coragem da fé e do amor para se decidir por Cristo, encontrando nEle a alegria e a paz.
Queridos irmãos e irmãs, dois sentimentos nos animem particularmente nestes dias: o louvor, como fizeram aqueles que acolheram Jesus em Jerusalém com o seu “Hosana”; e a gratidão, porque, nesta Semana Santa, o Senhor Jesus renovará o dom maior que se possa imaginar: dar-nos-á a Sua vida, o Seu corpo e o Seu sangue, o Seu amor. Mas um dom assim tão grande exige que o retribuamos adequadamente, ou seja, com o dom de nós mesmos, do nosso tempo, da nossa oração, do nosso viver em profunda comunhão de amor com Cristo que sofre, morre e ressuscita por nós. Os antigos Padres da Igreja viram um símbolo de tudo isso num gesto das pessoas que acompanhavam Jesus na sua entrada em Jerusalém: o gesto de estender os mantos diante do Senhor. O que devemos estender diante de Cristo – diziam os Padres – é a nossa vida, ou seja, a nós mesmos, em sinal de gratidão e adoração. Para concluir, escutemos o que diz um desses antigos Padres, Santo André, Bispo de Creta: “Em vez de mantos ou ramos sem vida, em vez de arbustos que alegram o olhar por pouco tempo, mas depressa perdem o seu vigor, prostremo-nos nós mesmos aos pés de Cristo, revestidos da sua graça, ou melhor, revestidos dEle mesmo (…); sejamos como mantos estendidos a Seus pés (…), para oferecermos ao vencedor da morte não já ramos de palmeira, mas os troféus da sua vitória. Agitando os ramos espirituais da alma, aclamemo-Lo todos os dias, juntamente com as crianças, dizendo estas santas palavras: ‘Bendito o que vem em nome do Senhor, o Rei de Israel’” (PG 97, 994). Amém!

* Extraído do site do Vaticano, do dia 1 de abril de 2012. Revisado e adaptado por Paulo R. A. Pacheco.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

É na família que a pessoa se abre ao mundo e à vida


Discurso do Papa Bento XVI
ao Corpo Diplomático 
acreditado junto da Santa Sé 
para a troca de bons votos de início de ano

