Viagem Apostólica a Madri
Por ocasião da XXVI Jornada Mundial da Juventude
18 a 21 de agosto de 2011
Encontro com Jovens Professores Universitários
Discurso do Papa Bento XVI
Basílica do Mosteiro de São Lourenço do Escorial
Sexta-feira, 19 de agosto de 2011
Senhor Cardeal Arcebispo de Madri,
Queridos Irmãos no Episcopado,
Queridos Padres Agostinianos,
Queridos Professores e Professoras,
Distintas Autoridades,
Meus amigos!
Com regozijo esperava este encontro convosco, jovens professores das universidades espanholas, que prestais uma colaboração esplêndida para a difusão da verdade em circunstâncias nem sempre fáceis. Saúdo-vos cordialmente e agradeço as amáveis palavras de boas-vindas e também a música executada que ressoou maravilhosamente neste mosteiro de grande beleza artística, testemunho eloquente, durante séculos, de uma vida de oração e estudo. Neste lugar emblemático, razão e fé fundiram-se harmoniosamente na pedra austera para modelar um dos monumentos mais renomados de Espanha.
Saúdo também com particular afeto a todos os que participaram, nestes dias, do Congresso Mundial das Universidades Católicas, em Ávila, sob o lema: “Identidade e missão da Universidade Católica”.
Encontrar-me aqui no vosso meio faz-me recordar os meus primeiros passos como professor na Universidade de Bonn. Quando ainda se sentiam as feridas da guerra e eram muitas as carências materiais, a tudo supria o encanto de uma atividade apaixonante, o trato com colegas das diversas disciplinas e o desejo de dar resposta às inquietações últimas e fundamentais dos alunos. Esta universitas, que então vivi, de professores e estudantes que procuram, juntos, a verdade em todos os saberes ou – como diria Afonso X, o Sábio – esse “ajuntamento de mestres e escolares com vontade e capacidade para aprender os saberes” (Sete Partidas, partida II, título XXXI), clarifica o sentido e mesmo a definição da Universidade.
No lema da presente Jornada Mundial da Juventude – “Enraizados e edificados em Cristo, firmes na fé” (cf. Col 2, 7) –, podeis também encontrar luz para compreender melhor o vosso ser e ocupação. Neste sentido, como escrevi aos jovens na Mensagem preparatória para estes dias, os termos “enraizados, edificados e firmes” falam de alicerces seguros para a vida (cf. n. 2).
Mas onde os jovens poderão encontrar estes pontos de referência numa sociedade vacilante e instável? Às vezes pensa-se que a missão de um professor universitário seja hoje, exclusivamente, a de formar profissionais competentes e eficientes que satisfaçam as exigências laborais de cada período concreto. Diz-se também que a única coisa que se deve privilegiar, na presente conjuntura, é a capacitação meramente técnica. Sem dúvida, prospera na atualidade esta visão utilitarista da educação mesmo universitária, difundida especialmente a partir de âmbitos extra-universitários. Contudo vós que vivestes como eu a Universidade e que a viveis agora como docentes, sentis certamente o anseio de algo mais elevado que corresponda a todas as dimensões que constituem o homem. Como se sabe, quando a mera utilidade e o pragmatismo imediato se erigem como critério principal, os danos podem ser dramáticos: desde os abusos de uma ciência que não reconhece limites para além de si mesma, até ao totalitarismo político que se reanima facilmente quando é eliminada toda a referência superior ao mero cálculo de poder. Ao invés, a genuína ideia de universidade é que nos preserva precisamente desta visão reducionista e distorcida do humano.
Com efeito, a universidade foi, e deve continuar sendo, a casa onde se busca a verdade própria da pessoa humana. Por isso, não é uma casualidade que tenha sido precisamente a Igreja quem promoveu a instituição universitária; é que a fé cristã nos fala de Cristo como o Logos por Quem tudo foi feito (cf. Jo 1, 3) e do ser humano criado à imagem e semelhança de Deus. Esta boa nova divisa uma racionalidade em toda a criação e contempla o homem como uma criatura que compartilha e pode chegar a reconhecer esta racionalidade. Deste modo, a universidade encarna um ideal que não deve ser desvirtuado por ideologias fechadas ao diálogo racional, nem por servilismos a uma lógica utilitarista de simples mercado, que olha para o homem como mero consumidor.
