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terça-feira, 13 de setembro de 2011

Testemunhai às novas gerações a beleza exigente da vida cristã


Visita Pastoral a Ancona

Encontro com as famílias e com os sacerdotes

Discurso do Santo Padre Bento XVI

Catedral de São Ciríaco, Ancona
Domingo, 11 de setembro de 2011

Caros sacerdotes e caros esposos,
A colina sobre a qual foi construída esta Catedral nos permitiu ter um belíssimo olhar sobre a cidade e sobre o mar; mas ao atravessar o majestoso portal o espírito permanece fascinado com a harmonia do estilo românico, enriquecido por um entrelaçamento de influxos bizantinos e de elementos góticos. Também diante da vossa presença – sacerdotes e esposos provenientes das diversas dioceses italianas – se percebe a beleza da harmonia e da complementaridade das vossas diferentes vocações. O mútuo conhecimento e a estima mútua, no compartilhamento da mesma fé, levam a apreciar o carisma uns dos outros e a se reconhecerem parte do único “edifício espiritual” (1Pd 2, 5) que, tendo como pedra angular o mesmo Cristo Jesus, cresce bem ordenado para ser templo santo no Senhor (cf. Ef 2, 20-21). Obrigado, portanto, por este encontro: ao caro Arcebispo, Dom Edoardo Menichelli – também pelas expressões com as quais o introduziu – e a cada um de vós.
Gostaria de me dedicar a falar brevemente sobre a necessidade de trazer de volta a Ordem e o Matrimônio para a única fonte eucarística. Ambos os estados de vida têm, de fato, no amor de Cristo, que dá a si mesmo para a salvação da humanidade, a mesma raiz; são chamados a uma missão comum: a de testemunhar e tornar presente este amor a serviço da comunidade, para a edificação do Povo de Deus (cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 1534). Esta perspectiva permite, antes de qualquer coisa, que se supere uma visão redutiva da família, que a considera como mera destinatária da ação pastoral. É verdade que, neste tempo difícil, ela precisa de particulares atenções. Não por isto, no entanto, deve ser diminuída a sua identidade ou mortificada sua responsabilidade específica. A família é riqueza para os esposos, bem insubstituível para os filhos, fundamento indispensável da sociedade, comunidade vital para o caminho da Igreja. 
Em nível eclesial, valorizar a família significa reconhecer sua relevância na ação pastoral. O ministério que nasce do Sacramento do Matrimônio é importante para a vida da Igreja: a família é lugar privilegiado de educação humana e cristã e continua sendo, por causa desta finalidade, a melhor aliada do ministério sacerdotal; ela é um dom precioso para a edificação da comunidade. A proximidade do sacerdócio à família, por sua vez, a ajuda a tomar consciência da própria realidade profunda e da própria missão, favorecendo o desenvolvimento de uma forte sensibilidade eclesial. Nenhuma vocação é uma questão privada, muito menos a vocação ao matrimônio, porque o seu horizonte é a Igreja inteira. Trata-se, portanto, de saber integrar e harmonizar, na ação pastoral, o ministério sacerdotal com “o autêntico Evangelho do matrimônio e da família” (Esort. ap. Familiaris consortio, 8) para uma comunhão efetiva e fraterna. E a Eucaristia é o centro e a fonte desta unidade que anima toda a ação da Igreja. 