Sala Régia
Segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Senhoras e Senhores Embaixadores,
É, para mim, sempre um grande prazer poder receber-vos, ilustres Membros do Corpo Diplomático acreditados junto da Santa Sé, neste esplêndido cenário da Sala Régia, a fim de vos formular os meus ardentes votos para o ano que inicia. Desejo, em primeiro lugar, agradecer ao vosso Decano, o Embaixador Alejandro Valladares Lanza, bem como ao Vice-Decano, o Embaixador Jean-Claude Michel, pelas palavras deferentes com que se fizeram intérpretes dos vossos sentimentos e dirijo uma saudação especial a todos os que participam pela primeira vez no nosso encontro. E os meus votos estendem-se, por vosso intermédio, a todas as nações de que sois representantes e com as quais a Santa Sé mantém relações diplomáticas. Motivo de alegria para nós é o fato de a Malásia ter se juntado a esta comunidade no decurso do último ano. O diálogo que mantendes com a Santa Sé favorece a partilha de impressões e informações, bem como a colaboração em âmbitos de caráter bilateral ou multilateral de particular interesse. A vossa presença aqui hoje recorda a importante contribuição dada pela Igreja às vossas sociedades em setores como a educação, a saúde e a assistência. Sinais da cooperação entre a Igreja Católica e os Estados são os Acordos que foram assinados, em 2011, com o Azerbaijão, Montenegro e Moçambique. O primeiro já foi ratificado; espero que em breve ocorra o mesmo com os outros dois, e cheguem a bom termo aqueles que estão em fase de negociação. De igual modo, a Santa Sé deseja estabelecer um diálogo profícuo com as Organizações internacionais e regionais; e, nesta linha, apraz-me sublinhar o fato de os países membros da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) terem acolhido a nomeação de um Núncio Apostólico acreditado junto da organização. Não posso deixar de mencionar que a Santa Sé reforçou a sua longa colaboração com a Organização Internacional para as Migrações ao tornar-se membro pleno da mesma, no passado mês de dezembro. Isto dá testemunho do empenho da Santa Sé e da Igreja Católica ao lado da comunidade internacional na busca de soluções adequadas para este fenômeno que se reveste de muitos aspectos, desde a proteção da dignidade das pessoas até à solicitude pelo bem comum das comunidades que os recebem e daquelas de onde provêm.
Durante o ano que terminou, encontrei-me pessoalmente com numerosos Chefes de Estado e de Governo e também com destacados representantes das vossas nações que participaram na cerimônia da Beatificação do meu bem-amado Predecessor, o Papa João Paulo II. Também por ocasião do sexagésimo aniversário da minha Ordenação Sacerdotal houve diversos representantes dos vossos países que tiveram a amabilidade de estar presentes. A todos eles e a quantos encontrei nas minhas viagens apostólicas à Croácia, San Marino, Espanha, Alemanha e Benim, renovo a minha gratidão pela delicadeza manifestada. Além disso, dirijo uma saudação especial aos países da América Latina e das Caraíbas que festejaram, em 2011, o bicentenário da sua independência. No passado dia 12 de dezembro, quiseram sublinhar a sua ligação à Igreja Católica e ao Sucessor do Príncipe dos Apóstolos com a participação de eminentes representantes da comunidade eclesial e de autoridades institucionais na solene celebração que teve lugar na Basílica de São Pedro, durante a qual dei a conhecer a minha intenção de visitar em breve o México e Cuba. Desejo, por fim, saudar o Sudão do Sul que, no passado mês de julho, se constituiu como um Estado soberano. Lamentando as tensões e confrontos que se foram sucedendo nestes últimos meses, espero que todos unam os seus esforços para que se abra finalmente um período de paz, liberdade e progresso para as populações do Sudão e do Sudão do Sul.
Senhoras e Senhores Embaixadores,
O encontro de hoje desenrola-se tradicionalmente no termo das festas do Natal, quando a Igreja celebra a vinda do Salvador. Ele vem na obscuridade da noite, e no entanto a Sua presença torna-se imediatamente fonte de luz e alegria (cf. Lc 2, 9-10). Verdadeiramente torna-se sombrio o mundo, quando não é iluminado pela luz divina! Verdadeiramente fica na escuridão o mundo, quando o homem deixa de reconhecer a sua ligação com o Criador, pondo assim em perigo também as suas relações com as outras criaturas e com a própria criação. Infelizmente, o momento atual está marcado por um profundo mal-estar, sendo uma expressão dramática disto mesmo as diversas crises econômicas, políticas e sociais.
A este respeito, não posso deixar de mencionar, antes de tudo, as graves e preocupantes consequências da crise econômica e financeira mundial. Esta não atinge só as famílias e as empresas dos países economicamente mais avançados, onde a mesma teve origem, criando uma situação na qual muitos, sobretudo entre os jovens, se sentiram desorientados e frustrados nas suas aspirações por um futuro sereno, mas tal crise marcou profundamente também a vida dos países em vias de desenvolvimento. Não devemos desanimar, mas redesenhar decididamente o nosso caminho com novas formas de compromisso. A crise pode e deve ser um incentivo para meditar sobre a existência humana e a importância da sua dimensão ética, antes mesmo de refletir sobre os mecanismos que governam a vida econômica: não só para procurar conter as perdas individuais ou das economias nacionais, mas para nos impormos novas regras que assegurem a todos a possibilidade de viver dignamente e desenvolver as suas capacidades em benefício da comunidade inteira.
Desejo ainda lembrar que os efeitos do atual momento de incerteza afetam particularmente os jovens. Do seu mal-estar nasceram os fermentos que nos últimos meses investiram, por vezes duramente, várias regiões. Refiro-me antes de mais ao Norte da África e ao Oriente Médio, onde os jovens – que, para além do mais, sofrem pobreza e desemprego e temem pela ausência de perspectivas seguras – lançaram aquilo que veio a se tornar um amplo movimento de reivindicação de reformas e de participação mais ativa na vida política e social. É difícil atualmente traçar um balanço definitivo dos recentes acontecimentos e compreender plenamente as suas consequências para os equilíbrios da região. O otimismo inicial cedeu, entretanto, o passo ao reconhecimento das dificuldades deste momento de transição e mudança, e parece-me evidente que a senda adequada para prosseguir no caminho empreendido passe pelo reconhecimento da dignidade inalienável de toda a pessoa humana e dos seus direitos fundamentais. O respeito da pessoa deve estar no centro das instituições e das leis, deve conduzir ao fim de toda e qualquer violência e prevenir contra o risco de que a atenção devida às solicitações dos cidadãos e a necessária solidariedade social se transformem em meros instrumentos para manter ou conquistar o poder. Convido a comunidade internacional a dialogar com os atores dos processos em curso, no respeito dos povos e com a consciência de que a construção de sociedades estáveis e reconciliadas, contrapostas a toda a discriminação injusta, particularmente de ordem religiosa, constitui um horizonte mais amplo e transcendente que o dos prazos eleitorais. Sinto uma grande preocupação pelas populações dos países nos quais continuam tensões e violências, particularmente na Síria, onde espero que se ponha rapidamente termo ao derramamento de sangue e comece um diálogo frutuoso entre os atores políticos, favorecido pela presença de observadores independentes. Na Terra Santa, onde as tensões entre palestinos e israelitas têm repercussões sobre os equilíbrios de todo o Oriente Médio, é preciso que os responsáveis destes dois povos adotem decisões corajosas e inteligentes a favor da paz. Soube com satisfação que, na sequência de uma iniciativa do Reino da Jordânia, foi retomado o diálogo; espero que o mesmo continue a fim de se chegar a uma paz duradoura, que garanta o direito de ambos os povos a viver em segurança em Estados soberanos e dentro de fronteiras seguras e, internacionalmente, reconhecidas. Por sua vez, a comunidade internacional deve estimular a sua criatividade e as iniciativas de promoção deste processo de paz, no respeito dos direitos de cada parte. Sigo também com grande atenção o desenrolar dos fatos no Iraque, deplorando os atentados que ainda recentemente causaram a perda de numerosas vidas humanas, e encorajo as suas autoridades a continuarem, firmes, pelo caminho de uma plena reconciliação nacional.
O Beato João Paulo II lembrava que “o caminho da paz é também o caminho dos jovens”[1], constituindo eles “a juventude das nações e das sociedades, a juventude de todas as famílias e da humanidade inteira”[2]. Por isso, os jovens nos pressionam para que sejam consideradas seriamente as suas exigências de verdade, justiça e paz. Nesta linha, foi a eles que dediquei a Mensagem anual para a celebração do Jornada Mundial da Paz, intitulada Educar os jovens para a justiça e a paz. A educação é um tema crucial para todas as gerações, pois depende dela tanto o desenvolvimento saudável de cada pessoa como o futuro da sociedade inteira. Por isso mesmo, aquela constitui uma tarefa de primária grandeza num tempo difícil e delicado. Para além de um objetivo claro, como é o de levar os jovens a um pleno conhecimento da realidade e, consequentemente, da verdade, a educação tem necessidade de lugares. Dentre estes, conta-se em primeiro lugar a família, fundada sobre o matrimônio entre um homem e uma mulher; não se trata de uma simples convenção social, mas antes da célula fundamental de toda a sociedade. Por conseguinte, as políticas que atentam contra a família ameaçam a dignidade humana e o próprio futuro da humanidade. O quadro familiar é fundamental no percurso educativo e para o próprio desenvolvimento dos indivíduos e dos Estados; consequentemente, são necessárias políticas que a valorizem e colaborem para a sua coesão social e diálogo. É na família que a pessoa se abre ao mundo e à vida e, como tive ocasião de lembrar durante a minha viagem à Croácia, “a abertura à vida é um sinal da abertura ao futuro”[3]. Neste contexto de abertura à vida, recebi com satisfação a recente sentença do Tribunal de Justiça da União Europeia, que proíbe atribuir alvarás em processos relativos às células estaminais embrionárias humanas, e também a Resolução da Assembleia parlamentar do Conselho da Europa que condena a seleção pré-natal em função do sexo.
Mais em geral, visando sobretudo o mundo ocidental, estou convencido de que se opõem à educação dos jovens e, consequentemente, ao futuro da humanidade as medidas legislativas que permitem, quando não incentivam, o aborto por motivos de conveniência ou por razões médicas discutíveis.
Continuando a nossa reflexão, um papel também essencial no desenvolvimento da pessoa é desempenhado pelas instituições educativas: estas são as primeiras instâncias que colaboram com a família e estão a cumprir mal a sua função precisamente quando falta uma harmonia de objetivos com a realidade familiar. É preciso programar políticas de formação para que a educação escolar seja acessível a todos e que a mesma, mais do que promover o desenvolvimento cognoscitivo da pessoa, cuide do crescimento harmonioso da personalidade, incluindo nisso a sua abertura ao Transcendente. A Igreja Católica sempre esteve particularmente ativa no campo das instituições escolares e acadêmicas, cumprindo uma obra apreciável ao lado das instituições estatais. Por isso espero que esta contribuição seja reconhecida e valorizada também pelas legislações nacionais.
Nesta perspectiva, é bem compreensível que uma obra educativa eficaz exija igualmente o respeito da liberdade religiosa. Esta se caracteriza por uma dimensão individual, bem como por uma dimensão coletiva e uma dimensão institucional. Trata-se do primeiro dos direitos do homem, porque expressa a realidade mais fundamental da pessoa. Muitas vezes, por variados motivos, este direito é ainda limitado ou espezinhado. Não posso evocar este tema sem começar por saudar a memória do ministro paquistanês Shahbaz Bhatti, cuja luta incansável pelos direitos das minorias terminou com uma morte trágica. E não se trata, infelizmente, de um caso único. Em numerosos países, os cristãos são privados dos direitos fundamentais e postos à margem da vida pública; noutros, sofrem ataques violentos contra as suas igrejas e as suas casas. Às vezes, vêem-se constrangidos a abandonar países que eles mesmos ajudaram a edificar, por causa de tensões contínuas e por políticas que frequentemente os relegam para a condição de espectadores secundários da vida nacional. Em outras partes do mundo, encontram-se políticas tendentes a marginalizar o papel da religião na vida social, como se ela fosse causa de intolerância em vez de uma apreciável contribuição na educação para o respeito da dignidade humana, para a justiça e a paz. O terrorismo religiosamente motivado ceifou, no ano passado, também numerosas vítimas, sobretudo na Ásia e na África. Por esta razão, como lembrei em Assis, os responsáveis religiosos devem repetir, com vigor e firmeza, que “esta não é a verdadeira natureza da religião. Ao contrário, é a sua deturpação e contribui para a sua destruição”[4]. A religião não pode ser usada como pretexto para pôr de lado as regras da justiça e do direito em favor do “bem” que ela persegue. Nesta perspectiva, tenho o gosto de recordar, como fiz no meu país natal, que a visão cristã do homem constituiu a verdadeira força inspiradora para os Pais constituintes da Alemanha, como aliás o foi para os Pais fundadores da Europa unida. Queria mencionar também alguns sinais encorajadores no campo da liberdade religiosa. Refiro-me à alteração legislativa, pela qual a personalidade jurídica pública das minorias religiosas foi reconhecida na Geórgia; penso também na sentença do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos favorável à presença do Crucifixo nas salas de aulas italianas. E, precisamente falando da Itália, desejo dirigir-lhe uma saudação particular na conclusão dos 150 anos da sua unificação política. As relações entre a Santa Sé e o Estado italiano atravessaram momentos difíceis depois da unificação. Mas, com o passar do tempo, prevaleceram a concórdia e a vontade mútua de cooperar, cada qual no seu próprio campo, para favorecer o bem comum. Espero que a Itália continue a promover uma relação equilibrada entre a Igreja e o Estado, constituindo deste modo um exemplo para o qual as outras nações possam olhar com respeito e interesse.
Quanto ao continente africano, que visitei de novo indo recentemente ao Benim, é essencial que a cooperação entre as comunidades cristãs e os Governos ajude a percorrer um caminho de justiça, paz e reconciliação, onde os membros de todas as etnias e religiões sejam respeitados. É triste constatar como está ainda distante, em vários países deste continente, tal objetivo. Penso, em particular, na recrudescência das violências que afetam a Nigéria – como o indicam os atentados perpetrados contra várias igrejas durante o período natalício –, nas sequelas da guerra civil na Costa do Marfim, na instabilidade que persiste na Região dos Grandes Lagos e na urgência humanitária nos países do Corno da África. Peço uma vez mais à comunidade internacional que ajude, com solicitude, a encontrar uma solução para a crise que há anos perdura na Somália.
Finalmente, sinto o dever de sublinhar que uma educação corretamente entendida não pode deixar de favorecer o respeito pela criação. Não podemos esquecer as graves calamidades naturais que, ao longo de 2011, afetaram várias regiões do Sudeste asiático e os desastres ecológicos como o da central nuclear de Fukushima no Japão. A salvaguarda do ambiente, a sinergia entre a luta contra a pobreza e a luta contra as alterações climáticas constituem áreas importantes para a promoção do desenvolvimento humano integral. Por isso espero que, depois da XVII sessão da Conferência dos Estados Membros da Convenção da ONU sobre as Alterações Climáticas, que recentemente terminou em Durban, a comunidade internacional se prepare para a Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável (“Rio+20”) como uma autêntica “família das nações”, ou seja, com grande sentido de solidariedade e responsabilidade para com as gerações presentes e as do futuro.
Senhoras e Senhores Embaixadores,
O nascimento do Príncipe da Paz ensina-nos que a vida não acaba no nada, que o seu destino não é a corrupção mas a imortalidade. Cristo veio para que os homens tenham a vida e a tenham em abundância (cf. Jo 10, 10). “Somente quando o futuro é certo como realidade positiva, é que se torna vivível também o presente”[5]. Animada pela certeza da fé, a Santa Sé continua a dar à Comunidade internacional o seu contributo próprio, guiada por um duplo intento que o Concílio Vaticano II – cujo cinquentenário se celebra este ano – definiu claramente: proclamar a sublime vocação do homem e a presença nele de um germe divino, e oferecer à humanidade uma cooperação sincera a fim de instaurar a fraternidade universal que a esta vocação corresponde[6]. Neste espírito, renovo a todos vós, extensivos aos membros das vossas famílias e aos vossos colaboradores, os meus votos mais cordiais para este novo ano.
Agradeço pela vossa atenção.

Notas
[1] Carta apostólica por ocasião do Ano Internacional da Juventude Dilecti amici (31 de março de 1985), 15.
[2] Ibidem, 1.
[5] Carta encíclica Spe salvi (30 de novembro de 2007), 2.
[6] Cf. Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 3.

* Extraído do site do Vaticano, do dia 9 de janeiro de 2012. Revisado e adaptado por Paulo R. A. Pacheco.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Jovens, vós sois a luz do mundo...