Aqui está a vossa importante e vital missão. Sois vós que tendes a honra e a responsabilidade de transmitir este ideal universitário: um ideal que recebestes dos vossos mais velhos, muitos deles humildes seguidores do Evangelho e que, como tais, se converteram em gigantes do espírito. Devemos nos sentir seus continuadores, numa história muito diferente da deles mas cujas questões essenciais do ser humano continuam a exigir a nossa atenção convidando-nos a ir mais longe. Sentimo-nos unidos a eles, nesta cadeia de homens e mulheres que se devotaram a propor e a valorizar a fé perante a inteligência dos homens. E, para fazê-lo, não basta ensiná-lo, é preciso vivê-lo, encarná-lo, à semelhança do Logos que também se encarnou para estabelecer a sua morada entre nós. Neste sentido, os jovens precisam de mestres autênticos: pessoas abertas à verdade total nos diversos ramos do saber, capazes de escutar e viver dentro de si mesmos este diálogo interdisciplinar; pessoas convencidas sobretudo da capacidade humana de avançar a caminho da verdade. A juventude é tempo privilegiado para a busca e o encontro com a verdade. Como já disse Platão: “Busca a verdade enquanto és jovem, porque, se o não fizeres, depois escapar-te-á das mãos” (Parmênides, 135d). Esta sublime aspiração é o que de mais valioso podeis transmitir, pessoal e vitalmente, aos vossos estudantes, e não simplesmente algumas técnicas instrumentais e anônimas nem alguns dados frios e utilizáveis apenas funcionalmente.
Por isso, encarecidamente vos exorto a não perderdes jamais tal sensibilidade e encanto pela verdade, a não esquecerdes que o ensino não é uma simples transmissão de conteúdos, mas uma formação de jovens a quem deveis compreender e amar, em quem deveis suscitar aquela sede de verdade que possuem no mais fundo de si mesmos e aquele anseio de superação. Sede para eles estímulo e fortaleza.
Para isso, é preciso ter em conta, em primeiro lugar, que o caminho para a verdade completa compromete o ser humano na sua integralidade: é um caminho da inteligência e do amor, da razão e da fé. Não podemos avançar no conhecimento de algo, se não nos mover o amor; nem tampouco amar uma coisa em que não vemos racionalidade; porque “não aparece a inteligência e depois o amor: há o amor rico de inteligência e a inteligência cheia de amor” (Caritas in veritate, 30). Se estão unidos a verdade e o bem, o estão igualmente o conhecimento e o amor. Desta unidade deriva a coerência de vida e pensamento, a exemplaridade que se exige de todo o bom educador.
Em segundo lugar, temos que considerar que a verdade em si mesma está para além do nosso alcance. Podemos procurá-la e aproximar-nos dela, mas não possui-la totalmente; antes, é ela que nos possui e estimula. Na atividade intelectual e docente, a humildade é também uma virtude indispensável, pois protege da vaidade que fecha o acesso à verdade. Não devemos atrair os estudantes para nós mesmos, mas encaminhá-los para essa verdade que todos procuramos. Nisto vos ajudará o Senhor, que vos propõe ser simples e eficazes como o sal, ou como a lâmpada que dá luz sem fazer ruído (cf. Mt 5, 13).
Tudo isto nos convida a voltar incessantemente o olhar para Cristo, em cujo rosto resplandece a Verdade que nos ilumina; mas que é também o Caminho que leva à plenitude sem fim, fazendo-Se caminhante conosco e sustentando-nos com o seu amor. Radicados nEle, sereis bons guias dos nossos jovens. Com esta esperança, coloco-vos sob o amparo da Virgem Maria, Sede da Sabedoria, para que Ela vos faça colaboradores do seu Filho com uma vida repleta de sentido para vós mesmos, e fecunda de frutos, tanto de conhecimento como de fé, para vossos alunos. Muito obrigado.
* Extraído do site do Vaticano, do dia 19 de agosto de 2011. Revisado e adaptado por Paulo R. A. Pacheco.
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