Caros sacerdotes, pelo dom que recebestes na Ordenação, fostes chamados a servir como Pastores à comunidade eclesial, que é “família de famílias”, e portanto a amar cada um com coração paterno, com autêntica distância de vós mesmos, com dedicação plena, contínua e fiel: sois sinal vivo que remete a Cristo Jesus, o único Bom Pastor. Conformai-vos a Ele, ao seu estilo de vida, com aquele serviço total e exclusivo de que o celibato é expressão. Também o sacerdote tem uma dimensão esponsal; é identificar-se com o coração de Cristo Esposo, que dá a vida pela Igreja sua esposa (cf. Esort. ap. postsin. Sacramentum caritatis, 24). Cultivai uma profunda familiaridade com a Palavra de Deus, luz no vosso caminho. A celebração cotidiana e fiel da Eucaristia seja o lugar onde possais atingir a força para dar-vos a vós mesmos, cada dia, no ministério e viver constantemente na presença de Deus: é Ele a vossa morada e a vossa herança. Disto deveis ser testemunhas para a família e para cada pessoa que o Senhor coloca no vosso caminho, mesmo nas circunstâncias mais difíceis (cf. ibid., 80). Encorajai os cônjuges, compartilhai com eles as responsabilidades educativas, ajudai-os a renovar continuamente a graça do seu matrimônio. Tornai a família protagonista na ação pastoral. Sede acolhedores e misericordiosos, também com aqueles que têm mais dificuldade para cumprir os compromissos assumidos com o vínculo matrimonial e mesmo com aqueles que falharam convosco.
Caros esposos, o vosso Matrimônio se enraíza na fé segundo a qual “Deus é amor” (1Jo 4, 8) e segundo a qual seguir a Cristo significa “permanecer no amor” (cf. Jo 15, 9-10). A vossa união – como ensina São Paulo – é sinal sacramental do amor de Cristo pela Igreja (cf. Ef 5, 32), amor que culmina na Cruz e que é “significado e atuado na Eucaristia” (Esort. ap. Sacramentum caritatis, 29). O Mistério eucarístico incida sempre mais profundamente na vossa vida cotidiana: tirai inspiração e força deste Sacramento para o vosso relacionamento conjugal e para a missão educativa a que sois chamados; construí as vossas famílias na unidade, dom que vem do alto e que alimenta o vosso compromisso na Igreja e na promoção de um mundo justo e fraterno. Amai os vossos sacerdotes, exprimi o vosso apreço pelo generoso serviço que desempenham. Saibais suportar também seus limites, sem nunca renunciar a pedir que sejam entre vós ministros exemplares que vos falem de Deus e que vos conduzam a Deus. A vossa fraternidade é, para eles, uma preciosa ajuda espiritual e um sustento nas provações da vida.
Caros sacerdotes e caros esposos, saibais encontrar sempre na santa Missa a força para viver a pertença a Cristo e à sua Igreja, no perdão, no dom de si mesmos e na gratidão. O vosso agir cotidiano tenha na comunhão sacramental a sua origem e o seu centro, para que tudo seja feito para a glória de Deus. Deste modo, o sacrifício de amor de Cristo vos transformará, até ao ponto de vos tornar nEle “um só corpo e um só espírito” (cf. Ef 4, 4-6). A educação à fé das novas gerações também passa através da vossa coerência. Testemunhai a eles a beleza exigente da vida cristã, com a confiança e a paciência de quem conhece o poder da semente jogada no terreno. Como no episódio evangélico que acabamos de escutar (Mc 5, 21-24.35-43), sejais, para todos os que foram confiados à vossa responsabilidade, sinal da benevolência e da ternura de Jesus: nEle se torna visível como o Deus que ama a vida não é estranho ou distante dos acontecimentos humanos, mas é o Amigo que nunca abandona. E nos momentos em que se insinuar a tentação que faz pensar que todo compromisso educativo é vão, tirai da Eucaristia a luz para reforçar a fé, seguros de que a graça e a potência de Jesus Cristo podem alcançar o homem em todas a situações, mesmo nas mais difíceis.
Caros amigos, confio-vos todos à proteção de Maria, venerada nesta Catedral sob o título de “Rainha de todos os Santos”. A tradição liga a sua imagem ao ex voto de um marinheiro, em sinal de gratidão pela salvação do filho, que saiu ileso de uma tempestade no mar. O olhar materno da Mãe acompanhe também os vossos passos na santidade rumo a um porto de paz.
Obrigado.