Vigília de oração com os jovens

Discurso do Papa Bento XVI 

Feira de Freiburg
Sábado, 24 de setembro de 2011

Queridos jovens amigos!
Durante todo o dia, pensei com alegria nesta noite, quando poderia estar aqui convosco e unir-me a vós na oração. Talvez alguns de vós tenham estado presentes na Jornada Mundial da Juventude, onde pudemos experimentar a singular atmosfera de serenidade, profunda comunhão e íntima alegria que caracteriza uma vigília noturna de oração. Espero que possamos todos nós também fazer a mesma experiência neste momento em que o Senhor nos toca e faz de nós testemunhas jubilosas, que rezam juntas e servem de suporte umas às outras não só nesta noite, mas durante toda a nossa vida.
Em todas as igrejas, nas catedrais e nos conventos, em toda a parte onde se reúnem os fiéis para a celebração da Vigília Pascal, a mais santa de todas as noites começa com o acendimento do Círio Pascal, cuja luz é depois transmitida a todos os presentes. Uma minúscula chama irradia-se para muitas luzes e ilumina a casa de Deus que estava às escuras. Neste maravilhoso rito litúrgico que imitamos nesta vigília de oração, se nos desvenda, através de sinais mais eloquentes do que as palavras, o mistério da nossa fé cristã. Ele, Cristo, que diz de Si mesmo: “Eu sou a luz do mundo” (Jo 8, 12), faz brilhar a nossa vida, para ser verdadeiro o que acabamos de ouvir no Evangelho: “Vós sois a luz do mundo” (Mt 5, 14). Não são os nossos esforços humanos nem o progresso técnico do nosso tempo que trazem a luz a este mundo. Experimentamos sempre de novo que o nosso esforço por uma ordem melhor e mais justa tem os seus limites. O sofrimento dos inocentes e, enfim, a morte de cada homem constituem uma escuridão impenetrável que pode talvez ser momentaneamente iluminada por novas experiências, como a noite o é por um relâmpago; mas, no fim, permanece uma escuridão angustiante.
Ao nosso redor pode haver a escuridão e as trevas, e todavia vemos uma luz: uma chama pequena, minúscula, que é mais forte do que a escuridão, aparentemente tão poderosa e insuperável. Cristo, que ressuscitou dos mortos, brilha neste mundo, e o faz de modo mais claro precisamente onde tudo, segundo o juízo humano, parece lúgubre e sem esperança. Ele venceu a morte – Ele vive – e a fé nEle penetra, como uma pequena luz, tudo o que é escuro e ameaçador. Certamente quem acredita em Jesus não é que vê sempre só o sol na vida, como se fosse possível poupar-lhe sofrimentos e dificuldades, mas há sempre uma luz clara que lhe indica um caminho, o caminho que conduz à vida em abundância (cf. Jo 10, 10). Os olhos de quem acredita em Cristo vislumbram, mesmo na noite mais escura, uma luz e veem já o fulgor de um novo dia.
A luz não fica sozinha. Ao seu redor, acendem-se outras luzes. Sob os seus raios, delineiam-se de tal modo os contornos do ambiente que nos podemos orientar. Não vivemos sozinhos no mundo. Exatamente nas coisas importantes da vida, temos necessidade de outras pessoas. Assim, de modo particular na fé, não estamos sozinhos, somos anéis da grande corrente dos crentes. Ninguém chega a crer, senão for sustentado pela fé dos outros; mas, por outro lado, com a minha fé contribuo para confirmar os outros na sua fé. Ajudamo-nos mutuamente a ser exemplo uns para os outros, partilhamos com os outros o que é nosso, os nossos pensamentos, as nossas ações, a nossa estima. E ajudamo-nos mutuamente a orientar-nos, a identificar o nosso lugar na sociedade.
Queridos amigos, diz o Senhor: “Eu sou a luz do mundo; vós sois a luz do mundo”. É uma coisa misteriosa e magnífica que Jesus tenha dito de Si próprio e de cada um de nós a mesma coisa, ou seja, que “somos luz”. Se acreditarmos que Ele é o Filho de Deus que curou os doentes e ressuscitou os mortos, ou mais, que Ele mesmo ressuscitou do sepulcro e está verdadeiramente vivo, então compreenderemos que Ele é a luz, a fonte de todas as luzes deste mundo. Nós, ao contrário, não cessamos de experimentar a falência dos nossos esforços e o erro pessoal, apesar das nossas boas intenções. Ao que parece, não obstante o seu progresso técnico, o mundo onde vivemos, em última análise, não se tem tornado melhor. Existem ainda guerras, terror, fome e doença, pobreza extrema e desalmada repressão. E mesmo aqueles que, na história, se consideraram “portadores de luz”, mas sem ter sido iluminados por Cristo que é a única verdadeira luz, não criaram paraíso terrestre algum, antes instauraram ditaduras e sistemas totalitários onde até a mais pequena centelha de humanismo foi sufocada.
Neste ponto, não devemos calar o fato de que o mal existe. Nós o vemos em tantos lugares deste mundo; mas o vemos também – e isto nos assusta – na nossa própria vida. Sim, no nosso próprio coração, existe a inclinação para o mal, o egoísmo, a inveja, a agressividade. Com certa autodisciplina, talvez isto possa, em certa medida, se controlar. Caso diverso e mais difícil se passa com formas de mal mais escondido, que podem envolver-nos como um nevoeiro indefinido, tais como a preguiça, a lentidão no querer e no praticar o bem. Repetidamente, ao longo da história, pessoas atentas fizeram notar que o dano para a Igreja não vem dos seus adversários, mas dos cristãos tíbios. Então, como Cristo pode dizer que os cristãos – sem ter excluído os cristãos fracos – são a luz do mundo? Compreenderíamos talvez que Ele tivesse gritado: Convertei-vos! Sede a luz do mundo! Mudai a vossa vida, tornai-a clara e resplandecente! Não será o caso de ficar maravilhados ao vermos que o Senhor não nos dirige um apelo, mas diz que somos a luz do mundo, que somos luminosos, que resplandecemos na escuridão?
Queridos amigos, o apóstolo São Paulo, em muitas das suas cartas, não tem receio de designar por “santos” os seus contemporâneos, os membros das comunidades locais. Aqui se torna evidente que cada batizado – mesmo antes de poder realizar boas obras – é santificado por Deus. No batismo, o Senhor acende, por assim dizer, uma luz na nossa vida, uma luz que o Catecismo chama a graça santificante. Quem conservar essa luz, quem viver na graça, é santo.
Queridos amigos, a imagem dos santos foi repetidamente objeto de caricatura e apresentada de modo distorcido, como se o ser santo significasse estar fora da realidade, ser ingênuo e viver sem alegria. Não é raro pensar-se que um santo seja apenas aquele que realiza ações ascéticas e morais de nível altíssimo, pelo que se pode certamente venerar mas nunca imitar na própria vida. Como é errada e desalentadora esta visão! Não há nenhum santo, com exceção da bem-aventurada Virgem Maria, que não tenha conhecido também o pecado e que não tenha caído alguma vez. Queridos amigos, Cristo não se interessa tanto de quantas vezes vacilamos e caímos na vida, como sobretudo de quantas vezes nós, com a Sua ajuda, nos erguemos. Não exige ações extraordinárias, mas quer que a sua luz brilhe em vós. Não vos chama porque sois bons e perfeitos, mas porque Ele é bom e quer tornar-vos seus amigos. Sim, vós sois a luz do mundo, porque Jesus é a vossa luz. Sois cristãos, não porque realizais coisas singulares e extraordinárias, mas porque Ele, Cristo, é a vossa, a nossa vida. Vós sois santos, nós somos santos, se deixarmos a sua graça agir em nós.
Queridos amigos, nesta noite em que nos reunimos em oração ao redor do único Senhor, vislumbramos a verdade da palavra de Cristo segundo a qual não pode ficar escondida uma cidade situada no cimo de um monte. Esta assembleia brilha nos vários significados da palavra: quer no clarão de inúmeras luzes, quer no resplendor de tantos jovens que acreditam em Cristo. Uma vela só pode dar luz, se se deixar consumir pela chama; permaneceria inútil, se a sua cera não alimentasse o fogo. Permiti que Cristo arda em vós, ainda que isto possa às vezes implicar sacrifício e renúncia. Não tenhais medo de poder perder alguma coisa, ficando, no fim, por assim dizer, de mãos vazias. Tende a coragem de empenhar os vossos talentos e os vossos dotes pelo Reino de Deus e de vos dar a vós mesmos – como a cera da vela –, para que o Senhor ilumine, por vosso meio, a escuridão. Sabei ousar ser santos ardorosos, em cujos olhos e coração brilha o amor de Cristo e que, deste modo, trazem luz ao mundo. Eu confio que vós e muitos outros jovens aqui na Alemanha sejais chamas de esperança, que não ficam escondidas. “Vós sois a luz do mundo”. “Onde há Deus, há futuro!” Amém.

* Extraído do site do Vaticano, do dia 24 de setembro de 2011. Revisado e adaptado por Paulo R. A. Pacheco.

domingo, 21 de agosto de 2011

A grandeza da humanidade determina-se pela relação com quem sofre...