* Extraído do site do Vaticano, do dia 11 de setembro de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

Fazei tudo o que ele vos disser



Encontro com os jovens casais

Discurso do Santo Padre Bento XVI

Praça do Plebiscito, Ancona
Domingo, 11 de setembro de 2011

Caros casais,
Fico feliz por concluir esta jornada intensa, ponto alto do Congresso Eucarístico Nacional, encontrando-vos, quase querendo confiar a herança deste evento de graça às vossas jovens vidas. De resto, a Eucaristia, dom de Cristo para a salvação do mundo, indica e contém o horizonte mais verdadeiro da experiência que estais vivendo: o amor de Cristo como plenitude do amor humano. Agradeço ao Arcebispo de Ancona-Osimo, Dom Edoardo Menichelli, por sua saudação cordial e profunda, e a todos vós por esta participação tão viva; obrigado também pelas perguntas que me dirigistes e que eu recebo confiando na presença em nosso meio do Senhor Jesus: Ele apenas tem palavras de vida eterna, palavras de vida para vós e para o vosso futuro!
As perguntas que fizestes, no atual contexto social, assumem um peso ainda maior. Gostaria de oferecer-vos apenas algumas orientações para uma resposta. Devido a certos aspectos, nosso tempo não é fácil, sobretudo para vós jovens. A mesa está cheia de muitas coisas deliciosas, mas, como no episódio evangélico das Bodas de Caná, parece que faltou o vinho da festa. Sobretudo a dificuldade para encontrar um trabalho estável estende um véu de incerteza sobre o futuro. Esta condição contribui para adiar a tomada de decisões definitivas, e incide de forma negativa sobre o crescimento da sociedade, que não consegue valorizar plenamente a riqueza de energias, de competências e de criatividade da vossa geração.
Falta o vinho da festa mesmo numa cultura que tende a prescindir de claros critérios morais: na desordem, cada um é impulsionado a se mover de maneira individual e autônoma, frequentemente apenas no perímetro do presente. A fragmentação do tecido comunitário se reflete num relativismo que ataca os valores essenciais; a consonância de sensações, de estados de ânimo e de emoções parece mais importante do que o compartilhamento de um projeto de vida. Mesmo as escolhas de fundo se tornam frágeis, expostas a uma perene revogação, que frequentemente é entendida como expressão de liberdade, enquanto que, na verdade,assinala justamente a carência de liberdade. Pertence a uma cultura privada do vinho da festa também a aparente exaltação do corpo, que, na realidade, banaliza a sexualidade e tende a fazer com que ela seja vivida fora de um contexto de comunhão de vida e de amor.
Caros jovens, não tenhais medo de enfrentar estes desafios! Nunca percais a esperança. Tende coragem, mesmo nas dificuldades, permanecendo firmes na fé. Estai certos de que, em toda circunstância, sois amados e guardados pelo amor de Deus, que é a nossa força. Deus é bom. Por isto é importante que o encontro com Deus, sobretudo na oração pessoal e comunitária, seja constante, fiel, exatamente como é o caminho do vosso amor: amar a Deus e sentir que Ele me ama. Nada nos pode separar do amor de Deus! Estai certos, pois, de que também a Igreja está próxima de vós, vos sustenta, não cessa de olhar para vós com grande confiança. Ela sabe que tendes sede de valores, os verdadeiros, sobre os quais valha a pena construir a vossa casa! O valor da fé, da pessoa, da família, das relações humanas, da justiça. Não vos desencorajeis diante das carências que parecem apagar a alegria do banquete da vida. Nas Bodas de Caná, quando o vinho faltou, Maria convidou os servos a se dirigirem a Jesus e lhes deu uma indicação precisa: “Fazei tudo o que ele vos disser” (Jo 2, 5). Guardai como um tesouro estas palavras, as últimas de Maria relatadas pelos Evangelhos, quase como um testamento espiritual, e sempre tereis a alegria da festa: Jesus é o vinho da festa!
Como noivos, vós estais vivendo um tempo único, que abre para a maravilha do encontro e ajuda a descobrir a beleza de existir e de ser preciosos para alguém, de poder dizer reciprocamente: tu és importante para mim. Vivei com intensidade, de modo progressivo e com verdade este caminho. Não renunciai à tarefa de perseguir um ideal alto de amor, reflexo e testemunho do amor de Deus! Mas, como viver esta fase da vossa vida, testemunhar o amor na comunidade? Gostaria de vos dizer, antes de tudo, que evitai fechar-vos em relacionamentos intimistas, falsamente seguros; fazei, pelo contrário, que a vossa relação se torne fermento de uma presença ativa e responsável na comunidade. Não esquecei, pois, que, para ser autêntico, também o amor solicita um caminho de amadurecimento: a partir da atração inicial e do “sentir-se bem” com o outro, educai-vos a “querer bem” ao outro, a “querer o bem” do outro. O amor vive de gratuidade, de sacrifício de si, de perdão e de respeito pelo outro.
Caros amigos, todo amor humano é sinal do Amor eterno que nos criou, cuja graça santifica a escolha de um homem e de uma mulher de se entregarem reciprocamente na vida do matrimônio. Vivei este tempo do noivado na espera confiante de um dom como este, que será recebido na medida em que percorreis um caminho de conhecimento, de respeito, de atenção que não deveis nunca perder de vista: é somente assim que a linguagem do amor permanecerá significativa mesmo com o correr dos anos. Educai-vos, pois, desde agora, à liberdade da fidelidade, que vos leva a ser guardiões uns dos outros, até ao ponto de viverem um para o outro. Preparai-vos para escolher com convicção o “para sempre” que está por trás do amor: a indissolubilidade, antes de ser uma condição, é um dom desejado, solicitado e vivido, para além de toda mutável situação humana. E não pensai, segundo uma mentalidade difusa, que a convivência seja garantia para o futuro. Queimar as etapas acaba por fazer “queimar” o amor, que, pelo contrário, precisa do respeito pelo tempo e pela progressão nas expressões; precisa que dê espaço a Cristo, que é capaz de tornar um amor humano fiel, feliz e indissolúvel. A fidelidade e a continuidade do vosso querer bem vos tornará capazes também de serdes abertos para a vida, de serdes genitores: a estabilidade da vossa união no Sacramento do Matrimônio permitirá aos filhos que Deus quererá vos dar que cresçam confiantes na bondade da vida. Fidelidade, indissolubilidade e transmissão da vida são os pilares de toda família, verdadeiro bem comum, patrimônio precioso para toda a sociedade. Desde já, fundai sobre esses valores o vosso caminho rumo ao matrimônio e testemunhai-o também aos vossos coetâneos: é um serviço precioso! Sede gratos a todos os que, com empenho, competência e disponibilidade, vos acompanham na formação: são sinal da atenção e do cuidado que a comunidade cristão tem por vós. Não permanecei sós: buscai e acolhei a companhia da Igreja.
Gostaria de retornar ainda sobre um ponto essencial: a experiência do amor tem em si a tensão para Deus. O verdadeiro amor promete o infinito! Fazei, portanto, deste vosso tempo de preparação para o matrimônio um itinerário de fé: redescobri, para a vossa vida de casal, a centralidade de Jesus Cristo e do caminhar na Igreja. Maria nos ensina que o bem de cada um depende da escuta dócil da palavra do Filho. Em que se confia a Ele, a água da vida cotidiana se transforma em vinho de um amor que torna boa, bela e fecunda a vida. Caná, de fato, é anúncio e antecipação do dom do vinho novo da Eucaristia, sacrifício e banquete no qual o Senhor nos alcança, nos renova e transforma. Não perdei a importância vital deste encontro: a assembleia litúrgica dominical vos encontre plenamente participantes: da Eucaristia brota o senso cristão da existência e um novo modo de viver (cf. Esort. ap. postsin. Sacramentum caritatis, 72-73). E, então, não tereis medo de assumir a difícil responsabilidade da escolha conjugal, não temereis entrar neste “grande mistério” no qual duas pessoas se tornam uma só carne (cf. Ef 5, 31-32).
Caríssimos jovens, confio-vos à proteção de São José e de Maria Santíssima; seguindo o convite da Virgem Mãe – “Fazei tudo o que ele vos disser” – não vos faltará o gosto da verdadeira festa e sabereis levar a todos o “vinho” melhor, aquele que Cristo dá para a Igreja e para o mundo. Gostaria de dizer-vos que também eu estou próximo de vós e de todos aqueles que, como vós, vivem este maravilhoso caminho de amor. Abençoo-vos com todo o coração!