Viagem Apostólica a Madri
Por ocasião da XXVI Jornada Mundial da Juventude
18 a 21 de agosto de 2011

Visita à Fundação Instituto São José

Saudação do Papa Bento XVI

Madri, sábado, 20 de agosto de 2011

Senhor Cardeal Arcebispo de Madri,
Queridos Irmãos no Episcopado,
Queridos sacerdotes e religiosos 
da Ordem Hospitaleira de São João de Deus,
Distintas Autoridades,
Queridos jovens, familiares e
voluntários aqui presentes!
De coração vos agradeço a amável saudação e o cordial acolhimento que me dispensastes.
Nesta noite, antes da Vigília de oração com os jovens de todo o mundo que vieram a Madri para participar nesta Jornada Mundial d Juventude, temos a ocasião de passar alguns momentos juntos e poder-vos assim manifestar a solidariedade e o apreço do Papa por cada um de vós, pelas vossas famílias e por todas as pessoas que vos acompanham e cuidam nesta Fundação do Instituto São José.
A juventude, como recordei outras vezes, é a idade em que a vida se revela à pessoa em toda a riqueza e plenitude das suas potencialidades, incitando à busca de metas mais altas que dêem sentido à mesma. Por isso, quando o sofrimento assoma ao horizonte de uma vida jovem, ficamos desconcertados e talvez nos interroguemos: Poderá a vida continuar a ser grande, quando irrompe nela o sofrimento? A este respeito, escrevi na minha encíclica sobre a esperança cristã: “A grandeza da humanidade determina-se essencialmente na relação com o sofrimento e com quem sofre. (…) Uma sociedade que não consegue aceitar os que sofrem e não é capaz de contribuir, mediante a compaixão, para fazer com que o sofrimento seja compartilhado e assumido mesmo interiormente é uma sociedade cruel e desumana” (Spe salvi, 38). Estas palavras refletem uma larga tradição de humanidade que brota da oferta que Cristo faz de Si mesmo na Cruz por nós e pela nossa redenção. Jesus e, seguindo os seus passos, a sua Mãe Dolorosa e os santos são as testemunhas que nos ensinam a viver o drama do sofrimento para o nosso bem e a salvação do mundo.
Estas testemunhas falam-nos, antes de tudo, da dignidade de cada vida humana, criada à imagem de Deus. Nenhuma aflição é capaz de apagar esta marca divina gravada no mais fundo do homem. E não só: desde que o Filho de Deus quis abraçar livremente a dor e a morte, a imagem de Deus é-nos oferecida também no rosto de quem padece. Esta predileção especial do Senhor por quem sofre leva-nos a contemplar o outro com olhos puros, para lhe dar, além das coisas exteriores que precisa, aquele olhar de amor que necessita. Mas isso, só é possível realizá-lo como fruto de um encontro pessoal com Cristo. Bem conscientes disto sois vós, religiosos, familiares, profissionais da saúde e voluntários que viveis e trabalhais diariamente com estes jovens. A vossa vida e dedicação proclamam a grandeza a que é chamado o homem: compadecer-se e acompanhar quem sofre, como o fez o próprio Deus. E, no vosso maravilhoso trabalho, ressoam também estas palavras evangélicas: “Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a Mim o fizestes” (Mt 25, 40).
Por outro lado, vós sois também testemunhas do bem imenso que constitui a vida destes jovens para quem está ao seu lado e para a humanidade inteira. De maneira misteriosa mas muito real, a sua presença suscita em nossos corações, frequentemente endurecidos, uma ternura que nos abre à salvação. Sem dúvida, a vida destes jovens muda o coração dos homens e, por isso, damos graças ao Senhor por tê-los conhecido.
Queridos amigos, a nossa sociedade – onde demasiadas vezes se põe em dúvida a dignidade inestimável da vida, de cada vida – precisa de vós: vós contribuís decididamente para edificar a civilização do amor. Mais ainda, sois protagonistas desta civilização. E, como filhos da Igreja, ofereceis ao Senhor as vossas vidas, com as suas penas e as suas alegrias, colaborando com Ele e entrando, de algum modo, “a fazer parte do tesouro de compaixão de que o gênero humano necessita” (Spe salvi, 40).
Com íntimo afeto e por intercessão de São José, de São João de Deus e de São Bento Menni, confio-vos de todo o coração a Deus nosso Senhor: Seja Ele a vossa força e o vosso prêmio. Como sinal do seu amor, concedo-vos, a vós e a todos os vossos familiares e amigos, a Bênção Apostólica. Muito obrigado.

* Extraído do site do Vaticano, do dia 20 de agosto de 2011. Revisado e adaptado por Paulo R. A. Pacheco.

Configurar-se a Cristo...


Viagem Apostólica a Madri
Por ocasião da XXVI Jornada Mundial da Juventude
18 a 21 de agosto de 2011

Santa Missa com os Seminaristas

Homilia do Papa Bento XVI

Catedral de Santa Maria la Real de la Almudena de Madri
Sábado, 20 de agosto de 2011

Senhor Cardeal Arcebispo de Madri,
Queridos Irmãos no Episcopado,
Queridos sacerdotes e religiosos,
Queridos reitores e formadores,
Queridos seminaristas,
Meus amigos!
Sinto uma profunda alegria ao celebrar a Santa Missa para todos vós, que aspirais a ser sacerdotes de Cristo para o serviço da Igreja e dos homens, e agradeço as amáveis palavras de saudação com que me acolhestes. Hoje esta Catedral de Santa Maria a Real da Almudena lembra um imenso cenáculo onde o Senhor desejou ardentemente celebrar a Sua Páscoa com todos vós que um dia desejais presidir em seu nome os mistérios da salvação. Vendo-vos, comprovo de novo como Cristo continua chamando jovens discípulos para fazer deles seus apóstolos, permanecendo assim viva a missão da Igreja e a oferta do evangelho ao mundo. Como seminaristas, estais a caminho para uma meta santa: ser continuadores da missão que Cristo recebeu do Pai. Chamados por Ele, seguistes a sua voz; e, atraídos pelo seu olhar amoroso, avançais para o ministério sagrado. Ponde os vossos olhos nEle, que, pela sua encarnação, é o revelador supremo de Deus ao mundo e, pela sua ressurreição, é a fiel realização da sua promessa. Dai-Lhe graças por este sinal de predileção que reserva para cada um de vós.
A primeira leitura que escutamos mostra-nos Cristo como o novo e definitivo sacerdote, que fez uma oferta total da sua existência. A antífona do salmo aplica-se perfeitamente a Ele, quando, ao entrar no mundo, Se dirigiu a seu Pai dizendo: “Eis-me aqui para fazer a tua vontade” (cf. Sl 39, 8-9). Procurava agradar-Lhe em tudo: ao falar e ao agir, percorrendo os caminhos ou acolhendo os pecadores. A sua vida foi um serviço, e a sua dedicação abnegada uma intercessão perene, colocando-Se em nome de todos diante do Pai com Primogênito de muitos irmãos. O autor da Carta aos Hebreus afirma que, através desta entrega, nos tornou perfeitos para sempre, a nós que estávamos chamados a participar da sua filiação (cf. Hb 10, 14).
A Eucaristia, de cuja instituição nos fala o evangelho proclamado (cf. Lc 22, 14-20), é a expressão real dessa entrega incondicional de Jesus por todos, incluindo aqueles que O entregavam: entrega do seu corpo e sangue para a vida dos homens e para a remissão dos pecados. O sangue, sinal da vida, foi-nos dado por Deus como aliança, a fim de podermos inserir a força da sua vida onde reina a morte por causa do nosso pecado, e assim destruí-lo. O corpo rasgado e o sangue derramado de Cristo, isto é, a sua liberdade sacrificada, converteram-se, através dos sinais eucarísticos, na nova fonte da liberdade redimida dos homens. NEle temos a promessa de uma redenção definitiva e a esperança segura dos bens futuros. Por Cristo, sabemos que não estamos caminhando para o abismo, para o silêncio do nada ou da morte, mas seguindo para a terra prometida, para Ele que é nossa meta e também nosso princípio.
Queridos amigos, vos preparais para ser apóstolos com Cristo e como Cristo, para serdes companheiros de viagem e servidores dos homens.
Como haveis de viver estes anos de preparação? Em primeiro lugar, devem ser anos de silêncio interior, de oração permanente, de estudo constante e de progressiva inserção nas atividades e estruturas pastorais da Igreja. Igreja, que é comunidade e instituição, família e missão, criação de Cristo pelo seu Espírito Santo e simultaneamente resultado de quanto a configuramos com a nossa santidade e com os nossos pecados. Assim o quis Deus, que não se incomoda de tomar pobres e pecadores para fazer deles seus amigos e instrumentos para redenção do gênero humano. A santidade da Igreja é, antes de tudo, a santidade objetiva da própria pessoa de Cristo, do seu evangelho e dos seus sacramentos, a santidade daquela força do alto que a anima e impele. Nós devemos ser santos para não gerar uma contradição entre o sinal que somos e a realidade que queremos significar.
Meditai bem este mistério da Igreja, vivendo os anos da vossa formação com profunda alegria, em atitude de docilidade, de lucidez e de radical fidelidade evangélica, bem como numa amorosa relação com o tempo e as pessoas no meio de quem viveis. É que ninguém escolhe o contexto nem os destinatários da sua missão. Cada época tem os seus problemas, mas Deus dá em cada tempo a graça oportuna para assumi-los e superar com amor e realismo. Por isso, em toda e qualquer circunstância em que se encontre e por mais dura que esta seja, o sacerdote tem de frutificar em toda a espécie de boas obras, conservando sempre vivas no seu íntimo aquelas palavras do dia da sua Ordenação com que se lhe exortava a configurar a sua vida com o mistério da cruz do Senhor.
Configurar-se a Cristo implica, queridos seminaristas, identificar-se sempre mais com Aquele que por nós Se fez servo, sacerdote e vítima. Na realidade, configurar-se com Ele é a tarefa em que o sacerdote há de gastar toda a sua vida. Já sabemos que nos ultrapassa e não a conseguiremos cumprir plenamente, mas, como diz São Paulo, corremos para a meta esperando alcançá-la (cf. Fp 3, 12-14).
Mas Cristo, Sumo Sacerdote, é igualmente o Bom Pastor, que cuida das suas ovelhas até ao ponto de dar a vida por elas (cf. Jo 10, 11). Para imitar nisto também o Senhor, os vossos corações têm de ir amadurecendo no Seminário, colocando-se totalmente à disposição do Mestre. Dom do Espírito Santo, esta disponibilidade é que inspira a decisão de viver o celibato pelo Reino dos céus, o desprendimento dos bens da terra, a austeridade de vida e a obediência sincera e sem dissimulação.
Pedi-Lhe, pois, que vos conceda imitá-Lo na sua caridade até ao fim para com todos, sem excluir os afastados e pecadores, de tal forma que, com a vossa ajuda, se convertam e voltem ao bom caminho. Pedi-Lhe que vos ensine a aproximar-vos dos enfermos e dos pobres, com simplicidade e generosidade. Afrontai este desafio sem complexos nem mediocridade, mas antes como uma forma estupenda de realizar a vida humana na gratuidade e no serviço, sendo testemunhas de Deus feito homem, mensageiros da dignidade altíssima da pessoa humana e, consequentemente, seus defensores incondicionais. Apoiados no seu amor, não vos deixeis amedrontar por um ambiente onde se pretende excluir Deus e no qual os principais critérios por que se rege a existência são, frequentemente, o poder, o ter ou o prazer. Pode acontecer que vos desprezem, como se costuma fazer com quem aponta metas mais altas ou desmascara os ídolos diante dos quais muito se prostram hoje. Será então que uma vida profundamente radicada em Cristo se revele realmente como uma novidade, atraindo com vigor a quantos verdadeiramente procuram Deus, a verdade e a justiça.
Animados pelos vossos formadores, abri a vossa alma à luz do Senhor para ver se este caminho, que requer coragem e autenticidade, é o vosso, avançando para o sacerdócio só se estiverdes firmemente persuadidos de que Deus vos chama para serdes seus ministros e plenamente decididos a exercê-lo obedecendo às disposições da Igreja.
Com esta confiança, aprendei dAquele que Se definiu a Si mesmo como manso e humilde de coração, despojando-vos para isso de todo o desejo mundano, de modo que não busqueis o vosso próprio interesse, mas edifiqueis, com a vossa conduta, aos vossos irmãos, como fez o santo padroeiro do clero secular espanhol São João de Ávila. Animados pelo seu exemplo, olhai sobretudo para a Virgem Maria, Mãe dos sacerdotes. Ela saberá forjar a vossa alma segundo o modelo de Cristo, seu divino Filho, e vos ensinará incessantemente a guardar os bens que Ele adquiriu no Calvário para a salvação do mundo. Amém.