* Extraído do site do Vaticano, do dia 11 de setembro de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.

sábado, 25 de junho de 2011

Da Eucaristia deriva o sentido profundo da presença social da Igreja

Santa Missa na Solenidade do Corpus Christi

Homilia do Santo Padre Bento XVI

Basílica de São João de Latrão
Quinta-feira, 23 de junho de 2011

Caros irmãos e irmãs,
A festa do Corpus Christi é inseparável da Quinta-feira Santa, da Missa de Lava-pés, na qual se celebra solenemente a instituição da Eucaristia. Enquanto que na noite de Quinta-feira Santa se revive o mistério de Cristo que se oferece a nós no pão partido e no vinho derramado, hoje, na festa do Corpus Christi, este mesmo mistérios é proposta para a adoração e para a meditação do Povo de Deus, e o Santíssimo Sacramento é levado em procissão pelas ruas das cidades e dos vilarejos, para manifestar que Cristo ressuscitado caminha em meio a nós e nos guia para o Reino dos céus. Aquilo que Jesus nos deu na intimidade do Cenáculo, hoje é manifestado abertamente, porque o amor de Cristo não é reservado a alguns, mas é destinado a todos. Na Missa do Lava-pés da última Quinta-feira Santa sublinhei que, na Eucaristia, acontece a transformação dos dons desta terra – o pão e o vinho – com a finalidade de transformar a nossa vida e inaugurar assim a transformação do mundo. Nesta noite, gostaria de retomar esta perspectiva.
Tudo parte, se poderia dizer, do coração de Cristo, que, na Última Ceia, na vigília da Sua paixão, agradeceu e louvou a Deus e, fazendo assim, com a potência do Seu amor, transformou o sentido da morte para a qual se encaminhava. O fato de o Sacramento do Altar ter assumido o nome “Eucaristia” – “ação de graças” – exprime exatamente isto: que a mudança da substância do pão e do vinho no Corpo e no Sangue de Cristo é fruto do dom que Cristo fez de si mesmo, dom de um Amor mais forte do que a morte, Amor divino que o fez ressuscitar dos mortos. Eis porque a Eucaristia é alimento de vida eterna, Pão da vida. Do coração de cristo, da sua “oração eucarística” até a vigília da paixão, brota aquele dinamismo que transforma a realidade nas suas dimensões cósmica, humana e histórica. Tudo procede de Deus, da onipotência do Seu Amor Uno e Trino, encarnado em Jesus. Neste Amor está imerso o coração de Cristo; por isso, Ele sabe agradecer e louvar a Deus mesmo diante da traição e da violência, e deste modo muda as coisas, as pessoas e o mundo.
Esta transformação é possível graças a uma comunhão mais forte do que a divisão, a comunhão de Deus mesmo. A palavra “comunhão”, que usamos também para designar a Eucaristia, resume em si a dimensão vertical e a horizontal do dom de Cristo. É bela e muito eloquente a expressão “receber a comunhão” referida no ato de comer o Pão eucarístico. Com efeito, quando realizamos este ato, entramos em comunhão com a vida mesma de Jesus, no dinamismo desta vida que se doa a nós e para nós. De Deus, através de Jesus, até a nós: uma única comunhão se transmite na Santa Eucaristia. Escutamos isto há pouco, na segunda Leitura, das palavras do apóstolo Paulo dirigidas aos cristãos de Corinto: “O cálice de bênção, que benzemos, não é a comunhão do sangue de Cristo? E o pão, que partimos, não é a comunhão do corpo de Cristo? Uma vez que há um único pão, nós, embora sendo muitos, formamos um só corpo, porque todos nós comungamos do mesmo pão” (1Cor 10, 16-17).
Santo Agostinho nos ajuda a compreender a dinâmica da comunhão eucarística quando faz referência a uma espécie de visão que teve, na qual Jesus lhe disse: “Eu sou o alimento dos fortes. Cresce e me terás. Tu não me transformarás em ti, como o alimento do corpo, mas serás tu que serás transformado em mim” (Conf. VII, 10, 18). Enquanto, portanto, o alimento corporal é assimilado pelo nosso organismo e contribui para o nosso sustento, no caso da Eucaristia trata-se de um Pão diferente: não somos nós a assimilá-lo, mas ele nos assimila a si, de forma que nos tornamos conformes a Jesus Cristo, membro do seu corpo, uma coisa só com Ele. Esta passagem é decisiva. De fato, exatamente porque é Cristo que, na comunhão eucarística, nos transforma em Si, a nossa individualidade, neste encontro, é aberta, liberada do seu egocentrismo e inserida na Pessoa de Jesus, que, por sua vez, é imersa na