Anúncio da próxima declaração de São João de Ávila, 
presbítero, Padroeiro do Clero secular espanhol, como Doutor da Igreja Universal

Queridos amigos,
Com grande alegria, no marco da santa igreja Catedral de Santa Maria a Real da Almudena, quero anunciar agora ao povo de Deus que, acolhendo os pedidos do Senhor Presidente da Conferência Episcopal Espanhola, o Eminentíssimo Cardeal António Maria Rouco Varela, Arcebispo de Madri, dos outros Irmãos no Episcopado da Espanha, bem como de um grande número de Arcebispos e Bispos de outras partes do mundo, e de muitos fiéis, declararei, proximamente, São João de Ávila, presbítero, Doutor da Igreja Universal.
Ao fazer pública aqui esta notícia, desejo que a palavra e o exemplo deste exímio pastor possa iluminar os sacerdotes e aqueles que se preparam, com alegria e esperança, para receber um dia a Sagrada Ordenação.
Convido todos a dirigirem o olhar para ele, e confio à sua intercessão os Bispos da Espanha e de todo o mundo, bem como os presbíteros e seminaristas para que, perseverando na mesma fé que ele ensinou, possam modelar seu coração conforme os sentimentos de Jesus Cristo, o Bom Pastor, a quem seja dada toda glória e honra por todos os séculos dos séculos. Amém.

* Extraído do site do Vaticano, do dia 19 de agosto de 2011. Revisado e adaptado por Paulo R. A. Pacheco.

Diante de um amor desinteressado...



Viagem Apostólica a Madri
Por ocasião da XXVI Jornada Mundial da Juventude
18 a 21 de agosto de 2011

Via Sacra com os Jovens

Alocução do Papa Bento XVI

Praça de Cibeles, Madri
Sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Queridos jovens!
Com piedade e fervor, celebramos esta Via Sacra, acompanhando Cristo na sua Paixão e Morte. As reflexões das Irmãzinhas da Cruz, que servem aos mais pobres e desvalidos, facilitaram-nos a entrada nos mistérios da gloriosa Cruz de Cristo, que encerra a verdadeira sabedoria de Deus, aquela que julga o mundo e todos os que se creem sábios (cf. 1Cor 1, 17-19). Neste itinerário para o Calvário, ajudou-nos também a contemplação destas imagens extraordinárias do patrimônio religioso das dioceses espanholas. São imagens onde se harmonizam a fé e a arte para chegar ao coração do homem e convidá-lo à conversão. Quando é límpido e autêntico o olhar da fé, a beleza coloca-se ao seu serviço e é capaz de representar os mistérios da nossa salvação a ponto de nos tocar profundamente e transformar o nosso coração, como sucedeu a Santa Teresa de Ávila ao contemplar uma imagem de Cristo coberto de chagas (cf. Livro da Vida, 9, 1).
À medida que íamos avançando com Jesus até chegar ao cimo da sua entrega no Calvário, vinham-nos à mente as palavras de São Paulo: “Cristo amou-me e Se entregou por mim” (Gal 2, 20). Diante de um amor assim desinteressado, cheios de admiração e reconhecimento perguntamo-nos agora: Que temos que fazer por Ele? Que resposta Lhe daremos? São João no-lo diz claramente: “Foi com isto que conhecemos o amor: Ele, Jesus, deu a sua vida por nós; assim também nós devemos dar a vida pelos nossos irmãos” (1Jo 3, 16). A paixão de Cristo incita-nos a carregar sobre os nossos ombros o sofrimento do mundo, com a certeza de que Deus não é alguém distante ou alheio ao homem e às suas vicissitudes; pelo contrário, fez-Se um de nós “para poder padecer com o homem, de modo muito real, na carne e no sangue (…). A partir de lá entrou em todo o sofrimento humano alguém que partilha o sofrimento e a sua tolerância; a partir de lá se propaga em todo o sofrimento a consolatio, a consolação do amor solidário de Deus, surgindo assim a estrela da esperança” (Spe salvi, 39).
Queridos jovens, que o amor de Cristo por nós aumente a vossa alegria e vos anime a permanecer junto dos menos favorecidos. Vós que sois tão sensíveis à ideia de partilhar a vida com os outros, não passeis ao largo quando virdes o sofrimento humano, pois é aí que Deus vos espera para dardes o melhor de vós mesmos: a vossa capacidade de amar e de vos compadecerdes. As diversas formas de sofrimento, que foram desfilando diante dos nossos olhos ao longo da Via Sacra, são apelos do Senhor para edificarmos as nossas vidas seguindo os seus passos e para nos tornarmos sinais do seu conforto e salvação. “Sofrer com o outro, pelos outros; sofrer por amor da verdade e da justiça; sofrer por causa do amor e para se tornar uma pessoa que ama verdadeiramente: estes são elementos fundamentais de humanidade, o seu abandono destruiria o mesmo homem” (Ibid., 39).
Espero que saibamos acolher estas lições e pô-las em prática. Com tal finalidade, olhemos para Cristo, suspenso no duro madeiro, e peçamos-Lhe que nos ensine esta misteriosa sabedoria da cruz, graças à qual vive o homem. A cruz não foi o desfecho de um fracasso, mas o modo de exprimir a entrega amorosa que vai até à doação máxima da própria vida. O Pai quis amar os homens no abraço do seu Filho crucificado por amor. Na sua forma e significado, a cruz representa esse amor do Pai e de Cristo pelos homens. Nela reconhecemos o ícone do amor supremo, onde aprendemos a amar o que Deus ama e como Ele o faz: esta é a Boa Nova que devolve a esperança ao mundo.
Voltemos agora os nossos olhos para a Virgem Maria, que nos foi entregue por Mãe no Calvário, e supliquemos-Lhe que nos apoie com a sua amorosa proteção no caminho da vida, particularmente quando passarmos pela noite da dor, para conseguirmos permanecer como Ela firmes ao pé da cruz. Muito obrigado.

* Extraído do site do Vaticano, do dia 19 de agosto de 2011. Revisado e adaptado por Paulo R. A. Pacheco.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Universidade: casa onde se busca a verdade da pessoa humana



Viagem Apostólica a Madri
Por ocasião da XXVI Jornada Mundial da Juventude
18 a 21 de agosto de 2011

Encontro com Jovens Professores Universitários

Discurso do Papa Bento XVI

Basílica do Mosteiro de São Lourenço do Escorial
Sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Senhor Cardeal Arcebispo de Madri,
Queridos Irmãos no Episcopado,
Queridos Padres Agostinianos,
Queridos Professores e Professoras,
Distintas Autoridades,
Meus amigos!
Com regozijo esperava este encontro convosco, jovens professores das universidades espanholas, que prestais uma colaboração esplêndida para a difusão da verdade em circunstâncias nem sempre fáceis. Saúdo-vos cordialmente e agradeço as amáveis palavras de boas-vindas e também a música executada que ressoou maravilhosamente neste mosteiro de grande beleza artística, testemunho eloquente, durante séculos, de uma vida de oração e estudo. Neste lugar emblemático, razão e fé fundiram-se harmoniosamente na pedra austera para modelar um dos monumentos mais renomados de Espanha.
Saúdo também com particular afeto a todos os que participaram, nestes dias, do Congresso Mundial das Universidades Católicas, em Ávila, sob o lema: “Identidade e missão da Universidade Católica”.
Encontrar-me aqui no vosso meio faz-me recordar os meus primeiros passos como professor na Universidade de Bonn. Quando ainda se sentiam as feridas da guerra e eram muitas as carências materiais, a tudo supria o encanto de uma atividade apaixonante, o trato com colegas das diversas disciplinas e o desejo de dar resposta às inquietações últimas e fundamentais dos alunos. Esta universitas, que então vivi, de professores e estudantes que procuram, juntos, a verdade em todos os saberes ou – como diria Afonso X, o Sábio – esse “ajuntamento de mestres e escolares com vontade e capacidade para aprender os saberes” (Sete Partidas, partida II, título XXXI), clarifica o sentido e mesmo a definição da Universidade.
No lema da presente Jornada Mundial da Juventude – “Enraizados e edificados em Cristo, firmes na fé” (cf. Col 2, 7) –, podeis também encontrar luz para compreender melhor o vosso ser e ocupação. Neste sentido, como escrevi aos jovens na Mensagem preparatória para estes dias, os termos “enraizados, edificados e firmes” falam de alicerces seguros para a vida (cf. n. 2).
Mas onde os jovens poderão encontrar estes pontos de referência numa sociedade vacilante e instável? Às vezes pensa-se que a missão de um professor universitário seja hoje, exclusivamente, a de formar profissionais competentes e eficientes que satisfaçam as exigências laborais de cada período concreto. Diz-se também que a única coisa que se deve privilegiar, na presente conjuntura, é a capacitação meramente técnica. Sem dúvida, prospera na atualidade esta visão utilitarista da educação mesmo universitária, difundida especialmente a partir de âmbitos extra-universitários. Contudo vós que vivestes como eu a Universidade e que a viveis agora como docentes, sentis certamente o anseio de algo mais elevado que corresponda a todas as dimensões que constituem o homem. Como se sabe, quando a mera utilidade e o pragmatismo imediato se erigem como critério principal, os danos podem ser dramáticos: desde os abusos de uma ciência que não reconhece limites para além de si mesma, até ao totalitarismo político que se reanima facilmente quando é eliminada toda a referência superior ao mero cálculo de poder. Ao invés, a genuína ideia de universidade é que nos preserva precisamente desta visão reducionista e distorcida do humano.
Com efeito, a universidade foi, e deve continuar sendo, a casa onde se busca a verdade própria da pessoa humana. Por isso, não é uma casualidade que tenha sido precisamente a Igreja quem promoveu a instituição universitária; é que a fé cristã nos fala de Cristo como o Logos por Quem tudo foi feito (cf. Jo 1, 3) e do ser humano criado à imagem e semelhança de Deus. Esta boa nova divisa uma racionalidade em toda a criação e contempla o homem como uma criatura que compartilha e pode chegar a reconhecer esta racionalidade. Deste modo, a universidade encarna um ideal que não deve ser desvirtuado por ideologias fechadas ao diálogo racional, nem por servilismos a uma lógica utilitarista de simples mercado, que olha para o homem como mero consumidor.
Aqui está a vossa importante e vital missão. Sois vós que tendes a honra e a responsabilidade de transmitir este ideal universitário: um ideal que recebestes dos vossos mais velhos, muitos deles humildes seguidores do Evangelho e que, como tais, se converteram em gigantes do espírito. Devemos nos sentir seus continuadores, numa história muito diferente da deles mas cujas questões essenciais do ser humano continuam a exigir a nossa atenção convidando-nos a ir mais longe. Sentimo-nos unidos a eles, nesta cadeia de homens e mulheres que se devotaram a propor e a valorizar a fé perante a inteligência dos homens. E, para fazê-lo, não basta ensiná-lo, é preciso vivê-lo, encarná-lo, à semelhança do Logos que também se encarnou para estabelecer a sua morada entre nós. Neste sentido, os jovens precisam de mestres autênticos: pessoas abertas à verdade total nos diversos ramos do saber, capazes de escutar e viver dentro de si mesmos este diálogo interdisciplinar; pessoas convencidas sobretudo da capacidade humana de avançar a caminho da verdade. A juventude é tempo privilegiado para a busca e o encontro com a verdade. Como já disse Platão: “Busca a verdade enquanto és jovem, porque, se o não fizeres, depois escapar-te-á das mãos” (Parmênides, 135d). Esta sublime aspiração é o que de mais valioso podeis transmitir, pessoal e vitalmente, aos vossos estudantes, e não simplesmente algumas técnicas instrumentais e anônimas nem alguns dados frios e utilizáveis apenas funcionalmente.
Por isso, encarecidamente vos exorto a não perderdes jamais tal sensibilidade e encanto pela verdade, a não esquecerdes que o ensino não é uma simples transmissão de conteúdos, mas uma formação de jovens a quem deveis compreender e amar, em quem deveis suscitar aquela sede de verdade que possuem no mais fundo de si mesmos e aquele anseio de superação. Sede para eles estímulo e fortaleza.
Para isso, é preciso ter em conta, em primeiro lugar, que o caminho para a verdade completa compromete o ser humano na sua integralidade: é um caminho da inteligência e do amor, da razão e da fé. Não podemos avançar no conhecimento de algo, se não nos mover o amor; nem tampouco amar uma coisa em que não vemos racionalidade; porque “não aparece a inteligência e depois o amor: há o amor rico de inteligência e a inteligência cheia de amor” (Caritas in veritate, 30). Se estão unidos a verdade e o bem, o estão igualmente o conhecimento e o amor. Desta unidade deriva a coerência de vida e pensamento, a exemplaridade que se exige de todo o bom educador.
Em segundo lugar, temos que considerar que a verdade em si mesma está para além do nosso alcance. Podemos procurá-la e aproximar-nos dela, mas não possui-la totalmente; antes, é ela que nos possui e estimula. Na atividade intelectual e docente, a humildade é também uma virtude indispensável, pois protege da vaidade que fecha o acesso à verdade. Não devemos atrair os estudantes para nós mesmos, mas encaminhá-los para essa verdade que todos procuramos. Nisto vos ajudará o Senhor, que vos propõe ser simples e eficazes como o sal, ou como a lâmpada que dá luz sem fazer ruído (cf. Mt 5, 13).
Tudo isto nos convida a voltar incessantemente o olhar para Cristo, em cujo rosto resplandece a Verdade que nos ilumina; mas que é também o Caminho que leva à plenitude sem fim, fazendo-Se caminhante conosco e sustentando-nos com o seu amor. Radicados nEle, sereis bons guias dos nossos jovens. Com esta esperança, coloco-vos sob o amparo da Virgem Maria, Sede da Sabedoria, para que Ela vos faça colaboradores do seu Filho com uma vida repleta de sentido para vós mesmos, e fecunda de frutos, tanto de conhecimento como de fé, para vossos alunos. Muito obrigado.

* Extraído do site do Vaticano, do dia 19 de agosto de 2011. Revisado e adaptado por Paulo R. A. Pacheco.

Jovens, a Igreja precisa da vossa fidelidade


Viagem Apostólica a Madri
Por ocasião da XXVI Jornada Mundial da Juventude
18 a 21 de agosto de 2011

Encontro com Jovens Religiosas

Saudação do Papa Bento XVI

Pátio de los Reyes de El Escorial
Sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Queridas jovens religiosas!
No âmbito da Jornada Mundial da Juventude que estamos celebrando, sinto uma grande alegria por poder encontrar-me convosco, que consagrastes a vossa juventude ao Senhor, e agradeço-vos a amável saudação que me dirigistes. Agradeço ao Senhor Cardeal Arcebispo de Madri por ter previsto este encontro num ambiente tão evocativo como é o do Mosteiro de São Lourenço do Escorial. Se a sua famosa Biblioteca guarda importantes edições da Sagrada Escritura e de Regras Monásticas de várias Famílias Religiosas, a vossa vida de fidelidade à vocação recebida é também uma maneira preciosa de guardar a Palavra do Senhor, que ressoa nas vossas formas de espiritualidade.
Queridas irmãs, cada carisma é uma palavra evangélica que o Espírito Santo recorda à sua Igreja (cf. Jo 14, 26). Não é em vão que a vida consagrada “nasce da escuta da Palavra de Deus e acolhe o Evangelho como sua norma de vida. Deste modo, viver no seguimento de Cristo casto, pobre e obediente é uma ‘exegese’ viva da Palavra de Deus. (…) Dela brotou cada um dos carismas e dela cada regra quer ser expressão, dando origem a itinerários de vida cristã marcados pela radicalidade evangélica” (Exort. apostólica Verbum Domini, 83).
A radicalidade evangélica é estar “enraizados e edificados em Cristo, e firmes na fé” (cf. Col 2, 7), que, na vida consagrada, significa ir à raiz do amor a Jesus Cristo com um coração sem divisão, sem nada antepor a esse amor (cf. São Bento, Regra, IV, 21), com uma doação esponsal como viveram os santos, vivida segundo o estilo de Rosa de Lima e Rafael Arnáiz, jovens patronos desta Jornada Mundial da Juventude. O encontro pessoal com Cristo que alimenta a vossa consagração deve se revelar, com toda a sua força transformadora, nas vossas vidas; e adquire uma especial relevância hoje, quando se “constata uma espécie de ‘eclipse de Deus’, uma certa amnésia, senão mesmo uma verdadeira rejeição do cristianismo e uma negação do tesouro da fé recebida, com o risco de se perder a própria identidade profunda” (Mensagem para a XXVI Jornada Mundial da Juventude de 2011, 1). Face ao relativismo e à mediocridade, surge a necessidade desta radicalidade que testemunha a consagração como uma pertença a Deus sumamente amado.
A referida radicalidade evangélica da vida consagrada exprime-se na comunhão filial com a Igreja, casa dos filhos de Deus que Cristo edificou: a comunhão com os Pastores, que propõem, em nome do Senhor, o depósito da fé recebido através dos Apóstolos, do Magistério da Igreja e da tradição cristã; a comunhão com a vossa Família Religiosa, conservando agradecidas o seu genuíno patrimônio espiritual e apreciando também os outros carismas; a comunhão com outros membros da Igreja como os leigos, chamados a testemunharem a partir da sua específica vocação o mesmo evangelho do Senhor.
Finalmente a radicalidade evangélica exprime-se na missão que Deus vos quis confiar. Desde a vida contemplativa que, na própria clausura, acolhe a Palavra de Deus em silêncio eloquente e adora a Sua beleza na solidão por Ele habitada, até aos mais diversos caminhos de vida apostólica, em cujos sulcos germina a semente evangélica na educação das crianças e jovens, no cuidado dos doentes e idosos, no acompanhamento das famílias, no compromisso em favor da vida, no testemunho da verdade, no anúncio da paz e da caridade, no trabalho missionário e na nova evangelização, e em muitos outros campos do apostolado eclesial.
Queridas irmãs, este é o testemunho da santidade a que Deus vos chama, seguindo de perto e incondicionalmente Jesus Cristo na consagração, na comunhão e na missão. A Igreja precisa da vossa fidelidade jovem, arraigada e edificada em Cristo. Obrigado pelo vosso “sim” generoso, total e perpétuo ao chamado do Amado. Que a Virgem Maria sustente e acompanhe a vossa juventude consagrada, com o ardente desejo de que interpele, encoraje e ilumine todos os jovens.
Com estes sentimentos, peço a Deus que recompense abundantemente a generosa contribuição da vida consagrada para esta Jornada Mundial da Juventude, e em seu nome vos abençoo de todo o coração. Muito obrigado.