comunhão trinitária. Assim, a Eucaristia, na medida em que nos une a Cristo, nos abre também aos outros, nos torna membros uns dos outros: não somos mais divididos, mas uma única coisa nEle. A comunhão eucarística me une à pessoa que tenho ao meu lado, e com a qual talvez não tenho nem mesmo um bom relacionamento, mas também aos irmãos distantes, em todas as partes do mundo. Disto, da Eucaristia, deriva portanto o sentido profundo da presença social da Igreja, como testemunham os grandes Santos sociais, que foram sempre grandes almas eucarísticas. Quem reconhece Jesus na Hóstia Santa, O reconhece no irmão que sofre, que tem fome e sede, que é estrangeiro, que está nu, doente, preso; e fica atento a toda pessoa, se compromete, de modo concreto, com todos aqueles que estão em necessidade. Do dom de amor de Cristo provém portanto a nossa especial responsabilidade de cristãos na construção de uma sociedade solidária, justa, fraterna. Especialmente no nosso tempo, no qual a globalização nos torna cada vez mais dependentes uns dos outros, o Cristianismo pode e deve agir de modo que esta unidade não se construa sem Deus, ou seja, sem o verdadeiro Amor, o que daria espaço para confusão, para o individualismo, para o abuso de todos contra todos. O Evangelho mira, desde sempre, para a unidade da família humana, uma unidade não imposta de fora, nem por interesses ideológicos ou econômicos, mas a partir do sentido de responsabilidade de uns pelos outros, porque nos reconhecemos membros de um mesmo corpo, do corpo de Cristo, porque aprendemos e continuamos a aprender constantemente do Sacramento do Altar que a partilha, o amor é a vida da verdadeira justiça.
Voltemos, agora, ao ato de Jesus na Última Ceia. O que aconteceu naquele momento? Quando Ele disse: Este é o meu corpo que é dado por vós, este é o meu sangue derramado por vós e por todos, o que acontece? Jesus, neste gesto, antecipa o evento do Calvário. Ele aceita, por amor, toda a paixão, com o sofrimento e a violência que ela carrega, até à morte de cruz; aceitando-a deste modo a transforma num ato de doação. Esta é a transformação de que o mundo mais precisa, porque o redime por dentro, o abre às dimensões do Reino dos céus. Mas esta renovação do mundo Deus quer realizar sempre através do mesmo caminho seguido por Cristo, aquele caminho, antes, que é Ele mesmo. Não há nada de mágico no Cristianismo. Não há atalhos, mas tudo passa através da lógica humilde e paciente do grão de trigo que morre para dar vida, a lógica da fé que transporta montanhas com a força suave de Deus. Por isto, Deus quer continuar a renovar a humanidade, a história e o cosmo através desta cadeia de transformações, de que a Eucaristia é o sacramento. Mediante o pão e o vinho consagrados, nos quais está realmente presente o Seu Corpo e Sangue, Cristo nos transforma, assimilando-nos a Ele: nos envolve na Sua obra de redenção, tornando-nos capazes, pela graça do Espírito Santo, de viver segundo a mesma lógica de doação, como grãos de trigo unidos a Ele e nEle. Assim, semeia-se e amadurecem nos sulcos da história a unidade e a paz, que são o fim para o qual tendemos, segundo o desígnio de Deus.
Sem ilusões, sem utopias ideológicas, caminhamos pelas estradas do mundo, carregando dentro de nós o Corpo do Senhor, como a Virgem Maria no mistério da Visitação. Com a humildade de nos sabermos simples grãos de trigo, custodiemos a firme certeza de que o amor de Deus, encarnado em Cristo, é mais forte do que o mal, do que a violência e do que a morte. Saibamos que Deus prepara para todos os homens céus novos e terra nova, nos quais reinam a paz e a justiça – e na fé entrevemos o mundo novo, que é a nossa verdadeira pátria. Também nesta noite, enquanto o sol se põe nesta nossa amada cidade de Roma, coloquemo-nos em caminho: conosco está Jesus Eucaristia, o Ressuscitado, que disse “Eu estou convosco todos os dias, até ao fim do mundo” (Mt 28, 20). Obrigado, Senhor Jesus! Obrigado pela Tua fidelidade, que sustenta a nossa esperança. Fica conosco, porque a noite já está caindo. “Bom Pastor, verdadeiro Pão, ó Jesus, piedade de nós; nutre-nos, defende-nos, leva-nos aos bens eternos, na terra dos viventes!”. Amém.

* Extraído do site do Vaticano, do dia 23 de junho de 2011. Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.