* Extraído do site do Vaticano, do dia 19 de agosto de 2011. Revisado e adaptado por Paulo R. A. Pacheco.

JMJ: a silenciosa semeadura do Senhor na contemporaneidade



Viagem Apostólica a Madri
Por ocasião da XXVI Jornada Mundial da Juventude
18 a 21 de agosto de 2011

Entrevista concedida pelo Santo Padre Bento XVI
aos jornalistas durante o voo para Madri

Voo Papal
Quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Padre Lombardi: Santidade, bem-vindo entre nós, muito obrigado por nos conceder, como é comum, este breve encontro durante o voo de ida. A “comunidade volante” dos jornalistas, aqui, é composta por 56 pessoas de vários países, mas os jornalistas que o esperam em Madri são mais de 4 mil. É um recorde para a Espanha e também se considerarmos os eventos mundiais. Todos nos comprometemos, naturalmente, a ecoar adequadamente suas palavras neste belíssimo acontecimento. Como é comum, proponho algumas perguntas que me foram dadas, há alguns dias, pelos jornalistas aqui presentes.

Santo Padre, estamos na 26ª Jornada Mundial da Juventude, a 12ª celebrada com um grande encontro mundial. João Paulo II, que as inventou, agora é Beato, e é o Protetor Oficial desta JMJ de Madri. No início do seu Pontificado, nos perguntávamos se o senhor iria continuar a linha do seu Predecessor. Agora, o senhor já está na sua terceira Jornada Mundial, depois de Colônia e de Sydney. Como o senhor vê o significado destes eventos na “estratégia” pastoral da Igreja universal no Terceiro Milênio?

Santo Padre: Caros amigos, bom dia! Fico contente de ir convosco para a Espanha por ocasião deste grande acontecimento. Depois de duas JMJ vividas também pessoalmente, posso apenas dizer que foi realmente uma inspiração a que foi dada ao Papa João Paulo II, quando criou esta realidade de um grande encontro dos jovens e do mundo com o Senhor. Eu diria que estas JMJ são um sinal, uma cascata de luz; dão visibilidade para a fé, visibilidade para a presença de Deus no mundo e criam, assim, a coragem de ser crente. Frequentemente os crentes se sentem isolados neste mundo, quase perdidos. Aqui, veem que não estão sozinhos, que há uma grande rede de fé, uma grande comunidade de crentes no mundo, que é belo viver nesta amizade universal. E, assim, me parece, nascem amizades, amizades que ultrapassam os confins das diversas culturas, dos diversos países. E este nascimento de uma rede universal de amizade, que liga o mundo e Deus, é uma importante realidade para o futuro da humanidade, para a vida da humanidade de hoje. Naturalmente, a JMJ não pode ser um acontecimento isolado: faz parte de um caminho maior, é preparado por este caminho da Cruz que passa por diversos países e já une jovens sob o sinal da Cruz e do maravilhoso sinal de Nossa Senhora. E assim a preparação da JMJ é muito mais que preparação técnica de um acontecimento com tantos problemas técnicos, naturalmente; é uma preparação interior, um colocar-se em caminho em direção aos outros, juntos rumo a Deus. E também, na sequência, após o estabelecimento de grupos de amizade, manter este contato universal que abre as fronteiras das culturas, dos contrastes humanos, religiosos, e assim é um caminho contínuo que guia a um novo vértice, a uma nova JMJ. Parece-me, neste sentido, que é preciso ver a JMJ como sinal, parte de um grande caminho; cria amizades, abre fronteiras e torna visível o fato de que é bonito estar com Deus, que Deus está conosco. Neste sentido, queremos dar continuidade a esta grande ideia do Beato Papa João Paulo II.

Padre Lombardi: Santidade, os tempos mudam. A Europa e o mundo ocidental em geral vivem uma crise econômica profunda, mas que também manifesta dimensões de grave inquietação social e moral e de grande incerteza pelo futuro, que se tornam particularmente dolorosas para os jovens. Nos dias passados vimos, por exemplo, os fatos acontecidos na Grã Bretanha, com desencadeamento de rebeliões ou de agressões. Ao mesmo tempo, há sinais de comprometimento generoso e entusiasmado, de voluntariado e de solidariedade, de jovens crentes e não crentes. Em Madri, encontraremos muitos jovens maravilhosos. Quais mensagens a Igreja pode dar para a esperança e o encorajamento dos jovens do mundo, sobretudo aqueles que, hoje, são tentados pelo desânimo e pela rebelião?

Santo Padre: Sim. Confirma-se, na atual crise econômica, aquilo que já havia aparecido na grande crise anterior, ou seja, que a dimensão ética não é algo exterior aos problemas econômicos, mas uma dimensão interior e fundamental. A economia não funciona apenas como uma autoregulamentação de mercado, mas precisa de uma razão ética para funcionar para o homem. E aparece outra vez aquilo que João Paulo II já havia dito na sua primeira encíclica social, isto é, que o homem deve ser o centro da economia e que a economia não deve ser medida segundo o proveito máximo, mas segundo o bem de todos, e que deve incluir a responsabilidade pelo outro e só funcionará verdadeiramente bem na medida em que funcionar de modo humano, respeitando o outro. E com as diversas dimensões: responsabilidade pela própria nação e não apenas por si mesmos; responsabilidade pelo mundo – também uma nação não está isolada, também a Europa não está isolada, mas é responsável por toda a humanidade e deve pensar nos problemas econômicos sempre a partir da responsabilidade pelas outras partes do mundo, por aquelas que sofrem, têm sede e fome, não têm futuro. E, portanto – terceira dimensão desta responsabilidade –, responsabilidade pelo futuro. Sabemos que é preciso proteger nosso planeta, mas devemos proteger – somando tudo – o funcionamento do serviço de trabalho econômico para todos e pensar que o amanhã é também o hoje. Se os jovens de hoje não encontram perspectivas na sua vida, também o nosso hoje é errado e “malvado”. Por isso, a Igreja, com a sua doutrina social, com a sua doutrina sobre a responsabilidade na relação com Deus, abre para a capacidade de renunciar ao proveito máximo e ver as coisas na dimensão humanista e religiosa, ou seja, ser um para o outro. Assim, novos caminhos podem se abrir. O grande número de voluntários que trabalham em diversos lugares do mundo, não para si, mas para o outro, e encontram exatamente assim o sentido da vida, demonstram que é possível fazer isto e que uma educação para estes grandes objetivos, como tenta fazer a Igreja, é fundamental para o nosso futuro.

Padre Lombardi: Santidade, os jovens do mundo de hoje vivem geralmente em ambientes multiculturais e multiconfessionais. A tolerância recíproca é mais necessária do que nunca. O senhor insiste sempre muito sobre o tema da verdade. O senhor não pensa que esta insistência sobre a verdade e sobre a única Verdade que é Cristo possa ser um problema para os jovens de hoje? Não acredita que esta insistência os dirija para a contraposição e para a dificuldade de dialogar e buscar junto com os outros?

Santo Padre: A vinculação entre verdade e intolerância, monoteísmo e incapacidade de diálogo com os outros, é um argumento que frequentemente retorna no debate sobre o cristianismo de hoje. E, naturalmente, é verdade que na história houve abusos, seja do conceito da verdade, seja do conceito do monoteísmo; mas foram abusos. A realidade é totalmente diferente. O argumento está errado, porque a verdade é acessível somente na medida em que há liberdade. Podem ser impostos, com violência, comportamentos, observâncias, atividades, mas não a verdade! A verdade se abre apenas para a liberdade, para o livre consentimento, e por isso liberdade e verdade são intimamente unidas, uma é condição para a outra. E, além do mais, buscar a verdade, os verdadeiros valores que dão vida e futuro, não tem alternativa: não queremos a mentira, não queremos o positivismo de normas impostas com uma certa força; somente os valores verdadeiro levam ao futuro, por isso, dizemos que é necessário buscar os valores verdadeiros e não permitir o arbítrio de alguns, não deixar que se fixe uma razão positivista que nos diz, acerca dos problemas éticos, dos grandes problemas do homem, que não existe uma verdade racional. Isto sim seria expor verdadeiramente o homem ao arbítrio daqueles que têm o poder. Devemos estar sempre em busca da verdade, dos verdadeiros valores; temos um núcleo nos valores, nos direitos humanos fundamentais; outros elementos fundamentais semelhantes são reconhecidos e, exatamente eles, nos permitem um diálogo uns com os outros. A verdade como tal é dialógica porque tenta conhecer melhor, entender melhor e o faz em diálogo com os outros. Assim, buscar a verdade e a dignidade do homem é a maior defesa da liberdade.

Padre Lombardi: Uma última pergunta, Santidade. As Jornadas Mundiais da Juventude são um tempo muito bonito e suscitam muitos entusiasmos, mas os jovens, depois, voltam para suas casas e encontram de novo um mundo no qual a prática religiosa está diminuindo cada vez mais fortemente. Muitos deles, provavelmente, não serão mais vistos na igreja. Como é possível dar continuidade aos frutos das Jornadas Mundiais da Juventude? O senhor acredita que, efetivamente, elas deem frutos de longa duração, para além dos momentos de grande entusiasmo?

Santo Padre: Deus sempre semeia silenciosamente, nunca aparece imediatamente nas estatísticas. E com a semente que o Senhor coloca na terra com as JMJ, acontece como a semente de que Ele fala no Evangelho: algumas caem no caminho e se perdem; outras caem sobre a pedra e se perdem; outras caem entre os espinhos e se perdem; mas algumas caem em terra boa e produzem muitos frutos. Exatamente assim é a semeadura da JMJ: muito se perde – e isto é humano. Com outras palavras do Senhor: o grão de mostarda é pequeno, mas cresce e se torna uma grande árvore. Com outras palavras ainda: certamente, muito se perde, e não podemos dizer que a partir de amanhã recomeça um grande crescimento da Igreja. Deus não age assim. Mas, cresce em silêncio e cresce muito. Sei das outras JMJ que muitas amizades nasceram, amizades para uma vida inteira; tantas novas experiências. E é sobre este crescimento silencioso que colocamos nossa confiança e estamos seguros, mesmo que as estatísticas não falem muito... a semente do Senhor realmente cresce e será, para muitas pessoas, o início de uma amizade com Deus e com outros, de uma universalidade do pensamento, de uma responsabilidade comum que realmente nos mostra que estes dias trazem frutos. Obrigado!

Padre Lombardi: Obrigado ao senhor, Santidade, por esta conversa que já nos orienta rumo aos temas essenciais destes dias belíssimos. Desejamos ao senhor, naturalmente, que estes dias sejam – não obstante o calor – cheios de alegria e de satisfação. Porém, antes de deixar o senhor retornar ao seu lugar, queria dizer que também para a nossa comunidade hoje é um dia de festa, porque há uma das nossas decanas, uma que fez todas as viagens de João Paulo II e todas as do senhor, exceto uma, porque não estava muito bem, e que hoje está fazendo aniversário. Os anos são naturalmente poucos, mesmo que as viagens tenham sido tantas. Trata-se de Paloma Gómez Borrero a quem felicitamos junto como senhor.

* Extraído do site do Vaticano, do dia 18 de agosto de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

Radicados em Cristo, damos asas à nossa liberdade



Viagem Apostólica a Madri
Por ocasião da XXVI Jornada Mundial da Juventude
18 a 21 de agosto de 2011

Festa de Acolhimento dos Jovens

Discurso do Papa Bento XVI

Praça de Cibeles, Madri
Quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Queridos jovens amigos!
Agradeço as carinhosas palavras que me dirigiram os jovens representantes dos cinco continentes. Com afeto, saúdo a todos vós que estais aqui congregados – jovens da Oceania, África, América, Ásia e Europa – e também a todos os que não puderam vir. Sempre vos tenho muito presente e rezo por vós. Deus concedeu-me a graça de vos poder ver e vos ouvir mais de perto, e de nos colocarmos juntos à escuta da Sua Palavra.
Na leitura que há pouco foi proclamada, ouvimos uma passagem do Evangelho onde se fala de acolher as palavras de Jesus e de pô-las em prática. Há palavras que servem apenas para entreter, e passam como o vento; outras instruem, sob alguns aspectos, a mente; as palavras de Jesus, ao invés, têm de chegar ao coração, radicar-se nele e modelar a vida inteira. Sem isso, ficam estéreis e tornam-se efêmeras; não nos aproximam dEle. E, deste modo, Cristo continua distante, como uma voz entre muitas outras que nos rodeiam e às quais estamos habituados. Além disso, o Mestre que fala não ensina algo que aprendeu de outros, mas o que Ele mesmo é, o único que conhece verdadeiramente o caminho do homem para Deus, pois foi Ele que o abriu para nós, que o criou para podermos alcançar a vida autêntica, a vida que sempre vale a pena viver em todas as circunstâncias e que nem mesmo a morte pode destruir. O Evangelho continua explicando estas coisas com a sugestiva imagem de quem constrói sobre a rocha firme, resistente às investidas das adversidades, contrariamente a quem edifica sobre a areia, talvez numa paisagem paradisíaca, poderíamos dizer hoje, mas que se desmorona à primeira rajada de ventos e fica em ruínas.
Queridos jovens, escutai verdadeiramente as palavras do Senhor, para que sejam em vós “espírito e vida” (Jo 6, 63), raízes que alimentam o vosso ser, linhas de conduta que nos assemelham à pessoa de Cristo, sendo pobres de espírito, famintos de justiça, misericordiosos, puros de coração, amantes da paz. Escutai-as frequentemente cada dia, como se faz com o único Amigo que não engana e com o qual queremos partilhar o caminho da vida. Bem sabeis que, quando não se caminha ao lado de Cristo, que nos guia, extraviamo-nos por outra sendas como a dos nossos próprios impulsos cegos e egoístas, a de propostas lisonjeiras mas interesseiras, enganadoras e volúveis, que atrás de si deixam o vazio e a frustração.
Aproveitai estes dias para conhecer melhor a Cristo e inteirar-vos de que, enraizados nEle, o vosso entusiasmo e alegria, os vossos anseios de crescer, de chegar ao mais alto, ou seja, a Deus, têm futuro sempre assegurado, porque a vida em plenitude já habita dentro do vosso ser. Fazei-a crescer com a graça divina, generosamente e sem mediocridade, propondo-vos seriamente a meta da santidade. E, perante as nossas fraquezas, que às vezes nos oprimem, contamos também com a misericórdia do Senhor, sempre disposto a dar-nos de novo a mão e que nos oferece o perdão no sacramento da Penitência.
Edificando-a sobre a rocha firme, a vossa vida será não só segura e estável, mas contribuirá também para projetar a luz de Cristo sobre os vossos coetâneos e sobre toda a humanidade, mostrando uma alternativa válida a tantos que viram a sua vida desmoronar-se, porque os alicerces da sua existência eram inconsistentes: a tantos que se contentam com seguir as correntes da moda, se refugiam no interesse imediato, esquecendo a justiça verdadeira, ou se refugiam em opiniões pessoais em vez de procurar a verdade sem adjetivos.
Sim, há muitos que, julgando-se deuses, pensam que não têm necessidade de outras raízes nem de outros alicerces para além de si mesmo. Desejariam decidir, por si sós, o que é verdade ou não, o que é bom ou mau, justo ou injusto; decidir quem é digno de viver ou pode ser sacrificado nas aras de outras preferências; em cada momento dar um passo à sorte, sem rumo fixo, deixando-se levar pelo impulso de cada instante. Estas tentações estão sempre à espreita. É importante não sucumbir a elas, porque na realidade conduzem a algo tão fútil como uma existência sem horizontes, uma liberdade sem Deus. Pelo contrário, sabemos bem que fomos criados livres, à imagem de Deus, precisamente para ser protagonistas da busca da verdade e do bem, responsáveis pelas nossas ações e não meros executores cegos, colaboradores criativos com a tarefa de cultivar e embelezar a obra da criação. Deus quer um interlocutor responsável, alguém que possa dialogar com Ele e amá-Lo. Por Cristo, podemos verdadeiramente consegui-lo e, radicados nEle, damos asas à nossa liberdade. Porventura não é este o grande motivo da nossa alegria? Não é este um terreno firme para construir a civilização do amor e da vida, capaz de humanizar todo homem?
Queridos amigos, sede prudentes e sábios, edificai as vossas vidas sobre o alicerce firme que é Cristo. Esta sabedoria e prudência guiará os vossos passos, nada vos fará tremer e, em vosso coração, reinará a paz. Então sereis bem-aventurados, ditosos, e a vossa alegria contagiará os outros. Perguntar-se-ão qual seja o segredo da vossa vida e descobrirão que a rocha que sustenta todo o edifício e sobre a qual assenta toda a vossa existência é a própria pessoa de Cristo, vosso amigo, irmão e Senhor, o Filho de Deus feito homem, que dá consistência a todo o universo. Ele morreu por nós e ressuscitou para que tivéssemos vida, e agora, junto do trono do Pai, continua vivo e próximo a todos os homens, velando continuamente com amor por cada um de nós.
Confio os frutos desta Jornada Mundial da Juventude à Santíssima Virgem, que soube dizer “sim” à vontade de Deus e nos ensina, como ninguém, a fidelidade ao seu divino Filho, que acompanhou até à sua morte na cruz. Meditaremos tudo isto mais pausadamente ao longo das diversas estações da Via-Sacra. Peçamos para que o nosso “sim” de hoje a Cristo seja também, como o dEla, um “sim” incondicional à Sua amizade, no fim desta Jornada Mundial e durante toda a nossa vida. Muito obrigado!

* Extraído do site do Vaticano, do dia 18 de agosto de 2011. Revisado e adaptado por Paulo R. A. Pacheco.